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Processo nº 268/2011 Data: 26.05.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : “Crime de tráfico de estupefacientes”.
Leitura de declarações do arguido.
Busca.



SUMÁRIO

1. A leitura em audiência de julgamento das declarações pelo arguido prestadas na Polícia Judiciária pode ter lugar se pelo próprio arguido solicitada ou desde que pelo mesmo autorizada.

2. Uma mera alegação em sede de motivação do recurso no sentido de que o quarto onde foi efectuada a busca e apreendido estupefaciente não era do arguido, não torna aquela ilegal, especialmente, se provado estiver que o mesmo arguido possuía a chave do quarto e autorizou a dita busca.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo















Processo nº 268/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. respondeu A , (2° arguido) com os sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos de prisão; (cfr., fls. 279-v a 280-v e 353 a 356 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*
Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, a final, concluir nos termos seguinte:

“1.Na audiência de julgamento, o segundo arguido prestou a declaração, negando que as drogas no quarto n.° 903 pertenciam a si próprio e alegando que não ajudou a vender as drogas.
2. Na audiência de julgamento, o Ex.mo Delegado do Procurador inquiriu o segundo arguido que se concorde com a leitura na audiência do seu auto de interrogatório efectuado na PJ, o segundo arguido deu a sua resposta, no sentido de "concordo". Sendo assim, o tribunal colectivo leu a respectiva declaração supracitada na audiência.
3. Contudo, nos termos do art.° 338.° do Código de Processo Penal, a leitura da declaração anteriormente feita pelo arguido só é permitida face às duas circunstâncias.
4. Manifestamente, a situação do presente caso não se enquadra ao art.° al. a) e b) do Código de Processo Penal.
5. Na audiência de julgamento, o segundo arguido nunca solicitou qualquer pessoa a ler a sua declaração feita na PJ; a mesma declaração não foi feita perante o juiz ou o Ministério Público.
6. O segundo arguido já mostrou repetidamente na audiência de julgamento que as drogas encontradas no quarto n.° 903 não pertenciam a si próprio e o mesmo não ajudou a vender as drogas, e não entendeu que porque é que a sua declaração prestada na PJ é contrária a que o mesmo achou.
7. Sendo assim, na audiência a leitura da declaração anteriormente feita pelo segundo arguido violou o art.° 338.° do Código de Processo Penal.
8. Nos termos do art.° 336.° n.° 1 do Código de Processo Penal, esta declaração deve ser considerada como a prova que não tiver sido produzida ou examinada em audiência, não valeu em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal.
9. Contudo, se o segundo arguido guarde as drogas encontradas no quarto n.° 903 com o objectivo de se destinar a vender a outrem em Macau, os respectivos factos faltam manifestamente das provas para verificá-lo.
10. Quanto à busca no quarto n.° 903 efectuada pela PJ, como os primeiro e segundo arguidos não foram hóspedes do quarto n.° 903, a respectiva busca foi efectuada sob o consentimento dos primeiro e segundo arguidos e depois de assinar uma declaração, ainda violando o art.° 159.° n.° 4 al. c) do Código de Processo Penal.
11. Nos termos do art.° 113.° n.° 3 do Código de Processo Penal, as provas encontradas no quarto n.° 903 são consideradas nulas.
12. Perante falta provas testemunhais e materiais, existe grande dúvida que se o arguido venda as drogas encontradas no quarto n.° 903 ou tenha objectivo de vender.
13. De acordo com o princípio da Lei Penal na doutrina - o de in dúbio pro reu, não pode integrar as drogas encontradas no quarto n.° 903 na condenação contra o segundo arguido.
14. Na determinação da medida da pena, como a quantidade das drogas encontradas no quarto n.° 903 é bastante grande, o segundo arguido foi condenado na pena de 8 anos de prisão.
15. Se aplique a pena de prisão supracitada, o acórdão recorrido violou o art. o 40 n, ° 2 e art. o 65.° do Código Penal, o princípio da proporcionalidade da determinação da medida da pena.
16. Deve fazer respectivo ajustamento na determinação da medida da pena contra os factos criminosos do segundo arguido.
17. Pelos expostos, o acórdão recorrido violou o art.° 400.° n.° 2 al. a) e c) do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 286 a 298-v e 357 a 375).

