Processo nº 629/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Sob acusação pública respondeu A (A), com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor da prática de 3 crimes de “emprego ilegal”, p. e p. pelo art. 16, n° 1 da Lei n° 6/2004 de 02.08, na pena de 3 meses de prisão cada, e, em cúmulo, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; (cfr., fls. 113-v a 114).
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Inconformado, traz o arguido o presente recurso, no qual apresenta as seguintes conclusões:
“(a) O crime previsto no artigo 16°, n° 1, da Lei 6/2004 não é punível se o agente actuar com negligência.
(b) Segundo a matéria provada nos autos, o 1° arguido limitou-se a encarregar o 2° arguido de arranjar trabalhadores para decorar a sua casa por um salário diário de MOP$250 para cada.
(c) O qual foi quem, na realidade, empregou os trabalhadores em causa sem examinar os respectivos documentos de identificação e verificar se eles estavam habilitados a trabalhar em Macau.
(d) Tendo o 1° arguido constituído uma relação laboral com os mesmos apenas porque era o proprietário da fracção.
(e) Donde não se retira que o 1° arguido haja representado a realização de um facto que preenche o crime de emprego ilegal como consequência necessária da sua conduta ou como consequência possível desta, conformando-se com aquela realização, neste último caso.
(f) Há, como tal, desde logo, insuficiência notória para a decisão, no que respeita à actuação do 1° arguido com dolo, da matéria de facto provada.
(g) Pelo que deve o Tribunal de Segunda Instância determinar, nos termos do disposto no artigo 418° do Código de Processo Penal de Macau, o reenvio do processo para novo julgamento.
(h) Caso se entenda que não existe insuficiência notória para a decisão da matéria de facto provada no que respeita à actuação do 1° arguido com dolo, não há dúvida que a sentença recorrida comete um erro notório na apreciação da prova.
(i) Com efeito, a sentença recorrida não poderia ter julgado provado que o 1° arguido encarregou o 2° arguido de arranjar trabalhadores para decorar a sua casa por um salário diário de MOP$250 e que pagou a cada um MOP$250 por dia mas sim apenas que o 1° arguido encarregou o 2° arguido de arranjar trabalhadores para decorar a sua casa, sem mais.
(j) Pelo que, provado apenas que 1° arguido encarregou o 2° arguido de arranjar trabalhadores para decorar a sua casa, sem mais, há insuficiência notória para a decisão da matéria de facto provada relativamente à actuação do 1° arguido com dolo pelas razões expostas.
(k) Devendo, novamente, por isso, o Tribunal de Segunda Instância determinar, nos termos do disposto no artigo 418° do Código de Processo Penal de Macau, o reenvio do processo para novo julgamento.
(1) O arguido A foi condenado pela prática de três crimes de emprego ilegal por, em suma, na qualidade de proprietário da fracção onde decorriam obras de decoração, ter empregue, para trabalhar nas mesmas, três trabalhadores sem verificar as suas identidades e confirmar se possuíam títulos válidos para trabalhar em Macau.
(m) Estamos, porém, claramente perante a realização plúrima do mesmo tipo de crime que fundamentalmente protege o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente.
(n) A sentença recorrida, ao condenar o 1° arguido pela prática de três crimes de emprego ilegal ao invés de um único crime continuado, violou o disposto no n° 2 do artigo 29° do Código Penal.”; (cfr., fls. 120 a 127).
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Respondendo, afirma o Exm° Magistrado do Ministério Público que:
“1- Não tendo indicado normas violadas nas conclusões da motivação do recurso, deve ser rejeitado, pelo menos, os fundamentos com a tal falta;
2- Tendo o Tribunal a quo provado que o Recorrente tinha contratado os 3 trabalhadores ilegais, com o salário diário de MOP250,00, sem ter verificado a sua identificação, não há insuficiência para a decisão da matéria de facto provado nomeadamente sobre o elemento subjectivo - o dolo eventual do Recorrente;
3- Também quanto ao dolo, não há erro notório na apreciação da prova quando o Recorrente sendo um profissional da área por mais que 20 anos, ter encarregar um empregado seu, trabalhador não residente para arranjar trabalhadores, enquanto tinha ainda 5 a 6 trabalhadores locais a título permanente, e pelo facto de ter fixar o salário diário em MOP250 00 enquanto o salário praticado no mercado é de MOP500,00 a MOP600,00, matéria que é da livre apreciação do julgador nos termos do art. 114° do CPPM;
4- A jurisprudência entende que no crime de emprego ilegal, o número de crimes corresponde ao número de trabalhadores contratados tendo em consideração a natureza do bem jurídico protegido.”; (cfr., fls. 129 a 131-v).
