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Processo nº 12/2011 Data:17.03.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “passagem de moeda falsa”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Tentativa.



SUMÁRIO

1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. Comete o crime de “passagem de moeda falsa” na forma tentada o arguido que veio a Macau com 50 notas de USD$100.00 contrafeitas, e apresentou 45 delas para câmbio, vindo a ser detectada a sua falsidade.

3. Só quando a pessoa que recebe a moeda ignora a sua falsidade e a confunde com moeda legítima se pode dizer que ela “entra em circulação”, e que, assim, ocorre a efectiva ofensa ao bem jurídico da integridade do sistema monetário oficial.
O relator,

______________________




Processo nº 12/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B., respondeu, A (XXX), com os sinais dos autos.

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Realizado o julgamento, proferiu o Tribunal Acórdão condenando o arguido pela prática de 1 crime de “passagem de moeda falsa” p. e p. pelo art. 255°, n° 1, al. a) do C.P.M., fixando-lhe a pena de 1 ano e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 262 a 265 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido traz o arguido o presente recurso, formulando a final da sua motivação as seguintes conclusões:
“1. De acordo com o acórdão feito pelo Juízo Criminal do TJB para o processo penal n.º CR3-10-0086-PCC em 24 de Novembro de 2010, o recorrente foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada dum crime de passagem de moeda falsa, p. p. pelo art.º 255.º n.º 1 al. a) do Código Penal de Macau, na pena de prisão efectiva de 1 ano e 6 meses;
2. Em relação ao aludido acórdão, o recorrente entende que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pelo que interpôs o presente recurso ao abrigo do disposto no art.º 400.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Penal. Refere-se principalmente aos requisitos subjectivos.
3. O crime de passagem de moeda falsa previsto e punido pelo art.º 255.º n.º 1 al. a) do Código Penal de Macau é crime doloso. Durante a conversão das notas, segundo a testemunha B (XX), por a quantia de câmbio exceder a quantia legal, a testemunha perguntou ao recorrente para entregar o passaporte para registar as informações pessoais, e o recorrente cooperou. A respectiva gravação está no seguinte:
Consta do documento 10.11.9 CR3-10-0086-PCC#13\Translator 2
Arquivo: Recorded on 09-Nov-2010 at 10.15.33 (-Z5(3#%G05111270)
Tempo: 01:03:52 a 01:04:24
Advogado: “Disse que ele solicitou uma quantia superior a MOP$20.000,00, pelo que precisou de registar a sua identidade?”
Testemunha B (XX): “Ele disse-me uma quantia… Eu perguntei-lhe sobre a quantia e sabia que era superior a MOP$20.000,00, pelo que exigi que ele mostrasse o passaporte e ele deu-me o passaporte de imediato…”
4. Este acto do recorrente não se conforma com o senso comum sobre os actos criminosos. Porque ao praticar um crime, o criminoso deveria ocultar a sua verdadeira identidade em vez de mostrá-la. O criminoso também podia dividir a verba e não precisou de enfrentar o processo de registo de identidade.
5. Mas o recorrente não praticou os supracitados actos e apresentou por sua iniciativa o documento de identificação para o registo. Por isso, existe dúvida sobre o dolo subjectivo do recorrente. Pelo menos é possível que o recorrente tiver erro sobre as circunstâncias de facto.
6. Por outro lado, o recorrente nasceu no ano de 1960 e tinha 49 anos na altura do crime. Segundo o estado fisiológico normal, para as pessoas com idade de 50 anos, a debilitação das funções corporais não é rara, e a situação do recorrente também é assim. Por isso, é possível que o recorrente não suspeitasse ou descobrisse que as notas de dólar eram falsificadas por causa da má vista.
7. Pelos expostos, o recorrente entende que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada na seguinte parte do acórdão do TJB, “De acordo com o conhecimento e a experiência social de cidadãos comuns, a capacidade do arguido de distinguir moeda falsa da moeda legítima e as provas concretas neste processo, o Tribunal Colectivo prova que o arguido sabia que eram falsas as moedas detidas por si próprio.” (vide as fls. 191v e 192 dos autos)
8. Por isso, o recorrente entende que não é provado de forma suficiente o dolo dos requisitos subjectivos neste processo e que as suas condutas não constituem o crime previsto pelo art.º 255.º n.º 1 al. a) do Código Penal de Macau. Pelo menos deve-se entender que o recorrente teve erro sobre as circunstâncias de facto, e de acordo com os dispostos no art.º 15.º do Código Penal de Macau, exclui-se o dolo.
9. Nos termos expostos, constitui-se o fundamento de recurso previsto pelo art.º 400.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Penal.
10. Além disso, se o Tribunal da Segunda Instância ainda entender que o recorrente deve ser condenado, tendo em conta que o recorrente não tem cúmplice nem é membro de qualquer associação criminosa, e através da aplicação das medidas de coacção, o recorrente já sabe de forma suficiente da gravidade e da ilicitude das suas condutas. Quanto à família, o recorrente tem a seu cargo os pais e três filhos. Pelo que não é possível que o recorrente pratique novos crimes no futuro. Para o efeito, o recorrente é qualificado para obter a suspensão da execução da pena aplicada neste processo, razão pela qual entende que a presente punição viola os dispostos nos art.ºs 40.º, 48.º, 64.º e 65.º do Código Penal de Macau.
11. Os expostos constituem o fundamento de recurso previsto pelo art.º 400.º n.º 1 do Código de Processo Penal.
12. Pede-se ao Tribunal da Segunda Instância para indeferir o acórdão feito pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base e em consequência, absolver o recorrente do crime. Se o Tribunal da Segunda Instância entender que o recorrente deve ser condenado, deverá suspender a execução da pena aplicada ao recorrente. O Tribunal da Segunda Instância deve julgar procedente o presente recurso.
13. Como é manifestação de dignidade se o defensor oficioso pode receber os honorários a tempo, pede-se ao tribunal superior para, no caso de haver honorários ao defensor oficioso, aprovar o adiantamento dos honorários pelo GPTUI ou outro serviço.”; (cfr., fls. 324 a 327).

