Processo nº 198/2011 Data: 02.06.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “usura para jogo”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Contradição insanável da fundamentação.
Erro notório na apreciação da prova.
Atenuação especial da pena.
SUMÁRIO
1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre a matéria objecto do processo.
2. Existe contradição insanável da fundamentação quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
3. Apenas ocorre erro notório na apreciação da prova quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
De facto, é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
4. Não se verificando nenhuma das situações do n.° 4 do art. 219° do C.P.M., (assim como do art. 66° do mesmo Código), motivos não existem para se atenuar especialmente a pena aplicada ao arguido autor da prática de um crime de “usura para jogo”.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 198/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida nos Autos de Processo Comum Singular n.° CRI-10-0356 decidiu-se condenar o (2°) arguido A, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de “usura para jogo”, p.p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M, conjugado com o art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de seis (6) meses de prisão suspensa na sua execução por um período de um (1) ano e três (3) meses, assim como na proibição de entrada nos casinos da R.A.E.M. por dois (2) anos; (cfr., fls. 222 a 223 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para, na sua motivação imputar à sentença recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova”, e “violação do disposto nos artigos 219°, n.° 4, 67°, 68°, 44°, 40° e 65°, todos do CPM”; (cfr., fls. 234 a 251).
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Em resposta, entende o Exmo. Magistrado do Ministério Público que “a sentença recorrida não padece dos vícios de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, de contradição insanável para da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova, (respectivamente previstos nas al. a), b), e c) do n.° 2 do art. 400° do Código de Processo Penal de Macau), e que a mesma não viola o disposto nos artigos “219°, n.° 4, 67°, 68°, 44°, 40° e 65°, todos do Código Penal de Macau”, assim pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 253 a 256).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguiinte douto Parecer:
“Atento o conteúdo do alegado pelo recorrente e a multitude dos vícios assacados, será caso para afirmar que “se mais houvera, mais topara”, já que o mesmo acaba por assacar à douta sentença em crise, nada mais, nada menos que erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e violação de preceitos vários atinentes à medida concreta da pena alcançada, quer por se entender que deveria haver lugar a atenuação especial da mesma ou mesmo a sua dispensa, quer por que a prisão deveria ter sido substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade, quer por que, finalmente, deveria ter sido suspensa a execução da pena acessória de proibição de entrada nos casinos da RAEM.
Ao que ousamos sintetizar, funda-se, no essencial, a alegação do recorrente na circunstância de, na sua perspectiva, ter o tribunal “a quo” considerado e relevado como provados factos que, em face dos elementos constantes dos autos, não lhe poderiam ter sido imputados, não suportando a prova produzida o assentamento feito da matéria factual, sendo que, mesmo esta, não seria passível da integração jurídica operada.
Não cremos, porém, que lhe assista qualquer razão.
É que, pese embora a relativa escassez da matéria factual atinente à responsabilidade e actuação específica do recorrente, é possível retirar que o mesmo, com pleno conhecimento do empréstimo em questão e suas características, se prestou "em vontade comum e com divisão de trabalho" à efectivação de apostas para o ofendido, gerindo as fichas respectivas e sabendo que o seu co-arguido retirava os juros respectivos das apostas, não se coibindo, também, de, após não ter conseguido evitar a saída do ofendido do casino com fichas, ajudar a "readquiri-las" daquele, no interior de uma casa de banho, constatando-se, assim, que a matéria de facto, neste específico, se bem que não tão abundante quanto desejável, se mostra, de todo o modo, sem lacunas de relevo, permitindo a sua subsunção na norma incriminadora identificada pelo Tribunal, vendo-se, por outra banda, bem que, verdadeiramente, com a sua alegação pretende o recorrente manifestar a sua discordância com a matéria de facto dada assente pelo tribunal, melhor dizendo, da interpretação que este faz dessa matéria no que tange à sua própria responsabilidade, limitando-se, em boa verdade, tão só a expressar a sua opinião “pessoalíssima” acerca da apreciação e valoração da prova, quando, manifestamente, não se vê que do teor do texto da decisão em crise, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte patente, evidente, ostensivo que o julgador errou ao apreciar como apreciou.
Este, na douta sentença controvertida não se eximiu a expressar, concreta, específica e abundantemente a sua valoração da prova produzida e dos motivos que o levaram às conclusões que formulou, não se divisando que tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado de tais factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este Tribunal censurar o julgador por ter formado a sua convicção neste ou naquele sentido, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas.
