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Processo nº 1024/2010 Data: 17.02.2011
(Autos de recurso penal)

Assunto : Liberdade condicional.



SUMÁRIO

A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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José Maria Dias Azedo
Processo nº 1024/2010
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no artº 56º do C.P.M., e pugnando assim pela sua revogação; (cfr., fls. 136 a 140 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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   Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever revogar a decisão recorrida; (cfr., fls. 142 a 143).

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Nesta Instância, e em douto Parecer, considera também a Exma. Representante do Ministério Público que se deve julgar procedente o recurso; (cfr. fls. 150 a 151-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 19.02.2009, foi A, ora recorrente, condenado como autor de um crime de “corrupção passiva para acto ilícito” na pena de 2 anos de prisão;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.C. em 23.07.2009, e em 23.11.2010, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 23.07.2011;
– durante a sua reclusão, manteve um comportamento isento de censura, e, uma vez em liberdade, irá viver em Macau com a esposa e filho, possuindo perspectiva de emprego como motorista.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
   “1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.

3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 23.07.2009, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.

Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, de 25.01.2007, Proc. nº 11/2007, de 08.02.2007, Proc. nº 17/2007, e o de 15.02.2007, Proc. nº 10/2007).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Vejamos.

— Quanto ao referido “juízo de prognose”, cremos ser o mesmo viável.

De facto, e como se salienta no Parecer do Exm° Magistrado do Ministério Público, antes da condenação por cuja pena cumpre o ora recorrente, era o mesmo primário, e atenta a sua conduta aquando do julgamento, tendo colaborado para a descoberta da verdade, considerando o seu comportamento prisional, isento de censura, assim como às perspectivas de emprego como motorista, cremos pois que inadequado não nos parece o mencionado “juízo de prognose favorável”, no sentido de se considerar que o recorrente, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

— Quanto à “compatibilidade” da pretendida liberdade condicional com a necessária defesa da ordem jurídica e paz social.

Pois bem, o crime em questão – de “corrupção passiva para acto ilícito” – é sem dúvida um crime que não deixa de causar uma certa repulsa social, pois que em causa está a legalidade e transparência da Administração Pública e dos actos dos seus servidores.

Por aí, seria caso para se avançar para uma resposta negativa à pretensão apresentada.

Todavia, e “in casu”, há que ponderar também no seguinte:

O crime em questão foi cometido pelo ora recorrente enquanto guarda prisional no E.P.C., e por ter feito chegar a um recluso montantes pecuniários, recebendo, por tal, a quantia de MOP$1,000.00.

Por sua vez, importa também atentar que o ora recorrente cumpriu já mais de 1 ano e 6 meses dos 2 anos de prisão em que foi condenado.

Será, assim, e de qualquer forma, posto em liberdade daqui a menos de 6 meses.

Perante isto, e atento os fins da liberdade condicional – essencialmente para preparar o condenado para o seu retorno à sociedade – cremos pois que, no caso, adequado será proporcionar tal adaptação, que não deixará de ser um estímulo a uma vida futura em harmonia com as regras de convivência social.

Por sua vez, afigura-se-nos também que face à pena fixada, e ao período de tempo em reclusão e ao que falta cumprir, salvaguardada estará a ordem jurídica e paz social, se ao recorrente se determinar determinadas regras de conduta.

Assim se decidirá.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar procedente o recurso, concedendo a pretendida liberdade condicional ao recorrente, e ficando o mesmo sujeito às seguintes obrigações:
– comprovar nos autos, e no prazo de um mês, o exercício de uma profissão; e,
– observar o programa de reabilitação que lhe for apresentado pelo Departamento de Reinserção Social.

Sem custas.

Passem-se os competentes mandados.

Oportunamente, comunique, com cópia, ao D.R.S..

Macau, aos 17 de Fevereiro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

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