Reclamação nº 2/2011
A, devidamente id. nos autos, não se conformando com o despacho de não admissão do seu recurso extraordinário de revisão proferido em 22NOV2010 pelo Mmº Juiz do Tribunal Judicial de Base, onde se proferiu a sentença cuja revisão se requer, vem ao abrigo do disposto no artº 395º e s.s. do CPP formular a presente reclamação.
O despacho ora reclamado tem o seguinte teor:
Funda-se o alegado recurso de Revisão que antecede no disposto no artº 431º nº1, ad. d), do CPP, ou seja em alegada “descoberta” de um novo, qual seja, a circunstância de o arguido, após a condenação na primeira instância, ter começado a trabalhar.
O fundamento da referida alínea diz respeito a novos factos que não foram apreciados na sentença, factos que não foram objecto de julgamento e eram do desconhecidos do arguido, factos subjectivamente supervenientes.
Não é o caso.
Parece, efectivamente, que o que se pretende, qual ficção processual, é a revisão do acórdão da segunda instância, assim por esta via procurando rever a da primeira com base num facto que é objectivamente superveniente.
Tal facto foi oportunamente alegado na 2ª Instância e desatendido.
Por via disso foi interposto recurso, tendo sido rejeitada a sua admissão.
Cremos, portanto, que não se pode deixar entrar pela “porta” deste meio processual (revisão) o que se atirou pela “janela” de um outro meio de recurso.
Pelo exposto, decide-se pela não admissibilidade do presente recurso de REVISÃO.
Custas do incidente com taxa de justiça fixada em 2 UC.
Notifique.
Dando uma vista de olhos aos presentes autos de reclamação, saltam à vista duas circunstâncias que obstam ao seu conhecimento, as quais são a intempestividade da sua apresentação e a inidoneidade da reclamação para a impugnação do despacho de não admissão do recurso extraordinário de revisão.
Então comecemos pela intempestividade.
De acordo com os elementos existentes nos autos, o despacho de não admissão do recurso extraordinário de revisão foi notificado ao recorrente ora reclamante, na pessoa do seu Ilustre Defensor, por carta registada expedida em 23NOV2010.
Nos termos do disposto no artº 395º/2 do CPP, o prazo legal para a apresentação da reclamação é de 10 dias.
Reza o artº 100º/2 do CPP que quando efectuadas por via postal, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando aquele o não for.
Portanto a notificação presume-se feita ao Ilustre Defensor do recorrente em 26NOV2010, que é uma sexta-feira, sendo o terminus a quo o dia seguinte, que é o dia 27NOV2010, que é um Sábado.
Ora, a circunstância de cair num Sábado o terminus a quo de um prazo nunca é impeditiva do início da sua contagem, pois a lei geral não diz que se não inicia a contagem de um prazo quando o primeiro dia não for um dia útil, antes só impõe que não termine quando o útlimo dia do prazo não for um dia útil, e neste caso, o prazo só termina no primeiro útil seguinte – artº 94 do CPC.
Assim, o prazo legal de 10 dias para reclamar do despacho de não admissão termina em 06DEZ2010.
Tendo sido apresentada em 07DEZ2010, é naturalmente extemporânea a presente reclamação, o que de per si já obsta ao seu conhecimento.
Contudo só por gosto do exercício académico e para demonstrar o que afirmei supra, passe a abordar a inidoneidade da reclamação como meio para impugnar o despacho de não admissão no âmbito de um recurso extraordinário de revisão.
Como se sabe, o recusro de extraordinário de revisão comporta duas fases, a fase do juízo rescindente e a fase do juízo rescisório, sendo essa segunda fase condicionada pela emissão, naquela primeira fase do juízo rescindente, pelo Tribunal de Segunda Instância, de uma autorização da revisão.
Ora, de toda a tramitação processual da fase do juízo rescindente, detelhadamente regulada pelos artºs 434º e s.s. do CPP, resulta que a petição do recurso é apresentada ao Tribunal onde foi proferida a decisão a rever, e ao Juiz desse Tribunal competem a preparação e a instrução do processo com os elementos necessários, de modo a habilitar o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância a emitir um juízo rescindente, consoante a verificação ou não dos presspostos legais da revisão previstos em qualquer das alíneas do artº 431º do CPP, concedendo ou negando autorização da requerida revisão e no caso de autorização determinando o reenvio do processo ao Tribunal a quo para este efectuar o novo julgamento.
