Processo n. 202/2008
(Recurso Laboral)
Data do acórdão: 31 de Março de 2011
Descritores: - Prescrição de créditos laborais
- Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados)
- Juros
SUMÁRIO:
I- Entre o prazo de 15 anos para a verificação da prescrição, fixado no Cod. Civil de 1999, e o de 20, estabelecido no Cod. Civil de 1966, aplicar-se-á o segundo, se o seu termo ocorrer primeiro, face ao disposto no art. 290º, nº1.
II- Para esse efeito, não se aplica ao contrato entre um trabalhador do casino e a STDM as normas dos arts. 318, al. e) do Cod. Civil de 1966 e 311º, al. c) do Cod. Civil vigente porque a relação laboral assim firmada entre as partes é de trabalho e não equivalente à do contrato doméstico.
III- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
IV- Considera-se, ao abrigo do art. 17º, do DL 101/84/M, que se o trabalhador não gozou o dia de descanso semanal, nem o novo dia de descanso (substitutivo) que a lei estabeleceu para o compensar, mesmo que tenha recebido a remuneração pelo serviço prestado nesses dias, terá que ser compensado com mais um dia de salário pela compensação não gozada (salário x1).
Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
V- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
VI- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, n.1 e 24º, n.2 (salário médio diário x1).
Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
Proc. N. 202/2008
Recurso Civil e Laboral
Recorrentes: STDM e A
Recorridos: os mesmos
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$208.540,66.127,21 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados) e descansos anuais não gozados desde a data em que para a ré começou a trabalhar (16/04/1984) até 14 de Abril de 1994, altura em que cessou a relação laboral entre ambos, bem como os juros legais contados desde a cessação da relação laboral.
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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição na sua contestação, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador (fls. 92), julgando parcialmente prescritos os créditos peticionados, concretamente os referentes a descanso semanal e feriados obrigatórios em data anterior a 26 de Outubro de 1986, bem como os resultantes do descanso anual relativo ao trabalho prestado durante os anos de 1984 e 1985.
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Dessa decisão recorreu o autor, representado pelo M.P., – recurso admitido com subida diferida - formulando as seguintes conclusões:
1 - No caso concreto, é todo o regime contido no Código Civil de 1966 que tem aplicabilidade e não o novo regime de Código Civil de Macau por falta de regulamentação específica no domínio do direito de trabalho.
2 - A prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício.
3 - O legislador prevê situações, ligadas a relações de especial proximidade e confiança e até de conflito de interesses, em que não é justa que a inércia prolongada do titular do direito no seu exercício seja desvalorada e daí a previsão legal das chamadas causas bilaterais de suspensão do prazο de prescrição.
4 - Uma das causas bilaterais de suspensão do prazo de suspensão é a pendência da relação de trabalho doméstica.
5 - No nosso entender, a particular relação de trabalho propriamente dita tem toda a semelhança, na sua essência, com a relação de trabalho doméstica, e todos os elementos necessários (subordinação jurídica, retribuição) estão plenamente verificados em ambos os tipos de contrato de trabalho. Ao fim e ao cabo, pode afirmar-se que o contrato de trabalho doméstico é uma sub-espécie do contrato de trabalho.
6 - Existe uma zona de intersecção teleológica entre esses dois tipos de contrato de trabalho que justificaria tratamento legal semelhante.
7 - Se assim é, significaria que o legislador teria alargado o âmbito da causa bilateral de suspensão prevista na alínea e) do artigo 318.º do Código Civil de 1966 a todas as relações laborais e não apenas às relações laborais de trabalho doméstico.
8 - Na verdade, o ponto comum ou zona de intersecção reside no facto de que a inibição no exercício do direito por par te do trabalhador doméstico, decorrente da situação de subordinação jurídica em que se encontra e do receio de suscitar conflito com a entidade patronal que pode, inclusivamente, colocar em risco o seu emprego, verifica-se da mesma maneira na relação de trabalho propriamente dito, não se descortina, alguma diferença de carácter substantivo.
9 - Assim, e perante a lacuna legislativa verificada na ordem jurídica de Macau (no âmbito de Código Civil de 1966), o intérprete do direito deve procurar colmatar a mesma lacuna, recorrendo à analogia.
10 - Se assim é, não é difícil de concluir que, por aplicação analógica do artigo 318.º, al. e) do Código Civil de 1966, o prazo de prescrição dos créditos emergentes da relação laboral só começa a correr a partir da cessação do contrato de trabalho.
11 - Pelo que o artigo 318.º, al. e) do Código Civil de 1966 foi violada.