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Em Resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público pela confirmação do Acórdão recorrido; (cfr., fls. 296 a 298).

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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados (cfr., fls. 299), vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, pugnando também pela confirmação do Acórdão recorrido; (cfr., fls. 334 a 336).

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Nada obstando, e merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os seguintes factos:
“1. Em 14 de Dezembro de 2009, pelas 21h49, o arguido A (XXX) entrou em Macau através do Aeroporto Internacional de Macau, trazendo com ele 50 notas de dólar dos Estados Unidos falsificadas com valor nominal de USD$100.
2. No mesmo dia, pelas 22h15, o arguido dirigiu-se ao balcão de câmbio n.º 42 situado no 1º andar do Casino XXX, entregou 45 notas de dólar (no valor total de USD$4.500,00) ao empregado do casino B (XX) e solicitou a conversão das notas.
3. B (XX) fez de imediato uma examinação das 45 notas e descobriu que as notas tinham superfícies lisas, tinham um mau tacto, e não passaram a examinação do detector de moeda, suspeitando de serem notas falsificadas, pelo que informou o segurança que entregou o arguido aos agentes da PJ.
4. A seguir, os agentes da PJ encontraram na posse do arguido outras 5 notas de dólar, apreendendo-as junto com as supracitadas 45 notas falsificadas. A codificação de 49 das 50 notas referidas começa por FL e os primeiros 5 números são 16273.
5. Em 15 de Dezembro de 2009, B (XX) participou no processo de reconhecimento na PJ, identificando o arguido como o homem que solicitou a conversão de 45 notas de dólar falsificadas com valor nominal de USD$100 no Casino XXX.
6. Através de exame das 50 notas de dólar com valor nominal de USD$100 acima referidas, verificou-se que eram todas falsificadas.
7. O arguido recebeu interrogatório (este interrogatório foi lido ao arguido durante o primeiro interrogatório judicial e o arguido confirmou o seu teor) na PJ e alegou que venceu as respectivas 50 notas de dólar num casino nas Filipinas. Mais tarde, o arguido recebeu interrogatório judicial pela primeira vez no Juízo de Instrução Criminal, alegando que adquiriu as notas de dólar através de entregar as fichas do jogo no valor de USD$6.000,00 a USD$7.000,00 a um amigo para conversão num casino nas Filipinas.
8. O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária ao converter dólares dos Estados Unidos em dólares de Hong Kong no Casino XXX, com a intenção de pôr em circulação como legítima moeda falsa. As condutas do arguido não só causaram prejuízo pecuniário ao casino, mas também prejudicaram os interesses económicos da RAEM.
9. O arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
De acordo com o CRC, o arguido não tem registo criminal em Macau; o arguido alegou que tinha cumprido pena de prisão de 10 anos em Taiwan por causa de ofensa grave a outrem há 30 anos atrás.
O arguido é intermediário de imobiliário, aufere mensalmente cerca de NT$500.000,00 e tem a seu cargo os pais e três filhos; o arguido tem como habilitações literárias a escola secundária”; (cfr., fls. 312 a 314).

