Processo nº 38/2011 Data: 17.02.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “injúria”.
Indemnização por danos não patrimoniais.
SUMÁRIO
1. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.
2. Não se mostra excessivo o montante de MOP$4,000.00 fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida de um crime de “injúria”, e que, em consequência de tal, sentiu-se magoada, desconsiderada, assustada e inquieta a ponto de, durante vários dias, ter transportado um spray de tinta na mala para se defender de possíveis agressões por parte do arguido.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 38/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença prolatada pelo Mm° Juiz do T.J.B. decidiu-se:
“a) condenar o arguido A pela prática de um crime de “injúria” p. e p. art° 175°, n.° 1 do Código Penal de Macau na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à razão diária de MOP$70 (setenta), num total de MOP$3.500,00 (três mil e quinhentas), e a que correspondem 33 (trinta e três) dias de prisão subsidiária;
b) condenar o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 2 UC nos termos do art. 71 n°1, al. b) do RJT;
c) condenar o arguido no pagamento de 500,00 MOP nos termos e para os efeitos do art.° 24.° da Lei n° 6/98/M, de 17/08 e nos honorários da sua Il. defensora que serão a adiantar pelo GPTUI e que se fixam em MOP 1.200,00 (mil e duzentas).
d) condenar o arguido a pagar à ofendida/demandante a quantia de MOP 4.000,00 (quatro mil) a título de danos de natureza não patrimonial, a que acrescem os juros legais a computar desde a data prolação desta decisão, tudo até integral e efectivo pagamento.
(…)”;(cfr., fls. 198 a 198-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Não se conformando com o assim decidido, traz o arguido o presente recurso onde, em motivação, e em sede de conclusões, afirma o que segue:
“1- A sentença recorrida erra na qualificação jurídica do crime, uma vez que, de acordo com os factos provados, o crime que o recorrente, eventualmente, praticou foi o crime de ameaças previsto e punido pelo artigo 147° do Código Penal e não o crime de injúria previsto e punido pelo art° 175° n° do Código Penal;
2- Os elementos que preenchem o tipo de crime pelo qual o recorrente foi condenado são a "imputação a uma pessoa de factos ( ... ) ou palavras ofensivos da sua honra ou consideração."
3- Ora, os palavrões proferidos pelo recorrente não se dirigiram (atenta a transcrição existente nos autos dos mesmos) directamente à ofendida, tratando-se, sim, da repetição de uma palavra obscena, sem qualquer destinatário específico e apenas como descarregar dos nervos numa situação de conflito e irritação.
4- Assim sendo, deve o recorrente ser absolvido do crime de injúria por que foi condenado.
5- Por outro lado, acresce sem conceder, e apenas por mera cautela de patrocínio, que o montante indemnizatário atríbuido a título de danos morais à ofendida excede, em muito, o razoável para este tipo de situações.
6- Este montante corresponde a mais de um mês de salário do recorrente e é, objectivamente, demasiado elevado comparativamente com os factos praticados por este.
7- Pelo que deverá ser reduzido para um montante que não exceda as MOP$500,00 .”; (cfr., fls. 203 a 213).
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Oportunamente e em resposta, assim conclui a ofendida/assistente B:
“1. In casu, quer os actos praticados, quer as palavras injuriosas proferidas, pelo Recorrente, foram dirigidos claramente à ofendida, ora Assistente e por causa das palavras injuriosas e dos actos e palavras ameaçadores do arguido, a ofendida sentiu-se magoada, desconsiderada, assustada e inquieta.
2. Os actos do Recorrente imputam à Ofendida factos ofensivos à sua honra e consideração.
3. Assim, a decisão recorrida não padece de qualquer erro na qualificação do crime.
4. Por outro lado, o recorrente é sócio da sociedade comercial "XXX Disco Companhia Limitada";
5. e foi proprietário do automóvel ligeiro de marca Jaguar, até 17 de Novembro de 2010.
