Processo n.º 208/2011 Data do acórdão: 2011-7-14
(Autos de recurso penal)
Assuntos:
– acidente de viação
– ofensa negligente à integridade física
– medida concreta da pena
– diferente dimensão das lesões dos ofendidos
S U M Á R I O
Na medida concreta da pena dos crimes negligentes à integridade física consumados num mesmo acidente de viação, é de levar sobretudo em conta a diferente dimensão das lesões sofridas pelos respectivos ofendidos.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 208/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 401 a 409 dos autos de processo comum colectivo n.o CR1-07-0073-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, na parte referente à medida da penas de prisão pelos dois crimes consumados negligentes de ofensa grave à integridade física e pelos dois crimes consumados negligentes de ofensa simples à integridade física, por que vinha condenado, bem com à fixação da duração de conexa inibição de condução, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar, com fundamento no facto de ele próprio ficar também gravemente ferido no acidente de viação a que deu causa, a atenuação especial da pena, nos termos do art.o 66.o, n.o 2, alínea e), do Código Penal de Macau (CP), e, subsidiariamente, a redução da pena e do período de interdição de condução (cfr. o teor da motivação apresentada a fls. 420 a 431 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 433 a 437) no sentido de manifesta improcedência.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer (a fls. 453 a 455), no sentido de provimento do recurso na pretensão subsidiária do recorrente, com consequente redução das quatro penas penais e do período das quatro penas de inibição de condução, com suspensão da execução da pena única de prisão a ser fixada de novo.
Feito o exame preliminar, e corridos os vistos legais, realizou-se a audiência em julgamento.
Cumpre agora decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do recurso, é considerar toda a matéria de facto já descrita como provada no texto do acórdão recorrido, que se dá por aqui integralmente reproduzida, nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 6, do Código de Processo Civil de Macau, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal de Macau (CPP).
Por outra banda, decorrem do exame dos autos que:
– o próprio Tribunal recorrido deu por provado que por causa do acidente de viação dos autos, o arguido também ficou ferido (cfr. a parte final do facto descrito como provado no antepenúltimo parágrafo da página 5 do texto decisório recorrido, a fl. 403);
– segundo o teor dos dois relatórios de exame médico feito pelo perito médico público em 20 de Julho de 2004 e 15 de Fevereiro de 2005, o arguido ficou gravemente ferido no acidente de viação dos autos, ocorrido em 27 de Março de 2004, tendo ficado hospitalizado até 11 de Junho de 2004, por causa de sujeição à intervenção cirúrgica na parte abdominal, destinada, nomeadamente, à reparação do fígado e dos pâncreas, e necessitado, pois, de 122 dias para convalescença;
– na audiência de julgamento em primeira instância, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos (cfr. a respectiva acta na parte concretamente constante de fl. 397v);
– o arguido é delinquente primário (cfr. o teor da página 7 do acórdão recorrido, a fl. 404);
– o arguido foi penalmente condenado, em primeira instância, como autor material, por negligência, e na forma consumada, de dois crimes de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 1, do CP e pelos art.os 66.o, n.o 1, e 73.o, n.o 1, alínea a), do anterior Código da Estrada, em 1 ano e 4 meses de prisão com 6 meses de inibição de condução por cada, e de dois crimes de ofensa grave à integridade física, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 3, do CP e pelos art.os 66.o, n.o 1, e 73.o, n.o 1, alínea a), do mesmo Código da Estrada, em 2 anos de prisão com 1 ano de inibição de condução por cada, e, em cúmulo, em 3 anos e 6 meses de prisão única, com 3 anos de inibição de condução.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, afigura-se que os elementos acima coligidos não permitem integrar a circunstância da alínea e), do n.o 2 do art.o 66.o do CP, pelo que independentemente de mais indagação por ociosa, improcede a pretendida atenuação especial da pena com base na alegada verificação dessa alínea e).
Com isso, é de conhecer do pedido subsidiário, de redução da pena e do período de interdição de condução, do recorrente.
Entretanto, há que aquilatar primeiro, e oficiosamente, da justeza da condenação decidida em primeira instância na parte referente aos dois crimes consumados negligentes de ofensa grave à integridade física (contra as duas pessoas passageiras do táxi dos autos).