Nestes termos, e pelas razões acima expostas, o recurso ora interposto mereça, ao nosso ver, de provimento e devendo o mesmo recurso julgado procedente, alterando a decisão para outra no sentido de julgar improcedente toda a excepção de prescrição levantada pela Ré.
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Não houve contra-alegações.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 16/01/2008, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 158.875,70, a título de indemnização pelo não gozo dos descansos semanal e anual e feriados obrigatórios remunerados, acrescida de juros legais desde o trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento.
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É dessa sentença que, inconformada, agora recorre a então ré, STDM, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
I. A Sentença de que ora se recorre é nula por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento, por parte da Ré, do gozo de dias de descanso, por parte do Autor, e bem assim, relativamente ao tipo de salário auferido pelo Autor, ao condenar a Ré ao pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dia de descanso anual como se a Ré tivesse impedido o Autor de gozar aqueles dias, e com base no regime do salário mensal;
II. Com base nos factos constitutivos dos direitos alegados pelo A., ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que, esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
III. E, de acordo com os arts. 20º, 17º, 4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
IV. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que ficou provado que o A. precisava da autorização da R. para ser dispensado dos serviços;
V. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente. Caso assim não se entenda sempre deve aplicar-se, para o cálculo de qualquer compensação pelo trabalho alegadamente prestado em dias de descanso, o regime previsto para o salário diário;
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
VI. O A., ora Recorrido, não estava dispensado do ónus da prova quanta ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou.
VII. Assim sendo, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., ora Recorrido.
VIII. Nos termos do nº1 do art. 335º do Código Civil (adiante CC) “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
IX. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 10º a 15º da base instrutória, cabia ao A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
X. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XI. O nº 1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XII. O facto de o A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, justifica, de per si, a possibilidade de derrogação do dispositivo que impõe ao empregador o dever de pagar um salário justo, pois caso o Recorrido auferisse apenas um salário justo - da total responsabilidade da Recorrente e pago na íntegra por esta - certamente que esse salário seria inferior ao rendimento total que o Recorrido, a final, auferia durante os vários anos em que foi empregado da Recorrente.
XIII. Não concluindo - e nem sequer se debruçando sobre esta questão - pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia - incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XIV. A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
XV. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67º e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
XVI. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XVII. Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XVIII. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), o Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XIX. E, não tendo o Recorrido, sido impedido de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM ao Recorrido.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
XX. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que o A., ora Recorrido, era remunerado com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o senti do inverso, ou seja, do salário diário.
XXI. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como o aqui Recorrido, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de MOP$4.10/dia, HKD$10.00/dia, ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
XXII. Acresce que o “esquema" do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judicias nos processos pendentes.
XXIII. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no art. 1º do RJRT.
XXIV. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era remunerado com um salário mensal, a sentença recorrida desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a Recorrente entende que, nessa parte, a decisão em crise não está devidamente fundamentada e é arbitrária, ao tentar estabelecer como imperativo (i.e., as partes poderem livremente optar pelo regime de salário mensal ou diário em contratos de trabalho típicos).
XXV. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas. no sentido de fixar o salário auferido pelo A, ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer.
XXVI. Esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas. no sentido de fixar O salário auferido pelo A, ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
XXVII. O trabalho prestado pelo Recorrido em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
XXVIII. A remuneração já paga pela ora Recorrente ao ora Recorrido por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A. tinha direito, nos termos do Decreto-Lei n. º 32/90/M.
XXIX. Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do n.º 6 do art.º 17º do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
XXX. Ora, nos termos do art. 26º, n.º 4 do RJRT, salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos do art. 17, n.º 6, al. b), os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com o empregador.
XXXI. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
XXXII. A decisão Recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da alínea b) do nº 6 do art.17º e do artigo 26º do RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda concluindo:
XXXIII. As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
XXXIV. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999.
XXXV. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
XXXVI. O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
XXXVII. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
XXXVIII. A propósito da incidência do Imposto Profissional: “O Imposto Profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”. É a própria norma que distingue , expressamente, garjetas de salário.
XXXIX. Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos par causa e par ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
XL. Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção dos empregados de casino, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
XLI. Salvo o devido respeito pelo Mmo. Juiz a quo, a posição de sustentar a integração das gorjetas no conceito jurídico de salário, com base no conceito abstracto e subjectivo de “salário justo”, não tem qualquer fundamento legal, nem pode ter aplicação no caso concreto.
