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Processo n. 41/2011/A
Suspensão de eficácia
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Março de 2011
Descritores: Suspensão de eficácia
Acto negativo
Acto de adjudicação concursal

SUMÁRIO:
I- Um acto negativo puro é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado retirado ou extinto relativamente a um status anterior. Nessa medida, a sua eficácia é insuspensível, porque o deferimento da providência nenhuma vantagem ou benefício àquele traria.
II- Há, porém, actos (v.g. indeferimento de uma renovação ou prorrogação) que, alterando uma situação jurídica anterior, apresentam uma vertente positiva, traduzida nalguma vantagem para a esfera do interessado. Por essa razão, a eficácia destes já pode ser suspensível.
III- É puramente negativo para um determinado concorrente o acto administrativo que, no termo de um concurso público, adjudica a outro a aquisição de certo tipo de serviços. Por isso, porque a suspensão de eficácia desse acto nenhum benefício ou vantagem lhe traria, não pode a providência ser decretada.

Processo n. 41/2011/A
(Suspensão de eficácia)
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Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório

“XX de Macau, SARL” (doravante apenas XXM) requereu a suspensão de eficácia do despacho do Ex.mo Senhor Chefe do Executivo de 6 de Setembro de 2010 que, no âmbito do concurso público n. 1/2010 adjudicou à empresa “Centro de XX de Macau” (doravante apenas CXXM) a aquisição de serviços de operação do “Sistema de Banda Larga Sem Fios”.
Invocando o disposto no art. 120º, do CPAC, apresentou na petição inicial as seguintes conclusões:
1. O procedimento do Concurso Público n.º 1/2010, para a aquisição dos serviços de operação do «Sistema de Banda Larga sem Fios», inquina de diversos e graves vícios.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 120.0 do CPAC, “A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos: a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso; b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso”.
3. Dos factos alegados, e da documentação apresentada, resulta evidente que a “CENTRO XX MACAU” não tem (ou pode não ter) capacidade e/ou experiência para levar a cabo os serviços que estavam a concurso, de operação do «Sistema de Banda Larga sem Fios».
4. Tendo sido a XXM quem venceu o Concurso Público n.º 1/2009, lançado pela OSRT em Junho de 2009, para a aquisição de um «Sistema de Banda Larga Sem Fios», e que instalou todo esse sistema, e sendo tal facto do -conhecimento público, o público em geral associa o «Sistema de Banda Larga Sem Fios» à XXM (aos equipamentos por ela fornecidos e por ela instalados), e a operação desse sistema por uma outra empresa acarreta, para a XXM, o risco de o público associar à XXM quaisquer problemas de gestão ou não operacionalidade do «Sistema de Banda Larga Sem Fios».
5. O ‘dano reputacional’ é consabidamente um prejuízo de difícil reparação, e o risco de esse dano se verificar é tanto maior quanto maior for a incapacidade e inexperiência da adjudicatária - que, neste caso concreto, sendo a adjudicatária a “XX MACAU” uma mera empresa em nome individual, sem experiência na área da operação de equipamentos de telecomunicações, nem funcionários ou equipamentos próprios necessários à prestação dos serviços em causa, que se socorreu neste concurso de cartas de conforto de empresas estrangeiras e curricula de pessoas que não são seus funcionários, nos parece ser um risco demasiado elevado!
6. Fica portanto demonstrado que a situação sub iudice se subsume, desde logo, à primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPAC (“A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente”).
7. Sucede ainda que, sendo tão graves e em tão grande quantidade as ilegalidades apontadas ao procedimento administrativo do Concurso Público n.º 1/2010, resulta evidente que todo e qualquer desenvolvimento posterior ao acto de adjudicação, independentemente de ter ou não ter carácter executório, fere gravemente os valores e os princípios básicos do direito administrativo em geral, e do direito concursal em particular, indisputavelmente sedimentados na doutrina e na jurisprudência que destes assuntos se ocupa e que acima se chamou à colação, no capítulo ‘II) DO DIREITO’ - e que, a par com os interesses próprios da XXM, são também os interesses que a Recorrente defende no recurso contencioso que apresentou.
8. Resulta portanto também evidente que a situação sub iudice se subsume igualmente à segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPAC (“A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso”).
9. Por outro lado, dúvidas não restam de que a suspensão de eficácia que ora se requer não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto recorrido, e de que do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.
10. Efectivamente, quanto à questão da eventual grave lesão do interesse público, importará notar que os serviços objecto do Concurso Público n.º 1/2010 não são serviços básicos ou essenciais à vida da população em geral (como seriam, por exemplo, se estivéssemos a falar de contratação relacionada com serviços de água, electricidade, gás, etc).
11. E, quanto ao último requisito previsto no n.º 1 do artigo 120.º do CPAC, cremos resultar evidente, da factualidade alegada, que existem fortes indícios de ilegalidade, com certeza, mas do procedimento administrativo, não do recurso.
12. O Júri do Concurso fixou, alegadamente, sub-critérios do critério ‘Preço’, ao arrepio do Programa do Concurso e do Caderno de Encargos, tendo-o feito fora do tempo admissível para fazê-lo, e sem que os tenha facultado aos interessados no concurso antes do termo do prazo para apresentação de propostas.
13. Essa conduta é violadora dos Princípios de Vinculação Positiva e de Vinculação Negativa, da Administração, aos critérios fixados no Programa do Concurso e no Caderno de Encargos.
14. O Júri do Concurso aceitou a proposta da “CENTRO XX MACAU”, apesar de esta conter uma proposta de preço principal e uma proposta de preço opcional.
15. A apresentação de uma proposta de preço principal e de uma proposta de preço opcional era inadmissível, porquanto tal faculdade não estava prevista no Programa do Concurso e no Caderno de Encargos.
16. Ao admitirem-se essas duas propostas (principal+opcional) apresentadas pela “CENTRO XX MACAU”, violaram-se os artigos 55.º, 56.º e 94.º/2 do Decreto-Lei n.º 74/99/M, e o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 63/85/M.
