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Processo nº 578/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Junho de 2011

ASSUNTO:
- Preterição de tribunal arbitral


SUMÁRIO:
Tendo um contrato de prestação de serviços sido celebrado entre uma empresa de importação de trabalhadores não residentes e uma outra de apoio às empresas de Macau, qualquer cláusula compromissória que nele estipule convenção arbitral para decidir quaisquer litígios entre as partes, não pode vincular terceiros, designadamente os trabalhadores posteriormente contratados, no que a esta cláusula se refere.

O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 578/2010
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Junho de 2011
Recorrente: Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
Recorrido: A (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho saneador de 16/11/2009, decidiu-se julgar improcedente a excepção de incompetência do tribunal, por preterição de tribunal arbitral, suscitada pela Ré, declarando o tribunal competente.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Tribunal "a quo" em 16 de Novembro de 2009, a fls. 176 a 177, que julga improcedente a alegada excepção de preterição do tribunal arbitral.
2. O Autor fundamenta a sua pretensão em alegados direitos para si decorrentes do contrato de prestação de serviços celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, no âmbito do qual foi inserida uma cláusula compromissória de atribuição de competência ao Tribunal Arbitral.
3. Da selecção da matéria de facto efectuada pelo douto Tribunal recorrido, é patente que o contrato de prestação de serviços é o "verdadeiro cerne" da presente demanda, de onde o Autor pretende retirar pretensos direitos.
4. Em violação do princípio "res inter alia acta aliis nec nocet nec prodest", o Autor constrói toda a sua tese em torno de um contrato de prestação de serviços do qual não é parte, sem, no entanto, se submeter a todas as suas consequências legais, como seja a submissão ao Tribunal Arbitral.
5. A admitir-se, por mero dever de patrocínio, que o Autor poderá fundamentar o seu pedido no contrato de prestação de serviços, do qual não é parte, não se poderá nunca admitir que do mesmo apenas retire o que mais lhe convém, rejeitando o restante clausulado.
6. A aceitar-se a aplicabilidade do contrato de prestação de serviços à relação jurídica sub judice, o que não se concede, terá de se entender que todas as cláusulas dos contratos de prestação de serviços são válidas, eficazes e aplicáveis ao Autor.
7. De acordo com a cláusula décima segunda dos referidos "contratos de prestação de serviços", não é o Tribunal "a quo" que tem competência para apreciar a presente demanda, mas sim o Tribunal Arbitral.
8. Ao decidir de forma diversa, salvo o devido respeito que é muito, o Tribunal "a quo" violou o disposto no n.º 2 do artigo 31.°, no n.º 2 do artigo 33.º, no n.º 2 do artigo 412.º e na alínea a) do artigo 413.º aplicável ex vi n.º 1 do artigo 1.° do C.P.T.M.
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O Autor, ora recorrido, respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 212 a 217, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.

II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
1. “Guardforce”, aqui recorrente e ré na acção, é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, transporte de valores, entre outros.
2- A recorrente tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros.
3- A recorrente celebrou com a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda” os contratos de prestação de serviços n. 9/92, em 29 de Junho de 1992, n. 6/93, em 1 de Março de 1993, 2/94, em 3 de Janeiro de 1994, n. 29/94, em 11 de Maio de 1994, n. 45/94, de 27 de Dezembro de 1994.
4- Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços o Autor, ora recorrido, foi recrutado pela sociedade referida em 3 supra e, posteriormente, iniciou a sua prestação de trabalho para a recorrente.
5- O contrato cessou em 31 de Maio de 2008, tendo posteriormente o recorrido movido a presente acção contra a ora recorrente reclamando o pagamento de MOP$ 331.440,00.
6- No contrato de prestação de serviços celebrado entre “Guardforce” e “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda” consta a seguinte cláusula 12ª: “quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade”.