Do direito

3. Inconformado com a sua condenação como autor da prática de 1 crime de “passagem de moeda falsa” p. e p. pelo art. 255°, n.°1, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, vem o arguido A recorrer.

Entende que a decisão objecto do seu recurso está inquinada com o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e que ainda que assim não seja, sempre lhe deveria ser suspensa a execução da dita pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Vejamos.

–– No que toca ao vício da “insuficiência…”, e como constitui entendimento firme e unânime deste T.S.I., o mesmo apenas ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, (cfr., v.g., o Acórdão de 24.02.2011, Processo n.°785/2010) e, no caso, de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se constata que não incorreu o Colectivo a quo no assacado vício, pois que não deixou de se pronunciar sobre toda a dita “matéria objecto do processo”, elencando a que resultou provada e não provada e fundamentando em termos que se nos mostrem adequados esta sua decisão.

Porém, não obstante afirmar que padece o Acórdão recorrido no referido vício de “insuficiência”, cremos que o que pretende o recorrente é pôr em causa a apreciação da prova pelo Tribunal a quo.

De facto, o que o ora recorrente questiona, (ou pretende questionar), é o entendimento pelo Colectivo a quo assumido no sentido que agiu com dolo e com conhecimento de que as 45 notas de USD$100.00 que apresentou ao balcão de câmbio situado no 1° andar do Casino XXX eram contrafeitas.

E, na mesma, há que dizer que não lhe assiste razão.

Com efeito, alega o ora recorrente que não agiu com dolo e com conhecimento de que falsas eram as ditas notas, dado que até se identificou com o seu passaporte, e que dada a sua idade, e falta de (boa) visão, não se apercebeu da falsidade das mesmas notas.

E, assim, bem se vê que limita-se o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o “princípio da livre apreciação da prova” enunciado no art. 114° do C.P.P.M. e em cuja conformidade decidiu o Colectivo a quo.

Na verdade, o facto de se ter identificado com o seu passaporte quando para tal solicitado, não prova que “agiu sem dolo”, bastando atentar que podia pensar que a falsidade das notas não fosse detectada ou que apenas viesse a ser detectada mais tarde, sem possibilidade de se apurar a pessoa que as apresentou.

Quanto à “falta de visão”, cabe dizer que provada não está tal deficiência, (não sendo também de esquecer que apresentou versões dispares quanto à forma como as notas em questão lhe chegaram às mãos, não conseguindo provar nenhuma delas).

Nesta conformidade e nada mais nos parecendo de acrescentar sobre o ponto em questão, avancemos.

–– Seria agora o momento para se passar a apreciar da peticionada suspensão da execução da pena.

Todavia, um aspecto importa ponderar.

