Recurso Jurisdicional n. 172/2008
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 17 de Março de 2011
Descritores: Marcas
Elementos gráficos
SUMÁRIO:
I- A marca exerce uma função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência.
II- Nesse sentido, uma marca que exclusivamente inclua termos genéricos ou descritivos, que apenas sirvam para designar a proveniência geográfica do produto ou do serviço, como por exemplo “Cotai Central”, não pode ser objecto de registo.
Processo n. 172/2008
(Recurso jurisdicional)
Acordam no Tribunal de 2ª Instância da R.A.E.M.
I- Relatório:
“A Macau, S.A.”, sociedade comercial com os demais sinais do autos, interpôs recurso dos despachos proferidos pela Senhora Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, datado de 25/07/2007, que recusou o registo da marca solicitada com o n. 24233, com os dizeres “COTAI CENTRAL”.
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Foi na oportunidade proferida sentença no TJB, datada de 17/12/2007, que julgou improcedente o recurso e manteve a recusa da marca.
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É dessa sentença que agora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações “A Macau, SA” apresentou as seguintes conclusões:
1. A 19 de Setembro de 2006, a ora Recorrente requereu, junto da Direcção dos Serviços de Economia (DSE), o registo da marca N/24233 (路氹中心 / COTAI CENTRAL, pedida para serviços da classe 41).
2. A decisão da DSE proferida no âmbito do processo de registo daquela marca, e a decisão do Tribunal a quo, erraram, ambas, ao entender que as alíneas b) e c) do artigo 199.º do RJPI constituem fundamento legal para recusar aquele pedido de registo de marca.
3. Aquele preceito dita que não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos, bem como os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
4. Nem sequer ali se impõe a recusa do registo de marca; ao invés, do que ali se fala é de não protecção exclusiva de sinais que eventualmente componham a marca!
5. A marca cujo registo a ora Recorrente requereu é uma marca nominativa complexa (i.e., um conjunto de palavras), não é exclusivamente constituída por indicações que possam servir no comércio para designar as indicações elencadas no artigo 199.º.
6. É portanto distintiva a marca; e, consequentemente, registável.
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Alegou também a entidade recorrida, sustentando, em termos que aqui se dão por reproduzidos, o improvimento do recurso.
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
“A 19 de Setembro de 2006, a recorrente solicitou o registo da marca nominativa “COTAI CENTER”, em chinês, “路氹中心”, para produtos de classe 41ª, tendo o pedido do registo sido publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 44, II Série, no dia 1 de Novembro de 2006.
Por despacho de 25 de Julho de 2007, da Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual, foi recusado o pedido do registo da marca registanda.
O despacho de recusa do registo da marca ora em apreço foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 36, II Série, de 5 de Setembro de 2007.
Fundamentou-se o despacho recorrido no facto de a marca registanda N/24233, composta pela indicação geográfica “COTAI” e pela indicação genérica “CENTER”, carecer de eficácia distintiva suficiente merecedora de protecção.
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III- O Direito
Está em causa a marca “Cotai Central”, que a entidade recorrida, a coberto do art. 199º al. b), do RJPI, recusou registar, por considerá-la constituída por uma indicação geográfica (Cotai) e por outra genérica (Central), sem nenhum outro elemento que a distinga de outras empresas dedicadas ao mesmo ramo de actividade, portanto, sem ter eficácia distintiva.
Decorre do art. 197º do RJPI, aprovado pelo DL n. 97/99/M, de 13 de Dezembro, que só pode ser objecto de protecção, mediante um título de marca, …”o sinal ou conjunto de sinais de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A forma ampla com que a noção é vertida na norma tem sido objecto de estudo diverso, mas para o caso que aqui nos interessa, importa apenas que nos fixemos nos seus aspectos jurídicos mais essenciais.
Assim, genericamente, a marca visa, entre outras funções aqui menos prestáveis, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa1.
O consumidor, em defesa de quem a marca em última instância é registada, através dela associa, rápida, fácil e comodamente o produto e as suas qualidades a uma determinada origem ou proveniência. Isto é, sabe que está perante um produto que procede de uma empresa determinada. Embora a marca não tenha por missão garantir a qualidade do produto (embora o empresário procure mantê-la de forma a defender, conservar ou ampliar a sua clientela), ao menos permite que o produto ou serviço seja imediatamente associado ao produtor ou ao prestador2. A última palavra na escolha pertence ao consumidor, é certo, mas para tanto ele deve ter a certeza de que está a fazer a opção consciente e livre. Ou seja, ele tem que saber o que compra e a quem3 compra.
O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra geral, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra4.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos5.