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Respondendo, afirma o Exmo. Magistrado do Ministério Público que:

“1.O recorrente entende que na audiência de julgamento, ele concordou apenas com a leitura da declaração feita na PJ constante das fls. 185 e 186 dos autos, no entanto, não solicitou a leitura, pelo que, a leitura da declaração acima referida pelo tribunal a quo violou o art.° 338.° n.° 1 al. a) do Código de Processo Penal.
2. Na audiência de julgamento, o recorrente mostrou expressamente a ler a respectiva declaração e concordou que o MP sugeriu ao tribunal a leitura, ao mesmo tempo, o defensor do recorrente mostrou que não opôs-se à leitura. Portanto, o tribunal leu, nos termos do art.° 338.° n.° 1 al. a) do Código de Processo Penal, a declaração feita pelo recorrente na PJ constante nas fls. 185 a 186 dos autos, não violando este art.°. Mais, os fundamentos da respectiva leitura ficam a constar da acta nos termos do art.° 337.° n.° 8 do mesmo código.
3. O recorrente entende que ele não é hóspede do quarto n.° 903, mesmo que a respectiva busca seja permitida por escrito, violou o art.° 159.° n.° 4 al. b) do Código de Processo Penal, pelo que, as provas obtidas foram nulas nos termos do art.° 113.° n.° 3 do mesmo código.
4. De facto, o recorrente possuiu a chave do quarto n.° 903, mostrando que ele usa este quarto. Antes da busca, o recorrente não mostrou que este quarto não foi utilizado por ele, ao contrário, assinou a declaração de consentimento e acompanhou os agentes policiais a entrar no quarto para efectuar a busca.
5. Sendo assim, a busca no mesmo quarto não violou o art.° 159.° n.° 4 al. b) do Código de Processo Penal, nem existindo caso de nulidade alegado pelo recorrente.
6. O recorrente entende que ele não está relacionado com a grande quantidade das drogas encontradas no quarto n.° 903 e foi apenas encontrado a pequena quantidade das drogas encontradas no quarto n.° 905 que ele alojava, pelo que, o acórdão deve reduzir a pena conforme as circunstâncias.
7. Tal como foi referido anteriormente, não existe vício alegado pelo recorrente, pelo que, não existe a possibilidade da exclusão das drogas no quarto n. o 903 nem a da redução da pena conforme as circunstâncias”; (cfr., fls. 303 a 305-v e 377 a 383).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I.:

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador douto Parecer pugnando pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 385 a 386).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os factos seguintes:

