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Processo nº 2/2011 Data:03.03.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “exploração ilícita de jogo em local autorizado”.
Erro notório na apreciação da prova.
“In dúbio pro reo”.



SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

2. O princípio “in dúbio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”.
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador - e não no do recorrente - alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.





O relator,

______________________




Processo nº 2/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (XX), com os sinais dos autos, respondeu (como 4° arguido) no T.J.B., vindo, a final, a ser condenado como autor de 1 crime de “exploração ilícita de jogo em local autorizado”, p. e p. pelo art. 7° da Lei n° 8/96/M na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos e na interdição de entrada em casinos por igual período; (cfr., fls. 256-v a 257 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, veio o arguido recorrer para, na sua motivação de recurso concluir nos termos seguintes:
“1) Não há provas suficientes nos autos para comprovar que o suspeito indicado na 2ª foto de fls. 59 e em fls. 62 e 63 dos autos é o condenado A; por outro lado, todas as fotos acima referidas são ilegíveis.
2) Com base no princípio básico do direito de processo penal – o princípio de in dubio pro reo, isto é, presume-se a inocência dum condenado quando não se encontra prova suficiente de ele ter praticado o delito.
3) Além disso, o “auto do interrogatório do arguido” constante de fls. 125 a 126v foi lavrado e por A assinado sem que ele ter livre vontade, pelo que tal prova não deve ser admitida.
4) Por outro lado, durante o decurso da investigação e de lavrar auto, não há intérprete profissional de mandarim para prestar interpretação à testemunha importante B, pelo que não devem ser admitidos os depoimentos por ele prestados antes de ele compreender as perguntas.
5) No entanto, o Tribunal a quo proferiu a sentença recorrida baseando-se nas provas acima referidas, o qual violou manifestamente o disposto no art.º 400.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal de Macau, isto é, erro notório na apreciação da prova.”

Pede, a sua absolvição e isenção de todas as custas processuais; (cfr., fls. 276 a 285 e 330 a 347).