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Admitindo o recurso com o efeito e modo de subida adequado, e nesta Instância, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o Parecer seguinte:
“Acompanham-se as judiciosas considerações do Exmo colega junto da 1ª Instância que, por ocioso, nos dispensaremos de reproduzir, que atestam, plenamente o fundamento do alegado e pretendido pelo recorrente.
Na verdade, não se entende, desde logo, que, para o preenchimento da sustentada insuficiência notória para a decisão da matéria de facto provada, venha o recorrente sustentar que "a sentença não poderia ter julgado provado que o 1° arguido encarregou o 2° arguido de arranjar trabalhadores para decorar a sua casa por um salário diário de MOP 250.00 e que pagou a cada um MOP 250.00 por dia, mas sim apenas que o 1 ° arguido encarregou o 2° arguido de arranjar trabalhadores para decorar a sua casa, sem mais " ..
A questão, cremos, não se coloca nesses termos.
Sendo indiscutível que o recorrente encarregou o 2° arguido da contratação dos trabalhadores em causa e que, aquando dessa contratação não cuidou, pelo menos, de verificar se os mesmos possuíam os documentos legalmente exigidos para poderem ser admitidos como trabalhadores na RAEM, sendo que o salário estipulado para os mesmos foi de apenas MOP 250,00 diários, quando, como profissional da área, detendo, aliás, ao seu serviço trabalhadores locais, sabia muito bem que os vencimentos pagos no sector eram, em média, de 500 a 600 patacas diárias, tal atitude apresenta-se, de facto, como de aceitação, de conformação com o estatuto de emprego ilegal daqueles, conformação, aliás, em seu próprio proveito, como é óbvio, pelo que o registo de, pelo menos dolo eventual em sede do elemento subjectivo da infracção se apresenta como inquestionável.
Por outra banda, pelo facto de ter sido o 2° arguido quem encetou as "démarches" para a contratação dos trabalhadores em questão, não invalida as circunstâncias acima enunciadas, isto é, que o recorrente, tendo encarregue aquele dessa contratação, tenha constituído a relação laboral, sabendo perfeitamente que o salário estipulado era muito inferior ao usualmente pago aos trabalhadores em situação legal, não cuidando de verificar a documentação respectiva, tratando-se, pois, de contratação ilegal, situação com a qual se conformou, em seu próprio proveito, não se vendo, assim, onde a ocorrência da pretendida insuficiência notória para a decisão, no que tange à ocorrência do elemento subjectivo da infracção, ou erro notório na apreciação da prova relativo à materialidade da conduta do recorrente.
Finalmente, porque a contratação de cada trabalhador constitui situação específica, sendo exigível ao recorrente, ao estabelecer relação laboral com cada trabalhador, exigir que cada um deles preencha os necessários requisitos legais para o efeito, com exibição da documentação respectiva, revela-se evidente que, por mais trabalhadores que se trate e da similaridade das situações atinentes, cada situação é uma situação, com os seus contornos específicos, a não suportarem a consideração de eventual diminuição acentuada da culpa por parte do agente contratador, existindo, assim, sempre, quanto a tais situações, concurso real de infracções, conforme, de resto, jurisprudência já adiantada pelo Exm° colega.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 157 a 159).
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Realizada a audiência de julgamento do recurso, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“A (primeiro arguido) é o proprietário da “Empresa da Manutenção de Elevadores XX”.
Em Novembro de 2007, A mandou o empregado da sua empresa B (segundo arguido) a procurar e contratar operários de reforma de moradia para decorar o seu apartamento situado no ....º andar do Edf. ........., Travessa dos Tréns, n.º ...., Macau, com o vencimento diário de MOP$ 250,00.
Em 17 de Dezembro de 2007, por cerca de 3h30 à tarde, os guardas da PSP receberam uma queixa para ir proceder à investigação no apartamento supracitado, encontrando que B e três residentes do Interior, portadores de documentos de viagem da China, C (C), D (D) e E (E), estavam trabalhar como pintores e serralheiros no apartamento supracitado, pelo que, levaram-nos à PSP para os efeitos de investigação.
Em resultado de investigação, C, portador do Passaporte Chinês n.º GXXXXXXXX. (cfr. fls. 15 dos autos), D, portador do Passaporte Chinês n.º GXXXXXXXX (cfr. fls. 19 dos autos) e E, portador do Salvo-Conduto para Deslocações Oficiais a Hong Kong e Macau n.º KXXXXXXXX (cfr. fls. 22 dos autos), estes três entraram em Macau com os documentos supracitados.
B contratou respectivamente em 10 e 13 de Dezembro de 2007 E e C como pintores do apartamento supracitado através de um homem não identificado “F (F) ” perto do Jardim Triangular da Areia Preta de Macau; e contratou, por si próprio, D no mesmo local em 17 do mesmo mês como Serralheiros do apartamento supracitado. Na contratação, B não verificou claramente que se E, C e D disponham de documentos legais necessários para trabalhar em Macau, e levou estes três ao apartamento supracitado para fazer decoração e dispôs empregos para eles.