17. As referidas duas propostas da “CENTRO XX MACAU” continham graves erros técnicos, incluindo (na proposta principal) a escolha de um tipo de ligação à internet inadequado às especificações constantes dos documentos do concurso.
18. Ademais, nas duas propostas da mesma concorrente, orçamentava-se o preço de maneira não conforme aos requisitos do Ponto 6 do Caderno de Encargos.
19. Também nas referidas duas propostas do “CENTRO XX MACAU”, no ponto 1.8 do preço, indicava-se um preço impossível (porque demasiado baixo), para o serviço de ligação à internet.
20. Apesar de todos estes erros, o Júri do Concurso aceitou a proposta do “CENTRO XX MACAU”, e convidou-a depois a esclarece-la ou corrigi-la.
21. Doze dias depois da data da abertura das propostas, a “CENTRO XX MACAU” alterou uma parte do preço de MOP9.900,00 (nove mil e novecentas Patacas) para MOP114.000,00 (cento e catorze mil Patacas).
22. Igualmente, alterou a sua proposta de preço, para torná-la conforme aos requisitos do Ponto 6 do Caderno de Encargos.
23. O supra relatado viola o Princípio da Inalterabilidade, Imutabilidade ou Intangibilidade das propostas, e os princípios da Publicidade e da Transparência, que se exigem da Administração.
24. O Júri do Concurso não deu a outros concorrentes - nomeadamente, à A (MACAU) LIMITADA, a mesma possibilidade de rectificar a sua proposta.
25. A classificação atribuída pelo Júri do Concurso aos diversos concorrentes, no que respeita ao ‘Preço’, tomou em consideração sub-critérios não fixados no Programa do Concurso ou no Caderno de Encargos, sub-critérios esses que, mesmo que fossem de admitir, não poderiam ser aplicados como foram pelo Júri do Concurso, que valorou duplamente uma mesma situação.
26. Efectivamente, ao atribuir 10% ao preço dos Pontos de Acesso adicionais, e 30% ao preço total (neste se incluindo outra vez o preço dos Pontos de Acesso adicionais) o Júri do Concurso valorou duas vezes o preço proposto para a gestão dos Pontos de Acesso adicionais.
27. Para a gestão dos Pontos de Acesso adicionais, todos os concorrentes apresentaram um custo, à excepção da “CENTRO XX MACAU”, que se propôs fazê-lo a custo zero.
28. Considerando as propostas da ora Recorrente e da “CENTRO XX MACAU”, resulta evidente a maior experiência e solidez financeira desta última, que aliás foi até quem venceu o Concurso Público n.º 1/2009 e instalou todos os 83 (34+49) Pontos de Acesso do «Sistema de Banda Larga sem Fios».
29. Tendo instalado o «Sistema de Banda Larga sem Fios», é a ora Recorrente quem melhor o conhece, e quem portanto está em melhores condições de o gerir.
30. A experiência que se exige aos concorrentes é uma experiência directa, sendo irrelevantes as ‘cartas de conforto’ de uma sociedade da China, apresentadas pela “CENTRO XX MACAU”.
31. O Júri do Concurso também não pode valorar como pertencendo à equipa da “CENTRO XX MACAU” os curriculae por ela juntos, de pessoas que, conforme resulta desses documentos, não são empregados da “CENTRO XX MACAU”, mas sim de outras empresas.
32. Impunha-se, portanto, uma diferente classificação das propostas da ora Recorrente e da “CENTRO XX MACAU”, em favor da ora Recorrente.
33. Alegadamente, perderam-se diversos documentos do concurso, incluindo as actas originais das reuniões do Júri do Concurso, de 24 e 28 de Maio, e 7, 10, 14 e 18 de Junho de 2010.
34. Por deliberação de 6 de Setembro de 2010, exarada na Informação 231/88-01.00-138, o Chefe do Executivo adjudicou à “CENTRO XX MACAU” a prestação dos serviços objecto do Concurso Público n.º 1/2010, para a aquisição dos serviços de operação do «Sistema de Banda Larga sem Fios».
*
Veio o digno requerido, Ex.mo Senhor Chefe do Executivo, comunicar ao tribunal ter procedido ao reconhecimento fundamentado da existência do grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução da decisão administrativa em apreço (fls. 72/73), após o que deduziu contestação (fls.108/126), pugnando pela improcedência da pretensão da requerente, como consta das conclusões que seguem:
   1. No que se refere aos factos identificados pela requerente nos artigos 1.º a 149.º, bem como às questões de direito constantes dos artigos 150.º a 173.º do seu pedido, considera-se, salvo melhor opinião, deverem ser apreciados, na sua globalidade, em sede de recurso contencioso.
   2. Para que possa ser concedida a suspensão da eficácia de actos administrativos terá a requerente que demonstrar a verificação cumulativa dos 3 requisitos constantes do n.º do artigo 121.º do CPAC. Cumpre, portanto, aferir se logrou a requerente demonstrar o preenchimento de tais requisitos.