O crime de “passagem de moeda falsa” encontra-se tipificado no art. 255° do C.P.M. onde se estatui o que segue:
“1. Quem, por qualquer modo, incluindo a exposição à venda, passar ou puser em circulação,
a) como legítima ou intacta, moeda falsa ou falsificada,
b) moeda metálica depreciada, pelo seu pleno valor, ou
c) moeda metálica com o mesmo ou maior valor que o da legítima, mas fabricada sem autorização legal, é punido, no caso da alínea a), com pena de prisão até 5 anos, e, no caso das alíneas b) e c), com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. Se o agente só tiver tido conhecimento de que a moeda é falsa ou falsificada depois de a ter recebido, é punido:
a) No caso da alínea a) do número anterior, com pena de multa até 240 dias;
b) No caso das alíneas b) e c) do número anterior, com pena de multa até 90 dias.”

In casu, e tanto quanto resulta da factualidade dada como provada, o ora recorrente veio a Macau com 50 notas de USD$100.00 contrafeitas, e apresentou 45 delas para câmbio, vindo a ser detectada a sua falsidade.

Será assim de considerar que consumou o crime pelo qual estava acusado?
Cremos que não, pois que atento o bem jurídico tutelado com o comando legal em questão, mostra-se-nos de considerar que só quando a pessoa que recebe a moeda ignora a sua falsidade e a confunde com moeda legítima se pode dizer que ela “entra em circulação”, e que, assim, ocorre a efectiva ofensa ao bem jurídico da integridade do sistema monetário oficial.

De facto, e como salienta A.M. Almeida e Costa (comentando idêntico preceito do C.P.Português):
“Na medida em que consubstancia um pressuposto indispensável da respectiva consumação, o esclarecimento do que se entenda por “entrada em circulação” da moeda falsa afigura-se essencial para a concretização do delito. A resposta à questão há-de encontrar-se mediante um paralelismo com a moeda legítima.
Na verdade, integrando a última um meio de pagamento de uso corrente na vida social (sobre o conceito de moeda cf. Supra “Nótula” cit. 2 ss. Esp. 4-6, 9-11 e 16), só poderá afirmar-se que a moeda contrafeita está em circulação quando se encontre “de facto” (não “de direito”) na posição de funcionar como meio de pagamento e, por conseguinte, quando entre na esfera de disponibilidade (também “de facto”) de uma pessoa que a assuma como verdadeira. Dito de outro modo: apenas poderá considerar-se que a moeda contrafeita se encontra em circulação quando, no plano funcional “de facto”, se comporte de forma análoga à da moeda legítima e, nessa medida, se “confunda” com ela no tráfego corrente. O conceito de entrada em circulação comporta, portanto, o duplo requisito de a moeda falsa penetrar na esfera de disponibilidade fáctica de alguém que, ademais, a assume e/ou utiliza na convicção errónea de que é verdadeira”; (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, pág. 780 e 781).

Nesta conformidade, e tendo-se aqui como adequado este entendimento, de manter não é a decisão recorrida, sendo antes de se consignar que (apenas) cometeu o ora recorrente o crime em questão na “forma tentada”, atento o estatuído no art. 22° C.P.M.

Assim, e sendo no caso punível a tentativa, (cfr., n.°1 do art. 23°), importa agora fixar a pena, no que se deve atender ao estatuído no art. 67° do mesmo Código, (cfr., n.° 2 do art. 23°).

Ora, nos termos do mencionado art. 67°:
“1. Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:
a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;
b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;
c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal;
d) Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos pode a mesma ser substituída por multa, dentro dos limites referidos no n.º 1 do artigo 45.º
2. A pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição e suspensão, nos termos gerais”.

Em causa estando uma pena de prisão até 5 anos, (cfr., art. 255°, n.°1, al. a) ), e tendo presente o preceituado no art. 67° n.°1, al. a) e b), mostra-se adequada uma pena de 1 ano de prisão.

Considerando que o ora recorrente está ininterruptamente preso desde 14.12.2009, e assim, que já expiou tal pena, há que ordenar a passagem dos competentes mandados de soltura, prejudicada ficando a apreciação da peticionada suspensão da execução da pena.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, e com a alteração oficiosa da qualificação jurídico-penal da conduta do ora recorrente, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs.

Passam-se os competentes mandados de soltura.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.000,00 (a adiantar pela G.P.T.U.I.).

Macau, aos 17 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 12/2011 Pág. 20

Proc. 12/2011 Pág. 19