Processo n.º 1020/2010 Data do acórdão: 2011-7-7
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– abuso de confiança
– art.o 199.o, n.o 4, alínea b), do Código Penal
– medida da pena
– período de suspensão da execução da pena
S U M Á R I O
Atento o valor muito elevado do interesse patrimonial em questão (um milhão e setecentos e sessenta mil dólares de Hong Kong), com a agravante de que o arguido nem tenha confessado os factos, e não obstante ser ele um delinquente primário, a pena de dois anos de prisão, aplicada no acórdão recorrido dentro da moldura aplicável de um a oito anos de prisão, do crime de abuso de confiança de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 199.o, n.o 4, alínea b), do Código Penal de Macau, já não pode ser mais leve à luz do disposto nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o deste Código, assim como não pode ser mais curto do que dois anos o período de suspensão da execução dessa pena de prisão.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 1020/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente arguido: A
Recorrido: Ministério Público
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 121 a 124v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-08-0266-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por força do qual ficou condenado como autor material de um crime consumado de abuso de confiança (de valor consideravelmente elevado), p. e p. pelo art.o 199.o, n.o 4, alínea b), do Código Penal de Macau (CP), na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar a sua absolvição (devido ao alegado vício de erro notório na apreciação da prova e à conexamente esgrimida violação, na decisão condenatória, do princípio de in dubio pro reo), e, subsidiariamente, a redução da pena de prisão para abaixo de um ano e meio, com redução também do período de suspensão da execução da pena para abaixo de um ano e meio (cfr. o teor da motivação do recurso de fls. 129 a 132 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Digno Representante do Ministério Público no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. o teor da resposta de fls. 134 a 135).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 158 a 159), pugnando materialmente pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O facto descrito como provado no texto do acórdão recorrido em relação ao qual opinou o arguido que houve erro notório na apreciação da prova é o seguinte (sexto facto provado):
– no dia 10 de Maio (de 2008), cerca das quatro horas da tarde, o arguido teve encontro com B, C e D no salão de café do 3.o andar do Casino Sands. A pedido do arguido, C entregou ao B fichas de jogo no valor de um milhão e meio de dólares de Hong Kong, e B, por sua vez, juntou a essas fichas de jogo duzentos mil dólares de Hong Kong em fichas de jogo e sessenta mil dólares de Hong Kong em numerário inicialmente em sua posse, e entregou tudo ao arguido, para o arguido devolver todas essas fichas de jogo e numerário (no total equivalente a um milhão, setecentos e sessenta mil dólares de Hong Kong) a C.
Outrossim, com pertinência à solução do recurso, consta do elenco dos factos provados descritos no mesmo texto decisório também o seguinte:
– o arguido telefonou a B, exigindo a este que devolvesse a dívida no valor de dois milhões de dólares de Hong Kong. Embora B tenha afirmado que já tinha devolvido essa dívida a C, o arguido combinou com B para vir para Macau no dia 10 de Maio de 2008 para discutir com C o assunto de devolução de dívida, a pretexto de que de acordo com as regras do casino, como era o próprio arguido o apresentador do correspondente empréstimo, teria o próprio arguido que devolver com as suas próprias mãos tal quantia a C (cfr. o quinto facto provado);
– o arguido ganha trinta mil renminbis por mês, é casado e tem os pais a cargo, não confessou os factos e é delinquente primário.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O arguido, ao imputar o vício de erro notório na apreciação da prova ao Tribunal Colectivo a quo, preconiza que o processo de devolução da dívida descrito no sexto facto provado acima referenciado contraria notoriamente as regras da experiência da vida humana, pois entende que se a dívida já se encontrou devolvida por B a C, por quê é que este teve que entregar outra vez a “coisa devolvida” ao devedor B para este entregar ao arguido, para o arguido “restituir a mesma coisa” ao credor C?
Entretanto, a imputada “falta de lógica das coisas” já está explicada cabalmente no quinto facto provado também já acima referenciado, à luz precisamente daquelas faladas “regras do casino”.
Assim sendo, não se afigura patente a este Tribunal ad quem que o Colectivo recorrido tenha cometido qualquer erro notório na apreciação da prova, sendo de improceder também a conexa questão de violação, por esse mesmo Tribunal, do princípio de in dubio pro reo.
Por fim, no tocante à subsidiária pretensão de redução do período da pena de prisão e de suspensão da execução da pena de prisão, também não assiste razão ao arguido, porquanto atento o valor muito elevado do interesse patrimonial em questão, com a agravante de que o arguido nem tenha confessado os factos, e não obstante ser ele um delinquente primário, a pena de dois anos de prisão, aplicada pelo Colectivo a quo dentro da moldura aplicável de um a oito anos de prisão, já não pode ser mais leve à luz do disposto nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, assim como não pode ser mais curto do que dois anos o período de suspensão da execução dessa pena de prisão.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça e mil patacas e setecentas patacas de honorários a favor do seu Exm.o Defensor oficioso, ora a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 7 de Julho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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