   3. Considera-se como não preenchido o requisito constante da alínea a) do artigo 121.º do CPAC, uma vez que a requerente não consegue demonstrar que a execução do acto lhe cause prejuízo de difícil reparação, pela seguinte ordem de razões:
   a) Tem sido entendimento pacífico que os prejuízos de difícil reparação são apenas aqueles que resultam directa, imediata e adequadamente da execução do acto e não os indirectos ou mediatos e os meramente aleatórios ou conjunturais. Quando a requerente relaciona os ditos “prejuízos reputacionais”com o facto de ter procedido à instalação do sistema não está a demonstrar a existência de prejuízos directos e imediatos uma vez que estes não existem neste momento e podem nunca vir a existir;
   b) Quando a requerente concorreu ao concurso público para fornecimento do sistema de banda larga sem fios (Concurso Público n.º 1/2009) sabia (ou tinha a obrigação de saber) que o mesmo não incluía a operação do sistema, bastando, para tanto, ler o caderno de encargos (Tender Specification);
   c) Ao apresentar-se a concurso, a requerente entendeu assumir, consciente, voluntária e deliberadamente, o risco de sofrer os tais danos reputacionais, uma vez que, não era garantido que fosse a requerente a operadora do sistema. Qualquer expectativa nesse sentido não se afigura legalmente fundada ou digna de protecção;
   d) No que concerne ao preenchimento da segunda parte do requisito previsto na alínea a) do artigo 121.º do CPAC sempre se reafirma que não cabe, em sede de suspensão de eficácia do acto, a apreciação de possíveis ilegalidades, não se conseguindo, igualmente, aferir da existência de prejuízo de difícil reparação por via desses factos pois a requerente limita-se a alegá-lo sem o demonstrar em concreto;
   4. Considera-se como não preenchido o requisito constante da alínea b) do artigo 121.º do CPAC, uma vez que se demonstra a grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto com a suspensão da execução do mesmo, nos seguintes termos:
   a) O serviço de acesso gratuito ao sistema de banda larga sem fios - WiFi GO -, objecto do concurso público em questão, já se encontra a ser prestado à população, tendo, inclusive, o contrato de prestação destes serviços sido assinado em 30 de Dezembro de 2010, (cópia junta ao processo);
   b) O sistema em causa foi amplamente divulgado e tem tido uma excelente adesão por parte dos cidadãos e turistas que visitam a RAEM, revelando-se imprescindível para a imagem da RAEM enquanto cidade turística e moderna. Além disso, a utilização deste sistema de acesso à Internet sem fios gratuito tem permitido à população e aos visitantes um acesso fácil e rápido a um serviço que, sem sombra de dúvida, se afigura hoje em dia como essencial para o dia a dia, tanto da população como dos turistas que, todos os dias, visitam a Região;
   c) A suspensão da execução do acto acarreta graves prejuízos para o interesse público, na medida em que irá privar os cidadãos e visitantes de aceder a um serviço já implementado e em ampla fase de execução;
   d) Devidamente ponderados os interesses público e privado em presença, considera-se que os danos para o interesse público, que resultarão da suspensão da execução do acto, se mostram claramente superiores aos alegados, e incertos, danos invocados pela requerente, nomeadamente pela sua abrangência;
   5. Considera-se, igualmente, como não preenchido o requisito constante da alínea c) do artigo 121.º do CPAC, uma vez que do processo resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso, isto porque:
   a) Existem fortes indícios da intempestividade do recurso contencioso;
   b) O n.º 3 do acima referido artigo 41.º prevê que logo que se comprove a prestação da caução definitiva, comunicar-se-á aos restantes concorrentes a decisão tomada sobre o concurso. A mera comunicação não está sujeita aos requisitos do artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo - CPA -;
   c) Perante a mera comunicação, não se deve considerar aplicável o mecanismo da suspensão do prazo para interposição de recurso contencioso, já que este apenas se aplica aos casos de deficiente notificação nos termos do artigo 70.º do CPA;
   d) Uma vez que a comunicação do acto foi efectuada em 7 de Outubro de 2010, através do Ofício n.º 3638/88-01.00-138, o prazo para interposição do recurso contencioso terminaria em 6 de Novembro de 2010 (sendo o dia 6 um sábado transitaria para o dia útil imediato, ou seja, dia 8 de Novembro);
   e) Presumindo-se que o recurso contencioso foi interposto em Janeiro de 2011, já que o número atribuído ao processo refere já o ano de 2011, não pode deixar de se considerar como manifestamente intempestivo;
   f) Não obstante, e sem conceder, sempre se refere que, ainda que se entenda que à comunicação referida no artigo 41.º se aplicam os requisitos previstos no artigo 70.º do CPA e, consequentemente, o mecanismo da suspensão do prazo para interposição do recurso contencioso previsto no artigo 27.º do CPAC, continua a verificar-se a intempestividade dessa interposição;
   g) A comunicação do acto administrativo é feita em 7 de Outubro de 2010 e contém todos os requisitos previstos no artigo 70.º do CPA, com excepção do requisito previsto na alínea a), a saber, o texto integral do acto administrativo. A requerente faz um pedido de certidão antes desta data (6 de Outubro), não obstante, não podia a Administração suspender um prazo antes deste começar a correr! Reitera esse pedido a 11 de Outubro. Em rigor, entende-se que o prazo para interposição de recurso contencioso se iniciou em 8 de Outubro de 2010 e deve considerar-se suspenso a 11 de Outubro de 2010;
   h) Admitindo-se a suspensão do prazo de interposição do recurso, cumpre verificar quando é que esta cessa, já que, como bem se sabe, tal suspensão tem limites;
   i) A requerente recebeu em 22 de Novembro de 2010 duas certidões, sendo que uma delas reproduzia na íntegra o acto administrativo de adjudicação, ou seja, reproduzia a Informação n.º 231/88-01.00-138, de 30 de Julho de 2010 e todos os seus anexos, a qual consubstancia a fundamentação de facto e de direito do despacho de adjudicação do Chefe do Executivo nela aposto em 6 de Setembro de 2010;
   j) Considera-se que a notificação do acto administrativo de adjudicação - pressuposto essencial para a contagem do prazo para interposição do recurso contencioso - ficou perfeita no dia 22 de Novembro de 2010, cessando nesse dia a suspensão do prazo nos termos do disposto no artigo 27.º do CPAC e, consequentemente, reiniciando-se a contagem do prazo para interposição do recurso contencioso;
   l) Sendo certo que, a esta altura, está a requerente na posse dos elementos considerados essenciais para que possa impugnar a decisão. Todas as informações adicionais que requeira correm por sua conta e risco;
   m) Tendo em conta a cessação da suspensão do prazo em 22 de Novembro de 2010, considera-se que o mesmo terminou em 18 de Dezembro de 2010, caso se entenda que foi suspenso 4 dias após o início da contagem, ou, caso se entenda que foi imediatamente suspenso, terminaria a 22 de Dezembro de 2010;
   n) Tendo o recurso contencioso sido interposto em Janeiro de 2011, foi-o, em ambos os casos, manifestamente fora do prazo legal de 30 dias previsto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 63/85/M.
