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Processo nº 865/2009(() Data: 17.02.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Prescrição do procedimento contravencional.
Interrupção.



SUMÁRIO

1. Nos termos do art. 386°, n° 3 do C.P.P.M. (aplicável ao “processo contravencional”):
“Se não for possível notificar o arguido nos termos do número anterior, o juiz nomeia-lhe defensor, a quem é feita a notificação, prosseguindo o processo até final sem necessidade de intervenção do arguido.”

2. Atento o assim estatuído, a notificação do Defensor do arguido da data para a audiência de julgamento após gorada a notificação do arguido interrompe o prazo de prescrição do procedimento contravencional.


O relator,

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José Maria Dias Azedo
















Processo nº 865/2009(()
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por despacho do Mm° Juiz do T.J.B. declarou-se prescrito o procedimento contravencional pelo Exm° Magistrado do Ministério Público movido contra A, com os sinais dos autos; (cfr., fls. 36 a 37 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o Exm° Representante do Ministério Público recorreu.
Na sua motivação, afirma o que segue:
“Fazem objecto do presente procedimento contravencional as contravenções praticadas por A em, respectivamente, 01/02/2007, 14/03/2007, 19/04/2007, 23/04/2007, 22/05/2007 e 17/06/2007 pela violação das diversas disposições previstas no Código da Estrada e no seu Regulamento.
O Juiz marcou em 24/02/2009 o dia de julgamento das contravenções ora identificadas em fls. 2 e ss. para o dia 22/05/2009, pelas 11h30.
Pelas notificações negativas, o Tribunal nomeou defensor para o arguido em 21/05/2009.
O defensor foi notificado da nomeação e dos autos de transgressões em causa no mesmo dia.
Em 22/05/2009, o Tribunal determinou o adiamento do julgamento para o dia 26/06/2009, pelas 9h30, para uma conveniente preparação de defesa do arguido.
E o defensor nomeado veio requerer em 19/06/2009 a declaração da extinção da responsabilidade penal do arguido por razão de prescrição.
Entende o Ministério Público que não se encontram prescritas as contravenções praticadas em 22/05/2007 e 17/06/2007.
Face ao caso, a questão que interesse para o caso é saber se acontece alguma circunstância de interrupção da prescrição.
Vamos ver, antes de tudo, algumas disposições que interessem para o caso.
Prevê o artigo 380.° do CPPM que "Ao processo contravencional aplicam-se as disposições relativas ao processo por crime em tudo o que os artigos seguintes não dispuseram diferentemente. ".
E dispõe o n.° 2 do artigo 383.° do CPPM, que "2. O auto de notícia faz fé em juízo, equivalendo à acusação. ".
Estipula o artigo 386.° do CPPM que "1. O arguido é notificado para comparecer em julgamento, acompanhado de defensor se o desejar, com pelo menos 10 dias de antecedência. 2. O arguido é ainda notificado do objecto da acusação e de que deve apresentar a sua defesa em audiência, podendo, em casos devidamente justificados, requerer a comparência do participante. 3. Se não for possível notificar o arguido nos termos o numero anterior, o juiz nomeia-lhe defensor, a quem é feita a notificação, prosseguindo o processo até final sem necessidade de intervenção do arguido. 4. Não é obrigatória a presença do arguido em julgamento, podendo fazer-se representar por advogado e nomeando-lhe o juiz defensor caso o não tenha constituído.”.
Mais ainda, dispõe o n.° 1 do artigo 124.° do Código Penal de Macau (CPM) que" 1. Salvo disposição em contrário, o preceituado para os crimes é aplicável às contravenções.”.
Prevê a al. e) do n.° 1 do artigo 110.° do CPM que "1. O procedimento penal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: e) 2 anos, nos casos restantes.".
Dispõe o n.° 1 do artigo 113.° do CPM que "1. A prescrição do procedimento penal interrompe-se: a) Com a notificação para interrogatório do agente como arguido; b) Com a aplicação de uma medida de coacção; c) Com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente; ou d) Com a marcação do dia para julgamento no processo de ausentes.".
Voltando ao caso, tal como acima foi dito, a questão posta em causa tem a ver com o entendimento de ocorrência ou não de alguma circunstância de interrupção da prescrição.
Compulsados os autos, as contravenções praticadas em 22/05/2007 e 17/06/2007 ainda não se prescreveram por haver interrupção de prescrição com a notificação do defensor da sua nomeação e dos autos de transgressões que equivalem à acusação em 21/05/2009 por via de fax com fundamento previsto na al. c) do n.° 1 do artigo 113.° do CPM.
Facto é que foram já realizadas diligências no sentido de notificar o arguido, no entanto, todas essas foram infrutíferas e como no processo contravencional a presença do arguido não é obrigatória e o Tribunal, para garantir a defesa do arguido, nomeou já defensor para a sua representação.
Face ao expendido, julgamos que a douta decisão violou o disposto nos artigos 380.°, 383.°, n.° 2, 386.° do CPPM e o disposto nos artigos 124.°, n.° 1, 110.°, n.° 1, al. e), 113.°, n.° 1 do CPM, bem como padece de vício de violação de lei previsto no artigo 400.°, n.° 1, do CPPM, daí que deve prosseguir o presente procedimento contravencional pelas contravenções praticadas em 22/05/2007 e 17/06/2007.”; (cfr., fls. 41 a 43-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, pugna o arguido pela confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 46 a 49).