6. Portanto, o montante que foi condenado a pagar à Ofendida não é injusto e desrazoável, e o Recorrente tem absoluta capacidade para pagar este montante.”; (cfr., fls. 220 a 225).
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Neste T.S.I., e em douto Parecer, considera o Exm° Procurador-Adjunto que o recurso deve ser rejeitado; (cfr., fls. 240 a 241).
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Nada obstando, e com os vistos dos Mm°s dos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência.
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“No dia 9 de Janeiro de 2009, pelas 19.00h, a ofendida encontrou a Sra. C, filha da sua empregada doméstica, no portão do edifício onde mora, a qual lhe contou que tinha sido abordada, em tom muito rude, pouco antes, por um indivíduo que mora também no mesmo prédio, quando levara o cão da ofendida a passear na rua.
Uns minutos depois, apareceu o arguido, tendo a C informado a ofendida que era este o dito indivíduo que lhe tinha falado em tom muito rude.
Assim, a ofendida foi ter com o arguido, a fim de perceber melhor o que passava, ou seja, a razão porque este tinha falado com a C naquele tom.
Sucede que o arguido, para além de não querer ouvir nada da ofendida, começou a ofendê-la com palavrões em inglês: «bloody fucking…bloody fucking ... » (o que, em Língua Portuguesa poderá ser traduzido para "foda-se foda-se ... ").
Como a ofendida não conseguiu fazer o arguido acalmar-se, virou-lhe as costas e juntou-se ao seu cão, nos degraus à saída do prédio.
No entanto, o arguido e a sua acompanhante, ambos com ar ameaçador, vieram atrás da ofendida, dizendo o arguido, com o dedo na cara da ofendida, o seguinte: «the next time I bloody fucking see you and the bloody fucking dog without a muzzle, I bloody fucking bury you both!» (o que, em Língua Portuguesa, pode ser traduzido como "foda-se, a próxima vez que eu te veja e ao teu maldito cão sem açaime, foda-se, enterro-vos aos dois!").
Não obstante, passaram por ali vários vizinhos da ofendida durante o incidente.
Por causa das palavras injuriosas e dos actos e palavras ameaçadores do arguido, a ofendida sentiu-se magoada, desconsiderada, assustada e inquieta.
Com a conduta acima descrita, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo que tal conduta era proibida por lei.
Dá-se por reproduzido o teor do CRC para os legais e devidos efeitos.
A ofendida é pessoa de elevada cultura, boa educação, recato e sensatez, e de elevada condição social.
Além disso, é uma cidadã respeitadora da lei e dos direitos de terceiros, mantendo boas relações de vizinhança com os restantes moradores do seu prédio.
Por outro lado, estima os animais - cães, em particular - tendo já feito parte dos corpos gerentes da Anima, uma associação de beneficência, sem fins lucrativos, que se dedica à protecção dos animais de Macau.
Vivendo apenas com uma empregada doméstica, a ofendida dedica-se I profundamente ao seu cão de companhia, por quem tem especial afecto.
Por causa das palavras injuriosas e dos actos e palavras ameaçadores do arguido, a ofendida sentiu-se magoada, desconsiderada, assustada e inquieta (renovação do factos supra assente).
Causando-lhe medo e angústia, a ponto de, durante vários dias, ter transportado um spray de tinta na mala para se defender de possíveis agressões por parte do arguido.”; (cfr., fls. 194-v a 195-v).
Do direito
3. Duas são as questões colocadas no âmbito do presente recurso.
A primeira, relacionada com a “qualificação jurídico-penal da matéria de facto provada”, e, a segunda, quanto ao “montante em que foi o recorrente condenado a pagar á ofendida/assistente a título de indemnização por danos não patrimoniais”.
Cremos porém que é o recurso manifestamente improcedente, devendo, por isso, ser objecto de rejeição como infra se passa a (tentar) expor.
Vejamos.
— Quanto à “qualificação jurídico-penal”.