No caso de não examinar e confirmar os estados da identificação de E, C e D, A, como proprietário do respectivo apartamento, contratou os mesmos a proceder à obra de decoração no apartamento supracitado com salário diário de MOP$ 250,00.
O primeiro arguido contratou os mesmos para a proceder à obra de decoração no apartamento supracitado no caso de não verificar claramente os documentos legais necessários para trabalhar em Macau das pessoas acima referidas, e tem um atitude aceitável com os estados da identificação dos mesmos.
O segundo arguido representa o primeiro arguido a contratar os mesmos a proceder à obra de decoração e dispôs emprego para eles no caso de não verificar claramente os documentos legais necessários para trabalhar em Macau das pessoas acima referidas, até que foi descoberto pelos guardas.
Os dois arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, praticando com dolo a conduta referida.
Os dois arguidos tinham perfeito conhecimento de que os seus actos eram proibidos e punidos por lei de Macau.
Em conformidade com o CRC, ambos os dois arguidos são delinquentes primários.
Ao mesmo tempo, ainda se verifica as condições pessoais do primeiro arguido como no seguinte:
O arguido é comerciante, auferindo mensalmente MOP$ 12.000,00 em médio.
O arguido tem pais e dois filhos a seu cargo.
O arguido tem como a sua habilitação literária o ensino secundário geral.”; (cfr., fls. 111 a 114 e 144 a 155).
Do direito
3. Insurge-se o (1.°) arguido, ora recorrente, assacando à decisão objecto do seu recurso – e com a qual foi condenado como autor da prática de 3 crimes de “emprego ilegal” – o vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, “erro notório na apreciação da prova” e “violação do art. 29°, n° 2 do C.P.M.”.
— Vejamos, começando-se pela alegada “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
Alega o recorrente que: “há... insuficiência notória para a decisão, no que respeita à actuação do 1° arguido com dolo, da matéria de facto provada.”
Ora quanto ao vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que tal vício apenas se verifica quando o Tribunal deixa de emitir pronúncia sobre matéria “objecto do processo”.
No caso, e de uma mera leitura à sentença recorrida verifica-se que o Mm° Juiz “a quo” pronunciou-se sobre toda a dita “matéria”, elencando os factos que resultaram provados e indicando os que resultaram não provados, não deixando de fundamentar a sua convicção, procedendo depois ao enquadramento jurídico da factualidade provada.
Nesta conformidade, (e podendo, eventualmente, haver erro na qualificação jurídica dos factos – o que se verá mais adiante), certo é que inexiste o assacado vício.
— Quanto ao “erro notório na apreciação da prova”.
Entende o recorrente que “a sentença recorrida não poderia ter julgado provado que o 1° arguido encarregou o 2° arguido de arranjar trabalhadores para decorar a sua casa por um salário diário de MOP$250 e que pagou a cada um MOP$250 por dia mas sim apenas que o 1° arguido encarregou o 2° arguido de arranjar trabalhadores para decorar a sua casa, sem mais.”
Ora, no que tange ao “erro” em questão, é sabido que o mesmo só se verifica “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”; (cfr., v.g., Ac. de 14.06.2001, Proc. n° 32/2001, do ora relator).
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 20.09.01, Proc. n° 141/2001, do ora relator).
Face ao consignado, verifica-se que limita-se o recorrente a sindicar a livre convicção do Tribunal, pretendendo impor a sua versão sobre a factualidade que, em sua opinião, devia ser considerada provada, o que, obviamente, não colhe.
— Por fim, quanto à alegada “violação do art. 29°, n° 2 do C.P.M.”.
Consigna-se desde já que a matéria de facto dada como provada revela que o recorrente agiu com “dolo eventual”, pois que provado está que o mesmo pediu ao 2° arguido, seu empregado, de nome B, para contratar operários para a realização de obras de decoração na sua moradia por um vencimento diário de MOP$250.00, (o que não deixa de ser relevante, pois que é notório que tal quantia não é a normalmente paga por dia de trabalho de um profissional de construção, que ronda as MOP$500,00), sem se preocupar em conferir a posse por estes de documentos legais para trabalhar em Macau, alheando-se e aceitando tal situação.
Ora, tal conduta apresenta-se efectivamente como uma aceitação quanto a uma ainda que eventual situação de “trabalho ilegal”, verificado estando assim o pressuposto ínsito no art. 13°, n° 3 do C.P.M. onde se prescreve que:
“Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.”
De facto, e como já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar, “Na estrutura do dolo, destacam-se dois elementos essenciais: um, o chamado “elemento intelectual ou cognoscitivo”, e o outro, o “elemento emocional ou volitivo”.
