Processo nº 383/2011 Data: 30.06.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Atenuação especial da pena.
Medida da pena.
SUMÁRIO
1. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau, no seu art. 65°, a teoria da margem da liberdade, segundo a qual a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
O relator,
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Processo nº 383/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. de 26.04.2011 decidiu-se condenar a arguida A, com os sinais dos autos, pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de “tráfico ilícito estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos de prisão; (cfr., fls. 232-v a 233 e 272 a 273).
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Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para concluir que:
“1. In casu, a recorrente é delinquente primária, pelo que deve obter atenuação especial da pena. Porém, o tribunal recorrido ignorou o art.° 66.° n.° 1 do Código Penal de Macau e violou a supracitada disposição legal.
2. Se o tribunal recorrido entender que a recorrente não reúne os requisitos de atenuação especial da pena, não se obsta à consideração das circunstâncias atenuantes previstas no art.° 65.° do Código Penal de Macau.
3. As drogas apreendidas neste processo não entraram em mercado ou caíram nas mãos de outros delinquentes, pelo que é relativamente diminuta a gravidade das consequências causadas pelos factos ilícitos, e de acordo com o art.° 65.° do Código Penal de Macau, o tribunal a quo deve considerar esta circunstância na determinação da pena aplicada à arguida.
4. Pede-se ao tribunal de recurso para, de acordo com o art.° 65.° e o art.° 66.° n.° 1 do Código Penal de Macau, junto com todos os dados nos autos, especialmente o facto de a recorrente ser delinquente primária, aplicar à recorrente uma pena mais leve”; (cfr., fls. 241 a 245-v e 274 a 280).
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Em resposta diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público que:
“I. Os fundamentos do recurso interposto pela recorrente são: o acórdão recorrido violou o art.° 66.0 n.° 1 do Código Penal de Macau, não concedeu atenuação especial da pena aplicada à recorrente que era delinquente primária, e não considerou plenamente as circunstâncias atenuantes gerais previstas no art.° 65.° do Código Penal de Macau.
II. De acordo com o art.° 66.° do Código Penal de Macau, além das circunstâncias atenuantes previstas na parte geral do Código Penal de Macau, e das circunstâncias atenuantes especiais para certo tipo de crime fixadas pela parte especial do CPM e pelas leis penais avulsas, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, o tribunal tem que atenuar especialmente a respectiva pena.
III. O número 1 do supracitado artigo 66.° resume de forma geral as circunstâncias de atenuação especial da pena, e quanto à sua interpretação, cumpre ao aplicador decidir se aplica a atenuação especial da pena depois de analisar todas as circunstâncias. O número 2 do mesmo artigo enumera várias circunstâncias típicas.
IV. Na aplicação concreta da atenuação especial da pena prevista pelo art.° 66.° acima referido, mesmo que seja satisfeita qualquer uma das circunstâncias referidas no número 2, isso não equivale à produção necessária da eficácia prevista no número 1.
V. O aplicador da lei ainda tem que examinar se as circunstâncias satisfeitas de forma formal produzem essencialmente a eficácia de diminuição de forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.
VI. O facto de que a recorrente não ter antecedente criminal tem apenas um valor reduzido, e a inexistência de circunstâncias importantes favoráveis à recorrente resulta em inexistência de circunstâncias atenuantes previstas no art.° 66.° n.° 1 do Código Penal de Macau.
VII. A recorrente entende que por as drogas apreendidas não entrarem em mercado, é relativamente diminuta a ilicitude das suas condutas de tráfico de drogas, pelo que o acórdão recorrido deve aplicar-lhe uma pena mais leve segundo o art.° 65.° do Código Penal de Macau.
VIII. A apreensão das drogas antes de estas entrarem em mercado ou caírem nas mãos de outros delinquentes deve o êxito à operação rápida do órgão de polícia criminal, não tem nada a ver com o pensamento subjectivo da recorrente e até contraria o objectivo desta, ou seja que é um resultado inevitável.
IX. Tendo em consideração que a quantidade da heroína trazida pela recorrente é de 558,50 gramas e equivale à quantidade de uso deste tipo de estupefaciente para 2234 dias prevista na Lei n.° 17/2009, não se pode negar que são elevados a culpa da recorrente e o grau de ilicitude das suas condutas, ademais, a recorrente não confessou na audiência de julgamento a prática dos actos criminosos.
X. Atendendo à natureza e à gravidade do crime, a moldura penal fixada para o crime de tráfico, o grau da culpa, as circunstâncias concretas do crime, bem como as necessidades de prevenção criminal, a pena determinada pelo tribunal recorrido é adequada, sem violação de disposições legais”; (cfr., fls. 248 a 252 e 281 a 291).
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Nesta Instância, juntou o Ilustre Procurador o seguinte douto Parecer:
“Mostra-se a recorrente inconformada com a medida concreta da pena que lhe foi aplicada, almejando a atenuação especial da mesma, em virtude de ser primária, ou, pelo menos uma maior valoração dessa atenuante, bem como do facto do que reporta de “diminuta gravidade das consequências causadas pelos factos ilícitos” em virtude de as drogas não terem chegado a entrar no mercado consumidor.
Como é bom de ver, a alegação não faz qualquer sentido: sendo certo ser a recorrente primária, tal circunstância não deixou de ser apontada e valorada, dentro do seu peso específico, pelo douto acórdão controvertido, revelando-se caricato esgrimir com a mesma, e só com a mesma, para efeitos de atenuação especial da pena. Mal andaríamos se a cada delinquente primário, correspondesse, sem mais, apenas por tal circunstância, a atenuação especial da pena...