Analisada, a decisão recorrida na sua globalidade, constata-se ser a mesma lógica e coerente, não tendo o Tribunal decidido em contrário ao que ficou provado ou não provado, contra as regras da experiência ou em desrespeito dos ditames sobre o valor da prova vinculada ou das “legis artis”, não passando a invocação do recorrente relativa a suposto erro notório na apreciação da prova de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
Finalmente, afigura-se-nos que na medida concreta da pena aplicada se usou de dosiometria penal justa e adequada, não se impondo ou justificando a almejada atenuação especial da mesma ou a sua substituição por multa, atendendo especialmente a fortes exigências de prevenção, não fazendo qualquer sentido a pretendida suspensão da execução da medida acessória de proibição de frequência dos casinos da RAEM.
Tudo razões por que se entende não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 348 a 350).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Em 3 de Setembro de 2005, através de introdução dum homem de identidade desconhecida, um turista do Interior da China B dirigiu-se a um café no Hotel Fortuna situado na Rua de Cantão, onde conheceu o 1° arguido C. O 1° arguido sugeriu a B que pedisse dinheiro emprestado para jogar e este concordou. Pelo que o 1° arguido levou B a um café situado no 2° andar do Kem Pek, Louvre Casino, onde B discutiu o assunto de empréstimo com um homem de alcunha “patrão”.
Por mútuo acordo, o “patrão” concordou em emprestar HKD$30.000,00 ao B para jogar, sob a condição de em cada jogada, retirava, a título de juros, 10% do valor da aposta, quer ganha quer perde. Para o efeito, o 10 arguido escreveu de imediato o endereço de contacto de B.
O 1° arguido acompanhou B até as 21h30 de 4 de Setembro de 2005, quando apareceu o 2° arguido B. E a seguir, os dois arguidos e B dirigiram-se à “Sala VIP Chong Wa” no Casino Greek Mythology para jogar.
Nesta sala de jogo, o 1° arguido entregou a B fichas no valor de HKD$30.000,00. No decurso do jogo, o 2° arguido ficou encarregado de fazer apostas para B e o 1° arguido encarregado de retirar juros.
Quando perdeu-se cerca de HKD$19.000,00, B tomou de repente as restantes fichas no valor de HKD$11.000,00 e saiu da sala. Os dois arguidos pretenderam impedir B de sair mas não conseguiram.
Mais tarde, os dois arguidos encontraram B numa casa de banho no casino, e readquiriram as fichas no valor de HKD$11.000,00.
No decurso do jogo, o 1° arguido retirou, a título de juros, HKD$8.000,00 a HKD$10.000,00.
Os dois arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária ao praticar as condutas acima referidas.
Os dois arguidos agiram em vontade comum e com divisão de trabalho ao conceder empréstimo para jogo, a fim de obter interesse pecuniário ilegítimo.
Os dois arguidos sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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Mais se provou:
De acordo com o CRC, o 1° arguido é delinquente primário.
O 2° arguido alegou que é croupier e aufere mensalmente cerca de MOP$14.000,00.
O arguido é casado e tem a seu cargo os pais e um filho menor.
O arguido tem como habilitações literárias o 3° ano da escola secundária.
O arguido negou a prática dos factos acusados.
De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
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Factos não provados:
Os factos constantes da acusação e da contestação mas não correspondentes aos factos provados.
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A convicção do Tribunal baseou-se em:
O 2° arguido prestou declarações na audiência de julgamento, negou a prática dos factos acusados, e declarou que não conheceu B, que naquela noite ele chamou o 1° arguido para jogar, e foi o 1°arguido que trouxe com ele B. Ele não emprestou dinheiro a B para jogar ou retirou juros junto com outrem. As fichas no valor de HKD$30.000,00 eram dele, e na altura, B roubou de repente as fichas no valor de mais de HKD$10.000,00. Posteriormente, ele e o 1° arguido também não readquiriram estas fichas na casa de banho, mas quando encontraram B na porta do Hotel New Century, solicitaram que este devolvesse as respectivas fichas.
Nos termos do art.° 337° n.° 2 al. a) do Código de Processo Penal, foi lida na audiência de julgamento a declaração para memória futura prestada por B no Juízo de Instrução Criminal (constante das fls, 22 a 24 dos autos, incluindo o respectivo teor nas fls, 5 dos autos). A testemunha disse claramente que o 1° arguido e um indivíduo denominado “patrão” concederam-lhe empréstimo para jogo, e contou o decurso concreto de que os dois arguidos retiraram juros (incluindo as circunstâncias concretas de que o 1° arguido e um indivíduo denominado “patrão” concederam empréstimo à testemunha, alegaram que tinham de retirar juros, e como é que os dois arguidos fizeram apostas para a testemunha, geriram as fichas e retiraram juros). A testemunha também contou a situação de que posteriormente, dois indivíduos de nomes desconhecidos readquiriram as respectivas fichas na casa de banho.
