Processo n.º 188/2010 Data do acórdão: 2011-7-14
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– procedimento penal
– suspensão do prazo de prescrição do procedimento
– notificação pessoal da acusação
– pendência do procedimento
– decisão com trânsito em julgado
– art.o 112.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
– art.o 112.o, n.o 2, do Código Penal
S U M Á R I O
Enquanto o procedimento penal está pendente (no sentido de inexistir ainda decisão com trânsito em julgado) a partir da notificação pessoal do arguido da acusação, fica suspensa, pelo período máximo de três anos, a contagem do prazo de prescrição do procedimento – cfr. o art.o 112.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, do Código Penal de Macau.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 188/2010
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido em 15 de Janeiro de 2010 a fls. 881 a 887v dos autos de processo comum colectivo n.o CR4-08-0057-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que sobretudo julgou prescrito em 29 de Março de 2008 o procedimento penal pelo crime de contrafacção de obra protegida, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 43/99/M, de 16 de Agosto, então imputado, a título de co-autoria, aos oito arguidos desse processo, chamados A (1.o), B (2.a), C (3.o), D (4.o), E (5.o), F (6.o), G (7.o) e H (8.a), veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir a revogação desse acórdão na parte referente à questão de prescrição do procedimento penal (com pretendida condenação e punição dos 2.a, 3.o, 5.o e 8.a arguidos no crime por que vinham acusados, ou reenvio do processo para novo julgamento relativamente a estes quatro em prol da sua posição processual), tendo alegado, para o efeito, como motivos exclusivos do recurso, que diversamente do sustentado pelo Tribunal Colectivo a quo, a prescrição do procedimento penal em relação aos 1.o, 4.o, 6.o e 7.o arguidos não ocorreu em 29 de Março de 2008, mas sim em 6 de Março de 2008 quanto ao 1.o arguido e em 8 de Março de 2008 quanto aos 4.o, 6.o e 7.o arguidos, e que contrariamente ao analisado por esse Tribunal, que julgou também já prescrito em 29 de Março de 2008 o procedimento em relação aos 2.a, 3.o, 5.o e 8.a arguidos, ainda não estava prescrito o procedimento a respeito destes quatro (cfr. o teor da motivação do recurso, apresentada a fls. 897 a 906v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso não foi apresentada nenhuma resposta.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto, em sede de vista, parecer (a fls. 966 a 967), no sentido de provimento do recurso.
Apesar de terem sido feito o exame preliminar pelo anterior Mm.o Juiz Relator e corridos os primitivos vistos legais (cfr. o processado a fl. 968 a 969), os presentes autos recursórios foram redistribuídos por causa da recente especialização do Tribunal de Segunda Instância (cfr. fl. 969v).
Por determinação do novo ora relator, foram colhidos novos vistos.
Cumpre decidir do recurso em conferência, nos termos do art.o 409.o, n.o 2, alínea b), parte final, do Código de Processo Penal de Macau (CPP).
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução, é de atender aos seguintes factos processuais, coligidos do exame dos autos:
1. Aos oito arguidos do processo penal subjacente à presente lide recursória, chamados A(1.o), B (2.a), C (3.o), D (4.o), E (5.o), F (6.o), G (7.o) e H (8.a), foi imputada a prática, em co-autoria material, em 5 de Março de 2003 (dia em que foram efectuadas as buscas das quais resultaram apreendidas as obras protegidas contrafeitas), de um crime consumado de contrafacção de obra protegida, previsto pelo art.o 211.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 43/99/M, de 16 de Agosto, e punível com pena de prisão de 1 a 4 anos – cfr. o teor da acusação pública deduzida em 18 de Fevereiro de 2008 (a fls. 551 a 561 dos autos).
2. Com excepção do 1.o arguido, todos os restantes sete arguidos foram constituídos arguidos no dia 5 de Março de 2003 (cfr. fls. 115 a 121 dos autos).
3. Com excepção do 1.o arguido, a todos os restantes sete arguidos foram aplicadas, em 7 de Março de 2003, as respectivas medidas de coacção, depois de terem esses sete interrogados como arguidos pelo Ministério Público no mesmo dia 7 de Março de 2003 (cfr. fls. 166 a 176 e 183 a 186).
4. Em 21 de Fevereiro de 2008, o Digno Procurador-Adjunto autor do libelo acusatório de 18 de Fevereiro de 2008 decidiu dispensar a notificação do 4.o arguido da acusação (cfr. fl. 565).
5. Em 21 de Fevereiro de 2008, os 2.a, 3.o, 5.o e 8.a arguidos foram pessoalmente notificados da acusação (cfr. fls. 574 a 578).
6. Em 27 de Fevereiro de 2008, foram registadas as cartas de notificação da acusação dirigidas pelo Ministério Público aos 1.o, 6.o e 7.o arguidos (cfr. fls. 581 a 583v), das quais não tendo constado a cominação de que “as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando aquele o não for”, sendo que todas essas cartas foram devolvidas ao Ministério Público em 11 de Abril de 2008 (a fls. 611 a 613).
7. Em 14 de Março de 2008, foram remetidos os autos de inqúerito ao Tribunal Judicial de Base para efeitos de distribuição (cfr. fls. 591v a 592).
