Processo n. 651/2008
(Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 09 de Junho de 2011.
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
Proc. N. 651/2008
Recorrente: STDM
Recorrido: A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$321.145,00 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde 1de Julho de 1989, data em que para a ré começou a trabalhar, até 1 de Janeiro de 1996, altura em que cessou a relação laboral entre ambos.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 01/07/2008, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 308.360,00, acrescida de juros legais.
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É dessa sentença que, inconformado, a STDM recorre, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
A. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso semanal, anual e nos feriados obrigatórios remunerados, por parte do Autor, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pelo ora Recorrido, ao condenar a Ré, ora Recorrente, ao pagamento de uma indemnização com base no regime do salário mensal e abrangendo realidades distintas que são o salário diário recebido da Recorrente e as gratificações ou gorjetas recebidas de terceiros, liberalidades dos clientes frequentadores dos casinos.
B. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pelo A., ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito, culposo e punível.
C. E, de acordo com os artigos 17º, 20º e 24º, estes, do RJRT de 1989, qualquer deles aplicável, apenas haverá comportamento ilícito por parte da entidade empregadora ou do empregador, - e consequentemente um direito a indemnização ou a uma compensação - quando, o trabalhador ou o empregado seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e aquela entidade empregadora não o remunere nos termos da lei.
D. Pelo que, por omissão de pronúncia, a Sentença é desde logo nula, devendo ser revogada, sem prejuízo do que abaixo e adiante se irá ainda concluir e expor.
E. Não podendo, de todo, proceder, os montantes encontrados com as tabelas apresentadas nas páginas 28 a 30 da douta Sentença recorrida, porque, deveria ter-se descontado os montantes recebidos pelo Recorrido em singelo, nas pretensas quantias a eventualmente apurar, o que igualmente o Mmo Tribunal recorrido não fez, ao arrepio do mais alto entendimento do Mmo TUI.
F. Nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, ou sequer culposo, logo, não punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título relembre-se que ficou provado que o A. precisava da autorização da R. para ser dispensado ao serviço.
G. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da R. e ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido, i. e., a ilicitude e a culpa do comportamento da R., ora Recorrente.
H. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário - em função do trabalho efectivamente prestado (artigos 26º e 27º do actual RJRT).
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
I. O Autor, e ora Recorrido, não estava dispensado do ónus da prova, quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em Audiência de Discussão e Julgamento, por meio de testemunhas ou através de meio de prova documental, ter de facto, provado que dias, alegadamente, não gozou.
J. Assim sendo, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., ora Recorrido.
K. Nos termos do número 1 do artigo 342º do Código Civil de 1966 e do artigo 335º do Código Civil de 1999, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”;
L. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos da base instrutória, cabia ao A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou, proibiu, impediu ou negou o gozo de dias de descanso (sejam semanais, anuais ou feriados).
M. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita, culposa ou punível) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
N. Sendo, pois, ao que parece, a douta Sentença nula, devendo ser revogada e substituída por outra decisão da parte do Mmo Tribunal ad quem.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
O. O número 1 do artigo 5º do actual RJRT de 1989, dispõe que esses dois diplomas não serão aplicáveis perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o artigo 6º do mesmo diploma que, os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
P. O facto de o A., ora Recorrido, ter beneficiado de um generoso e vantajoso esquema de distribuição de gratificações ou de gorjetas dos Clientes dos casinos que a Ré explorou entre 1962 e 2002, e que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe à entidade empregadora o dever de pagar um salário justo.
Q. É que, pois, caso o ora Recorrido auferisse apenas um “salário justo” - da total responsabilidade da Recorrente, e pago na íntegra por esta - certamente que, esse salário seria inferior ao rendimento total que o ora Recorrido, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da ora Recorrente.
R. Não concluindo - e nem sequer se tendo debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da douta sentença ora em crise, devendo ser a mesma revogada ou alterada quanto a esta questão.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
S. A aceitação do ex-trabalhador, ora Autor e aqui Recorrido, de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
T. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica de Macau, consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 70º e seguintes do Código Civil de 1966 e dos artigos 67º e seguintes do Código Civil de 1999, consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e semanal e os feriados obrigatórios).
U. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem, assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
V. Destarte, deveria o Mmo Tribunal recorrido, ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
W. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o ora Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
X. E, não tendo o Recorrido, sido impedido ou proibido de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da Ré/Recorrente ao A./Recorrido.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
Y. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que o A., ora Recorrido, era retribuído com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada: como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário em função do trabalho efectivamente prestado.
Z. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como ao aqui Recorrido, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário de, no caso, de HKD$10.00, e depois de 1995, de HKD$15.00, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado e a sua comparência ao serviço.
AA. Acresce que a fórmula do salário diário nunca foi contestada pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judiciais nos processos pendentes.
BB. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o actual RJRT de 1989, que prevêem, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da Autonomia da Vontade (vertente da liberdade contratual), prevista no artigo 1º dos mesmos diplomas laborais de Macau.
CC. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era retribuída de acordo com um salário mensal, a douta Sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
DD. Salvo o devido respeito por mais douto entendimento diverso, a R. e ora Recorrente, entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é errada, ao tentar estabelecer como imperativo (ou seja, o regime de salário mensal em contratos de trabalho típicos) o que a lei define como sendo dispositivo (i. e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
EE. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas, no sentido de fixar o salário auferido pelo A, ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
FF. O trabalho prestado pelo ora Recorrido em dias de descanso foi sempre retribuído em singelo.
GG. A retribuição já paga pela R./Recorrente ao ora Autor/Recorrido por esses dias, deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A./Recorrido tinha direito, nos termos do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril (que aprovou o actual RJRT de 1989), e, depois, nos termos do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho de 1990 (que alterou esse mesmo RJRT pela primeira vez).
HH. O trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. as alíneas a) e b) do número 6 do artigo 17º do RJRT de 1989), tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão, ao que parece na opinião da Recorrente.
II. Ora, nos termos do número 4 do artigo 26º do RJRT em vigor, o salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos da alínea b) do número 6 do artigo 17º, os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com a entidade empregadora.
JJ. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
KK. A decisão aqui em recurso, enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da alínea b) do número 6 do artigo 17º e do artigo 26º, ambos do actual RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a ora Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda, concluindo, deverá também, ser considerado pelo Mmo Tribunal ad quem que:
LL. Relativamente à questão de Direito e ao ponto jurídico nuclear do presente litígio,
MM. As gratificações, luvas, prémios irregulares, prémios de produtividade, ou as gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gratificações ou as luvas ou os prémios, ou as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da ora Recorrente.
NN. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999, e agora na R. A. E. M., pelo Tribunal de Última Instância, em três decisões proferidas em 2007 (duas) e em 2008 (uma), até hoje, as únicas sobre esta questão de Direito juridicamente nuclear no presente litígio.
OO. Também neste sentido se tem pronunciado a Doutrina de uma forma pacifica e unanimemente, quer em Portugal, quer em Macau, quer na Europa.
PP. Assim, também, o entendeu o Mmo Tribunal de Última Instância de Hong Kong, em douto Acórdão datado de 28 de Fevereiro de 2006:
QQ. “I am to the view that, subject to the possibility that sections 41(2) and 41C(2) are to be read to cover contractual commission accruing and calculated on a daily basis in amounts varying from day to day, no commission is to be included in the calculation of holiday pay and annual leave pay”. - Recurso final com o n.º 17/2005 (Direito e processo civil), em recurso do processo inicial com o n.º 204/2004.
RR. Repare-se que este excerto da decisão do Mmo T. U. I. de Hong Kong também se debruça sobre a compensação pelo trabalho prestado em dia de repouso, considerando que a haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso, aquela não inclui nem se calcularia tendo em conta elementos estranhos e alheios ao salário do aí peticionante.
SS. E, o mesmo se passa, neste caso concreto decidendo, salvo melhor entendimento, Juízo e opinião.
TT. E a legislação comparada de Portugal: o Despacho n.º 20/87 de 27 de Fevereiro, publicado na II - Série, n.º 59, de 12 de Março de 1987; o Despacho Normativo 24/89, de 17 de Fevereiro de 1989; o Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro de 1989; o Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro de 1995; a Portaria n.º 1159/90, de 27 de Novembro de 1990; a Portaria n.º 129/94, de 1 de Março de 1994 ; e a Portaria n.º 355/2004, de 5 de Abril de 2004.
UU. O punctum crucis essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo da entidade empregadora.
