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Processo n.º 19/2011 Data do acórdão: 2011-01-20
(Recurso penal)
Assuntos:
– art.o 315.o, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal
– art.o 317.o, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal
– julgamento à revelia consentida
– trânsito em julgado
– revogação da pena suspensa
– cometimento de novo crime durante o período de suspensão
– art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal




S U M Á R I O

1. Se o arguido ora recorrente já foi julgado à revelia por ele próprio consentida, a sentença condenatória com imposição da pena de prisão suspensa na sua execução e então lida com a presença do seu defensor, já transitou em julgado após decorrido o prazo de dez dias contado do dia de leitura, não tendo, pois, aplicação o art.o 317.o, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal de Macau, uma vez que o art.o 315.o, n.os 2 e 3, deste Código instituiu um regime especial para o julgamento à revelia consentida.
2. O facto de ele ter sabido de antemão que estava já em curso um inquérito penal de que era arguido por crimes de falsas declarações sobre a identidade e de reentrada ilegal em Macau, o facto de ter ele confirmado perante o Ministério Públicio a sua confissão dos factos respeitantes a esses crimes anteriormente feita à Polícia, o facto de ter ele prestado o consentimento de que a audiência de julgamento desse processo penal poderia ter lugar à sua revelia, e o facto de a carta registada de notificação do despacho de substituição de defensor oficioso então dirigida à morada por ele fornecida no seu termo de identidade e residência não ter sido devolvida, já dão para presumir judicialmente que ele já contou com a sua condenação pelos crimes em questão.
3. Daí que ao ter voltado a praticar nomeadamente nova conduta de reentrada ilegal em Macau, o arguido já fez invalidar, por conduta voluntária sua e penalmente censurável, todo o juízo de prognose favorável então formado pelo tribunal autor da referida sentença condenatória aquando da decisão da suspensão da execução da pena de prisão, pelo que sob a égide do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal de Macau, a suspensão deve ser realmente revogada.
O relator,

Chan Kuong Seng

Processo n.º 19/2011
(Recurso penal)
Recorrente: A (A)
Recorrido: Ministério Público