   6. Face ao expendido, conclui-se que não se encontram preenchidos os requisitos cumulativos previstos no artigo 121.º do CPAC.

*
Também o CXXM apresentou contestação, cuja peça concluiu do seguinte modo:
a) A suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo ora requerida depende, antes de mais, da verificação dos requisitos legais estabelecidos no n.º 1 do artigo 121.º do CPAC;
b) Por outro lado, é precisar ter em conta ainda o disposto no n.º 5 do mesmo artigo e os n.ºs 1 e 2 do artigo 126.º do CPAC;
c) Das disposições legais acima referidas, se resulta seguramente que, em sede dos autos de suspensão de eficácia de actos administrativos, cabe ao requerente somente provar a verificação dos pressupostos estabelecidos pela lei (e não entrar, de forma antecipada, em discussão da matéria relacionada com o meríto do recurso principal), sem prejuízo da consideração pelo tribunal de circunstâncias que obstem ao conhecimento do pedido;
d) Não corresponde à verdade a verificação dos alegados danos ou prejuízos de difícil reparação para a Requerente, tratando-se de pura imaginação da mesma;
e) Não se pode confundir a aquisição de um «Sistema de Banda Larga sem Fios» (em que a Requerente é adjudicatária no Concurso Público n.º 1/2009) com a aquisição dos serviços de operação do «Sistema de Banda Larga sem Fios» (em que o ora contra-interessado é adjudicatária no Concurso Público n.º 1/2010);
f) Tais factos foram devida e vulgarmente publicados e divulgados, não se verificando qualquer possibilidade de confusão;
g) O alegado “risco de o público associar à XXM qualquer problemas de gestão ou não operacionalidade do sistema” pressupõe um facto imaginário que nunca até ao presente momento aconteceu, desde o início de prestação do serviço de operação pelo ora contra-interessado em 1 de Outubro de 2010;
h) São, além de não corresponder minimamente à verdade, injuriosas, as afirmações da Requerente feitas no art. º 177º do pedido acerca da capacidade e experiência do ora contra-interessado, sobretudo, na parte em que refere a “...de mera empresa em nome individual, sem experiência na área da operação de equipamentos de telecomunicações, nem funcionários ou equipamentos próprios necessários à prestação dos serviços em causa, que se socorreu neste concurso de cartas de conforto de empresa estrangeiras e curricula de pessoas que não são seus funcionários), nos parece ser um risco demasiado elevado ...”;
i) Na verdade, ao contrário do que a Requerente acusa, o contra-interessado dispõe de uma equipa com pessoal técnico especializado na áreas de operação e gestão de informação electrónica e “e-government” (governo electrónico) e de comunicação etc.;
j) Não se afigura aqui a situação de prejuízo de difícil reparação para a Requerente ou para os interesses que esta defenda ou venha a defender no recurso. (cfr. alínea a) do n.º I do artigo 121.º do CPAC)
k) No tocante à grave lesão do interesse público, tal como é expressamente reconhecido pelo órgão administrativo em causa (de fls. dos presente autos), a suspensão provisória da execução do acto acarreta graves prejuízos para o interesse público;
1) De facto, desde a entrada em funcionamento do sistema de acesso à Internet sem fios gratuito em 1 de Outubro de 2010, a popular local e os turistas que vistam a Macau são constantemente informados e recomendados o uso desse serviço gratuito. (vide http://www.wifi.gov.mo/tc/guidelines.htm1);
m) Tendo actualmente trinta e quatro (34) pontos de acesso localizados respectivamente nas zonas turísticas, museus, bibliotecas, jardins, praças e espaços do Governo;
n) Está previsto e agendado o aumento de mais quarenta e nove (49) pontos de acesso a fim de alargar espaço onde é facultado ao público o referido serviço gratuito de Internet;
o) Ora, é fácil de imaginar as graves consequências que poderão advir pela suspensão provisória da execução do referido serviço, além de privar a população, os estudantes e os turistas o acesso gratuito à Internet;
p) A nível interno, será gravemente prejudicada a imagem do Governo da RAEM, facultando ainda uma oportunidade para os políticos aproveitarem para criticar e por em causa a capacidade do Governo;
q) Por outro lado, a imagem do Governo da RAEM e de Macau vai, de igual modo, ser gravemente afectada junto da sociedade internacional, por os turistas que visitam Macau sentirem “enganados” perante a impossibilidade de acesso ao referido serviço gratuito de Internet e as informações que receberam antes de chegar a Macau;
r) a suspensão de eficácia do acto ora em causa irá resultar ao ora contra-interessado prejuízos incalculáveis que serão difícil de reparação;
s) Na sequência da adjudicação dos serviços de operação do «Sistema de Banda Larga sem Fios» ao ora contra-interessado, este, no cumprimento do respectivo contrato com o Governo da RAEM, disponibilizou uma equipa de 16 técnicos especializados para prestar e garantir os serviços em causa;
t) Caso se determina a suspensão do acto em causa, o contra-interessado irá sofreu, um prejuízo pecuniário não inferior a MüP70,000,000.00 (setenta mil milhões), além de outros prejuízos, nomeadamente, o bom nome e a imagem da empresa, a vida dos seus trabalhadores;
u) Caso venha a decretar a suspensão, não se pode manter os referidos 16 técnicos em situação de “Standby” a aguardar pela decisão desse venerando Tribunal a proferir no âmbito do recurso principal, nem esses mesmos trabalhadores estão dispostos a ficar a espera do resultado final da causa, por estar em causa a vida deles;
v) a suspensão ora requerida irá, certamente, causar ao contra-interessado, sendo actualmente operador, de direito e de facto, do referido serviço gratuito de Internet, prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para a Requerente.
*
Antes do parecer final do digno Magistrado do M.P. foi suscitada oficiosamente a possibilidade de se estar perante um acto de eficácia não suspensível, porque meramente negativo (cfr. despacho de fls.199).