VV. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade, no sinalagma entre a prestação do trabalho do trabalhador e a sua remuneração pela entidade empregadora.
WW. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”.
XX. É a própria norma que distingue, expressamente, gorjetas/gratificações/luvas/prémios irregulares, de salário, vencimento, remuneração ou retribuição - vejam-se os artigos 2º e 3º da Lei n.º 2/78/M, de 25 de Fevereiro de 1978.
YY. Neste sentido, qualifica o Cfr. António de Lemos Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM, S. A., como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
ZZ. Ainda, e na Doutrina portuguesa, por exemplo, no mesmo sentido, a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho afirma que, “as gratificações ou prémios atribuídos ao trabalhador não integram, em princípio, o conceito de retribuição, porque não correspondem a um dever do empregador mas ao seu animus donandi, nem constituem contrapartida do seu trabalho prestado658-659. (…) Por fim, debate-se o problema da qualificação das gratificações e outras prestações patrimoniais em que o trabalhador recebe não do empregador mas de terceiros (por exemplo, as gorjetas dadas aos empregados de um restaurante ou de um hotel, ou aos croupiers do casino, pelos clientes). Crê-se que a qualificação como retribuição destas prestações é de afastar pelo facto de não serem atribuídas nem devidas pelo empregador, não podendo, assim, corresponder a qualquer contrapartida do trabalho prestad0662.” - páginas 552 e 553, Volume II, “Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais”, Julho de 2006, itálico no original da obra.
AAA. E, agora na Jurisprudência portuguesa, por exemplo, decidiu-se igualmente que: “III - As gratificações dadas por terceiros ao trabalhador não se consideram como integrantes do direito à retribuição devida pela entidade patronal;” -Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Almeida Devesa, de 23 de Janeiro de 1996, processo número 004309, número do documento SJ199601230043094, disponível em www.dgsi.pt.
BBB. Ou, ainda, por exemplo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Março de 1995, o mesmo acordou que: “II - As gratificações recebidas dos clientes pelos empregados dos Casinos e repartidas pelos trabalhadores, segundo o processo fixado na lei (DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, e Portaria n. 1159/90, de 27 de Novembro), não constituem retribuição dos trabalhadores, nos termos dos arts. 82 e 88 da LCT69.” - Douto aresto relatado pelo Senhor Desembargador Dinis Roldão, processo número 0098094, número do documento RL199503080098094, também disponível no mesmo sítio da internet, em www.dgsi.pt.
CCC. Na verdade, a reunião, guarda, recolha e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, S. A., mas com a colaboração e intervenção de uma Comissão Paritária composta por empregados de casino, funcionários da tesouraria e ainda de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a todo esse procedimento.
DDD. Apenas a distribuição das gratificações, gorjetas, ou das luvas cabia e coube sempre e apenas em exclusivo à Ré/Recorrente.
EEE. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Tribunal a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto decidendo.
FFF. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gratificações ou luvas ou gorjetas são montantes: (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM, S. A., aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e a DICJ.
GGG. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação - menos discricionária - do que é um salário justo.
HHH. Nem, diga-se, de iure constituendo, ou de lege ferenda, nos vários projectos de novo RJRT, discutidos desde 2007, se irá incluir um mínimo salarial ou o que será quantitativamente e qualitativamente o referido «salário justo», que seja do conhecimento público.
III. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
JJJ. O valor dos rendimentos médios mensais no sector do jogo e aposta em casino em Macau, ascendeu, no ano de 2007, a cerca de mais de 11 mil patacas mensais (MOP 11,00.00), enquanto que nas outras áreas económicas e produtivas, os rendimentos apenas ultrapassaram as 7 mil patacas mensais (MOP 7,000.00), o que, desde logo, demonstra o atractivo por aquela actividade, que a ora Recorrente levou a cabo até 2002.
KKK. A Recorrente, ao que parece, não poderia, pois, ser condenada, à luz de um conceito de salário mensal ou de retribuição média diária ou de remuneração normal, quando estão em causa os descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios remunerados e os não remunerados.
LLL. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização a arbitrar, quanto às questões enunciadas e em litígio, só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gratificações ou luvas ou gorjetas.