Um agente de investigação da PJ prestou declarações na audiência de julgamento, contando objectivamente a investigação da presente causa.
Três guardas do CPSP prestaram declarações na audiência de julgamento, contando de forma objectiva e clara o decurso de receber a participação e de investigar a causa. O guarda que estava de plantão fora da porta do Hotel New Century na altura e o guarda que dirigiu-se ao local depois de receber a participação contaram claramente (especialmente o 1 ° guarda) a situação da disputa entre os dois arguidos e B, que ouviram apenas a disputa entre as três pessoas sobre a questão do empréstimo, mas não ouviram qualquer destas pessoas falar sobre rouba de dinheiro ou de fichas, nem notaram qualquer reacção ou tom correspondente.
Três agentes da PJ prestaram declarações na audiência de julgamento, contando de forma objectiva e clara a participação do ofendido e a consequente investigação da causa, especialmente as análises feitas depois de ver a videocassete do casino.
O auto de ver videocassete consta das fls. 4 dos autos, e as fotos retiradas da respectiva videocassete constam das fls. 11 dos autos.
A videocassete está apreendida nas fls. 3 dos autos.
Analisando objectivamente as declarações do 2° arguido lidas e as declarações prestadas pelas testemunhas na audiência de julgamento, junto com os objectos apreendidos, as fotos, as provas documentais e outras provas examinadas na audiência de julgamento, o Tribunal formou a sua convicção.
Apesar de o 2° arguido negar a acusação, a sua declaração é controvertida e não está em conformidade com o senso comum. Este arguido alegou que na altura era bate-fichas, mas também alegou que jogava frequentemente, e que naquela tarde tinha perdido mais de HKD$70.000,00 em Kem Pek, Louvre Casino, e pretendeu chamar o 1° arguido a ajudar a ganhar o dinheiro perdido. Mas através da videocassete pode-se ver que o 1° arguido estava encarregado de fazer apostas e recolher as fichas, e o 2° arguido que alegou possuir as fichas no valor de HKD$30.000,00 só estava encarregado de guardar as fichas lhe entregues pelo 1° arguido, mas não fez apostas por si próprio nem deu sugestões ou instruções sobre o valor de aposta, e B que não conheceu o 1° arguido podia ver as cartas deste?! Além disso, o 2° arguido alegou que estava a jogar com o seu dinheiro, mas estava ao mesmo tempo responsável por trocar as fichas, e não podia explicar claramente a origem destas fichas no valor de HKD$30.000,00. Em contrário, a testemunha B contou o decurso do jogo de forma detalhada, concreta e clara, e o seu teor coincide com a videocassete, e com a situação dita pelos guardas do CPSP que encontraram os dois arguidos e B na porta do Hotel New Century. Por isso, de acordo com todas as provas nos autos, as regras de experiência e o senso comum, este Tribunal entende que a versão de B é mais acreditável, razão pela qual pode-se provar que os dois arguidos praticaram os factos lhes imputados; (cfr., 271-v a 276).
Do direito
3. Insurge-se o (2°) arguido ora recorrente contra a sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B., com a qual foi condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de “usura para jogo”, p.p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M, conjugado com o art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de seis (6) meses de prisão suspensa na sua execução por um período de um (1) ano e três (3) meses, assim como na proibição de entrada nos casinos da R.A.E.M. por dois (2) anos.
Entende que a dita sentença padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova”, e “violação do disposto nos artigos 219°, n.° 4, 67°, 68°, 44°, 40° e 65°, todos do CPM”.
Cremos porém que não lhe assiste razão.
Vejamos.
–– Dos “vícios da material de facto”.
Tem este T.S.I. entendido que:
- o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal omite pronúncia sobre a matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Acórdão de 24.03.2011, Processo n.° 8/2011).
- existe contradição insanável da fundamentação quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., o Acórdão de 24.03.2011, Processo n.° 1011/2010) e que,
- apenas ocorre erro notório na apreciação da prova quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
De facto, é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal; (cfr., v.g., o recente Acórdão de 28.04.2011, Processo n.° 415/2010).
E, face ao que até aqui se deixou relatado, evidente se nos mostra que, in casu, não padece a decisão recorrida dos aludidos vícios.