XLII. Em primeiro lugar, porque o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos empregados do casino, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
XLIII. E, fortalece a nossa tese, a posição do governo de Macau que nunca considerou necessário a definição de um montante mínimo salarial que pudesse servir de bitola para a apreciação – menos discricionária – do que é um salário justo.
XLIV. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.
XLV. Finalmente, a Ré gostaria de mui respeitosamente, invocar os acórdãos 28/2007 e 29/2007 respectivamente, de 21 de Setembro e 22 de Novembro, nos quais o Tribunal de Ultima Instância demonstrou partilhar do entendimento da Ré, no que a matéria de retribuição diz respeito.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
- A R. foi, desde o início da passada década de sessenta até Março de 2002, a concessionária, em regime de exclusividade, de uma licença de exploração de jogos de fortuna e azar em casino (alínea A) dos factos assentes).
- Entre o A. e a R. foi estabelecida um relação em 16 de Abril de 1984 a qual cessou em 14 de Abril de 1994 (alínea B) dos factos assentes).
- Dessa relação o A. recebia uma quantia fixa, no valor de MOP4,10 por dia, desde o início até 30 de Junho de 1989; de HKD10,00 por dia, desde de 1 de Julho de 1989 (alínea C) dos factos assentes).
- A distribuição das gorjetas dadas pelos clientes dos casinos era feita a todos os trabalhadores da R., de acordo com a categoria profissional a que pertenciam (alínea D) dos factos assentes).
- Pode-se conceber a elaboração de um esquema rotativo de gozo de descansos semanais, anuais e feriados pelos trabalhadores da R. (alínea E) dos factos assentes).
- Ao gozo de dias de descanso pelos trabalhadores da R., não corresponderia qualquer remuneração (alínea F) dos factos assentes).
- Os trabalhadores da R., eram livres de pedir o gozo de dias de descanso (alínea G) dos factos assentes).
- Desde que tal gozo de dias não pusesse em causa o funcionamento da empresa da R. o pedido era deferido (alínea H) dos factos assentes).
- Da relação referido em B) dos factos assentes o A. recebia ainda uma quantia variável proveniente da gorjetas dadas pelos clientes (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- As quais são distribuídas segundo um critério fixado pela R. (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- O rendimento recebido pelo A. entre os anos de 1984 a 1994 (resposta ao quesito da 5º da base instrutória):
• MOP$49.722,00 em 1984
• MOP$49.937,00 em 1985
• MOP$47.224,00 em 1986
• MOP$43.709,00 em 1987
• MOP$55.430,00 em 1988
• MOP$56.577,00 em 1989
• MOP$70.241,00 em 1990
• MOP$75.619,00 em 1991
• MOP$73.096,00 em 1992
• MOP$73.176,00 em 1993
• MOP$23.097,00 em 1994
- A R. foi sempre regular na entrega das gorjetas ao A. (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- O A. era expressamente proibido de guardar as gorjetas dadas pelos clientes dos casinos (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- O horário de trabalho do A. era fixado pela R. por turnos de 6 horas intercalados por períodos de descanso de 12 horas (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- Desde o início da relação até 14 de Abril de 1994, nunca o A. descansou um período consecutivo de 24 horas em cada período de 7 dias sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- Nunca o A. descansou 6 dias por ano sem perda do respectivo rendimento (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Até 30 de Março de 1989, nunca o A. descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, 10 de Junho, nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e durante três dias no Ano Novo Chinês tendo o A. trabalhado nesses dias (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- De 30 de Março de 1989 até 14 de Abril de 1994, nunca o A. descansou nos dias 1 de Janeiro, 1 de Maio, 1 de Outubro, durante três dias no Ano Novo Chinês, no dia 10 de Junho, e nos dias de Chong Chao, Chong Yeong e Cheng Meng tendo o A. trabalhado nesses dias (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- Sem que a R. tivesse proporcionado qualquer acréscimo no rendimento do A. (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- Nem compensado o A. com outro dia de descanso (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- As gorjetas dadas pelos clientes eram reunidas e contabilizadas por uma comissão paritária composta por um funcionário do Departamento de Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar , um membro do departamento de tesouraria da R., um “floor manager” (gerente do andar) e os trabalhadores-croupiers das mesas (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- As gorjetas eram diariamente reunidas e contabilizadas e, de dez em dez dias, distribuídas (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- Nunca em anos em que o rendimento proveniente das gorjetas sofreu flutuações várias, o A tivesse solicitado a R. uma correcção dessas flutuações (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- A actividade da R. é rigorosamente contínua não se interrompendo em qua1quer dia ou momento, seja em fins de semana, estações de veraneio ou feriados obrigatórios (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- O A. não gozou dias de descanso porque quis auferir o rendimento que corresponderia a tais dias (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
- Ao gozo de dias de descanso pelos trabalhadores da R., não corresponderia qualquer remuneração (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
- Os trabalhadores da R., podiam requerer até 40 dias de descanso não remunerado, desde que para tanto preenchessem um formulário e apresentassem o requerimento (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
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III- O Direito
A- Recurso do saneador (prescrição)
A ré STDM, na sua contestação, havia defendido que os créditos laborais invocados pelo A. anteriores a 28/11/1991, porque com mais de 15 anos, e atendendo a que foi citada para contestar em 28/11/2006, segundo o art. 302º do Cod. Civil, estariam prescritos.