Quanto ao facto de as drogas não terem chegado a entrar no mercado, só poderia deter alguma relevância caso correspondesse a eventual atitude nesse sentido por parte da recorrente (quiçá motivada por arrependimento na conduta), que não, como sucedeu, à pronta intervenção das autoridades independente e contra a vontade daquela, pelo que não faz também sentido o alegado a esse propósito.
Neste contexto, atenta a natureza e gravidade do crime imputado, a moldura penal abstracta fixada para o tráfico, o grau e culpa da agente, as circunstâncias concretas do crime e a premente necessidade de prevenção criminal, afigura-se-nos que a concreta pena de 8 anos de prisão se apresenta justa, adequada e proporcionada, a não merecer reparo”; (cfr., fls. 294 a 295).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão dados como provados os seguintes factos:
“1. Em 25 de Junho de 2010, pelas 21h30, na zona de recolha de bagagens do Aeroporto Internacional de Macau, o pessoal alfandegário interceptou a arguida A que tinha chegado em Macau da Manila no voo XX da XX Pacific Air.
2. O pessoal alfandegário encontrou na bagagem da arguida três pares de sapatos e um par de solas embrulhado em fitas de cor amarela, no qual estavam escondidos 6 pacotes de pó de cor creme, embrulhados em sacos plásticos de cor branca, bem como 12 pacotes de pó de cor creme, também embrulhados em sacos plásticos de cor branca. Além disso, encontraram-se ainda na posse da arguida dois telemóveis, dois cartões SIM, um cartão de memória, um bilhete de avião electrónico, um cartão de embargue, USD$100, RMB¥16,20 e PHP$455 em numerário (vide o auto de apreensão constante das fls. 14 a 15 dos autos).
3. Submetidos a exame laboratorial, os supracitados 6 pacotes de pó de cor creme, embrulhados em sacos plásticos de cor branca revelaram tratar-se de “heroína”, substância abrangida pela Tabela I-A anexa à Lei n.° 17/2009, com o peso líquido de 294,86 gramas, e após análise quantitativa, a proporção de “heroína” foi verificada em 65,80%, com o peso líquido 194,02 gramas; os supracitados 12 pacotes de pó de cor creme, embrulhados em sacos plásticos de cor branca revelaram tratar-se de “heroína”, substância abrangida pela Tabela I-A anexa à Lei n.° 17/2009, com o peso líquido de 565,94 gramas, e após análise de “heroína” foi verificada em 64,37%, com o peso líquido de 364,30 gramas (vide as fls. 145 dos autos).
4. Em 24 de Junho de 2010, pelas 13hOO, a arguida adquiriu as supracitadas drogas na residência dum indivíduo chamado “B” nas Filipinas, com o objectivo de as trazer para Macau e entregar a indivíduo indicado, para o efeito, a arguida recebeu de “B” retribuição de PHP$10,000.00 e USD$100 como despesa para alojamento.
5. Os telemóveis, cartões SIM, cartões de memória, bilhete de avião electrónico, cartão de embargue e verbas acima referidos eram instrumentos de comunicação, despesas para a viagem e o alojamento utilizados pela arguida para o tráfico de drogas.
6. A arguida conhecia bem a natureza e as características das supracitadas drogas.
7. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar as condutas acima referidas.
8. A arguida adquiriu, deteve e transportou as supracitadas drogas com o objectivo de fornecer a outrem e obter interesse pecuniário.
9. A arguida sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Mais se provou:
De acordo com o CRC, a arguida é delinquente primária.
A arguida é desempregada, tem corno habilitações literárias o ensino universitário e tem a seu cargo os pai”; (cfr., fls. 230-v a 231-v e 266 a 268).
Do direito
3. Insurge-se a arguida contra a decisão do T.J.B. que a condenou pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de “tráfico ilícito estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.°17/2009, na pena de 8 anos de prisão.
Pede a atenuação especial ou redução da dita pena de 8 anos de prisão.
Ora, como se deixou consignado em sede de exame preliminar, é tal pretensão manifestamente improcedente, sendo pois de se rejeitar o presente recurso.
Vejamos.
– Quanto a pretendida “atenuação especial”.
É a mesma manifestamente inviável, pouco havendo a dizer.
Com efeito, e como repetidamente tem este T.S.I. entendido, a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 11.11.2010, Proc. n° 670/2010 e de 14.04.2011, Proc. n°130/2011).
No caso, alega a recorrente que “é primária”.
Porém, como facilmente se alcança, há que dizer que tal “circunstância” não permite dar como verificada a “especialidade” da situação para se accionar o invocado art. 66° do C.P.M..
De facto, atenta a idade da ora recorrente – nascida em 06.07.1981 – patente é a reduzida relevância de tal “primodelinquência”.
Ociosas nos parecendo mais alongadas considerações sobre a questão, continuemos.
–– Da pedida “redução da pena”.
Ora, é sabido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau, no seu art. 65°, a teoria da margem da liberdade, segundo a qual a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Acórdão de 03.02.2000, Processo n.°2/2000 e de 24.02.2011, Processo n.° 975/2010).
Ao crime pelo recorrente cometido cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão.
E, atenta a quantidade e espécie de estupefaciente em causa e às necessidades de prevenção criminal, considera-se não haver margem para a peticionada redução da pena, sendo assim de se julgar rejeitar o presente recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.
Macau, aos 30 de Junho de 2011
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Proc. 383/2011 Pág. 1