*
Dada a palavra às partes e ao M.P., veio logo este último manifestar a sua concordância à posição para que tendia o referido despacho (fls. 206).
Também CXXM e XXM opinaram sobre o assunto, a primeira para aderir à tese da verificação da presença de acto negativo (fls. 218), a segunda para a ela se opor (fls.223).
*
Cumpre decidir.
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II- O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III- Os Factos
Considera-se assente a seguinte factualidade:

Por aviso publicado no Boletim Oficial n.º 15, II Série, de 14 de Abril, a DSRT anunciou que se encontrava aberto o Concurso Público n.º 1/2010, para a aquisição dos serviços de operação do «Sistema de Banda Larga sem Fios», pondo à disposição dos interessados os respectivos Programa do Concurso (Tender Procedure) e Caderno de Encargos (Tender Specification).
2.º
O escopo do concurso consistia na “aquisição de serviços de operação/gestão regular do Sistema de Banda Larga sem Fios (cit: “The goal of this Project is to acquire the daily operation services for the Wireless Broadband System”)” - tudo, conforme resulta do Caderno de Encargos (Tender Specification), que se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
3.º
O adjudicatário dos serviços objecto do concurso seria responsável pelo fornecimento de pessoal e equipamento necessário à gestão diária do sistema (cit: The sucessful bidder (hereby known as the Qperator) shall be responsible for providing personnel and all necessary equipment to faclitate the daily operation of the system), conforme resulta do Caderno de Encargos (Tender Specification) .
4.º
O «Sistema de Banda Larga sem Fios» abarca diverso equipamento, descrito no Caderno de Encargos (Tender Specification), incluindo Pontos de Acesso instalados em 83 locais, diferentes (tudo, conforme referido no Ponto 1 do Caderno de Encargos, onde se refere também que 34 desses Pontos de Acesso estariam em funcionamento em meados de 2010, e os restantes 49 até ao final do mesmo ano - tudo, conforme a documentação do Concurso Público n.º 1/2009, para qual a DSRT expressamente referiu os interessados no Concurso Público n.º 1/2010, conforme, repetimos, resulta do Ponto 1 do Caderno de Encargos deste).
5.º
Ao Concurso Público n.º 1/2010, apresentaram-se as seguintes cinco concorrentes:
- “XX DE MACAU, S.A.R.L.”, ora Recorrente;
- “CENTRO XX MACAU”, empresa em nome individual;
- “B HONG KONG LIMITED”, sucursal de Macau;
- “D, LIMITADA e a F COMPANHIA LIMITADA”; e
- “A (MACAU) LIMITADA”.

A XXM venceu o Concurso Público n.º 1/2009, lançado pela DSRT em Junho de 2009, publicado no Boletim Oficial n.º 24, de 17 de Junho de 2009, II Série, página 8965, para a aquisição de um «Sistema de Banda Larga Sem Fios», e já cumpriu entretanto na íntegra o serviço contratado, tendo instalado, numa primeira fase, os 34 Pontos de Acesso ali em causa, nas localizações contratadas. (bibliotecas, museus, parques, praças etc) e, numa segunda fase, os demais 49 Pontos de Acesso (em portos, zonas públicas de departamentos governamentais, centros de actividade, parques, praças etc).

O referido Concurso Público n.º 1/2009, ganho pela CTM, compreendia também, além dos acima referidos 83 Pontos de Acesso, também a aquisição e instalação de diversos equipamentos e serviços necessários, tais como as ligações locais e exteriores à Internet, equipamentos de gestão do sistema, terminais de computadores, equipamento de fornecimento de energia eléctrica ininterrupta e equipamento de escritório, etc. que suportem os sistemas de banda larga sem fios - cfr. documentação do Concurso Público n.º 1/2009.

A XXM tem também como suas accionistas a XX TELECOM; a G PACIFIC; e o Governo da Região Administrativa Especial de Macau (Correios de Macau).
9.º
Por despacho do Chefe do Executivo de 6 de Setembro de 2010, a prestação de serviços objecto do Concurso Público n.º 1/2010 foi adjudicada à “CENTRO XX MACAU”,
10.º
Em 6 de Outubro de 2010, a XXM requereu à DSRT (Ref.: L&R/GD1/302/l0) a “prestação de informações sobre o concurso público para a exploração de um sistema de banda larga wireless (concurso público da DSRT com o n.º 1/2010)”, pedindo que lhe fosse confirmado se havia de facto já uma decisão de adjudicação no âmbito daquele concurso - Cfr. Doc. n.º 5 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
11.º
Por via desse requerimento, a XXM também pediu à 05RT que, a existir essa adjudicação, lhe fosse passada uma certidão dessa decisão de adjudicação, do referido concurso - Cfr. o referido Doc. n.º 5 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
12.º
Sem qualquer referência ao requerimento da XXM apresentado no dia anterior, a DSRT, a 7 de Outubro de 2010, comunicou (Ref.: 3638/88-01.00-138) à XXM que não tinha sido adjudicada a esta a prestação de serviços objecto do concurso público n.º 1/2010 - Cfr. Doc. n.º 6 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
13º
A 11 de Outubro de 2010, a XXM reiterou por escrito (Ref.: L&R/GD1/308/10) à DSRT o seu pedido L&R/GD1/302/10, de 6 de Outubro de 2010 - Cfr. Doc. n.º 7 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
14º
Reagindo àquele Ofício da DSRT com a referência 3759/88-01.00-138, e à certidão de 5 folhas a ele anexa, a XXM, a 25 de Outubro de 2010, por carta com a referência L&R/GD1/325/10, apontou à DSRT as falhas do documento recebido - nomeadamente, indicando faltarem naquele os ali citados anexos, incluindo o relatório do júri; e reiterou o seu pedido anterior de passagem de certidão completa, considerando imprestável o documento recebido, na medida em que não integra todos os documentos de suporte da decisão de adjudicação (i.e., na medida em que não integra os documentos que alegadamente lhe estariam anexos, incluindo o relatório final do júri) - Cfr. Doc. n.º 9 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
15º
Em 3 de Novembro de 2010, a XXM (Ref.: L&R/GDl/336/10) reiterou à DSRT que não aceitava aquele conjunto de documentos como satisfazendo o por ela pedido, reiterando que requeria que lhe fosse passada cópia certificada da decisão de adjudicação, incluindo os seus anexos e o relatório final do júri - Cfr. Doc. n.º 10 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