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Em resposta, afirma o Exm° Magistrado do Ministério Público que:
“1) Nesse processo, damos conta que as formas de provas do Tribunal a quo incluem, para além da declaração feita pelo recorrente no julgamento, também documentos constantes dos autos, incluindo os autos de declaração feitos no M.P. pelo 1º arguido C e 3º arguido D e as fotos nos processos.
2) Em outras palavras, o Tribunal a quo reconheceu que XX é o recorrente considerando, para além das fotos indicadas pelo recorrente, também os autos de reconhecimento de fotos e de apreciação de vídeos do 1º arguido C e da testemunha B, e a declaração desta no julgamento.
3) Por outro lado, notamos que os autos de interrogatório do arguido, seja lavrado na PJ ou no MP, são feitos de livre vontade do recorrente. Durante o decurso de lavrar os autos, o recorrente foi perguntado se queria responder em relação à respectiva acusação, e notificado a constituição do arguido bem como os direitos e deveres processuais (vide fls. 125v e fls. 144). Pelo que, os autos de interrogatório não foram lavrados e assinados, como indicou o recorrente, de vontade não-livre dele.
4) Relativamente a que não há intérprete profissional de mandarim na investigação para prestar interpretação à testemunha importante B, do auto de reconhecimento de fotos constante de fls. 113 dos autos resulta que, mesmo que só mostrasse a B as fotos, com as restas identificações cobertas, ele conseguia indicar de imediato que o homem nas fotos é A. Durante o procedimento de reconhecimento de fotos, a testemunha B assinou o auto depois de efectuar a leitura do seu teor e confirmá-lo. Pelo que, não existe a questão de mal compreensão indicada pelo recorrente.
5) Nesse processo, não se encontra os vícios acima referidos. O Tribunal a quo formou a sua convicção do facto atendendo todas as provas produzidas.
6) O recorrente pôs em causa o reconhecimento dos factos do Tribunal a quo para expressar a sua opinião diferente da do Tribunal a quo no termo dos factos tido como provados. É evidentemente não válida a sua ideia, que exactamente mostra que ele está a questionar a livre convicção do Tribunal a quo, entretanto, nos termos do art.º 114.º do Código de Processo Penal, a convicção do julgador não é questionada.
7) Pelo que, deve ser improcedente o recurso.”; (cfr., fls. 287 a 289 e 348 e 354).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Ajunto o seguinte Parecer:
“A nossa Exmª. Colega demonstra, cabalmente, a sem razão do recorrente.
E nada temos a acrescentar, de relevante, às suas criteriosas considerações.
Resulta, inequivocamente, da motivação fáctica da decisão, que a convicção do Tribunal não foi, "in casu", arbitrária.
Pode inferir-se, de resto, que os princípios da oralidade e da imediação foram determinantes para a formação dessa convicção.
O contacto vivo e imediato com os participantes processuais permitiu, efectivamente, ajuizar da credibilidade dos mesmos.
E não se divisa que possa ter havido erro - muito menos notário - no âmbito da respectiva apreciação.
O recorrente diz, na sua motivação, que foi violado o princípio "in dubio pro reo".
É uma afirmação gratuita.
O Tribunal, na verdade, não chegou a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos.
Essa situação, por outro lado, não decorre - muito menos de forma evidente - "dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum" .
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado manifestamente improcedente (com a sua consequente rejeição, nos termos dos art°s. 407°, n°. 3-c, 409°, n° 2-a e 410°, do C. P. Penal).”; (cfr., fls. 326 a 327).
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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:
“1) Em Junho de 2009, mediante a apresentação de amigo, o 1º arguido C (XXX) conheceu em Nan Jing da China um homem E (também conhecido por “irmão E”, desconhecidos a identificação concreta e paradeiro), que lhe disse que se dedicou à actividade de bate-fichas nos casinos em Macau, e que se o 1º arguido viesse a Macau a jogar, podia contactar com ele, para que ele determinasse um subalterno dele a converter fichas para aquele.
2) No meio de Julho de 2009, quando F (a 2ª arguida), mulher do 1º arguido C, jogou num casino de Macau, conheceu o 3º arguido D (XX) que estava a jogar na mesma mesa. Naquele tempo, a 2ª arguida viu que o 3º arguido e duas mulheres de identificação desconhecida ganharam muito dinheiro na mesa de Bacará, pelo que aquela veio a conversar com ele sobre experiências de jogo. Durante a conversa, os dois trocaram números de telemóvel, para que em diante a 2ª arguida pedisse ao 3º arguido que lhe ajudasse a jogar.
3) Em 1 de Agosto de 2009, o 1º arguido C (XXX) e a 2ª arguida F (XX) vieram do interior da China a Macau a jogar nos casinos.
4) Em 5 de Agosto de 2009, o 1º arguido A (XXX) e a 2ª arguida F (XX) trouxeram HKD$1.000.000,00 para jogar na Sala VIP “VV” (VV貴賓廳) do casino XXXX.
5) Até à noite do mesmo dia (5 de Agosto de 2009), o 1º arguido C (XXX) e a 2ª arguida F (XX) perderam dinheiro, tendo ainda HKD$210.000,00. Naquele momento, a 2ª arguida disse ao 1º arguido que tinha um amigo que se chama D (o 3º arguido) e que tem boa técnica de jogo.
6) Na manhã de 6 de Agosto de 2009, a 2ª arguida F telefonou para o 3º arguido D para que ele viesse à Sala VIP “VV” (VV貴賓廳) do casino XXXX a ajudar-lhes a ganhar o dinheiro perdido. O 3º arguido disse que não tinha tempo naquela altura, e iria ter com eles às 13h00 de 7 de Agosto de 2009 no quarto n.º 1331 do Hotel XXXX.
7) Em 7 de Agosto de 2009, cerca das 13h00, o 3º arguido D foi ter com o 1º arguido C e a 2ª arguida F, altura em que o 1º arguido C lhe disse que tinha perdido mais de HKD$700.000,00.
8) A 2ª arguida F exigiu que o 3º arguido D jogasse por eles. O 1º arguido C prometeu-lhe dicas se ele ganhasse, e entregou-lhe fichas no valor de HKD$210.000,00 para que ele jogasse.