Na esteira desse raciocínio, creio que ao contrário do que sucede com o regime de recursos ordinários, onde ao Juiz a quo são conferidos poderes para examinar os pressupostos formais do recurso, tais como a legalidade do recurso, a legitimidade e o interesse de agir do recorrente, a tempestividade da sua interposição, etc., a lei não incumbe dessa tarefa, no regime do recurso extraordinário de revisão, ao Juiz do Tribunal onde foi proferida a decisão a rever.
Pois como vimos supra, a concessão ou negação da autorização da revisão é decidida pelo Colectivo da secção competente do Tribunal de Segunda Instância.
Assim, mesmo que exista um despacho de admissão a proferir pelo Juiz do Tribunal onde foi proferida a decisão a rever, tal como assim denomina o Prof. Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal III, pág.366) , este despacho não é mais do que um despacho de mero expediente que se limite a dar andamento ao processo, não importando decisão, julgamento, aceitação ou reconhecimento do direito digno de tutela judiciária e não criando nem extinguindo direitos substantivos ou processuais.
Ou seja, perante uma petição de recurso extraordinário, desde que renuna o mínimo dos requisitos formais, o Juiz do Tribunal onde foi proferida a decisão a rever não tem outra alternativa que não seja a de a remeter ao Tribunal de Segunda Instância, juntamente com os respectivos autos devidamente instruídos.
Não havendo em rigor no recurso extraordinário de revisão despacho de não admissão susceptível de rejeitar liminarmente o recurso, torna-se desnecessário o recurso à reclamação prevista no artº 395º e s.s. do CPP, que como se sabe, se trata de um meio de impugnação especial, com efeito devolutivo do poder de decidir à instância superior, mas muito mais simples e célere em comparação com o meio geral de impugnação que consiste em recurso ordinário, com vista a permitir o recorrente a reagir fácil e economicamente contra a não admissão ou retenção do recurso por ele interposto.
Vistas as coisas sob outro prisma, se a reclamação a que se refere o artº 395º do CPC é concebida pelo legislador como um meio de impugnação ao dispor do recorrente para reagir contra o despacho de não admissão proferido pelo Juiz do Tribunal recorrido, logicamente a sua razão de ser não está presente na matéria de recurso extraordinário de revisão, onde inexiste tal despacho de não admissão.
Todavia a não aplicabilidade da reclamação aos recursos extraordinários de revisão não quer dizer ficar desamparado um recorrente que enfrente o que o ora reclamante enfrentou in casu, uma vez que neste tipo de situações vigora plenamente o princípio geral de recorribilidade das decisões judiciais consagrado no artº 389º do CPP.
A propósito do “recurso de queixa”, um instituto existente no código velho de 1939 e correspondente grosso modo à reclamação a que se referem o artº 595º do CPC e o artº 395º do CPP, o Prof. Alberto dos Reis ensina, a favor desse entendimento, que “......Os recursos de revisão e oposição de terceiro exercem aparentemente o papel de recurso, porque se destinam a impugnar uma sentença; mas, na realidade, são verdadeiras acções de anulação de sentença transitada em julgado. De sorte que o despacho que não admite o recurso corresponde, substancialmente, ao despacho de indeferimento, in limine, da petição inicial (...); o meio idóneo de reacção contra tal despacho é o recurso de agravo, pois que o despacho de não admissão, em vez de obstar à interposição de recurso para o tribunal superior, impede que siga os seus termos perante o próprio tribunal a acção que se apresenta sob a veste de recurso” – cf. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 343.
Porém, dada a inconvertibilidade da reclamação em recurso em face do disposto no artº 595º/2 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP, interpretado a contrario, e a intempestividade da reacção do ora reclamante contra do despacho de não admissão, é sempre ínvio mandar aqui seguir os termos do recurso.
Tudo visto, resta decidir.
Pelo exposto, decido não atender a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça fixada em três UC.
Cumpra do disposto no artº 597º/4 do CPC, ex vi do artº 4º do CPP.
RAEM, 04MAR2011
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
Recl.2/2011-6