Processo nº 798/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida pelo Mmº Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autor da prática de um crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 14º da Lei nº 17/2009, na pena de 2 meses de prisão; (cfr., fls. 40 a 42-v).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:
“1) O recorrente A foi condenado na pena de 2 meses de prisão, pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo artigo 14º da Lei n.º 17/2009.
2) Tendo em consideração todas as circunstâncias do crime, a prevenção criminal e a sua conduta posterior ao facto, o recorrente não deve ser condenado na pena de 2 meses de prisão.
3) O recorrente entende que o Colectivo (sic) do Tribunal a quo não levou em consideração as circunstâncias concretas do recorrente, e na determinação da medida da pena, incorreu na aplicação da pena pesada (elevada), em violação das normas dos art.ºs 40º e 65º do Código Penal. O recorrente entende que deve ser aplicada preferencialmente a pena de multa, sendo mais adequada e proporcional a aplicação a ele da pena de multa de 30 dias, à razão de 100 por dia. Se a pena de multa for considerada inadequada e insuficiente para atingir as finalidades da punição, o recorrente entende que é mais adequada e proporcional condená-lo na pena de prisão de um mês, com suspensão da execução da pena por um ano.”; (cfr., fls. 54 a 57 e 96 a 101).
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Em resposta, conclui o Exmº Representante do Ministério Público que:
“1. Quanto à determinação concreta da medida da pena, estabelecem-se nos art.º 40º e 65º do Código Penal, os factores e critérios que se deve ter em consideração.
2. De acordo com os dados constantes dos autos, verifica-se que o recorrente não é primário, tem uma fraca consciência na observação da lei e muitas vezes, através da prática de crimes, obteve satisfação da sua necessidade.
3. De facto, o Tribunal a quo, ao determinar a medida da pena, já ponderou completamente os respectivos factores, tendo indicado claramente na sentença recorrida, os seus fundamentos.
4. Pelo que, de acordo com os factos e as circunstâncias provados nos autos, o Ministério Público entende que não há medida da pena aplicada pesada, quanto à condenação do recorrente na pena de 2 meses de prisão efectiva, pela prática do crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
5. O Código Penal estabelece no seu art.º 48º, n.º1, as condições da suspensão da execução da pena.
6. Na realidade, a pena de 2 meses de prisão efectiva ora aplicada ao recorrente nos autos, preenche o pressuposto formal da suspensão da execução da pena.
7. Mas devemos considerar ainda os pressupostos substanciais previstos na lei.
8. Tal como se indica no douto acórdão n.º541/2007 do T.S.I: “O tribunal, ao determinar se concede ou não ao arguido, a suspensão da execução da pena, não pode postergar as exigências legais quanto à punição e à prevenção do crime.
9. No passado, o recorrente já foi condenado por várias vezes na pena de prisão efectiva pela prática de crime e foi-lhe concedida a suspensão da execução da pena.
10. No cometimento dos crimes anteriores, o recorrente já foi condenado na pena de prisão e obteve suspensão da execução da pena, não tendo, contudo, o mesmo tirado isso como lição nem mostrado arrependimento. Quanto ao presente cometimento do crime, ocorreu também no prazo da suspensão da execução da pena aplicada na última vez. Então, podemos concluir que as anteriores decisões feitas contra ele não produziram efeito de aterrorização, não sendo capaz de impedir-lhe que volte a praticar o crime do mesmo género.
11. O recorrente, com o seu acto praticado, eliminou a possibilidade de que o tribunal tem nova esperança razoável do seu acto futuro que não volta a praticar crime e novamente se integra na sociedade.
12. Face ao exposto, entende o Ministério Público que a motivação do recorrente não procede, devendo ser rejeitada.”; (cfr., fls. 60 a 62 e 102 a 107).
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Neste T.S.I. e em sede de vista, emitiu o Exmº Magistrado do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Cinge o recorrente o seu inconformismo à medida concreta da pena de 2 meses de prisão efectiva que lhe foi aplicada, entendendo que se imporia a sua substituição por multa, ou a sua redução para metade, com suspensão de execução da mesma, alegando, para tanto, o facto de a quantidade de droga que lhe foi encontrada ser diminuta, ter confessado espontâneamente, demonstrando arrependimento, ter vida familiar e profissional estabilizada, sustentando ainda ser a própria lei, no caso, o art° 64°, CPM a dar preferência, no critério de escolha, à pena não privativa de liberdade.
Acompanhamos o recorrente na reflexão de que, relativamente a penas curtas, como é o caso, se deve, em princípio, no critério de escolha, dar prevalência à pena não privativa de liberdade, nos termos legais e segundo o senso comum, dado, além do mais, o reporte tendencialmente negativo da convivência do detido, nessas condições, com o que aquele apelida de "subcultura social", com as inerentes e perniciosas influências decorrentes, além do mais, do convívio e "aprendizagem criminosa" com restantes detidos.