MMM. Finalmente, a R. e aqui Recorrente, gostaria ainda de invocar os três doutos Acórdãos n.os 28/2007, 29/2007, e 58/2007, respectivamente datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007, e 27 de Fevereiro de 2008, nos quais o Mmo Tribunal de Ultima Instância demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
NNN. Relativamente à questão dos juros - de mora - pretensamente devidos pela Ré e ora Recorrente, “à taxa legal de 9,75% a contar da presente sentença e até efectivo e integral pagamento” (confira-se o douto teor das páginas 31 a 34 da Sentença recorrida), sempre responderá a ora Recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, com o que já expôs nos artigos 227º a 242º da Contestação dos autos.
OOO. Assim, parece que os juros, caso existam e sejam exigíveis à ora Ré/Recorrente, apenas se contarão, a partir do trânsito em julgado da decisão.
PPP. Veja-se nesse sentido, que é a melhor opinião, doutrina em Macau, o exposto na página 32 da douta Sentença recorrida, como maioritariamente entendem, ao que se conhece, as três Instâncias Jurisdicionais de Macau.
QQQ. A douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 1 de Julho de 2008, ora posta em crise, deverá ser revista e reformulada, absolvendo-se a ora Recorrente e considerando as presentes alegações de Direito procedentes por provadas.
*
Contra-alegou o recorrido, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
I. Resulta do actual Regime Jurídico vigente que cabe ao empregador “fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho” (cfr. n.º 1 do art. 13.º do RJRL); que o período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa (cfr. n.º 2 do art. 17.º do RJRL); que nos feriados os trabalhadores devem ser dispensados da prestação de trabalho (cfr. n.º 2 do art. 19.º do RJRL); que o período de descanso anual a gozar por cada' trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa, com antecedência mínima de trinta dias (cfr. n.º 1 do art. 22.º do RJRL), etc... pelo que não faz qualquer sentido trazer à baila o disposto no regime jurídico laboral de Portugal que nunca teve - nem na sua letra, nem no seu espírito - qualquer aplicação no Território de Macau ...
II. Caberia à Recorrente, e não ao Recorrido, a demonstração de que durante todo o período da relação laboral fixou, com a devida antecedência, os tempos de descanso do Recorrido.
III. Os trabalhadores da Recorrente, e em concreto o ora Recorrido, jamais foram ou poderiam ter sido contratados «ao dia», porquanto tal política de contratação não seria possível e, em último caso, poderia colocar em risco a continuidade do funcionamento dos Casinos na RAEM!
IV. Por maioria de razão, e ao contrário do alegado pela Recorrente, não é verdade que o «salário» do ora Recorrido tenha sido fixado em função do «tempo de trabalho efectivamente prestado», mas antes sempre foi remunerado com um salário mensal, ainda que em quantia variável.
V. O n.º 2 do art. 26.º do RJRL visa proteger o trabalhador contra a eventual redução do seu salário por parte do seu respectivo empregador sob pretexto de não prestação de trabalho naqueles mesmos períodos... e nunca que pelo seu não gozo os trabalhadores tenham direito a receber uma qualquer compensação adicional.
VI. Auferindo o Recorrido um salário «mensal» a única norma que fará sentido convocar para determinar o pagamento devido por trabalho prestado em «dia de descanso semanal» será a alínea a) do n.º 6 do art. 17.º, e já não a alínea b) do mesmo preceito, pelo que se revela correcta a decisão na parte em que determina ser devido ao Autor “o dobro da sua retribuição normal”, tal qual resulta da letra do mesmo preceito.
VII. Não existe qualquer vício ou erro de facto ou de Direito que ponha em causa a validade e justeza da decisão ora proferida, devendo por conseguinte manter-se in totum a sentença recorrida no que respeita ao seu conteúdo e respectivos cálculos.
VIII. Por outro lado, não existe qualquer insuficiência de fundamentação, podendo com naturalidade alcançar-se perfeitamente as razões de facto e de direito que conduziram à douta decisão. Neste sentido, a fundamentação por parte do Tribunal a quo mostra-se clara, expressa, suficiente e, portanto, não merece qualquer reparo.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso pela Recorrente apresentado ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
*
Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
***
II- Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
a) Entre 1 de Julho de 1989 e 1 de Janeiro de 1996, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de empregado de mesa e trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização desta, a qual fixava, em regime de turnos, o horário de trabalho do Autor de acordo com as suas (da Ré) exclusivas necessidades.