Com efeito, não deixou o Tribunal a quo de emitir pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que resultou provada e indicando a que assim não resultou, fundamentando, adequadamente, a sua decisão, correcto não sendo assim considerar que incorreu em “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
O mesmo se nos mostra de dizer quanto aos restantes vícios de “contradição insanável” e “erro notório”, pois que não se vislumbra como ou em que termos existe incompatibilidade não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, sendo de se afirmar também que não violou o Tribunal a quo qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência e legis artis.
Assim, e inexistindo os imputados “vícios da matéria de facto”, continuemos.
–– Diz ainda o recorrente que a decisão recorrida “viola o disposto nos artigos 219°, n.° 4, 67°, 68°, 44°, 40° e 65°, todos do C.P.M.”.
Vejamos.
Preceitua o art. 219° do C.P.M. que:
“1. Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência deste, fizer com que ele prometa ou se obrigue a conceder, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada face à contraprestação, é punido com pena de prisão até 3 anos.
2. A tentativa é punível.
3. O agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos se:
a) Fizer da usura modo de vida;
b) Dissimular a vantagem pecuniária ilegítima exigindo letra ou simulando contrato; ou
c) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica.
4. Pode haver lugar à atenuação especial ou à dispensa das penas referidas nos números anteriores se o agente, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância:
a) Renunciar à entrega da vantagem pecuniária pretendida;
b) Entregar o excesso pecuniário recebido, acrescido da taxa de juros legais desde o dia do recebimento; ou
c) Modificar o negócio, de acordo com a outra parte, em harmonia com as regras da boa-fé”.
Dúvidas não parecendo haver que cometeu o ora recorrente, como co-autor, o crime pelo qual foi condenado – de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M conjugado com o art. 219°, n.° 1 do C.P.M. – mostra-se de dizer que, no caso, motivos não existem para se considerar viável qualquer “atenuação especial da pena”, pois que, (independentemente do demais, pois que também não se está perante uma situação prevista no art. 66° do C.P.M.), verificadas não estão as circunstâncias ínsitas nas alíneas a), b) e c) do n.° 4 do transcrito art. 219°.
Por sua vez, (e não havendo assim violação do art. 219°, n.° 4 e 67° do C.P.M.), é caso para se dizer também que não se divisa qualquer violação ao art. 68° do C.P.M..
De facto, nos termos deste comando legal:
“1. Quando o crime for punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 6 meses, ainda que com multa até ao mesmo limite, ou só com multa até ao mesmo limite, pode o tribunal declarar o réu culpado mas não aplicar qualquer pena se:
a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;
b) O dano tiver sido reparado; e
c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção criminal.
2. Se o juiz tiver razões para crer que a reparação do dano está em vias de se verificar, pode adiar a sentença para reapreciação do caso dentro de 1 ano, em dia que logo marcará.
3. Quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem todos os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1”.
Ora, no caso, o crime pelo recorrente cometido é punível com “pena de prisão até 3 anos”, (cfr., art. 219°, n.° 1), sendo assim inaplicável o transcrito art. 68° do mesmo código, (e nenhuma violação ao mesmo havendo).
Quanto à pena (principal e acessória),
Pois bem, como se viu, foi o recorrente condenado na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 3 meses, e na proibição de entrada nos casinos por 2 anos.
Quanto à “pena acessória”, prescreve o art. 15° da Lei n.° 8/96/M que “quem for condenado pelo crime previsto no artigo 13.º é punido com a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos, por um período de 2 a 10 anos”.
Perante o assim estatuído, nenhum motivo existe para se considerar inadequada a pena acessória em questão.
No que toca à “pena principal”, cremos que nenhuma censura merece também a que foi fixada.
De facto, a mesma mostra-se-nos integralmente respeitadora dos critérios ínsitos no art. 65° do C.P.M., nela se nos afigurando adequadamente reflectidas as preocupações que se devem ter com os “fins das penas” (art. 40° do C.P.M.), apresentando-se-nos igualmente justa e equilibrada, o que leva também à conclusão que está em harmonia com o estatuído no art. 44° do C.P.M..
Com efeito, preceitua este art. 44° que:
“1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.
2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 47”.
E, com a decretada suspensão da execução da pena por 1 ano e 3 meses, ao ora recorrente não deixou de ser aplicada uma pena “não privativa de liberdade”.
Tudo visto, improcede o recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Macau, aos 02 de Junho de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 198/2011 Pág. 26
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