8. Em 4 de Setembro de 2008, foi designada a data de 23 de Setembro de 2009 para julgamento (cfr. fls. 628 a 628v).
9. Em 15 de Janeiro de 2010, foi proferido o acórdão final em primeira instância (a fls. 881 a 887v), julgando-se já completo, em 29 de Março de 2008, o prazo de prescrição do procedimento penal em relação a todos os oito arguidos acusados.
10. Até à data de 21 de Fevereiro de 2011 (inclusive), ainda não houve decisão com trânsito em julgado nos presentes autos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Ante os elementos acima coligidos na parte II do presente acórdão de recurso, procedem os dois únicos motivos do recurso do Ministério Público, porquanto:
– sendo de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento pelo crime em questão (art.o 110.o, n.o 1, alínea d), do Código Penal de Macau (CP), este prazo começou a correr a partir do dia 5 de Março de 2003 (cfr. o facto processual 1 acima referido);
– entretanto, a contagem do prazo, em relação aos 2.a, 3.o, 4.o, 5.o, 6.o, 7.o e 8.a arguidos, ficou interrupta em 7 de Março de 2003 (cfr. o facto processual 3 supra), por força do disposto, pelo menos, na alínea b) do n.o 1 do art.o 113.o do CP, pelo que o prazo de cinco anos, a respeito destes sete arguidos, voltou a correr tudo de novo, a partir desse dia 7 de Março de 2003 (cfr. o art.o 113.o, n.o 2, do CP);
– entrementes, em relação aos 2.a, 3.o, 5.o e 8.a arguidos, devido precisamente ao facto processual 5 supra, a contagem do prazo ficou de novo interrupta em 21 de Fevereiro de 2008 (cfr. o art.o 113.o, n.o 1, alínea c), do CP), pelo que o mesmo prazo de cinco anos a respeito destes quatro arguidos teve que correr tudo de novo desde esse dia 21 de Fevereiro de 2008, sendo certo que a contagem de novo de cinco anos ficou simultaneamente suspensa nesse próprio dia 21 de Fevereiro de 2008, pelo período máximo de três anos em relação aos mesmos quatro arguidos (por inexistência, conforme o facto processual 10 supra, de decisão com trânsito em julgado nos três anos contados de 21 de Fevereiro de 2008, e, como tal, o procedimento penal ter estado pendente inclusivamente nesses três anos – e sobre o critério do “trânsito em julgado da decisão”, apud JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in DIREITO PENAL PORTUGUÊS, Aequitas e Editorial Notícias, 1993, pág. 699, 2.a a 5.a linhas), nos termos permitidos pelas disposições conjugadas do n.o 1 (alínea b), primeira parte) e do n.o 2, do art.o 112.o do CP), de maneira que a contagem de novo do prazo de cinco anos só pôde começar a correr a partir de 21 de Fevereiro de 2011, e só ficaria completo, in casu, no dia 5 de Setembro de 2013 (por comando obrigatório do art.o 113.o, n.o 3, primeira parte, do CP), e nunca já no dia 29 de Março de 2008, referido no acórdão recorrido;
– por aí se ilustra que à data de emissão do acórdão recorrido (e mesmo à data presente), o procedimento penal em relação aos 2.a, 3.o, 5.o e 8.a arguidos não estava nem está prescrito;
– enquanto o procedimento penal em relação ao 1.o arguido, devido aos factos processuais 1, 2, 3 e 6 supra (dos quais resulta que no período de cinco anos contado de 5 de Março de 2003 como sendo o “último” dia da prática dos factos relativos ao crime imputado, não houve, a respeito deste 1.o arguido, nenhuma causa de interrupção nem de suspensão da contagem desse prazo de prescrição do procedimento penal), já se encontrou prescrito no dia 6 de Março de 2008;
– e o procedimento a respeito dos 4.o, 6.o e 7.o, devido aos factos processuais 3, 4 e 6 supra (dos quais se retira que estes três arguidos não podem ser considerados como já notificados pessoalmente da acusação – cfr. sobretudo o art.o 100.o, n.o 2, do CPP, a contrario sensu, norma jurídica essa que dita que “Quando efectuadas por via postal, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando aquele o não for, devendo a cominação constar do acto de notificação” (com sublinhado só agora posto)), também ficou já prescrito no dia 8 de Março de 2008.
Procede, pois, o recurso, sendo de revogar o acórdão recorrido na parte em que se julgou prescrito em 29 de Março de 2008 o procedimento penal pelo crime acusado aos oito arguidos em questão.
Estando já prescrito esse procedimento em relação aos 1.o, 4.o, 6.o e 7.o (em 6 de Março de 2008 para o 1.o, e em 8 de Março de 2008 para os 4.o, 6.o e 7.o), e enquanto ainda não está prescrito o mesmo procedimento a respeito dos 2.a, 3.o, 5º e 8.a arguidos, sendo certo que no acórdão recorrido não se pronunciou sobre o mérito do libelo, caberá ao mesmo Tribunal recorrido conhecer do mérito da acusação então deduzida pelo Ministério Público contra estes quatro arguidos, nomeadamente em face da mesma matéria de facto então já descrita como provada no texto do acórdão ora impugnado.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso do Ministério Público, revogando a decisão recorrida na parte em que se decidiu da questão de prescrição do procedimento penal em relação aos oito arguidos dos autos, e determinando o conhecimento, pelo mesmo Tribunal a quo, do mérito da acusação pública então deduzida contra a 2.a arguida B, o 3.o arguido C, o 5.o arguido E e a 8.a arguida H.
Sem custas pelo presente processado recursório.
Macau, 14 de Julho de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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