b) O Autor, como contrapartida do trabalho que prestou à Ré, recebeu desta, ao longo da relação laboral, a quantia fixa diária de HKD$10.00 até 30 de Abril de 1995 e de HKD$15.00 a partir dessa data e até à cessação da relação laboral.
c) O Autor, ao longo do período referido na alínea a), recebeu uma quota-parte, variável, do total das gorjetas entregues pelos clientes da Ré a todos os seus trabalhadores cujo montante era diariamente reunido e contabilizado e, em cada dez dias, distribuído pela Ré por todos os seus trabalhadores, lidassem ou não directamente com os clientes e de acordo com as respectivas categorias profissionais.
d) Entre 1989 e 1996, o Autor, enquanto ao serviço da Ré, auferiu as seguintes quantias diárias, abrangendo a quantia fixa e as gorjetas referidas nas alíneas anteriores:
-1989: MOP$152.00;
-1990: MOP$256.00;
-1991: MOP$310.00;
-1992: MOP$360.00;
-1993: MOP$410.00;
-1994: MOP$438.00;
-1995: MOP$458.00.
e) Sobre esses rendimentos incidiu imposto profissional nos termos que constam da certidão de rendimentos de fls. 21 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
f) Nos dias em que o Autor não prestou serviço efectivo, não recebeu, da parte da Ré, qualquer remuneração.
g) Desde o início da relação de trabalho entre o autor e a Ré, o primeiro jamais gozou de qualquer dia de descanso semanal.
h) Desde o início da relação de trabalho entre o Autor e a Ré, aquele sempre exerceu a sua actividade profissional em dias de descanso anual.
i) Desde o início da relação de trabalho entre o Autor e a Ré, o primeiro nunca foi dispensado de prestar trabalho em dia de feriado obrigatório.
j) Em virtude das condições de trabalho impostas pela Ré ao Autor este ficou impossibilitado de gozar os dias de descanso anual, semanal e feriados obrigatórios na companhia dos seus familiares e amigos.
***
III- O Direito
1. Vem imputado à sentença recorrida um alegado erro na apreciação da prova, gerador de nulidade, na óptica da recorrente, por inexistência de elementos que revelem a ilicitude do empregador, nomeadamente que este tivesse obrigado o trabalhador a prestar serviço em dias de descanso ou que a autora não tivesse chegado a gozar dias de descanso durante toda a relação laboral. Sem razão.
Em primeiro lugar, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou, trabalhando voluntaria e graciosamente mente, é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Depois, a prova obtida foi no sentido de que este trabalhador nunca chegou a gozar dias de descanso e que, ao contrário, sempre trabalhou nesses dias. Somos, pois, levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Depois, entende a recorrente que ao autor cumpria provar quais os dias de descanso que não chegou a gozar. Ora, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto a respeito desses factos (art. 599º , n.2, do CPC). E não o fez. E não deixamos de dizer, neste ponto, que a prova de que nunca gozou dias de descanso (nenhum) anula a necessidade de prova de quais (alguns) os dias concretos que não gozou, uma vez que esse é um pressuposto – aqui inaplicável - da existência de outros que pudesse ter gozado.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa na soberania da convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível de controlar.
Assim sendo, teremos que concluir pela improcedência da invocação da falta de prova/nulidade como forma de alegação impeditiva do direito do autor.
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2- Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações que também vêm equacionadas.
E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, e “dealer” devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
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3. Apreciemos, agora, a natureza do contrato, a composição do salário e a amplitude do período remuneratório (se mensal ou diária), questões que foram objecto do recurso por parte da recorrente STDM.
A recorrente começou a trabalhar para a recorrida em 1/07/89 como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária a quantia fixa de HK$10,00 desde o início até 30/04/1995 e de HKD$ 15,00 a partir dessa data até à cessação do contrato. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto acima já citado:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
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4. No que se refere à composição do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
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5. E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que a trabalhadora recebeu uma quantia fixa diária de HKD 10,00 durante um período e de HKD$15,00 a partir de certa altura.
Todavia, nada nos autos demonstra ou revela ter sido estrita intenção das partes contratantes, muito menos algo a esse respeito ter sido expressamente convencionado, que o trabalho seria remunerado ao dia. É evidente que um salário mensal se divide em tantas partes quantas as unidades de que o todo se compõe, e cujo apuramento se revela importante para se determinar o valor de cada uma delas. Mas o facto de não se pagar o valor dos dias de não trabalho não significa necessariamente que o salário foi acordado de acordo com um período de serviço diário efectivo.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como apurado nas respectivas respostas.