9) Em 7 de Agosto de 2009, às 13h30, os 3 arguidos foram à Sala VIP “VV” (VV貴賓廳) do casino XXXX, onde o 1º arguido e a 2ª arguida viram o 3º arguido jogar, mas às vezes também jogaram; às 15h00, o 3º arguido D perdeu todas as fichas no valor de HKD$210.000,00. Ao depois, os três voltaram ao quarto n.º 1331 do Hotel XXXX.
10) No quarto acima referido, o 3º arguido D falou dum modo de jogar bacará que ganha sempre, isto quer dizer, aposta HKD$2.000,00 na primeira jogada, se perdesse, dobraria a aposta, isto é, apostar HKD$4.000,00 na segunda jogada; se perdesse de novo, dobraria novamente a aposta anterior, isto é, apostar HKD$8.000,00 na terceira jogada, assim por diante.
11) O 3º arguido D também disse que foi muito difícil ganhar os fundos já perdidos por ser muito pouco o capital. Se tivesse mais capital, seria maior a oportunidade.
12) Ao depois, o 1º arguido C telefonou para “irmão E” dizendo que queria pedir dinheiro com o fim de jogar, altura em que este disse que podia emprestar-lhe HKD$500.000,00, mas fundo esse deve ser apostado na Sala VIP “VV” (VV貴賓廳) do casino XXXX.
13) Segundo “irmão E”, tal empréstimo não tem juros, mas o 1º arguido deve, em privado, apostar com ele no resultado dos jogos, isto quer dizer que, se o 1º arguido perdesse todo aquele HKD$500.000,00, deveria ele devolver HKD$1.000.000,00 ao “irmão E”, se o 1º arguido ganhasse HKD$500.000,00, ganharia mais HKD$500.000,00 de “irmão E”. Sob o consentimento do 1º arguido, “irmão E” declarou que iria determinar um subalterno dele a contactar com o 1º arguido.
14) O 1º arguido C disse à 2ª arguida F e ao 3º arguido D tal acordo de empréstimo (vulgarmente designado por “Tou Tai Min”), estes dois também não se opuseram.
15) O 1º arguido disse ao 3º arguido que se ganhasse HKD$1.000.000,00, dar-lhe-ia uma metade como remuneração, mas este declarou que HKD$100.000,00 já é suficiente.
16) O 3º arguido mais disse ao 1º arguido, “tenho certeza de ganhar por ti, senão, responsabilizo-me por HKD$500.000,00 dos fundos.”
17) À tarde de 7 de Agosto de 2009, “irmão E” telefonou para o 4º arguido A (também designado por “XX”), exigindo-lhe que levantasse HKD$500.000,00 na conta n.º W90 do Clube VIP VV de XXXX Internacional (VV國際XX貴賓會) para o entregar a B. “Irmão E” também exigiu que o 4º arguido acompanhasse o 1º arguido no jogo e registou os resultados deste. Depois, “irmão E” disse ao 4º arguido o número de telefone do 1º arguido C.
18) Em 7 de Agosto de 2009, cerca das 4h00 da tarde, os arguidos 1º a 3º chegaram à Sala VIP VV do casino XXXX. B entregou HKD$500.000,00 ao 1º arguido C, e disse-lhe que alguém ia acompanhar-lhe no jogo, e pediu que os arguidos 1º a 3ª voltassem ao quarto de hotel.
19) Várias horas depois, “irmão E” telefonou para o 1º arguido dizendo que A (o 4º arguido) já estava à sua espera na Sala VIP “VV” (VV貴賓廳) do casino XXXX. Pelo que os arguidos 1º a 3º lá foram de imediato ter com o 4º arguido.
20) O 4º arguido A disse ao 1º arguido C que responsabilizou-se por registar o resultado da aposta em privado entre o arguido e “irmão E”, e declarou mais uma vez que aquele HKD$500.000,00 destinou-se a tal aposta.
21) O 1º arguido concordou, e entregou todo aquele HKD$500.000,00 ao 3º arguido D para que este jogasse por eles.
22) Decorridas algumas horas, o 3º arguido D ganhou HKD$169.000,00 e cessou temporariamente o jogo, e entregou ao 4º arguido A fichas no valor de HKD$669.000,00. Os arguidos 1º a 3º voltaram ao quarto do hotel para descansar.
23) Em 8 de Agosto de 2009, cerca das 1h00 de manhã, o 1º arguido C telefonou para “irmão E” dizendo que queria jogar, ao depois, os arguidos 1º a 3º foram à Sala VIP “VV” (VV貴賓廳) do casino XXXX.
24) O 4º arguido A entregou as fichas no valor de HKD$669.000,00 ao 1º arguido, que as entregou ao 3º arguido D. O 1º arguido e a 2ª arguida viram o 3º arguido jogar.
25) Em 8 de Agosto de 2009, cerca das 4h00 de manhã, foram perdidos todos os fundos, ao depois, os arguidos 1º a 3º voltaram ao quarto n.º 1331 do hotel XXXX.
26) Ao mesmo tempo, o 4º arguido A disse ao “irmão E” tal resultado do jogo.
27) Antes do jogo, o 3º arguido D prometeu ao 1º arguido e à 2ª arguida que caso fossem perdidos todos os fundos, responsabilizava-se por HKD$500.000,00. Pelo que, o 3º arguido disse a estes dois que iria telefonar para a sua irmã mais nova para que ela enviasse dinheiro para eles. Ao depois, o 3º arguido voltou ao seu quarto n.º 1321 do hotel XXXX.
28) O 1º arguido e a 2ª arguida tiveram medo de que o 3º arguido não devolveu tal fundo (HKD$500.000,00). Em 9 de Agosto de 2009, cercas das 9h00 de manhã, o 1º arguido e a 2ª arguida foram à sua procura e encontraram-no na Sala VIP “VV” (VV貴賓廳) do casino XXXX, e este declarou que não conseguiu contactar com a sua irmã mais nova naquele tempo.
29) Ao depois, os três arguidos foram ao quarto n.º 1321 do 3º arguido a discutir sobre a situação, durante a discussão, o 3º arguido começou a preparar as suas bagagens. Tendo medo de o 3º arguido não devolver dinheiro, o 1º arguido e a 2ª arguida começaram a brigar com ele. O 3º arguido recusou devolver o dinheiro e participou junto da polícia.
30) O 1º arguido, a 2ª arguida e o 3º arguido, em conjugação de acordo e esforços e distribuição de tarefas, agiram de forma voluntária, livre e consciente ao praticar ilicitamente jogos em local autorizado, colocando apostas junto de agente não autorizado, com a intenção de obter interesses ilegítimos, e bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei.
31) O 4º arguido, em conjugação de acordo e esforços e distribuição de tarefas, agiram de forma voluntária, livre e consciente ao praticar exploração ilícita de jogos em local autorizado, aceitando apostas sem que para tal esteja devidamente autorizado, com a intenção de obter interesses ilegítimos, e bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei.”; (cfr., fls. 252-v a 255 e 318 e 325).