O autor, na sua resposta entendera que o prazo prescricional seria de 20 anos à luz do art.309º, do Cod. Civil de 1966.
No saneador foi decidido que o prazo aplicável seria o de vinte anos, porque completados antes do de quinze contados sobre a data da entrada em vigor do novo Código, uma vez que em qualquer dos casos a aplicação do prazo antigo corresponderia à ressalva do art. 290º do Cod. Civ., isto é, faltaria menos tempo para completar o prazo estabelecido no Código anterior. E que, portanto, o direito ao 1º dia de descanso semanal e os dias de descanso semanal sucessivamente vencidos até 25 de Outubro de 1986 se encontravam já prescritos. No que se refere ao descanso anual, estaria o respectivo direito prescrito à data da notificação para a tentativa de conciliação relativamente aos anos de 1984 e 1985. Relativamente aos feriados obrigatórios, por o seu vencimento ocorrer no próprio dia do feriado, todos estariam prescritos os ocorridos até 25 de Outubro de 1986.
Desse despacho interpôs o então autor, A, recurso jurisdicional (ver conclusões supra).
Apreciando.
Em primeiro lugar, importa dizer que a legislação laboral de Macau (DL n. 101/84/M, de 25/08 e, posteriormente, o DL n. 24/89/M, de 3/ de Abril) nada estatui, especificamente, sobre o regime de prescrição dos créditos emergentes das relações laborais. E se é certo que o Código Civil previa a figura do contrato de trabalho, a verdade é também que não regulamentou o seu regime, remetendo-o para legislação especial (arts. 1152º e 1153º). Regulamentação que viria a surgir com o Decreto-Lei no 49408, de 24/11/1969, que no seu art. 38º estabeleceu um prazo de prescrição de um ano para todos os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer ao trabalhador, contando-se esse prazo “a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. Assim, em matéria de prescrição, haverá que recorrer ao regime do Código Civil, importando apenas averiguar se o anterior de 1966, se o de 1999.
O art. 290º, n.1 do Cod. Civil actual (que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1999) estabelece que o prazo fixado em lei nova, desde que mais curto do que o fixado em lei anterior, será aplicado aos prazos que já estiverem em curso. Contudo, ainda de acordo com a referida norma, o início desse prazo só se dá a partir da entrada em vigor da nova lei, “a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, caso em que essa será a lei aplicável.
Ora, o prazo ordinário de 15 anos fixado na lei nova (art. 302º, do C.C. vigente) contado desde 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014, enquanto o de 20 anos (art. 309º, C.C. anterior) se completaria antes disso. E para tanto se concluir basta pensar que, mesmo contado o prazo a partir do limite máximo – o correspondente ao termo da relação laboral, ocorrido em Junho de 1992 (tese do recorrente) – o período de 20 anos terminaria em Junho de 2012. E se isto é assim tendo por base de contagem a data da cessação da relação laboral, por maioria de razão se haverá de concluir se atendermos como “dies a quo” qualquer data em que, antes daquela cessação, se entenda que o direito pudesse ser exercido pelo trabalhador em relação a cada um dos seus autonomizados créditos.
Tratando-se a prescrição de um instituto que beneficia o credor, em razão da lassidão do devedor e em vista da estabilização das relações e da segurança do comércio jurídico, cremos, assim, que o regime da lei antiga será o aplicável ao caso em apreço, além do mais por ter sido, inclusivamente, ao seu abrigo que toda a relação laboral se estabeleceu (durou entre Setembro de 1984 e Junho de 1992).
Mas, obtida esta conclusão, outra questão já se coloca.
Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende o recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 311º, al. c), do C.C. vigente, segundo o qual “a prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos decorridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
Ora, em primeiro lugar, desta última disposição não decorre que o prazo apenas se inicia com o termo da relação laboral. Ao dizer no seu proémio que “a prescrição não se completa” está a partir de um pressuposto, que é o de haver um prazo já iniciado, o qual não terminará senão ao fim de um período de dois anos após o termo do contrato de trabalho. Trata-se, em suma, de uma disposição que estabelece uma suspensão do prazo prescricional e não um diferimento do “dies a quo”.
Em segundo lugar, na medida em que ela traz à luz do dia uma estatuição até então inexistente, a ideia de uma novação parece sair reforçada. Quis o legislador tomar posição expressa pela primeira vez sobre o assunto, não sendo legítimo inferir que essa sempre fora a sua intenção implícita contida na legislação anterior.
Mas regressemos ao art. 318º do C.C. de 1966. Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida (este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
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E como proceder para apuramento concreto da prescrição?
Tendo em consideração duas disposições: a do art. 306º, n.1 e a do art. 323º, n.1, do C.C. de 1966. Ou seja, tendo-se em conta que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (1ª) e que o prazo se interrompe com a citação ou com a notificação judicial de acto que exprima a intenção de exercer o direito, o que sucede com a notificação para a tentativa de conciliação (2ª). Assim sendo, visto que esta notificação se verificou em 25 de Outubro de 2006 (fls. 17/18), este será o marco a considerar. Prescritos estarão os créditos anteriores a 25/10/1986.
Pelo exposto, e porque assim foi decidido no despacho saneador, nenhuma censura ele merece.
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B) Recurso da sentença
Apenas a STDM recorreu da sentença, nos termos constantes das conclusões acima transcritas.
Começa por dizer que a sentença é nula, por erro na subsunção da matéria de facto dada como provada relativamente ao impedimento por sua parte do gozo dos dias de descanso, ao tipo de salário auferido pelo autor e à indemnização pelo não gozo do descanso anual. E acrescenta que, sendo a indemnização peticionada com base em responsabilidade civil, para a verificação da ilicitude da ré haveria que provar-se que o trabalhador fora obrigado a trabalhar contra a sua vontade.
É preciso começar por dizer que tal alegação não aponta para a nulidade da sentença. Do que se trataria, seria de uma errada interpretação da matéria da causa, errada subsunção dos factos ao direito ou errada aplicação do direito ao caso. Só que, mesmo nessa hipótese, a sanção não seria a nulidade da sentença, mas a sua revogação e, portanto, o provimento do recurso.
Mas vejamos se, sobre este ponto, a restante alegação merece acolhimento.
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O que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu.
Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios? Prevalecerá o regime convencional sobre o regime legal?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador, que durante décadas, recebeu elevados rendimentos. Tanto no caso da natureza do contrato, como no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admita o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao império normativo.
Retomando a discussão iniciada, somos levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
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E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebeu uma quantia fixa diária de MOP$ 4,10 durante um período e de HKD$10,00 a partir de certa altura (facto C). Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração (facto F). Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não permite pensar que o salário era determinado em função de período de trabalho efectivamente prestado (art. 28º, n.1, do DL n. 101/84/M, de 25/8).
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como apurado nas respectivas respostas.
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Como calcular a compensação?
Como o contrato atravessou a vigência dos DL n.s 101/84/M e 24/89/M, o apuramento dos valores compensatórios tem que obedecer a ambos os diplomas, consoante o período a que respeite o trabalho nos dias de descanso, sem esquecer, porém, que alguns deles estão prescritos, como atrás foi julgado.
Vamos por partes. Assim:
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 101/84/M
A sentença utilizou a fórmula AxBx1 (em que A são os dias de descanso vencidos e não gozados; B é o salário médio diário e 1, o factor correspondente à compensação). Ali se decidiu que deveria o trabalhador receber mais um dia de salário, enquanto a recorrente defende que não receberia nenhum. Aquela, pelo facto de considerar ter trabalhado nos dias que eram dedicados ao descanso, tanto no descanso originário, digamos assim, como no substitutivo. Esta, por defender que o trabalhador só teria direito a compensação se não tivesse sido pago pelo trabalho prestado nesse dia.
Pois bem. Em cada sete dias de trabalho, o trabalhador tinha direito a gozar um período de descanso de 24 horas consecutivas (art. 17º, n.1, cit. dip.). E se, em vez de o gozar, o trabalhador prestasse trabalho, tinha ele direito a gozar um outro dia de descanso compensatório dentro dos 30 dias seguintes (art. 17º, n. 4). Como proceder, então, nos casos em que o trabalhador prestasse também serviço no dia que deveria ser destinado ao descanso compensatório? Substituindo esse dia de compensação não gozado por um ou por dois dias de salário?