16º
Às 16:45 de dia 3 de Novembro de 2010, foi recebido, na XXM, remetido pela DSRT, o Ofício com a referência 3981/88-01.00-138, datado de 1 de Novembro de 2010, em alegada resposta ao pedido da XXM de 25 de Outubro de 2010 com a referência L&R/GD1/325/10, um conjunto de folhas avulsas (meras fotocópias simples, incluindo fotocópias de supostas actas de reuniões do júri do concurso sem qualquer timbre ou assinatura) - todas, não numeradas nem coerentemente rubricadas, e não na forma de certidão - Cfr. Doc. n.º 11 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
17º
Por não estarem na forma requerida (certidão dos documentos originais), nem estarem numeradas nem coerentemente rubricadas (portanto, denotando não serem parte integrante do processo do concurso público em causa), a XXM não aceitou aquele maço de folhas avulsas como satisfazendo o por ela requerido, o que, em 4 de Novembro de 2010, comunicou (Ref.: L&R/GD1/337/10) à DSRT, reiterando que requeria que lhe fosse passada cópia certificada da decisão de adjudicação, incluindo os seus anexos, designadamente o relatório final do júri e a proposta do concorrente vencedor - Cfr. Doc. n.º 12 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
18º
Porque a XXM não recebeu, da DSRT, até dia 8 de Novembro de 2010, a certidão nos termos em que a requereu, aquela intentou, nessa data, no Tribunal Administrativo de Macau, uma acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão - Cfr. Doc. n.º 13 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
19º
A XXM recebeu, da DSRT, a 22 de Novembro, duas certidões uma de 76 folhas, outra de 113 folhas - Cfr. Doc. n.º 14 e 15 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
20º
A XXM reagiu a essas duas certidões, por carta de 26 de Novembro dê 2010, batendo-se pela ainda insuficiência da informação facultada pela DSRT - Cfr. Doc. n.º 16 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
21º
A 3 e 9 de Dezembro de 2010, a DSRT remeteu à XXM mais documentos - Cfr. Doc. n.º 17 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
22º
Por sentença de 7 de Dezembro de 2010, notificada à XXM em 13 de Dezembro de 2010, o douto Tribunal Administrativo condenou a DSRT a passar à XXM, na acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão intentada a 8 de Novembro (processo que correu termos no Tribunal Administrativo sob o n.º 140/10-PICPPC) - Cfr. Doc. n.º 19 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.
23º
A 16 de Dezembro de 2010, a DSRT remeteu à XXM, em cumprimento da supra citada decisão do douto Tribunal Administrativo, uma certidão - Cfr. Doc. n.º 20 do requerimento de recurso contencioso, e que aqui se dá por reproduzido para todas os devidos e legais efeitos.

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IV- O Direito
A providência em apreço repousa na circunstância de a XXM, aqui requerente, ter sido preterida no acto final do concurso público para a prestação do serviço de operação do “Sistema de Banda Larga Sem fios” em Macau. E, por entender que o procedimento concursal enferma de várias ilegalidades, pede a suspensão dos efeitos do acto de adjudicação - de que a requerida CXXM foi beneficiária - por considerar estarem reunidos os respectivos requisitos do art. 121º do CPAC.
Pois bem. A tarefa que costuma estar associada à decisão deste tipo de providências é a de indagar se estão, ou não, reunidos aqueles requisitos, que se sabe serem de verificação necessariamente cumulativa1.
Antes disso, todavia, importa que nos detenhamos com a própria natureza do acto do ponto de vista dos seus efeitos. Referimo-nos à possibilidade de estarmos em presença de um acto de conteúdo negativo.
Um acto desta natureza é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior. O indeferimento de uma pretensão constitutiva, por exemplo, cabe perfeitamente na figura: se alguém pede o licenciamento para iniciar a exploração de um bar, o indeferimento deixa o requerente exactamente como se encontrava antes; nada na sua esfera mudou. Sendo assim, trata-se de um acto administrativo que para o interessado é neutro, do ponto de vista dos efeitos imediatos e consequentes, uma vez que para si tudo permanece como anteriormente2.
A jurisprudência tem considerado que a eficácia de tais actos não é susceptível de ser suspensa, com a justificação de que não seria possível extrair de uma sentença favorável um efeito contrário ao que deles emanava (no exemplo fornecido, a suspensão nunca permitiria que o requerente pudesse dar início à exploração do negócio) porque isso poderia representar uma usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, e na medida em que, portanto, dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, nomeadamente o afastamento do espectro de uma situação de facto danosa com a caracterização qualitativa e quantitativa que o art. 121º, nº1, al. a), estabelece. Por isso, são actos normalmente arredados da suspensibilidade (cfr. a contrario, art. 121º, al.a), do CPAC).
É certo que há situações em que para alguns interessados o mesmo acto administrativo é inerte, na acepção acabada de referir, ao passo que para outros ele é positivo, na medida em que interfere com o seu anterior status ou, noutras palavras, com a sua situação jurídica substantiva anterior. Podemos dizer que é acto misto do ponto de vista dos efeitos. Todavia, quando falamos em acto de conteúdo negativo para efeitos da suspensão de eficácia, apenas nos atemos à correspondência entre os efeitos directos do acto para o requerente e o objectivo que se pretende alcançar com a providência. Quer dizer, não é pelo facto de o acto introduzir alterações na situação jurídica de alguns interessados que ele passa a ser acto positivo tout court. O que interessa neste particular é que seja negativo para aquele interessado directo no incidente em que nos encontramos. E neste caso, como veremos adiante, o acto é negativo para a requerente em apreço.