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a decisão proferida em 13 de Dezembro de 2010 pelo Mm.o Juiz titular do processo comum singular n.o CR4-09-0100-PCS do 4.o Juízo Criminal (então n.o CR1-09-0140-PCS do 1.o Juízo Criminal) do Tribunal Judicial de Base que lhe revogou a suspensão da execução da pena única de um ano de prisão outrora aplicada neste processo (cfr. a decisão revogatória constante de fls. 89 a 90 dos presentes autos correspondentes), veio o arguido condenado A (A), já aí melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir (mediante a motivação de fls. 93 a 104) a invalidação dessa decisão, com consequente manutenção da suspensão da execução da dita pena de prisão.
Ao recurso respondeu (a fls. 107 a 109) a Digna Procuradora-Adjunta junto do Tribunal recorrido, no sentido de improcedência do mesmo.
Subido o recurso, feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – DOS FACTOS
Com pertinência à solução do recurso, é de coligir dos autos os seguintes elementos fácticos:
O ora recorrente A foi interrogado pelo Ministério Público em 18 de Fevereiro de 2008 no âmbito do respectivo inquérito penal n.o 1675/2008 (1.a Secção/N.I.C.) acerca dos factos integradores dos crimes de falsas declarações sobre a identidade e de reentrada ilegal em Macau, em sede do qual disse confirmar as suas declarações anteriormente prestadas à Polícia de acordo com as quais confessou ele próprio a prática de tais factos.
Depois, chegou o recorrente a prestar nesse mesmo dia a declaração constante de fl. 18 dos presentes autos, no sentido de, na eventualidade de ser deduzida acusação, consentir que a audiência de julgamento tivesse lugar na sua ausência, na previsível impossibilidade de ser notificado para comparecer em data a designar para a realização da mesma por motivos de ausência de Macau, por residir fora de Macau.
Prestou também o seu Termo de Identidade e Residência (TIR), com indicação da sua residência na China (cfr. fls. 17 a 17v).
Em 11 de Fevereiro de 2009, foi deduzida acusação contra ele, imputando-lhe dois crimes de falsas declarações sobre a identidade e um crime de reentrada ilegal em Macau (cfr. fls. 22 a 23).
Essa acusação foi objecto de notificação por carta registada de 12 de Fevereiro de 2009, dirigida à morada do recorrente na China, indicada no seu TIR (cfr. o processado de fls. 24 a 24v), carta esta que veio a ser devolvida a fl. 31 por motivo de “insuficiência da morada” (segundo o teor do talão de devolução colado pelos Correios da China).
Autuados depois os mesmos autos de inqúerito no Tribunal Judicial de Base inicialmente como sendo processo n.o CR1-09-0140-PCS do 1.o Juízo Criminal, foi proferido em 9 de Março de 2009 o despacho de designação da data de julgamento (a fls. 28 a 28v), com nomeação de um Ilustre Defensor Oficioso ao recorrente, despacho esse que foi objecto de notificação por carta registada de 20 de Julho de 2009 (a fls. 34 a 34v), dirigida à mesma morada do recorrente na China, carta essa que veio a ser também devolvida a fl. 48.
Ulteriormente, foi decidida em 7 de Setembro de 2009 a substituição da pessoa de Defensor do arguido, o que foi objecto de notificação por carta registada de 24 de Setembro de 2009 (a fls. 40 a 40v, com indicação do número do processo penal em questão e do escritório e do número telefónico e do número de fax da nova Ilustre Defensora nomeada), dirigida à mesma morada do recorrente na China, carta essa que veio a ser distribuída pelos Correios da China em 29 de Setembro de 2009 (segundo a informação postal de fls. 60 a 61).
Em 5 de Janeiro de 2010, foi dirigida (a fls. 42 a 42v) outra carta registada à morada do recorrente na China para efeitos de notificação da alteração da data de audiência de julgamento anteriormente marcada, carta essa que veio a ser devolvida a fl. 48.
Em 22 de Fevereiro de 2010, realizou-se a audiência de julgamento, na ausência do recorrente, o qual foi representado por um Ilustre Defensor Oficioso, nomeado nesse dia (cfr. a acta de julgamento de fls. 54 a 54v).
E nesse mesmo dia, foi logo proferida a sentença final (de fls. 55 a 58), condenando-se o recorrente como autor material, na forma consumada, de um crime continuado de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de nove meses de prisão, e como autor material, na forma consumada, de um crime de reentrada ilegal em Macau, p. e p. pelo art.o 21.o da mesma Lei, na pena de quatro meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares, na pena única de um ano de prisão, suspensa entretanto na sua execução pelo período de três anos.
Essa sentença foi objecto de notificação por carta registada de 8 de Março de 2010, dirigida à mesma morada do recorrente na China (cfr. o processado de fls. 68 a 68v), que veio devolvida a fl. 71, por “inexistência da pessoa destinatária” (segundo o teor do talão de devolução colado pelos Correios da China).
Dos autos não consta nenhuma comunicação feita pelo recorrente sobre a sua eventual alteração da morada.
Em 25 de Outubro de 2010, o recorrente veio a ser julgado presencialmente pelo 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base no âmbito do respectivo processo sumário n.o CR4-10-0205-PSM, e condenado nesse mesmo dia na pena de três meses de prisão efectiva, como autor de um crime de reentrada ilegal em Macau, p. e p. pelo art.o 21.o da acima referida Lei n.o 6/2004, praticado em Outubro de 2010 (cfr. o teor da certidão da correspondente sentença, ora constante de fls. 79 a 81 dos presentes autos).
Em face da certidão dessa nova condenação penal, o Mm.o Juiz titular daquele primeiro processo (ou seja, do processo subjacente à presente lide recursória) decidiu, em 13 de Dezembro de 2010, e nomeadamente após ouvida a própria pessoa do recorrente sobre a matéria e sob promoção do Ministério Público no sentido de revogação da pena suspensa, revogar, à luz do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal de Macau (CP), a suspensão da execução da pena única de um ano de prisão então imposta ao ora recorrente, por entender que ante a nova condenação do recorrente pela prática de um crime homólogo, as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cfr. o teor dessa decisão revogatória ditada na acta de audição de 13 de Dezembro de 2010, lavrada a fls. 89 a 90 dos presentes autos).