“Por receber uma notícia de que certos indivíduos que eram chefiados por um homem de Hongkong B procederam às actividades de tráfico de droga em Macau, a Polícia Judiciária empreendeu diligência para esclarecer esta notícia.
Foi investigado que os indivíduos supracitados alojaram os quatros de uma pensão ilegal na cave do Centro Internacional de Macau na Nape, a fim de proceder às respectivas actividades.
19 de Janeiro de 2010, por volta das 01h30 de madrugada, os investigadores da PJ dirigiram-se à cave do Centro Internacional na Nape e interceptaram C (primeiro arguido) que saiu do quatro n.° 801 da pensão ilegal.
Os investigadores da PJ apreenderam a chave do quarto n.° 801, 2 telemóveis, 3 cartões telefónicos e dinheiro em numerário no valor de HKD$ 2.800,00 na posse do primeiro arguido (vide o auto de apreensão, fls. 11 dos autos).
Em seguida, os investigadores da PJ dirigiram-se ao quarto n.° 801 alojado pelo primeiro arguido para proceder à investigação, foi encontrado na gaveta da cómoda do quarto as substâncias de cor amarelo claro embrulhadas por uma nota de HKD$ 10,00 (vide o auto de apreensão, fls. 14 dos autos).
Depois do exame químico, verificou-se que as substâncias de cor amarelo claro acima referidas continham elementos de “cocaína”, objecto proibido pela Tabela I - B do Anexo da Lei n.° 17/2009, com peso líquido de 0,037 grama.
Durante o período das actividades efectuadas pelos investigadores da PJ, enquanto A (segundo arguido) saiu do quarto n.° 905 da pensão, foi interceptado imediatamente pelos investigadores da PJ.
Os investigadores da PJ entraram no quarto n.° 905 para fazer investigação, foi encontrado na cama do quarto uma caixa para chocolate de cor preta com expressão “72%” contendo 3 saquinhos de substância de cor amarelo claro e 1 chave do quarto n.° 903; 2 caixas para cigarros de cor pranteada com expressão “XX”, uma continha 10 saquinhos de substância de cor amarelo claro e outra continha 6. Além disso, foi encontrado em cima da mesinha de cabeceira as substâncias de cor amarelo claro embrulhadas por 2 notas no valor de MOP$ 10,00 e HKD$ 10,00, 3 chaves do quarto n.° 905, três telemóveis, 4 cartões telefónicos, dinheiro no valor de HKD$ 1.000,00 e MOP$ 500,00 em numerário (vide o auto de apreensão, fls. 22 a 24 dos autos).
Depois do exame químico, verificou-se que 3 saquinhos de substância de cor amarelo claro acima referidas continham elementos de “cocaína”, objecto proibido pela Tabela I-B do Anexo da Lei n.° 17/2009, com peso líquido de 1,142 gramas (feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “cocaína” é de 75,73%, com peso de 0,865 grama); 10 saquinhos de substância de cor amarelo claro supracitados continham elementos de “cocaína”, objecto proibido pela Tabela I-B do Anexo da mesma lei, com peso líquido de 2,380 gramas (feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “cocaína” na substância supracitada é de 90,41%, com peso de 2,152 gramas); 6 saquinhos de substância de cor amarelo claro continham elementos de “cocaína”, objecto proibido pela Tabela I-B do Anexo da mesma lei, com peso líquido de 1,341 gramas (feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “cocaína” na substância supracitada é de 95,13%, com peso de 1,276 gramas); as substâncias de cor amarelo claro embrulhadas por duas notas de dez patacas supracitadas continham elementos de “cocaína”, objecto proibido pela Tabela I-B do Anexo da mesma lei, com peso líquido de 0,065 grama; as substâncias de cor amarelo claro embrulhadas por a nota no valor de HKD$ 10,00 supracitada continham elementos de “cocaína”, objecto proibido pela Tabela I-B do Anexo da mesma lei.
Em seguida, os investigadores da PJ entraram no quarto n.° 903 da pensão para proceder à busca, foi encontrado no fundo da gaveta da base do armário do quarto 1 saquinho de cristais brancas, 1 saquinho de substância de cor amarelo claro, 15 saquinhos de substância de cor amarelo claro, 2 sacos plásticos manchados de pó, 5 colheres plásticos manchados de pó, 2 balanças electrónicas, 1 saco plástico contendo 184 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 80 saquinhos plásticos transparentes, um saco plástico contendo 70 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 49 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 9 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 17 saquinhos plásticos transparentes e 4 sacos plásticos transparentes (vide o auto de apreensão, fls. 30 dos autos).
Depois do exame químico, verificou-se que 1 saco de cristais brancas acima referido continha elementos de “ketamina”, objecto proibido pela Tabela II -C do Anexo da Lei n.°17/2009, com peso líquido de 53,038 gramas (feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “ketamina” na substância supracitada é de 89,05%, com peso de 47,230 gramas); 1 saco de substância de cor amarelo claro acima referido continha elementos de “cocaína”, objecto proibido pela Tabela I-B do Anexo da mesma, com peso líquido de 39,232 gramas (feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “cocaína” na substância supracitada é de 84,42%, com peso de 33,120 gramas); 15 sacos de substância de cor amarelo claro acima referidos continham elementos de “cocaína”, objecto proibido pela Tabela I-B do Anexo da mesma lei, com peso líquido de 10,399 gramas (feito exame laboratorial por quantidade determinada, a taxa de “cocaína” na substância supracitada é de 70,61 %, com peso de 7,343 gramas); 2 sacos plásticos manchados de pó e 5 colheres plásticos continham “cocaína”, objecto proibido pela Tabela 1- B do Anexo da mesma lei, e “ketamina”, objecto proibido pela Tabela II -C do Anexo da mesma lei.
As drogas encontradas no quarto n.° 903 são guardadas pelo segundo arguido para outra indeterminada pessoa, a fim de vender para outra pessoa em Macau.
As drogas encontradas no quarto n.° 905 são adquiridas pelo segundo arguido da outra indeterminada pessoa, a fim de vender para outra pessoa em Macau.
1 saco plástico contendo 184 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 80 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 70 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 49 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 9 saquinhos plásticos transparentes, 1 saco plástico contendo 17 saquinhos plásticos transparentes e 4 sacos plásticos transparentes supracitados eram utilizados como instrumentos de embalagem de droga quando o segundo arguido e outra indeterminada pessoa supracitada vendem as drogas. As 2 balanças electrónicas e 5 colheres plásticas manchadas de pó também eram utilizadas corno instrumentos de auxílio para embalagem e venda de droga.
O dinheiro encontrado na posse do primeiro arguido e no quarto n.° 905 que o segundo arguido alojava foi adquirido pelos dois arguidos através das actividades de tráfico de droga.
Os telemóveis e cartões telefónicos encontrados na posse do primeiro arguido e no quarto do segundo arguido são instrumentos de comunicação dos dois arguidos para as actividades de tráfico de droga.
Os dois arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente e praticaram dolosamente os actos supracitados.
Os dois arguidos sabiam bem as características e natureza das drogas supracitadas.
Os dois arguidos obtiveram, transportaram e detiveram as drogas supracitadas, a fim de vender para outra pessoa em troca de dinheiro.
Os dois arguidos sabiam bem que as suas condutas eras proibidas e punidas pela lei.
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Mais se provou:
De acordo com os CRC, os dois arguidos não têm registos criminais em Macau.
As condições pessoais e situação económica do primeiro arguido são desconhecidas.
O segundo arguido alegou que antes de ser preso preventivamente, trabalhava como bate-ficha em Macau, tendo o pai a seu cargo; tem como a sua habilitação literária o 4.° ano do ensino secundário.
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Factos não provados:
Outros factos importantes que foram constantes na acusação e não correspondentes aos factos provados supracitados ainda serão verificados, nomeadamente:
As drogas encontradas no quarto n.° 903 são adquiridas pelos dois arguidos da pessoa não identificada e foram vendidas para outras pessoas em Macau.
As drogas encontradas no quarto n.° 905 que o segundo arguido alojava são adquiridas pelo primeiro arguido e foram vendidas para outras pessoas em Macau.
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Juízo dos factos:
O primeiro arguido esteve ausente na audiência de julgamento.
O segundo arguido prestou a declaração na audiência de julgamento, negando que tivesse praticado o tráfico e alegando que as drogas encontradas no quarto n.° 905 que ele alojava pertenciam a si próprio para o seu consumo pessoal; negando que as drogas encontradas no quarto n.° 903 pertenciam a si próprio.
Por consentimento do segundo arguido, o tribunal colectivo leu na audiência a declaração prestada pelo segundo arguido na PJ.
Os investigadores da PJ prestaram declaração na audiência de julgamento, contando clara e objectamente o percurso que interceptaram os dois arguidos e encontraram as drogas e instrumentos de venda apreendidos nos autos.
No relatório do exame químico dos autos, verificou-se a natureza e taxa das drogas contidas nas substâncias apreendidas.
Analisando objectiva e sinteticamente as declarações prestadas pelo segundo arguido e testemunhas, combinando com as provas documentais, provas materiais apreendidas e outras provas revisadas na audiência de julgamento, o tribunal colectivo julgou os factos acima referidos”; (cfr., fls. 276-v a 278-v e 343 a 350).