III – Fundamentos
O objecto do presente recurso consiste em saber se, face à convenção de arbitragem incluída na cláusula 12ª do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre “Guardforce” e a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada”, deveria o presente litígio submeter-se à arbitragem, em vez de recurso ao órgão judicial.
A questão em causa já foi objecto de apreciação deste Tribunal em vários processos.
Com a devida vénia, a propósito de situação em tudo igual à que ora nos ocupa, transcreve-se a jurisprudência fixada no Ac. de 10/12/2009, Processo nº 749/2009:
“É inegável que como fundamento do seu pedido, alegou o A. o “contrato de prestação de serviços” que a R. celebrou com a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.”, no qual consta a “cláusula 12.ª”, com base na qual invoca a R. a excepção de preterição do tribunal arbitral aqui em apreciação.
Porém, há que distinguir o seguinte:
Uma coisa é ter ou não o A. razão no que pede, em virtude das alegadas obrigações que a R. assumiu perante a dita “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.”, outra, é a “oposição” que a R. faz ao pedido do A. com base na dita preterição do Tribunal arbitral.
De facto, se o pedido do A. deve ou não proceder, é questão que oportunamente se verá. (…)
(…) o facto de invocar o A. o referido contrato entre a R. e a mencionada empresa “Sociedade...”, não implica que aceite o A. todo o seu clausulado, como que “confirmando” tudo o que nele consta.
(…) De facto, sendo a “convenção arbitral”, no caso, “cláusula compromissória”, um “negócio jurídico bilateral”, (desde sempre) definido como “acordo de regulamentação coordenada de interesses contrapostos” – cfr., C. Mendes, in “Direito Civil, Teoria Geral”, III, pág. 723 – nele havendo duas (ou mais) declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se à comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte, havendo, assim, “uma oferta ou proposta e uma aceitação” – cfr., M. Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 387 – inviável se nos mostra outro entendimento, pois que, como também já se entendeu, “para que haja preterição do tribunal arbitral é necessário que da interpretação da cláusula contratual resulte que as partes quiseram submeter à decisão de um árbitro o litígio em causa” –cfr., Ac. do R.P. de 14.10.94, Proc. n° 9530929) (…)
No mesmo sentido, em situação equivalente e mais recentemente, consignou-se também no Ac. do S.T.J. de 27.11.2008, Proc. n° 08B3522, que “Não é oponível ao trabalhado/autor (terceiro) a cláusula compromissória incluída em contrato de seguro celebrado entre uma determinada seguradora (promitente) e a entidade empregadora do autor (promissária), em benefício dos seus trabalhadores”, já que, “partes no contrato são apenas o promitente e o promissário”.
E no Ac. de 26/05/2011, Proc. nº 860/2009, foi dito ainda o seguinte:
“.. um só elemento acrescentaríamos, resultante, aliás, de expressão literal, tão simples, quanto cristalina, contida na própria cláusula 12ª. Com efeito, nela se diz que “quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade” (negrito nosso). Ora, como admitir que esta cláusula vincule um terceiro, se a própria composição da comissão arbitral só poderia resultar da escolha de cada uma das partes! Então não se vê que, em virtude de não ter sido interveniente no contrato de prestação de serviço, o ora recorrido nunca podia escolher o seu árbitro?! A circunstância de o autor na acção pretender extrair efeitos daquele contrato não é senão uma forma de a si estender o seu alcance material, isto é, de aproveitar as vantagens substantivas nele estabelecidas. Saber se tal é razoável ou legal é questão diferente que a seu tempo há-de ser discutida. Mas o que por ora está em causa é saber se uma cláusula compromissória como aquela, de efeitos adjectivos, pode vincular quem não a subscreveu. E nós, tal como os citados arestos, achamos que não (neste mesmo sentido, ainda o Ac. do TSI de 15/12/2009, Proc. n. 1027/2009)”.
São arestos com os quais concordamos em absoluto e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso. Não são, aliás, os únicos. Na verdade, também nos processos números 739/2009, 916/2009, 619/2010, 562/2010, 841/2009 e 1027/2009, se chegou a igual conclusão.
É jurisprudência que aponta a boa solução, com a qual se conforma, aliás, o despacho impugnado.
Eis a razão pela qual, nada mais havendo a discutir, se considera improcedente o recurso.

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso da Ré, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Ré.
Notifique e registe.

RAEM, aos 30 de Junho de 2011.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong




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Proc. nº 578/2010