E, a talhe de foice, até nem nos podemos esquecer que nos concursos de adjudicação casos haverá em que é permitida a suspensão de eficácia (medidas provisórias) dos actos finais de adjudicação e até mesmo dos contratos. Acontece, por exemplo, em Portugal3 e, de um modo geral, é o que também se verifica nos países da comunidade europeia que, a partir de certa altura, tiveram que absorver determinadas directivas europeias para com elas conformarem o seu ordenamento jurídico interno. Mas isso deve-se, nestes casos, a um universo normativo positivado, a um conjunto de regras e preceitos que existem nos textos legais (de iure constituto) e que impõem ou permitem uma actuação processual nesse sentido. Como essa não é a situação da RAEM, onde não existem normas idênticas (ver, DL n. 74/99/M, de 8/11), esqueçamos esse caminho e sigamos pela linha tradicional da doutrina e da jurisprudência conhecidas sobre a matéria, que outra não há (e em que só poderemos falar em de iure constituendo).
Aliás, e só mesmo para terminar este ponto, não podemos desconsiderar o fenómeno com o argumento de que o acto negativo tem uma natureza doutrinal. Concordamos que a sua génese é doutrinal e que foi tendo uma aplicação jurisprudencial praticamente constante e uniforme nas diversas instâncias. Todavia, em Macau, a teoria do acto negativo foi recebida na lei (art. 120º, al. b), do CPAC) e passou, a partir de então, a ser um instituto legal de evidentes reflexos ao nível adjectivo/processual e com o qual o aplicador da lei tem que confrontar-se. Ora, o preceito em causa não distingue entre classes de actos administrativos do ponto de vista da substância que encerram ou que visam regular. Todos lá cabem, portanto. E se falamos de actos finais de procedimentos concursais, na norma devem incluir-se não somente os concursos de provimento de pessoal, como os adjudicatórios.
De resto, a suspensão tem sempre associados, como é sabido, dois objectivos: a utilidade e a urgência dos interesses. É por isso que a suspensão decretada traz ao interessado requerente desde logo um ganho que é imediato: o aluno entra no curso, o concorrente vai poder participar no concurso, o requerente mantém a licença de exploração do bar, etc, etc. Portanto, facilmente se reconhece a utilidade e a sua imediaticidade. É esse aliás o sentido primordial da providência: acautelar a ocorrência de uma situação danosa, neutralizando-a ou prevenindo-a de pronto. Por isso, a providência é um processo urgente de modo a satisfazer sem demora os interesses feridos ou ameaçados.
Conceder a providência só para permitir que o recurso venha a satisfazer os interesses do requerente é colocar nas mãos deste a possibilidade, pouco menos que arbitrária, de estancar o avanço imediato dos efeitos do acto e pô-los a hibernar durante o tempo necessário de duração da impugnação contenciosa - dois, três anos, sabe-se lá - pondo até em risco a utilidade da decisão administrativa, porque travaria os seus efeitos e objectivos imediatos, sem qualquer contrapartida numa imediata vantagem para o requerente. Na verdade, o procedimento administrativo paralisaria até que uma decisão sobre o mérito do recurso viesse a ser tomada. Nem mesmo admitindo que a sentença final e definitiva possa vir a ser tomada em favor da tese do recorrente se concebe que a suspensão se transforme num instrumento processual ao serviço da posição jurídica substantiva que só o recurso pode satisfazer (a tão longe não vai o princípio da tutela cautelar jurisdicional efectiva, pelo menos enquanto no ordenamento jurídico da RAEM não for alterado o corpo de normas respectivo).
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E, no seguimento do que vínhamos dizendo, é verdade que há situações em que o acto só aparentemente é negativo ou em que é acto negativo com efeitos positivos. Trata-se de uma categoria de decisões em que há efectivamente uma utilidade na suspensão, na medida em que deles advêm efeitos secundários positivos. Nesse sentido, são suspensíveis (art. 120º, al. b) do CPAC). São actos de que resulta o indeferimento da manutenção de uma situação jurídica anterior: por exemplo, quando denegam a renovação ou prorrogação de uma situação jurídica pré-existente e que, por isso, além de ferirem legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior, colocam o interessado numa posição jurídica substantiva diferente da que detinham até ao momento da sua prática. Nessas hipóteses, os actos alteram realmente a situação jurídica ou de facto do requerente4.
E até se diz, ainda, que se alguma utilidade puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir, provisória ou condicionalmente, obtendo algum ganho até ser decidida em definitivo a questão no recurso contencioso, a suspensão será de conceder, mesmo que o acto seja negativo (seria o caso, por exemplo, de rejeição ou recusa de admissão a concursos e exames ou à frequência do estudante a algum curso). A utilidade adviria do facto de o candidato ‘entrar” no curso, por exemplo, ir adquirindo os conhecimentos nele ministrados e, assim, estar habilitado, tal como os restantes colegas, a mostrá-los no exame final sem prejuízo do julgamento da impugnação contenciosa entretanto desencadeada.
Em todos os casos citados há, como se vê, um efeito positivo imediato para a esfera do interessado/requerente em resultado da suspensão.
Nada disso acontece, porém, na hipótese em apreço. Com efeito, a suspensão do acto que adjudica a outrem a prestação do serviço em nada belisca a esfera da XXM. Com a suspensão, a XXM não ficaria minimamente favorecida, nem em diferente, muito menos em melhor, posição do que aquela em que se encontra actualmente. Assim como o acto suspendendo não exerce nenhuma influência no status e na esfera jurídica da XXM, também a eventual concessão da providência nenhum quid novo traria à sua posição jurídica, por não a colocar em melhor posição para obter ganho no recurso contencioso e com isso vir a ser adjudicatária no concurso, nem lhe eliminar danos reais e imediatos 5.
Aliás, até ao plano dos danos, que a requerente diz pretender afastar, nenhuma consistência tem a invocação que deles faz6 a ponto de se ver na concessão da providência alguma vantagem para a XXM.