Vejamos. Quando o trabalhador não exerce o seu direito ao descanso no dia devido, a forma que a lei estabelece para o compensar é através da concessão de um novo dia de descanso, que será gozado dentro dos 30 dias posteriores (art. 17º, n.4).
Ora, note-se que no caso dos autos só o primitivo dia de descanso não foi compensado; mas o serviço nele prestado foi pago. Por isso, teria o trabalhador direito a transferir o descanso para outro dia. Mas, se até mesmo esse dia substitutivo tiver sido dia de trabalho, como aconteceu, quando devia ser de descanso? Como proceder?
Dois caminhos se nos afiguram possíveis e qualquer deles conduzirá ao mesmo resultado.
Não esqueçamos que o trabalhador recebeu sempre uma unidade salarial nos dias de trabalho fornecido ao empregador. Pergunta-se, então:
- O trabalhador foi pago pelo valor pecuniário que lhe era devido legalmente? Quer dizer, recebeu aquilo que sempre teria que receber mesmo sem trabalhar?
– Ou apenas foi pago pelo serviço efectivamente prestado?
Analisemos cada uma destas perspectivas (de ora em diante, por comodidade e facilidade, falaremos somente em devido, para nos referirmos ao direito pecuniário correspondente aos dias de descanso semanal anual e feriados; e falaremos em prestado, para aludirmos ao valor pecuniário correspondente ao trabalho efectivamente prestado nesses dias).
1ª Comecemos pela primeira (pagamento do devido).
Em cada dia de descanso que devia ter gozado – mas que não gozou – a STDM pagou ao trabalhador o valor salarial a que ele teria direito. E então diz-se: o patrão pagou ao empregado o dia de descanso. Nada a esse título lhe deve mais. Mas, nessa hipótese, a questão que imediatamente se põe é se, a par do valor que recebeu pelo dia de descanso, o facto de ele ter trabalhado nesse dia também deve ser remunerado.
A resposta a esta pergunta envolve um breve estudo do regime instituído pelo DL 101/84.
O legislador quis que o trabalhador que prestasse serviço nesses dias de descanso haveria de ser compensado com outro dia de descanso a gozar dentro dos 30 dias seguintes ao da prestação do trabalho. É o que diz o art. 17º, n.4 do diploma. Esta circunstância, aliada à letra do n. 5 imediato 1 tolerará a interpretação que este dia de trabalho efectivo não deve ser pago?
Não nos parece. Efectivamente, se todo o dia de descanso tem um valor pecuniário (tanto é assim que para o diploma “…o salário mensal… inclui o valor do salário dos períodos de descanso semanal…, não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos “(art. 28º, n.1), por maioria de razão valor pecuniário deverá ter o dia de descanso em que o trabalhador gerou riqueza ao seu empregador. Não pensar desta maneira equivaleria a admitir que o empregador, com o beneplácito do legislador, pudesse sem causa (diríamos mesmo, ilegitimamente) enriquecer à custa do trabalhador. Trabalhar de graça em tal circunstância é contra o espírito do texto legal, todo ele geneticamente criado em defesa do trabalhador . Basta ler os artigos iniciais do decreto-lei para se concluir que assim é, em particular para os artigos 5º, n.2 e 6º , onde expressamente se preceitua o modo mais favorável de interpretar o diploma.
Perguntamos, por fim, agora: Terá o artigo 17º, n.5 força suficiente para destruir toda esta construção? Não. Admiti-lo seria ir outra vez contra o sentido da lei, toda ela impregnada de regras e princípios favoráveis ao trabalhador. Admiti-lo seria ver na expressão “prestar serviço voluntário” o mesmo que “prestar serviço gratuito”. Ora, para nós, trabalhar voluntariamente não quer senão dizer trabalhar livremente, não forçadamente. Não se pode ver na lei um efeito negativo tão grande à esfera do livre prestador, ao ponto de se lhe retirar o direito ao recebimento do valor pecuniário pelo serviço prestado. Isso contradiz as regras de boa hermenêutica. Aliás, para nós, a expressão em causa ainda tem outro sentido. Ao exprimir-se desse modo, o que o legislador terá querido estabelecer foi que esse direito ao descanso não é irrenunciável. O trabalhador pode trabalhar nesses dias, mas sem a isso ser obrigado (o que até está de acordo com a redacção da parte final do n. 5). Nada mais. Não podemos, portanto, ver na norma aquilo que ela, claramente, na sua letra não diz (art. 8º, n.s 2 e 3, do Cod. Civil).