Só que, se tal se impõe, de facto, em tese geral, é a própria lei (artº 64°, 2ª parte, CPM) a ressalvar os casos em que aquela pena não privativa de liberdade não realize "de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ".
É o que sucede no presente caso, nos termos, aliás, bem expressos na douta decisão controvertida.
Por outra banda, pese embora a efectiva ocorrência das circunstâncias elencadas pelo recorrente, (no início referidas, que não fazendo arte do tipo do crime, depõem a seu favor), a verdade é que o mesmo não é primário, tendo sido alvo de várias condenações criminais com concessão se suspensão de execução das penas, tendo praticado o presente ilícito no prazo de suspensão de execução da ultima delas, constatando-se, assim, à saciedade, que a simples censura dos factos e a ameaça de prisão não realizaram e, com alto grau de probabilidade, não realizarão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Assim sendo, por que, por um lado, se mostra desfavorável o prognóstico individual relativo ao recorrente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão e atenta, por outro, a premente necessidade de reprovação e prevenção deste tipo de crimes, arredada se mostra, e bem, a almejada suspensão de execução da pena.
Como bem acentua o Exmo Colega junto da 1ª instância, "O recorrente, com o seu acto praticado, eliminou a possibilidade de que o tribunal tenha nova esperança razoável de que no futuro não volta a praticar crimes e se integra novamente na sociedade ".
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.”; (cfr., fls. 109 a 110).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Está provada a matéria de facto seguinte:
“No dia 8 de Setembro de 2010, pelas 09H20, agente alfandegário, aquando da inspecção feita ao arguido A na sala de inspecção da bagagem, do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, encontrou na posse dele, de entre as calças de ganga que vestia e a cintura, um saquito de plástico transparente embrulhado pelo papel higiénico, que continha objecto cristalino de cor branca, suspeito de ser “ice”, com peso cerca de 0.3 gramas incluindo o saco de plástico transparente.
Segundo o arguido, o supracitado estupefaciente foi adquirido por si em Zhuhai junto a um indivíduo de nome “B”. Após ter adquirido o supracitado estupefaciente, o arguido não o consumiu, mas o levou para Macau na parte de manhã do dia 8 de Setembro de 2010, para o seu consumo próprio.
Feito o exame laboratorial, foi verificado que o supracitado objecto cristalino de cor branca, continha substância de Metanfetamina, com peso líquido de 0.128 gramas, abrangida na Tabela II-B da Lei n.º17/2009.
O arguido agindo livre, voluntária e conscientemente ao praticar a conduta acima referida.
Tinha perfeito conhecimento da natureza e da característica do supracitado estupefaciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Ao mesmo tempo, ficaram provados ainda os seguintes quanto à situação económica e pessoal do arguido:
Actualmente, o arguido A encontra-se desempregado sem rendimento e tem a seu cargo a sua mãe.
Tem como habilitação literária 3ª classe do ensino primário.
De acordo com o registo criminal, o arguido não é primário.”; (cfr., fls. 40 a 42).
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença proferida pelo Mmº Juiz do T.J.B., (concluindo como se deixou relatado) para pedir a alteração da pena de 2 meses de prisão para uma pena de multa, ou, subsidiariamente, a suspensão da sua execução.
Como se deixou consignado em sede de exame preliminar, (cfr., fls. 111), cremos que é o presente recurso “manifestamente improcedente”, sendo assim de rejeitar.
De facto, o crime pelo mesmo cometido é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias; (cfr., art. 14º da Lei nº 17/2009).
E, como resulta da certidão do registo criminal do ora recorrente, (cfr., fls. 23 a 38), e como em sede de Resposta e Parecer bem salientam os Exmºs Representantes do Ministério Público, “verifica-se que o recorrente não é primário, tendo o mesmo, desde 1994 até à presente data, sido condenado por várias vezes na pena de prisão efectiva pela prática de actos criminosos”, e que “o cometimento do crime ocorreu também no prazo da suspensão da execução da pena aplicada na última vez”.
Ora, é verdade que nos termos do art. 64º do C.P.M.:
“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Por sua vez, também nos termos do art. 44º, nº 1 do C.P.M.:
“A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, (...)”.
Porém, como se vê, confrontamo-nos, precisamente, com uma situação que constitui a dita “excepção”, pois que atento o – diga-se, notável – “passado criminal” do ora recorrente, impõe-se afirmar que, in casu, a pena de prisão decretada “é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”.
O mesmo sucede com a pretendida suspensão da execução da pena.
Com efeito, nos termos do art. 48º, nº1 do C.P.M.:
“O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
E, ponderando-se na mencionada “conduta anterior” do ora recorrente, inviável é concluir-se que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Dest’arte, ociosas nos parecendo outras considerações, e apresentando-se-nos o presente recurso como “manifestamente improcedente”, há que decidir pela sua rejeição.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 5 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmº Defensor no montante de MOP$ 800,00.
Macau, aos 16 de Dezembro de 2010
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
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