Processo n.º 125/2010
(Recurso Cível)
Data : 17/Março/2011
ASSUNTOS:
- Impugnação pauliana; requisitos
- Simulação; compra e venda; dação em pagamento
- Má-fé nos negócios onerosos
SUMÁRIO:
Se não vem comprovada a simulação, a que, para além da comprovação da celebração de um outro negócio diferente do declarado, sempre faltaria o requisito fraudulento - intuito de enganar terceiros - a que alude o art. 232º, n.º 1 do CC,
Se, mantendo-se a onerosidade da dação em pagamento, não se alcança qual o interesse que os declarantes do negócio celebrado teriam em declarar que se fazia uma venda em vez de uma pretensa dação em pagamento,
Se, mesmo a ter-se como celebrada uma dação em pagamento não há certezas no sentido de excluir a existência de uma transmissão da coisa a título oneroso, sempre haveria que comprovar a má-fé relevante para a impugnação pauliana pretendida (cfr. art. 607º, n.º 1 do CC),
Se não vem comprovada a má-fé,
Não deve haver lugar à impugnação pauliana do negócio celebrado pelo devedor.
O Relator,
João A.G. Gil de Oliveira
Processo n.º 125/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 17/Março/2011
Recorrente: A
Recorridos: B
C
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, comerciante, casado,
Veio a intentar ACÇÃO ORDINÁRIA
Contra:
1º - B, solteira, comerciante,
2ª - C, casado,
Todos melhor identificados noa autos,
Tendo invocado um determinado crédito sobre a 1º Ré e pretendendo a impugnação pauliana de uma venda sobre 1/2 de dada fracção autónoma por parte da 1ª Ré ao 2º réu, realizada depois da assumpção de ta dívida perante o A.
Concluindo, pedindo que a presente acção fosse considerada procedente por provada e, consequentemente:
i) Seja declarada a nulidade do negócio translativo da propriedade da fracção “A” Rés-do-chão “A”, na Rua Nova, nº X, Edifício XX, em Macau, celebrado em 8/05/2007 por escritura de fls. 35 do livro 32 do NP Célia Rute da Silva Pereira, em consequência, seja ordenado o cancelamento da inscrição nº 154197G, a favor do 2º Réu, bem como quaisquer inscrições subsequentes cuja validade dela dependa.
Subsidiariamente, caso assim não se entendesse;
ii) Seja o negócio translativo da propriedade da metade indivisa da fracção “A” Rés-do-chão “A”, na Rua Nova, nº X, Edifício XX, em Macau, celebrado em 8/05/2007 por escritura de fls. 35 do livro 32 do NP Célia Rute da Silva Pereira, seja considerado ineficaz em relação ao Autor e, por conseguinte, seja declarado o direito do Autor à restituição da referida fracção na medida do seu interesse para que a possa executar no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, nos exactos termos do disposto no artigo 612º, nº 1 do CCM.
Contestada a acção, veio a acção a ser julgada improcedente e absolvidos os RR. do pedido por não se terem provados os requisitos da impugnação pauliana, tendo-se decidido julgar improcedente a acção por não provada e, em consequência, sido absolvidos os Réus dos pedidos.
Inconformada com a decisão recorre a 1ª Ré, A, alegando, em síntese:
A. Houve erro na apreciação da prova relativa à matéria dos quesitos 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 12.° e 13.° da Base Instrutória.
B. A resposta aos quesitos 7.°, 9.° e 10.° deveria ter sido Provado, porque, face aos documentos de fls. 226 e ss, à resposta ao quesito 6.° da Base Instrutória (quanto à l.ª Ré) e ao alegado no artigo 22.° da Contestação do 2.° Réu (quesito 13.°), ambos os RR. Estavam perfeitamente cientes do que significava para os credores da l.ª Ré a alienação do seu único património susceptível de responder pelas dívidas.
C. A resposta aos quesitos 12.° e 13.° deveria ter sido Provado, porque as importâncias aí indicadas não foram emprestadas pelo 2.° Réu à sua irmã, mas antes gastas na Fábrica de ambos, conforme demonstrado na conclusão F).
D. A resposta ao quesito 8.° da Base Instrutória deveria ter sido Provado, sob pena de se ter que repetir o julgamento para suprir a contradição insanável entre as respostas aos quesitos 8.° e 13.° da Base Instrutória.
E. Na resposta ao quesito 13.° da base Instrutória, o Tribunal a quo violou a proibição do disposto no art. 388.°, n.º 2, do CCM ao dar por provado uma convenção (de cumprimento mediante prestação diversa da devida) contrária ao conteúdo da escritura pública referida na Alínea B) dos Factos Assentes.
F. Ao não tomar em consideração na fundamentação da sentença os factos não impugnados e, por isso provados, no artigo 1.° da Petição inicial e nos documentos de fls. 289 e 290, o Tribunal a quo incorreu na violação do disposto nos artigos e 410.°, n.º 2 e 562.°, n.º 3 do CPCM e e 368.°, n.º 1, 370.°, n.º 1 do CCM.