O “elemento intelectual ou cognoscitivo” resume-se, por um lado, à representação ou previsão pelo agente do facto ilícito com todos os seus elementos integrantes, e, por outro, à consciência de que esse facto é censurável. É, pois, o que de forma inequívoca se refere o legislador no artº 13º do C.P.M. Ao falar em “representação de um facto que preenche um tipo de crime”.
Por sua vez, o “elemento emocional ou volitivo” traduz-se, no fundo, na “vontade” de realização do facto ilícito previsto pelo agente. Consoante a sua intensidade, pode dar lugar a três tipos ou modalidades, (em conformidade com os três números do artº 13º do C.P.M.) e que se tem apelidado de: dolo “directo”, “necessário” e “eventual”.
O “dolo directo”, previsto no nº 1, corresponde, “grosso modo”, à intenção criminosa, e nele o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso.
O “dolo necessário”, está por sua vez previsto no nº 2, e existe quando o agente sabe que como consequência de uma conduta que resolve empreender, realizará um facto que preenche um tipo legal de crime, não se abstendo, apesar disso, de empreender tal conduta.
Por fim, o “dolo eventual”, está formulado no nº 3 do citado artº 13º, e abrange aqueles casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta, não se abstendo porém de a levar a cabo, conformando-se com a produção do resultado que tinha antes previsto.”; (cfr., v.g., o Ac. de 29.07.2004, Proc. n° 140/2004).
Dito isto, vejamos agora da alegada “violação do art. 29°, n° 2 do C.P.M.”.
Prescreve o citado comando legal que:
“Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
Sobre a figura do “crime continuado” tem este T.S.I. entendido que:
“São pressupostos do crime continuado :
- a plúrima violação do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;
- que essa realização seja executada por forma essencialmente homogénea;
- que haja proximidade temporal das respectivas condutas;
- a persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminua sensívelmente a culpa do agente; e
- que o dolo seja global, isto é, que cada uma das acções seja executada através de uma resolução e não com referência a um desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido.
O fundamento da diminuição da culpa no crime continuado, encontra-se precisamente no momento exógeno das condutas, isto é, na existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, tenha facilitado a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, ou seja, de acordo com o direito.
Se o agente actuou sucessivamente, superando obstáculos e resistências ao longo do “iter criminis”, aperfeiçoando a realidade exterior aos seus desígnios e propósitos, sendo ele a dominá-la, e não o inverso, inexistem motivos para que se considere atenuada a sua culpa, não sendo de se considerar os crimes pelo mesmo assim cometidos como um crime continuado.”; (cfr., v., o Ac. de 26.07.2007, Proc. n° 329/2007).
Também no Ac. de 22.04.2004 tirado no Proc. n° 25/2004 se consignou que:
“No caso de realização plúrima do mesmo tipo de crime, haverá um só crime se tiver havido uma única resolução criminosa que tenha persistido ao longo de toda a realização.
(...)
Haverá unidade de resolução quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação, atendendo-se para o efeito à maior ou menor conexão dos factos no tempo e avaliando-se pelo que é normal ou não em tais casos no campo psicológico da resolução.”
Ora, da factualidade dada como provada constata-se ter havido por parte do ora recorrente uma “unidade de resolução”, já que, provado está que em Novembro de 2007, pediu ao seu empregador B para procurar e contratar operários para levar a cabo obras de decoração no seu apartamento, sendo que a efectiva contratação dos 3 trabalhadores veio a ocorrer em resultado de tal “pedido” e sem a intervenção do ora recorrente.
Nesta conformidade, entende-se que inadequada é a condenação do ora recorrente como autor da prática, em concurso real, de 3 crimes de “emprego ilegal”, devendo apenas ser condenado pela prática de 1 destes crimes.
Face ao que se deixou consignado, resta dizer que se considera adequada, porque justa e equilibrada, a pena parcelar de 3 meses de prisão pelo T.J.B. aplicada, que assim se mantém, o mesmo sucedendo com a decisão de suspensão da sua execução, pois que se mostra também que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidade da punição; (cfr., art. 48°, n° 1 do C.P.M.).
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, ficando o recorrente condenado pela prática de um crime de “emprego ilegal”, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
Pelo decaimento, pagará o recorrente a taxa de justiça de 3 UCs.
Macau, aos 21 de Outubro de 2010
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (vencido, por entender que a situação concreta fáctica dada como provada na decisão condenatória da 1.ª Instância não se reconduz a nenhuma das situações típicas pressupostas no instituto de crime continuado e referidas pelo Insigne e Saudoso Professor EDUARDO CORREIA, in DIREITO CRIMINAL, II, 1992, p. 208 e ss., pelo que é de louvar a decisão recorrida).
Proc. 629/2010 Pág. 22
Proc. 629/2010 Pág. 1