Mas, o próprio diploma desce mais fundo de forma a reduzir o leque de eventuais dificuldades resultantes da amplitude da norma do art. 197º. E assim é que, na alínea b), do número 1, do art. 199º dispõe, que “Não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos” (negrito nosso).
Assim é que, em princípio, não se pode considerar uma marca constituída apenas por indicações geográficas, nem genéricas, nem ambas as coisas associadas. Por exemplo, “Macau Pearls” ou “Portuguese Wine”, do mesmo modo que não é possível a marca “Parfum de Paris”, porque não são indicativos para o consumidor de um determinado ou especial produto ou, então, porque induziriam o público a pensar que só aquelas eram pérolas de Macau ou que só aquele perfume era verdadeiramente parisiense, sendo certo que outros há com a mesma origem de Paris (quanto aos perfumes) ou de Portugal (no que respeita aos vinhos).
Ora, a verdade é que “Cotai”é vocábulo que exprime um local específico de Macau (concretamente entre as ilhas da Taipa e de Coloane), uma zona e uma área geográfica do território. Por conseguinte, este sinal parece estar incluído da norma limitativa da protecção (art. 199º, n.2, RJPI).
E, por outro lado, também “Central” é palavra que transporta uma ideia de espaço mais ou menos confinado, ao mesmo tempo que é genérica no sentido de que pode servir para muitas aplicações, tais como “oficina”, “garagem”, “café”, “padaria”6, etc, etc.
Eis, portanto, duas palavras que representam uma proveniência geográfica e genérica simultaneamente. Querem referir-se a algo que está ao serviço do público na zona central do Cotai. Logo, em princípio não é possível comporem uma marca porque o impediria a letra da disposição legal citada, tanto por aquilo que se disse, como pelo facto de não ser identificadora do produto a comercializar ou do serviço a prestar.
Façamos, ainda assim, um exercício mais fundo: o de não olhar para as palavras pela parte de fora e penetrar na realidade que elas podem encerrar.
É verdade e comummente aceite em Macau que o Cotai tem tido uma aplicação específica, uma utilização própria e generalizada, vocacionada para a actividade de casinos, para a hotelaria, diversão, entretenimento, espectáculo, para o “shopping” de qualidade ou mais sofisticado, enfim, de uma maneira geral para um certo tipo de uso lúdico. Quer isto dizer que, desde há alguns anos, Cotai pode ser sinónimo de um tipo de serviço ali prestado com as descritas características. Se a este termo adicionarmos a referência Central, o seu sentido torna-se mais enfocado apenas porque delimita os serviços pretendidos a uma zona determinada dentro da vasta área em que se insere. Nisso se distinguirá das zonas, admitamos (porque não sabemos se existem) “Cotai West” ou “Cotai East”.
Por esta via, imaginar “Cotai Central” é remeter o pensamento para serviços de jogo, hotelaria, entretenimento, compras e quejandos na zona (física/geográfica) central do Cotai. Mas será que mesmo aí os vocábulos juntos estão a transmitir alguma coisa de concreto? Criarão na mente do consumidor a noção de algum produto ou serviço específico? Parece-nos que não.
Na verdade, continuamos a estar perante um conjunto de palavras equívoco, genérico e impreciso. Embora diga onde, ele limita-se a apontar para qualquer coisa de lúdico (em princípio), mas sem definir o quê. Um hotel, um casino, um centro de congressos? Não se sabe.
A mente do público consumidor seria conduzida para uma área geográfica, sim, mas para um conjunto mais ou menos alargado e diferenciado de produtos e serviços, quando deveriam ser precisos, concretos, inequívocos e distinguíveis, tal como o exige a ideia de marca e o impõe a própria noção legal.
Por conseguinte, andou bem a sentença recorrida, pelo que não merece qualquer censura.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam os juízes do T.S.I. em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
T.S.I., 17 de Março de 2011.
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Luis M. Couto Gonçalves, in “Função da Marca”, na obra colectiva Direito Industrial, Vol. II, Almedina, pag. 99 e sgs.
2 Neste sentido, Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Denominações Geográficas e marca”, na citada obra, a pag.371 e sgs.
3 Não nos referimos, obviamente, à relação directa entre comprador e imediato revendedor, mas sim, à indirecta estabelecida entre o adquirente final e o produtor ou fabricante.
4 Sobre o assunto, Adelaide Menezes Leitão, in “Imitação servil, concorrência parasitária e concorrência desleal”, na obra colectiva citada, Vol. I, pag. 122/128.
5 José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pag.393
6 Estas actividades desenvolvem-se em estabelecimentos localizados mais ou menos no centro da cidade, da vila, da aldeia.
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