Repare-se na injustiça que seria admitir que um trabalhador pudesse trabalhar sem contrapartida pecuniária: O trabalhador A Fong não vai trabalhar no dia de descanso. Como o empregador não pode descontar-lhe esse dia (ver artigo 28º, n.1), A Fong leva para casa no final do mês o salário completo. O colega de serviço A Tim vai trabalhar nesse dia e ao fim do mês leva para casa o mesmo salário. Ora, o legislador não pode ter querido alguma vez admitir uma tão monstruosa desigualdade na própria criação do direito.
Não ignoramos que possa haver, a coberto do art. 23º, n.1, quem infira coisa diferente da que nós inferimos. De acordo com a sua leitura, aquele normativo só permitiria o pagamento (“sem perda de salário”) dos dias de descanso anual. A expressão “para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios” não teria outro efeito senão fazer a devida demarcação em relação a estes dias de não trabalho, os quais, sendo direitos dos trabalhadores expressamente consignados, não teriam o mesmo tratamento ao nível remuneratório. Todavia, esta é uma interpretação ablativa que, em nossa opinião, vai precisamente contra o artigo 28º. Aliás, esse foi o lugar próprio do diploma onde, de maneira abrangente, o legislador quis cobrir toda a situação referente ao cálculo do salário, e onde expressamente se diz que os dias de descanso semanal, anual e feriados têm um valor (“valor dos salários dos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios…”) que não pode sofrer qualquer dedução.
Esta questão foi, aliás, objecto de discussão no Conselho Permanente de Concertação Social aquando da alteração deste diploma, com vista à obtenção de consensos sobre aquele que viria a ser o DL 24/89/M. E se quisermos tirar conclusões seguras sobre o assunto, temos que admitir que:
a) Os empregadores não vinham pagando os dias de descanso semanal, pois faziam da lei uma “aplicação de modo elástico” (sic). Era uma prática habitual, ao que parece, mas contrária à lei.
b) O governo de então entendia expressamente que nenhuma alteração se justificava sobre essa matéria porque o dever do pagamento do descanso semanal “…resulta da lei”. Assim, ou a redacção transitava como estava nesse diploma para o novo ou, a eliminar-se do n.2 do art. 28º a expressão “descanso semanal”, haveria que fazer incluir no art. 17º a expressão “sem perda de salário”. Quer dizer, para o representante do legislador, não podia haver qualquer dúvida de que estes dias tinham que ser pagos, tal como estava definido no DL 101/84/M, e tal como haveria de ficar previsto no diploma que a este sucedesse. Porque, “o governo não tem intenção de alterar estas normas, a menos que tal resulte das reuniões”. E a verdade é que não alterou mesmo!
c) Algumas dúvidas mais sérias havia sobre o pagamento dos dias de descanso semanal em relação aos trabalhadores que auferiam “à peça”ou “ao dia”, mas não já em relação aos trabalhadores que auferiam “salário mensal”.
Portanto, a interpretação autêntica, feita a partir da fonte normativa, não deixa margem para dúvidas, quanto a nós.
Assim, somos a entender que nesta perspectiva o empregador teria que pagar, além do devido já pago, também o trabalho prestado.
Quer isto dizer, em suma, que, na perspectiva equacionada, se o trabalhador foi pago pelo devido, ainda tem a haver o prestado: 1 (um) dia de salário por cada dia de serviço prestado nesses dias. Um dia de salário, porque a lei não prevê expressamente diferente forma de remunerar o trabalhador nesses dias, senão através do art. 28º, n.1: sendo mensal o salário, o cálculo do valor do salário de cada um dos períodos de descanso e dos feriados corresponderá à fracção percentual de todo o período. Logo, um trigésimo. A fórmula é, pois, salário x 1.
2ª Avancemos para a segunda perspectiva (pagamento do prestado).
Nesta hipótese, o empregador pagou ao trabalhador o serviço realizado em cada um desses dias de descanso. Ou seja, remunerou o trabalho prestado. Quid iuris quanto ao devido?
Nesta perspectiva, ainda mais consensual do que a primeira, o empregador não tem como fugir da responsabilidade do pagamento. Neste caso, o referido artigo 28º não permite outra leitura que não seja a de que o empregador tem que pagar o que descontou, isto é, o que não pagou.
Logo, também nesta acepção, a forma de compensar o trabalhador será através do pagamento de 1 (um) dia de salário correspondente a cada dia de descanso não gozado e não pago.