Do direito

3. Vem o arguido A recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. que o condenou como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes” p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei 17/2009, na pena de 8 anos de prisão.

Colhe-se da sua motivação de recurso e das conclusões que aí produziu que três são os motivos do seu inconformismo com o decidido.

Entende pois, e em síntese, que o Colectivo a quo violou o art. 338° e 159°, n.° 4, al. c) do C.P.P.M., e que excessiva é a pena que lhe foi imposta.

Cremos porém que nenhuma razão lhe assiste, sendo por isso o recurso de rejeitar por manifesta improcedência; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Vejamos.

–– Diz o ora recorrente que em sede da audiência de julgamento ocorrida no T.J.B., e a requerimento do Exmo. Magistrado do Ministério Público, procedeu-se à leitura das declarações que prestou na Polícia Judiciária e que tal viola o art. 338° do C.P.M., dado que não obstando ter concordado com tal leitura, a mesma não foi por ele solicitada.

Decididamente, não se subscreve este entendimento.

Vejamos.

Nos termos do art. 337° do C.P.P.M.:

“1. Só é permitida a leitura em audiência de autos:

a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 300.º e 301.º; ou

b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, da parte civil ou de testemunhas.

2. A leitura de declarações do assistente, da parte civil e de testemunhas só é permitida, tendo sido prestadas perante o juiz, nos casos seguintes:

a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 253.º e 276.º;

b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura; ou

c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias legalmente permitidas.

3. É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz ou o Ministério Público:

a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias sensíveis que não possam ser esclarecidas de outro modo.

4. É ainda permitida a leitura de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura.

5. Verificando-se o pressuposto da alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou órgão de polícia criminal.

6. É proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.

7. Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.

8. A permissão de uma leitura e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade”.
E, prescreve o invocado art. 338° do mesmo C.P.P.M. que:

“1. A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida:

a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou

b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz ou o Ministério Público, houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo.

2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo anterior”.