A este propósito, é de convolar mesmo a qualificação jurídica destes dois crimes, de ofensa grave para ofensa simples, porquanto as lesões concretamente sofridas por esses dois indivíduos na sequência do acidente de viação, como tal descritas nos respectivos relatórios de exame médico-legal, cujo teor já foi dado como integralmente reproduzido na fundamentação fáctica do aresto recorrido, não permitem, aos olhos do presente Tribunal ad quem, integrar qualquer das alíneas do art.o 138.o do CP.
Assim sendo, e agora em conhecimento concreto do pedido subsidiariamente formulado pelo arguido na motivação do recurso:
– tendo sobretudo em conta a diferente dimensão das lesões sofridas pelos quatro ofendidos dos autos, e o facto de o arguido ser delinquente primário, é de passar a aplicar a este, e dentro dos parâmetros da medida da pena previstos mormente nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do CP, como autor material de quatro crimes negligentes consumados de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 1, do CP e do art.o 66.o, n.o 1, do anterior Código da Estrada (vigente à data dos factos), as seguintes quatro penas parcelares correspondentes (dentro da moldura, agravada, de 9 meses a 2 anos de prisão): as penas igualmente de 1 ano e 9 meses de prisão nos dois crimes contra os dois indivíduos transportados no táxi embatido pelo veículo então conduzido pelo arguido, a pena de 1 ano e 3 meses de prisão no crime contra o condutor desse táxi, e a pena de 10 meses de prisão no crime contra o outro condutor ofendido (nota-se, entretanto, que na presente sede recursória, só se considera a aplicação da pena de prisão, por o arguido não ter peticionado, como motivo do recurso, a aplicação da multa em detrimento da prisão);
– e, em cúmulo jurídico dessas quatro penas parcelares, e dentro da moldura legal da nova pena única de 1 ano e 9 meses a 5 anos e 7 meses de prisão, é de passar a impor ao arguido, depois de considerados, em conjunto, os factos e a sua personalidade, nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, a nova pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, por também entendidos verificados os respectivos pressupostos legais previstos no art.o 48.o, n.o 1, do CP;
– e no respeitante à suspensão da validade da licença de condução do arguido, é de passar a aplicar-lhe o seguinte (também com consideração, nomeadamente, da diferente dimensão das lesões dos ofendidos), dentro da moldura de 1 mês a 2 anos de inibição de condução, como tal prevista no art.o 73.o, n.o 1, alínea a), do anterior Código da Estrada (já aplicado em concreto no acórdão recorrido como sendo mais favorável ao próprio arguido): 9 meses, igualmente, de inibição de condução por cada um dos dois crimes contra as duas pessoas transportadas no táxi, 6 meses de inibição pelo crime contra o taxista, e 4 meses de inibição pelo crime contra o outro condutor;
– e, assim, no total, são 2 anos e 4 meses de inibição de condução.
Procede, pois, o recurso na pretensão subsidiária do arguido.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em proceder oficiosamente à convolação dos dois crimes negligentes consumados de ofensa grave à integridade física por cuja autoria vinha condenado o arguido, para dois crimes negligentes consumados de ofensa simples à integridade física, julgar provido o pedido subsidiário formulado no recurso, e passando a condenar finalmente o recorrente A, como autor material de quatro crimes negligentes consumados de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 1, do Código Penal de Macau e dos art.os 66.o, n.o 1, e 73.o, n.o 1, alínea a), do anterior Código da Estrada, nas penas igualmente de um ano e nove meses de prisão nos dois crimes contra os dois indivíduos transportados no táxi dos autos, a pena de um ano e três meses de prisão no crime contra o condutor desse táxi, e a pena de dez meses de prisão no crime contra o outro condutor ofendido, e, em cúmulo jurídico dessas quatro penas parcelares, na pena única de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, bem como em nove meses, igualmente, de inibição de condução por cada um dos dois crimes contra aqueles dois indivíduos transportados, seis meses de inibição pelo crime contra o taxista, e quatro meses de inibição pelo crime contra o outro condutor, e, assim, no período total de dois anos e quatro meses de inibição de condução, sendo intacto todo o restante decidido no aresto recorrido.
Pagará o arguido as custas do recurso na parte que decaiu, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 14 de Julho de 2011.
______________________ (vencido na parte respeitante à convolação dos dois
Chan Kuong Seng crimes de ofensa grave, por opinar que o período de
(Relator) convalescença das lesões das duas pessoas transportadas no táxi lhes afectou, de maneira grave, a capacidade para o trabalho – artigo 138.o, alínea b), do Código Penal de Macau).
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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