Por tal motivo, em qualquer das perspectivas, a fórmula correcta é: salário médio diário x1.
E, portanto, a sentença – embora com fundamentação não de todo coincidente - não merece censura nesta parte, porque respeitou a lei ao multiplicar os dias de descanso não gozados (A) pelo valor do salário médio (B), vezes o factor 1 (ver fls. 17 da sentença). Apurou o valor de Mop$17.308,00.
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Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, ns.1, 4 e 6, al. a). Assim:
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, e não x3, como decidiu a sentença.
Assim, nesta parte tem que ser revogada. O valor a atribuir é Mop$ 101.994,60.
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b) Feriados obrigatórios
A sentença considerou não prever a lei qualquer compensação especial pelo trabalho prestado nos dias de feriado não remunerado, salvo nos casos de prestação de trabalho devida a acréscimo de serviço não previsível (o que não seria o caso). Assim, não atribuiu ao trabalhador nenhum valor indemnizatório.
Como o trabalhador não apresentou recurso jurisdicional e a STDM apenas impugna a sentença na parte que lhe é desfavorável, nenhuma apreciação este tribunal fará sobre o julgado nessa parte.
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Quanto aos feriados obrigatórios remunerados, decidiu a sentença não atribuir qualquer indemnização no domínio do DL n. 101/84/M. Também aqui está este TSI impedido de qualquer pronúncia sobre o julgado pelas apontadas razões.
Quanto aos feriados remunerados ocorridos sob o império do DL 24/89/M, entendeu a 1ª instância que a indemnização deveria ser calculada de acordo a fórmula AxBx2.
Vejamos.
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja a perspectiva por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula seria, em ambas, salário diário x 3, o que resultaria num valor de Mop$ 18.002,40. Todavia, uma vez que o trabalhador não apresentou recurso da sentença e a STDM defende que deveria pagar dois dias de salário por cada feriado, deve o valor indemnizatório reduzir-se àquele que a sentença fixou (Mop$12.001,60).
*
c) Descanso anual
c)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
Julgamos que a norma tem em vista estabelecer o modo como há-de o trabalhador ser retribuído do “respectivo período de descanso anual”, que não chegou a gozar até ao momento em que terminou a relação laboral. A lei diz por outras palavras o seguinte: o trabalhador recebe em dinheiro (no montante salarial) o valor de todos esses dias.
Mas não diz que o trabalhador perca o direito à compensação pelo trabalho prestado nesses dias em anos anteriores ao período a que se refere o número 2.
Portanto, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1, tal como decidido na 1ª instância.
Andou bem, pois, a sentença recorrida ao fixar a indemnização de Mop4 2.560,20.
c) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2 (neste caso, porém, não obstante a sentença não ter fixado valor compensatório relativamente ao ano de 1992, sendo certo que a relação terminou em Junho deste ano, a verdade é que o recorrente não a censurou no recurso, pelo que esta instância está impedida de se pronunciar sobre o assunto: art. 589º, n3 do CPC).
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os articulados legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não previu o caso, não ponderou a hipótese e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu por esquecimento o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1, o que, aplicada, corresponde ao valor indemnizatório de Mop$ 6.357,10, tal como foi apurado na sentença recorrida.
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Em suma, o valor indemnizatório global a atribuir é de Mop$ 140.221,50.
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IV- Decidindo
Face ao que vem de ser dito, acordam em:
1- Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A do despacho saneador (prescrição);
2- Conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pela STDM e, em consequência, confirmar e revogar a sentença nos termos acima expostos, indo a recorrente condenada a pagar à autora, aqui recorrida, a quantia de Mops$ 140.221,50, acrescida dos juros legais calculados pela forma decidida no Ac. do TUI, de 2/03/2011, no Proc. n. 69/2010.
Custas pelos recorrentes na proporção do decaimento.
Macau, 31 de Março de 2011.
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan (Com a declaração seguinte: não obstante da posição tomada de que o trabalho prestado nos dias do descanso semanal e dos feriados obrigatórios não gozados no âmbito do D.L. nº 101/84/M não eram compensados e o trabalho prestados dos dias de descanso anual não gozados não impedidos pelo empregador no âmbito do D.L. nº 24/89/M não eram digo eram compensados à fórmula de AxBx2, com a melhor reflexão, não se repugna aceitar este novo entendimento, mormente, em prol da justiça material.)
Lai Kin Hong (com a declaração de voto)
Processo nº 202/2008
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 31MAR2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong
1 Segundo o qual “A observância do direito consagrado no n. 1 não prejudica a faculdade do trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado”.
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