Na verdade, o conceito indeterminado "prejuízo de difícil reparação" de que trata a alínea a), do n,1, do art. 121º, do CPAC tem que ser concretizado, reproduzido ou traduzido caso a caso por factos que o interessado requerente deve trazer ao processo. Não, bem entendido, através de uma demonstração cabal, perfeita e exaustiva da invocação factual, uma vez que neste processo não é possível efectuar prova testemunhal7, e até porque a lei não é tão exigente a esse ponto ao bastar-se com uma forte aparência, com um mero padrão de probabilidade («...cause previsivelmente...»). Mas, de qualquer modo, cabe ao requerente expor as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo8. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa e efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo.
Ora, a este respeito, o que a XXM invoca é um magro conjunto de ideias e afirmações sem suporte factual demonstrável.
Em primeiro lugar, considera que o público em geral associa o sistema da banda larga sem fios em Macau à XXM, dada a sua experiência e implantação no mercado de Macau. Por isso, ficando a CXXM (adjudicatária) - a quem não reconhece capacidade e experiência nesta área e que não terá funcionários, nem equipamentos próprios e necessários à prestação dos serviços em causa - a operar aquele sistema, quaisquer problemas de gestão ou de não operacionalidade por parte desta empresa, irá ser associado pelo público em geral à XXM. O que se tornará um “dano reputacional” à sua esfera de difícil reparação.
Pois bem. Qualquer dano na imagem ou na reputação de uma pessoa, sim, pode ser grave e sério. Mas disso só se poderá falar em função das circunstâncias concretas e precisas, portanto, casuisticamente. Será preciso ver em cada caso qual a natureza do acto e quais as suas consequências directas. Todavia, no caso dos autos, não nos parece que exista algum dano que facilmente atinja a XXM.
Primeiramente, porque a XXM, enquanto grande empresa no mercado das telecomunicações, é capaz de demarcar-se dos incidentes que possam vir a caracterizar a actuação da CXXM neste sector. A força da própria imagem de que goza será suficiente para deter investidas danosas de que não é responsável. Além do mais, não cremos que deixasse passar em claro a possibilidade de, pelos meios julgados adequados, negar qualquer responsabilidade na operacionalidade do sistema pela CXXM. Portanto, mesmo que se pondere essa possibilidade de incidente na gestão e operacionalidade do sistema por parte da sua concorrente CXXM, será pouco provável – logo imprevisível – que esse dano se reflicta na sua esfera. Até talvez se possa dizer que a eventualidade dos incidentes é bem mais capaz de trazer benefícios à imagem e reputação da XXM do que danos, se ela for hábil em demarcar-se deles e revertê-los a seu favor com o argumento de que, consigo, isto é, com o seu comando na gestão do sistema, eles nunca aconteceriam.
Em segundo lugar, estes danos, nunca seriam danos directos, mas indirectos. Quer dizer, nunca seriam danos por causa directa do acto de adjudicação, mas por causa da actuação deficiente da CXXM.
Em terceiro lugar, seriam sempre danos futuros, imprevistos, sempre dependentes de um facto incerto, isto é, precisariam da eventualidade de uma má gestão ou de uma má operatividade do sistema por parte da adjudicatária.
Ou seja, além de se não avistar nenhum benefício com o decretamento da suspensão, também não vislumbramos que danos possam ser afastados da esfera de imagem e de reputação da XXM com o deferimento da providência.
Para dizer, em suma, que para a requerente não existe nenhuma vertente positiva no alcance deste acto, razão pela qual se nos afigura ser acto negativo (não acompanhamos, pois, a resposta da XXM de fls. 223 e sgs.).
E assim sendo, não havendo efeitos nefastos do acto que com a providência possam ser afastados, a mesma torna-se inútil e desnecessária. E, por isso, sob pena de se colocar o tribunal a substituir-se à Administração no desempenho da função administrativa, a pretendida suspensão não pode ser concedida.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em indeferir a presente providência de suspensão de eficácia.
Custas pela requerente, com taxa de justiça em 3 U.C.
Macau, 10 de Março de 2011.
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (subscrevo o Acórdão sem prejuízo da posição já por mim assumida na declaração de voto que se juntou ao Ac. 62/2009)
Choi Mou Pan
Presente:
Victor Manuel Carvalho Coelho
1 Caso em que, bastando a ausência de algum deles, a providência já não poderá ser decretada. Neste sentido, v.g. Acs. do TUI de 2/06/2010, Proc. n. 13/2010 ou de 13/05/2009, Proc. n. 2/2009.
2 Sobre o acto negativo e sua implicação no quadro do meio provisório da suspensão de eficácia, v. CLAUDIO RAMOS MONTEIRO, in Suspensão de eficácia de actos administrativos de conteúdo negativo, pag. 125 e sgs.
3Aconteceu com o DL n. 134/98, de 15/05, mais tarde com a Lei 15/2002, de 22/02, Lei 4-A/2003, de 19/03 e com o art. 132º do CPTA, aprovada pela Lei n. 1/2002, de 22/02.
4 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 279; MARIA FERNANDA MAÇÃS, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº2, 13 e 16, JOSÉ CARLOS VIEIRA de ANDRADE, in A Justiça administrativa, pag. 143; M. ESTEVES DE LIVEIRA e outros, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pag. 716/717; SÉRVULO CORREIA in, “Noções de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 527; Ac. do TSI de 13/10/2005, Proc. n. 238/2005-A.




5 Neste sentido, sobre caso semelhante, ver Ac. do TSI de 24/02/2011, Proc. n. 99/2011.
6 Até por essa razão nunca a providência procederia, face à não demonstração do requisito dos danos a que respeita a alínea a), do n.1 do art. 121º.
7 Neste sentido, por exemplo, ver o Ac. do TUI de 14/05/2010, Proc. n.15/2010.
8 Ac. do TUI de 13/05/2009, Proc. n. 2/2009.
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