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6- Passemos, agora, ao apuramento da indemnização, tendo por adquirido que o regime do DL nº 101/84/M, de 25/08 não se mostra aplicável ao caso em apreço, mas unicamente o que emerge do DL nº 24/89/M, de 3/04, em virtude da data em que teve início a relação laboral (1/07/89).
6.1 – Descanso semanal
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), do referido DL 24/89/M.
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa outra perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será: AxBx2.
Assim, nesta parte a sentença tem que ser confirmada, estando certo o valor apurado de Mop$ 240.032,00.
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6.2 - Descanso anual
Independentemente da posição que temos vindo a tomar, no que concerne ao regime substantivo que DL n. 24/89/M consagra, não poderemos senão seguir o que a sentença decidiu a este respeito, uma vez que a fórmula que utilizou (AxBx2) não foi posta em causa pela recorrente, que aceita o critério da multiplicação do salário x 2 (fls. 33 das alegações). O que significa que neste ponto a recorrente não diverge do decidido.
Assim, o valor indemnizatório terá que ser obrigatoriamente de Mop$ 27.696,00.
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6.3 - Feriados obrigatórios
O DL n. 24/89/M trouxe inovações relativamente ao diploma de 1985: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3, tal como decidido na sentença recorrida, o que equivale a Mop$40.632,00.
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6.4- Juros
Considera a recorrente que os juros apenas se poderão contar a partir do trânsito em julgado da decisão.
Vejamos.
Este TSI tem seguido uma posição constante a este respeito, no sentido de que, não tendo o pagamento sido feito em tempo, se considera que o empregador se constitui em mora, ficando a partir desse momento obrigado a reparar os danos causados ao trabalhador-credor (art. 793º do C.C.).
O art. 794º do Cod. Civil estabelece, por seu turno, o momento da constituição em mora, apresentando como regra geral o da interpelação judicial ou extrajudicial para o respectivo cumprimento feita pelo credor (n. 1), ao mesmo tempo que estabelece excepções (n.2). Contudo, para os casos em que o crédito é ilíquido1 no momento em que é reclamado judicialmente – como sucede nos autos – a mora só existe a partir do momento em que ele se torna líquido (n.3), o que, em regra, sucederá com a sentença da 1ª instância pois é nesse instante que o direito fica materialmente definido e revelada toda a sua dimensão.
Só que o reconhecimento do direito pode não ter ainda um carácter definitivo, atendendo ao facto de poder haver recurso jurisdicional da sentença. Portanto, o trânsito da sentença é crucial, na medida em que estabiliza o julgado. Mas também aqui há que distinguir entre duas situações, conforme a decisão do recurso confirma ou não a sentença recorrida. Se a confirmação é total, a liquidez definida na 1ª instância mantém-se e, então, entende-se que a mora se reporta à data da sentença. Se a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do direito (leia-se, do crédito), então a mora, relativamente a cada liquidação, começa a contar-se somente a partir da data desta.
Esta tem sido a posição deste TSI (v.g., Acs. de 22/06/2006, Proc. n. 14/06 e de 12/03/2009, Proc. n. 683/2007).
O acórdão do TUI de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010, tirado em sede de uniformização de jurisprudência veio pôr termo à discussão: contam-se desde a sentença da 1ª instância se o tribunal de recurso não alterar o valor fixado na sentença recorrida; contam-se da decisão do recurso, na parte em que altera a liquidação da 1ª instância. No caso presente, uma vez que não haverá modificação ao valor indemnizatório fixado na sentença recorrida, os juros contar-se-ão a partir da data desta.
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IV- Decidindo
Considerando o que acaba de ser dito, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que condenou a recorrente STDM a pagar a A a quantia de Mop$ 308.360,00, acrescida de juros legais nos termos ali fixados.
Custas pela recorrente STDM.
Macau, 09 de Junho de 2011.
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (com declaração de voto que se junte)
Choi Mou Pan
Processo nº 651/2008
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 09JUN2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong
1 A obrigação diz-se ilíquida quando, apesar de existência certa, o seu montante não está ainda apurado (Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed., pag. 113).
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