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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Tribunal de Última Instância do Acórdão de 15 de Dezembro de 2011, proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos autos de recurso penal nº 551/2011, alegando que esta decisão judicial se encontra em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão de 29 de Junho de 2005 emanado do Processo nº 11/2005 do Tribunal de Última Instância.
De acordo com a recorrente, a invocada questão de direito refere-se à “recorribilidade de decisão em processo contravencional laboral, restrita ao seu segmento cível, nos casos em que haja mais que uma indemnização atribuída a mais que um trabalhador, afere-se pelo valor global das indemnizações ou pelo valor de cada uma delas, isoladamente”.
Entende a recorrente que sobre a mencionada questão foram oferecidas duas soluções antagónicas e incompatíveis: no Acórdão fundamento (do TUI) sustenta-se que se deverá considerar unitária e globalmente o conjunto de todas as indemnizações, enquanto no Acórdão recorrido (do TSI) foi sustentada a consideração individualizada de cada uma das indemnizações atribuídas a cada um dos trabalhadores.
Respondeu o Ministério Público, defendendo que não se deve admitir o recurso, uma vez que “não se verifica in casu nem a identidade das questões essenciais nem a oposição de acórdãos”.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida pelo Ministério Público.

2. Fundamentos
2.1. Os requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em processo penal
O artº 419º nº 2 do Código de Processo Penal de Macau, na redacção introduzida pelo artº 73º da Lei nº 9/1999, de 20 de Dezembro, prevê os fundamentos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que dispõe o seguinte:
“1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
   
3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
   
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.”
   
Ora, são requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência:
- Existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas;
- As decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação;
- O acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e se transitou em julgado;
    - Não é admissível recurso ordinário do acórdão recorrido;
- O recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (n° 1 do art° 420° do Código de Processo Penal de Macau).
Analisando o caso sub judice, constata-se que o único requisito cuja verificação foi posta em causa se refere à existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o que implica que há de ver se, no nosso caso concreto, o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido abordam a mesma questão de direito e, no caso positivo, se encontram soluções opostas.

2.2. Existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas
Relativamente ao pressuposto em questão, é de salientar, desde logo, que tanto a doutrina como a jurisprudência apontam para a identidade da questão decidida em dois acórdãos.
Como escrevem Manuel Leal-Henriques e Simas Santos, deve existir uma identidade “entre as questões debatidas em ambos os acórdãos”, que “tanto se pode traduzir em mesma questão ou em questões diversas se, neste último caso, se puder afirmar que para a sua decisão os dois acórdãos assacados de contraditórios se pronunciaram de maneira oposta àcerca de qualquer ponto jurídico neles discutido (isto é, verifica-se oposição ainda quando os casos concretos apreciados apresentam particularidades diferentes, se tal não impede que a questão de direito em apreço nos dois acórdãos seja a mesma e haja sido decidida de modo oposto)”.1
Para além disso, a questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental, que versa sobre a matéria de direito, e não de facto, não obstante a identidade da questão decidida em dois acórdãos pressupõe que os factos fundamentais sobre os quais assentam as decisões sejam também idênticos.
A oposição de acórdãos deve ser expressa e não apenas tácita, “não bastando que um deles aceite tacitamente a doutrina contrária do outro. Os mesmos preceitos da lei devem ter sido interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos em ambos os acórdãos”.2
Trata-se de entendimento jurisprudencial, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que para efeitos de uniformização de jurisprudência a oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita. Não basta que numa das decisões possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária a outra decisão.3

3. O caso sub judice
Vistos os requisitos substanciais do recurso, resta decidir se, no nosso caso concreto, se verifica a existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas.
Ora, no acórdão recorrido, de 15 de Dezembro de 2011, o Tribunal de Segunda Instância decidiu não admitir o recurso interposto da decisão tomada pelo Tribunal Judicial de Base, considerando que o valor económico do conflito civil laboral/relação material controvertida entre a empregadora e cada um dos trabalhadores não é superior à alçada deste Tribunal em matéria civil laboral.
Acresce que não se poderia atender à soma dos valores económicos das duas relações (civis laborais) materiais controvertidas em questão para daí se retirar a ilação de que a quantia indemnizatória já ultrapassaria a alçada do Tribunal Judicial de Base.
Na tese da ora recorrente, a referida decisão do Tribunal de Segunda Instância encontra-se em oposição com o Acórdão fundamento, uma vez que o Tribunal de Última Instância se ateve expressamente ao conjunto global ou à soma matemática das 44 indemnizações em que a aí recorrente fora condenada e, seguidamente a partir desse valor global, foi fazendo as respectivas operações matemáticas de subtracção necessária até chegar ao valor final líquido do decaimento da então recorrente.
Salvo o devido respeito, não podemos acolher a tese defendida pela recorrente.
É verdade que, no Processo nº 11/2005 do Tribunal de Última Instância, a questão colocada reside em saber se o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância é recorrível ou não.
No entanto, tal como resulta claramente do Acórdão fundamento, a questão é resolvida “designadamente em função do montante em que a recorrente se deve considerar vencida”, estando em causa a interpretação e aplicação do disposto no nº 2 do artº 390º do Código de Processo Penal de Macau.
Por outras palavras, a questão essencial resolvida no acórdão fundamento cinge-se à questão de saber se é relevante o valor total de sucumbência quando o recorrente apenas não se conforma com parte, que é inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre, claramente diversa da decidida no acórdão ora recorrido.
Na realidade, o Tribunal de Última Instância nunca emitiu pronúncia sobre a questão de saber se, em matéria laboral e para aferir a recorribilidade da decisão relativa à indemnização civil dos trabalhadores, se deve atender ao valor global de todas as indemnizações atribuídas ou apenas ao valor indemnizatório atribuído a cada um dos trabalhadores, questão esta sobre a qual o Tribunal de Última Instância não foi chamado para tomar posição nem se pronunciou oficiosamente.
Pode-se dizer que o Tribunal de Última Instância aceitou implicitamente que é o soma dos valores que se releva. Mas a oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita.
Ao mesmo tempo, repare-se que, para que seja admitido o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, a questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental, ou seja, que é determinante para a solução do caso concreto.
O que sucede é que no acórdão fundamento a questão posta em causa não é, evidentemente, fundamental para a decisão de não admitir o recurso ordinário interposto para o Tribunal de Última Instância.
E não se vislumbra nenhuma oposição expressa entre os dois acórdãos sobre a mesma questão.
Pelo exposto, não se verifica um dos requisitos essenciais para que se mande prosseguir o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (artº 423º nº 1 do Código de Processo Penal de Macau), pelo que deve ser rejeitado o recurso.
   
   4. Decisão
   Face ao expendido, acordam em rejeitar o recurso.
   Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.

Macau, 25 de Abril de 2012

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

    1 Código de Processo Penal de Macau, 1997, pág. 857.
    2 Paulo Pinto de Albuquerque, citando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, no Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, pág. 1171.
    3 Cfr. Acórdãos do TUI, de 14 de Maio de 2008 e de 11 de Março de 2009, nos Processos nº 10/2008 e 6/2009.
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Processo n.º 17/2012