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Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora-Adjunta o seguinte douto Parecer:
“Acompanhamos as criteriosas explanações da nossa Colega.
Ora, resulta da leitura dos art°s 124° n° 1, 110° n° 1, al. e) e 111° n° 1 do CPM que, nos casos de contravenção, é de 2 anos o prazo de prescrição do procedimento, a contar da data em que o facto se tiver consumado.
E conforme o disposto na al. c) do n° 1 do art° 113° do CPM, com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente fica interrompida a prescrição do procedimento.
No caso sub judice, constata-se que as contravenções reportadas nos autos foram cometidas em 1-2-2007, 14-3-2007, 19-4-2007, 23-4-2007, 22-5-2007 e 17-6-2007.
Recebidos os autos, o Mmo. Juiz a quo marcou a data para julgamento e mandou notificar o arguido.
Face à não notificação do arguido, foi nomeado o defensor oficioso.
E a notificação do defensor ocorreu em 21-5-2009, por via fax.
A questão essencial reside em saber se a notificação feita ao defensor oficioso do arguido faz interromper a prescrição.
Cremos que sim.
Nos termos do n° 3 do art° 386° do CPM, na impossibilidade de notificação do arguido da acusação e para julgamento, o juiz nomeia-lhe defensor, "a quem é feita a notificação, prosseguindo o processo até final sem necessidade de intervenção do arguido".
Desse comando flui que, após a nomeação e a notificação do defensor, a arguido passa a ser representado pelo seu defensor.
a que vale até por dizer que uma eventual sentença condenatória acaba por transitar em julgado sem intervenção do arguido.
E essa representação não pode deixar de relevar, também, par efeitos de interrupção da prescrição.
Só assim, efectivamente, se salvaguarda a unidade e coerência da regulamentação em apreço.
Tendo em conta as datas em que foram cometidas as contravenções em causa e a data de notificação ao defensor oficioso do arguido, que deve ser considerada como acto que interrompe a prescrição, evidente é que não se encontra ainda decorrido o prazo de prescrição em relação às contravenções praticadas em 22-5-2007 e 17-6-2007.
Acrescentando, não podemos deixar de dizer alguma coisa sobre o "vício" invocado pelo arguido na sua resposta à motivação do recurso.
Alega o arguido que "não foi levado ao 'conhecimento do então proprietário do veículo automóvel ... a prática das infracções descritas nos autos ... ".
No entanto, constata-se nos autos que, nas datas em que foram praticadas as contravenções em causa, o veículo estava registado exactamente em nome do arguido (cfr. fls. 17 dos autos).
E a Polícia enviou carta, notificando o arguido para efectuar o pagamento de multa, sob pena de remeter os autos para o Tribunal (cfr. fls. 18 dos autos).
Daí resulta a sem razão do arguido.”; (cfr., fls. 58 a 59 ).

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Cumpre conhecer.

Fundamentação

2. O presente recurso tem como objecto a decisão pelo Mm° Juiz do T.J.B. proferida que declarou prescrito o procedimento contravencional matéria dos presentes autos.

Como resulta do que se deixou relatado, é o Exm° Recorrente de opinião que deve tal decisão ser parcialmente revogada, pois que entende que prescritas não estão as contravenções cometidas em 22.05.2007 e 17.06.2007.

Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Vale a pena aqui transcrever a decisão recorrida.
Tem o teor seguinte:
“Requer o Il. Defensor nomeado a declaração da prescrição do procedimento e pelos motivos que doutamente invoca.
O MP opõe-se, louvando-se da notificação do referido Defensor do despacho que designou dia e hora de julgamento, por conseguinte também da acusação (auto notícia).
Cumpre decidir.
Os factos pelos quais o arguido se encontra acusado, ocorreram, alegadamente até ao dia 17 de Junho de 2007, e consubstanciam a prática das contravenções p. e p. pelos art° identificados nos autos.
Por conseguinte, o prazo de prescrição do procedimento é, nos termos do art.110 n°1, al.e) do C.P., ex vi art.124 n°1 do mesmo diploma, de 2 anos..
Porque até ao termo daqueles dois anos, a computar desde a data das alegadas infracções, não ocorreu qualquer das causas interruptivas previstas no art° 113 do C.P., em concreto a notificação a que se alude na al.c. do n°1 do citado preceito e a ocorrer conjuntamente com a notificação do despacho que designa dia e hora de julgamento (cfr. conjugadamente o disposto no art° 386 n°1 e 2 / 383 n°2 do CPP), temos por prescrito o presente procedimento contravencional.
Não colhe, pois, a douta posição do M.P. ao considerar que a notificação do il. Defensor oficioso nomeado do dia agendado para julgamento, por conseguinte também da notificação a que se alude na a1.c. do n°1 do art°113 do CP, e a ocorrer conjuntamente com a notificação do despacho que designa dia e hora de julgamento, tem a virtualidade de interromper a prescrição do procedimento.
Na verdade, este facto interruptivo tem necessariamente de chegar ao conhecimento do arguido. Este tem de ter o efectivo conhecimento de que a máquina judiciária contra si pretende exercer o respectivo poder punitivo. Até tal ocorrer, nada de substancial se altera. O arguido contínua "revel", sem saber da existência de qualquer processo.
Destarte, sempre com o devido respeito por posição contrária, julga-se extinto, por prescrição, o procedimento contravencional movido ao arguido.
(…)”; (cfr., fls. 36 a 37).

Feito o relatório que antecede, vejamos.

Confirmando-se que o prazo de prescrição é, no caso, de 2 anos, (cfr., art. 110°, n° 1, al. e) do C.P.M.), e que o mesmo (prazo) “corre desde o dia em que o facto se tiver consumado”, (cfr., art. 111°, n° 1 do citado código), resta ver se ocorreu alguma causa de suspensão, (art. 112°) ou interrupção, (art. 113°), da dita prescrição.

Não nos parecendo que verificada esteja qualquer das causas para a “suspensão da prescrição”, e atento o teor da motivação e conclusões do presente recurso, importa ver se a notificação ao Exm° Defensor do arguido constitui motivo para se considerar interrompido o prazo prescricional em questão.

Pois bem, resulta dos autos que após uma tentativa (gorada) de se notificar pessoalmente o arguido do dia (22.05.2009) designado para o seu julgamento, (cfr., fls. 20 a 24), ao mesmo foi nomeado Defensor, que foi notificado por fax, em 21.05.2009; (cfr., fls. 32).

E a questão a apreciar consiste precisamente em saber se esta notificação feita ao Defensor do arguido interrompe o prazo prescricional.

Ora, cremos que de sentido afirmativo deve ser a resposta.

De facto, nos termos do art. 386° do C.P.P.M.:
“1. O arguido é notificado para comparecer em julgamento, acompanhado de defensor se o desejar, com pelo menos 10 dias de antecedência.
2. O arguido é ainda notificado do objecto da acusação e de que deve apresentar a sua defesa em audiência, podendo, em casos devidamente justificados, requerer a comparência do participante.
3. Se não for possível notificar o arguido nos termos do número anterior, o juiz nomeia-lhe defensor, a quem é feita a notificação, prosseguindo o processo até final sem necessidade de intervenção do arguido.
4. Não é obrigatória a presença do arguido em julgamento, podendo fazer-se representar por advogado e nomeando-lhe o juiz defensor caso o não tenha constituído.”

E, atento o preceituado no n° 3 do transcrito comando legal, acertada se nos mostra a conclusão do Ministério Público no sentido de que “a notificação ao Defensor Oficioso do arguido faz interromper a prescrição”.

Com efeito, se no dito n° 3 se estatui que “Se não for possível notificar o arguido nos termos do número anterior, o juiz nomeia-lhe defensor, a quem é feita a notificação, prosseguindo o processo até final sem necessidade de intervenção do arguido”, há pois que extrair um sentido útil do assim preceituado, até porque, doutro modo, nada justificaria dizer-se expressamente no preceito em questão que a notificação era feita na pessoa do Defensor nomeado e que o processo prosseguia até final sem necessidade de intervenção do arguido.

Dest’arte, atenta a data da notificação do Exm° Defensor – em 21.05.2009 – há pois que concluir que prescritas não estão as contravenções cometidas em 22.05.2007 e 17.06.2007, com o que, procede o recurso.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, e em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, devendo os autos voltar ao T.J.B. para se proceder em conformidade.

Custas pelo recorrido com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1,500.00.

Macau, aos 17 de Fevereiro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
T Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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