Ora, como se deixou dito, as “declarações” em causa, (que foram lidas em audiência de julgamento), foram pelo arguido ora recorrente prestadas na Polícia Judiciária, (e não perante o Ministério Público ou Juiz), pelo que desde já se consigna que em causa não está o estatuído no art. 337°, sendo que sobre a questão incide o transcrito art. 338°.

E, atenta a situação dos autos, (e como já o deixamos adiantado), cremos que razão não tem o ora recorrente.

De facto, e ainda que seja verdade que o mesmo não “solicitou” a sua leitura, o certo é que concordou, (autorizou), aquela, e, assim, não vemos qualquer violação ao preceito em questão.

Com efeito, e como salienta P. Pinto de Albuquerque:

“A solicitação é compatível com a pergunta feita pelo juiz presidente se o arguido autoriza a leitura das anteriores declarações e a resposta afirmativa”; (in “Comentário do C.P.P., página 881”).

No fundo, o que se pretende é que a leitura de tais declarações não seja feita “contra a vontade do arguido”; (neste sentido, cfr., também, v.g., o Acórdão do S.T.J. de 12.03.1992, in B.M.J. n.° 415, página 464, onde, perante idêntica disposição legal e em sede do sumário se consignou expressamente que: “a expressão «a solicitação do arguido» consignada na alínea a) do n.° 1 do artigo 357° do Código de Processo Penal, significa, fundamentalmente, que a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido não pode realizar-se contra a sua vontade”, e que, “perguntado pelo juiz ao arguido se autorizava a leitura das suas anteriores declarações e respondendo este afirmativamente, mostra-se respeitado o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 357° do Código de Processo Penal”.

Assim, e tendo o ora recorrente concordado com a leitura de tais declarações, (e assim constando da acta de julgamento), evidente nos parece que inexiste a assacada violação ao art. 338° do C.P.P.M..

–– Quanto à alegada violação do art. 159°, n.° 4, al. c) do C.P.P.M..

Prescreve o citado art. 159° que:

“1. Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.

2. Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3. As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.

4. Ressalvam-se das exigências contidas no número anterior as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:

a) Em que houver razão para crer que a demora poderia representar grave perigo para bens jurídicos de valor relevante;

b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou

c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.

5. Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação”.

Diz o arguido que a busca feita ao “quarto n.° 903” foi ilegal, pois que “não era hóspede em tal quarto”.

Ora, também aqui se nos mostra de afirmar que nenhuma razão tem o arguido ora recorrente.

Com efeito, não se pode esquecer que tal busca já foi validada e declarada legal por despacho do Mmo J.I.C., do qual o arguido teve conhecimento e que por falta de impugnação, transitou em julgado, (constituindo ,nos autos, “caso julgado formal”).
Mas, mesmo que assim não fosse de entender, o que, não cremos, não se pode esquecer que a chave do dito “quarto n.° 903” estava no quarto 905 (também) utilizado pelo ora recorrente, e que o mesmo autorizou expressamente a busca em questão por declaração prestada por escrito.

Por fim, e independentemente do demais, há que dizer que não se pode dar relevância a uma mera afirmação feita em sede de recurso no sentido de que o dito “quarto n.° 903” não era o quarto do arguido, pois que, e em bom rigor, para se poder ter tal afirmação como “verdadeira”, necessário seria que se tivesse dado a mesma como provada, o que, como se viu, não sucedeu.

–– Quanto à pena.

Pois bem, o crime em questão é punido com pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.°1 da Lei n.° 17/2009).

No caso, foi o arguido ora recorrente condenado na pena de 8 anos de prisão, considerando-a excessiva.
Cremos que também aqui não merece o Acórdão recorrido censura.

Com efeito, limita-se o ora recorrente a afirmar que “o acórdão recorrido violou o art. 40°, n.° 2 e art. 65° do Código Penal, o princípio da proporcionalidade da determinação da medida da pena”, (cfr., concl. 15ª), sem justificar, como lhe competia, o porque deste seu entendimento.

E, como bem salienta o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, (considerações que aqui se dão como reproduzidas), atenta a factualidade dada como provada, à conduta processual da ora recorrente e à moldura penal para o crime em questão, cremos que adequada se mostra a pena em questão.

De facto, em benefício do recorrente, nada se apurou, e, em termos agravativos, por seu turno, há que destacar a grande intensidade de dolo que presidiu à sua actuação, sendo como é sabido, muito elevadas as exigências de prevenção geral.

Dest’arte, vai rejeitado o recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 6 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$800.00.

Macau, aos 26 de Maio de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 268/2011 Pág. 28

Proc. 268/2011 Pág. 1