III – DIREITO
Na sua motivação, o recorrente defende, na sua essência, que:
– “a re-prática do crime de reentrada ilegal… não satisfaz o requisito substancial” vertido no art.o 54.o, n.o 1, do CP para efeitos de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, porquanto “A devolução das … notificações significa que o ora Recorrente, pelo menos antes de voltar para Macau ilegalmente em 3 de Outubro de 2010, não tinha nenhum conhecimento sobre a sua condenação, nem sequer o mínimo conhecimento sobre o andamento do processo, nomeadamente se o seu caso já tinha terminado ou não”;
– quer isto dizer, “ao momento em que o Recorrente foi expulso, o mesmo era ainda inocente, pelo que, ele próprio não tinha, nem devia ter, uma ideia de ser condenado no processo”;
– ora, “a fim de assegurar as finalidades da pena, nomeadamente a da prevenção especial, o delinquente deve ter o inteiro conhecimento sobre o conteúdo da condenação”, já que “Se a sentença da condenação da suspensão nunca chegou ao conhecimento do Recorrente, como é que a advertência produz efeitos nele?”;
– por outro lado, “a re-prática do crime de reentrada ilegal não deve ser uma manifesta violação dos deveres impostos a ele, porque ele próprio ainda não foi advertido pela suspensão da execução da pena de prisão”;
– assim sendo, é de concluir que “em virtude de não estar satisfeito o requisito substancial, a suspensão da execução da pena de prisão não deve ser revogada”.
De antemão, cumpre a este Tribunal ad quem observar que como o Mm.o Juiz a quo fundou a sua ora impugnada decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão na norma da alínea b) do n.o 1 do art.o 54.o do CP, fica destituído de sentido útil indagar na presente lide recursória se a “re-prática do crime de reentrada ilegal” não deve ser considerada como “uma manifesta violação dos deveres impostos” ao recorrente.
E agora sobre a temática nuclear de alegada falta de conhecimento pessoal, pelo recorrente, do teor da sentença condenatória de então, é de notar desde já, na esteira do entendimento vertido nos dois acórdãos da pena do mesmo ora relator, proferidos pelo Tribunal de Segunda Instância em 23 de Abril de 2009 no processo n.o 240/2009, e em 7 de Maio de 2009 no processo n.o 286/2009, que:
– se o recorrente já foi julgado à revelia por ele próprio consentida, a sentença condenatória então proferida em 22 de Fevereiro de 2010 com a presença do seu Ilustre Defensor, já transitou em julgado após decorrido o prazo de dez dias contado desse dia, não tendo, pois, aplicação in casu o art.o 317.o, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal de Macau (CPP), uma vez que o art.o 315.o, n.os 2 e 3, do mesmo Código instituiu um regime especial para o julgamento à revelia consentida.
E no tocante ao alegado desconhecimento pessoal da anterior sentença condenatória, não assiste razão ao recorrente, porquanto o facto de ele ter sabido de antemão que estava já em curso um inquérito penal de que era arguido por crimes de falsas declarações sobre a identidade e de reentrada ilegal em Macau, o facto de ter ele confirmado perante o Ministério Públicio a sua confissão dos factos respeitantes a esses crimes anteriormente feita à Polícia, o facto de ter ele prestado o consentimento de que a audiência de julgamento desse processo penal poderia ter lugar à sua revelia, e o facto de a carta registada de notificação do despacho de substituição de Defensor Oficioso então dirigida à morada por ele fornecida no seu TIR não ter sido devolvida, já dão para presumir judicialmente que ele já contou com a sua condenação pelos crimes em questão, pelo que ao ter voltado a praticar nova conduta de reentrada ilegal em Macau, o próprio recorrente já fez invalidar, por conduta voluntária sua e penalmente censurável, todo o juízo de prognose favorável então formado pelo Mm.o Juiz autor da anterior sentença condenatória de 22 de Fevereiro de 2010 aquando da decisão da suspensão da execução da pena única de um ano de prisão, daí que sob a égide do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP, a suspensão deve ser realmente revogada, tal como já foi decidida correctamente pela Mm.a Juiz a quo, precisamente porque também na óptica do presente Tribunal ad quem, já se encontra totalmente verificado o requisito consagrado na alínea b) do n.o 1 do art.o 54.o do CP, qual seja, o de o condenado (ora recorrente), no decurso da suspensão da execução da pena de prisão, cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso do condenado A.
Custas do recurso pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça, e mil patacas de honorários a favor do seu Ilustre Defensor Oficioso, ora a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique o presente acórdão urgentemente ao processo de execução de pena n.o PEP-164-10-2 do 2.o Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base (emergente do processo sumário n.o CR4-10-0205-PSM), solicitando a emissão de mandados de desligamento, para o arguido, depois de cumprimento total, em 23 de Janeiro de 2011, da pena de três meses de prisão aplicada nesse processo, passar a cumprir a pena única de um ano de prisão à ordem do processo comum singular n.o CR4-09-0100-PCS (outrora n.o CR1-09-0140-PCS) subjacente à presente lide recursória.
Comunique o presente acórdão também urgentemente ao Senhor Director do Estabelecimento Prisional de Macau, para os efeitos tidos por convenientes.
Macau, 20 de Janeiro de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)



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