Diz o recorrente que “A sentença recorrida erra na qualificação jurídica do crime, uma vez que, de acordo com os factos provados, o crime que o recorrente, eventualmente, praticou foi o crime de ameaças previsto e punido pelo artigo 147° do Código Penal e não o crime de injúria previsto e punido pelo art° 175° n° do Código Penal”.
Outro é todavia o nosso ponto de vista.
Com efeito, e no que toca ao alegado crime de “ameaças”, não se pode olvidar o já processado nos presentes autos, (e que é do conhecimento do ora recorrente), nomeadamente, o despacho de arquivamento pelo Exm° Magistrado do Ministério Público proferido em relação ao mesmo crime, (cfr., fls. 122), o despacho de rejeição pelo Mm° J.I.C. proferido em relação ao pedido de abertura de instrução pela assistente apresentado (cfr., fls. 158), e o despacho do Mm° Juiz do T.J.B. no sentido de não receber a acusação particular em relação ao mesmo crime; (cfr., fls. 160 a161).
Ora, certo sendo que todas estas decisões não foram objecto de oportuna impugnação, impõe-se agora considerar que, nos presentes autos, definitivamente “arrumado” está o eventual crime de “ameaças” pelo recorrente cometido, nada mais se nos mostrando de acrescentar sobre o mesmo.
No que toca ao crime de “injúria”, também pouco há a dizer.
Na verdade, clara e correcta nos parece a fundamentação em relação a esta matéria pelo Mm° Juiz do T.J.B. exposta na sentença recorrida, consignando o que segue:
“Vem ao arguido imputada a comissão de um crime de injúrias p. e p. no art. 175° do C.P.
Nos termos daquele preceito, pune-se quem injuriar outra pessoa, ( ... ) dirigindo-lhe palavras ofensivas da sua honra ou consideração.
Ora, as expressões com o jaez das que se deram por assentes são, indubitavelmcnte, susceptíveis de afectar a honra ou consideração de quem quer que seja, facto pelo qual se conclui pelo preenchimento do tipo objectivo do crime em causa.
Subjectivamente, este tipo apenas é punido a título de dolo. Este, tal como é dogmaticamente desenhado, é constituído, para além do elemento volitivo, por um elemento intelectual ou cognitivo, consubstanciado este, de resto, no conhecimento dos elementos objectivos do tipo.
Reportando-nos ao caso vertente, atenta a factualidade dada por assente, preencheu também o arguido o respectivo tipo subjectivo, pois que representou os elementos objectivos do tipo e, não obstante, actuou com a intenção de o realizar.”; (cfr., fls. 196).
Merecendo o assim exposto a nossa concordância, (e recordando-se aqui as “expressões” pelo recorrente dirigidas à ofendida/assistente “foda-se, a próxima vez que eu te veja e ao teu maldito cão sem açaime, foda-se, enterro-vos aos dois!”), ociosas se nos afiguram mais alongadas considerações, pois que se nos mostra evidente que são tais “expressões” ofensivas à honra e consideração de qualquer pessoa.
— Quanto à “indemnização”.
Provado está que:
“Por causa das palavras injuriosas e dos actos e palavras ameaçadores do arguido, a ofendida sentiu-se magoada, desconsiderada, assustada e inquieta (renovação do factos supra assente).
Causando-lhe medo e angústia, a ponto de, durante vários dias, ter transportado um spray de tinta na mala para se defender de possíveis agressões por parte do arguido.”
Perante isto, fixou o Tribunal a quo o montante de MOP$4,000.00 como indemnização pelos danos não patrimoniais pela ofendida/assistente sofridos.
Pois bem, é sabido que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 21.04.2005, Proc. n° 318/2004).
Atenta a dita factualidade, e ponderando nas “consequências” causadas à ofendida/assistente, excessivo não é o dito montante, (já que há muito que entende este T.S.I. que os montantes de indemnização por danos não patrimoniais não devem constituir “valores miserabilistas”).
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Macau, aos 17 de Fevereiro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 38/2011 Pág. 16
Proc. 38/2011 Pág. 1