Do direito

3. Vem A recorrer da decisão do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “exploração ilícita de jogo em local autorizado”, p. e p. pelo art. 7° da Lei n° 8/96/M na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos e na interdição de entrada em casinos por igual período.

Entende que a mesma decisão padece de “erro notório na apreciação da prova” e que com a mesma se violou o “princípio in dúbio pró reo”.

Cremos porém que nenhuma razão tem o arguido recorrente, sendo o recurso de rejeitar, porque manifestamente improcedente, como em sede de exame preliminar se deixou consignado.

Vejamos.

No que toca ao vício de “erro notório”, tem este T.S.I. repetidamente afirmado que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).

Por sua vez, em relação ao princípio “in dúbio pró reo”, tem também esta Instância entendido que:
“O princípio “in dúbio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”.
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador - e não no do recorrente - alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.”;(cfr., Ac. de 20.01.2011, Proc. n° 991/2010, do ora relator).

No caso dos presentes autos, e em sede da fundamentação da sua decisão quanto à matéria de facto dada como provada afirmou o Tribunal a quo que aquela se deveu:
“Às declarações feitas no julgamento pela testemunha e pelo 4º arguido A, documentos constantes dos autos, incluindo os autos de declaração do 1º arguido C e do 3º arguido D lavrados no Ministério Público, bem como as fotos constantes dos processos.
O 4º arguido A negou no julgamento a exploração no casino do jogo ilícito de “Tou Tai Min”, só confessou notificar a tesouraria da Sala do casino para levantar fichas no valor de HKD$500.000,00 e entregá-las a B, que entregou-as ao 1º arguido C com o fim de jogo. O mesmo declarou que tinha encontrado o 1º arguido, a 2ª arguida e o 3º arguido no casino por não mais de 2 minutos, e depois não continuou a lá permanecer. O mesmo até negou ser o “XX” que acompanhou os outros 3 arguidos no jogo e registou o resultado de “Tou Tai Min”, pessoa essa mostrada no vídeo gravado pelo casino.
No entanto, tendo em conta os autos de reconhecimento de fotos do 1.º arguido C e da testemunha B – vide fls. 70 e 113 dos autos, o auto de apreciação de vídeo constante de fls. 60 a 63 dos autos e a declaração feita pela testemunha B no julgamento, este Tribunal entende que no processo se encontram provas suficientes para suportar o facto provado de o 4º arguido A participar na exploração ilícita de jogo.”

E, perante isto, muito não é preciso dizer.

De facto, não se vê como ou em que medida violou o Tribunal a quo as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis para que se pudesse concluir que incorreu no vício de “erro notório”, sendo de consignar que com o que alega o ora recorrente limita-se o mesmo a sindicar a livre convicção do Tribunal, afrontando o “princípio da livre apreciação da prova” plasmado no art. 114° do C.P.P.M..

Quanto à imputada violação ao princípio “in dúbio pró reo” evidente é também que assim não sucedeu, bastando pois uma leitura à “fundamentação” existente na decisão recorrida e atrás exposta para se constatar que em momento algum teve o Tribunal dúvidas quanto aos factos imputados ao ora recorrente, e que, mesmo assim, decidiu em seu desfavor.
Dest’arte, nenhuma outra questão havendo a apreciar, e constatando-se que manifestamente improcedente é o presente recurso, impõe-se a sua rejeição.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).

Pagará a recorrente a taxa de justiça de 6 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$900,00.


Macau, aos 3 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 2/2011 Pág. 24

Proc. 2/2011 Pág. 23