G. Conforme os depoimentos transcritos e os factos provados por força do referido no parágrafo anterior, importâncias indicadas no quesito 12 da Base Instrutória transportadas pela testemunha E para a República Popular da China destinaram-se à Fábrica “D”.
H. Mais, conforme o fls. 289 e 290 dos autos, o 2.° Réu era um dos investidores da Fábrica “D” juntamente com a 1.ª Ré.
I. Donde resulta que a afectação dessas importâncias pelo 2.° Réu à sua própria Fábrica “D” não consubstancia qualquer empréstimo, já que ninguém pode emprestar dinheiro a si mesmo, sob pena de confusão face ao disposto no art. 859.º do CCM.
J. A decisão de afectar dinheiros ao negócio consiste numa decisão empresarial e as suas consequências favoráveis ou não, fazem parte do risco do negócio que o 2.º Réu se dispôs a correr enquanto empresário da Fábrica “D” juntamente com a sua irmã, a 2.ª Ré.
K. Ao dar como provada a existência dos empréstimos referidos nos quesitos 12.º e 13.º da Base Instrutória, contra a prova plena dos factos indicados no parágrafo, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 859.º do CCM.
L. Não existiu pois nenhuma razão [i.e., empréstimos para a Fábrica] que justificasse a transferência do único património da 1.ª Ré pala o 2.º Réu.
M. O contrato de compra e venda da metade da fracção "A" Rés-do-chão "A", na Rua Nova, N° X, Edifico XX, em Macau, celebrado em 8/05/2007 por escritura de fls. 35 do livro 32 do NP Célia Rute da Silva Pereira é nulo porque as partes não quiseram celebrar nenhum negócio.
N. Ou, subsidiariamente, a considerar-se que o que as partes realmente quiseram não foi a compra e venda da fracção mas a sua dação em cumprimento [simulação relativa]:
O. O suposto comprador (2.º Réu) em vez de ser devedor do preço (MOP600.000,00) e credor da coisa comprada (1/2), seria apenas credor dessa coisa por conta de uma relação jurídica (empréstimo) estranha ao negócio de compra e venda simulado na escritura pública referida na Alínea B) dos Factos assentes,
P. enquanto que a suposta vendedora (1.° Ré) em vez de ser credora do preço e devedora da coisa vendida (1/2), seria apenas devedora dessa coisa por conta de uma relação jurídica (empréstimo) estranha ao negócio de compra e venda simulado na escritura pública referida na Alínea B) dos Factos assentes.
Q. Mas mesmo que tenha sido essa a vontade dos RR., ou pelo menos a do 2.° Réu (art. 22.° da Contestação), o certo é que o contrato de dação em cumprimento dissimulado sob o negócio de compra e venda titulada pela escritura referida na alínea B) dos Factos Assentes é nulo por lhe faltarem todos os elementos essenciais, designadamente o acordo do credor exigido pelo art. 828.° do CCM o qual deve incidir sobre a dupla vertente da aceitação de prestação diversa da devida e na imediata extinção do seu direito de crédito e da correspondente obrigação.
R. Por outro lado, a admitir-se a validade do negócio translativo dissimulado sob a aparência do negócio de compra e venda titulado pela escritura referida na alínea B) dos Factos Assentes, tal negócio, face à patente nulidade do dação em cumprimento, apenas pode configurar uma doação nos termos do disposto no artigo 233.°, n.º 1 do CCM.
S. Se assim for, por ser desnecessária a prova da má fé nos negócios gratuitos deverá proceder a impugnação pauliana.
T. Ou, subsidiariamente, a considerar-se oneroso o negócio, mesmo assim deverá proceder a impugnação pauliana por a má fé exigível para esse efeito corresponder consciência bilateral do prejuízo que o acto impugnado pode provocar na garantia patrimonial do devedor.
U. Isto porque a consciência do prejuízo que o acto causa para o credor basta-se com a mera representação, o conhecimento negligente da possibilidade da produção do resultado (o prejuízo causado à garantia patrimonial do credor) em consequência da conduta do agente, pelo que face à resposta ao quesito 6.º da Bases Instrutória (quanto à 1.ª Ré) e ao alegado no artigo 22.º da Contestação do 2.º Réu, afigura-se evidente que os RR. estavam bem cientes do que o negócio referido na alínea B) dos Factos Assentes implicava para os credores da 1.ª Ré.
V. Neste contexto, está demonstrada a má fé bilateral dos RR. e comprovados que estão que estão todos os pressupostos da acção pauliana, a sua procedência confere ao credor a possibilidade de executar o bem (1/2) em causa.
NESTES TERMOS e no mais de direito entende dever ser dado provimento ao presente recurso.
Não foram oferecidas contra alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da Matéria de Facto Assente:
- A primeira Ré, anteriormente a 8/5/2007, tinha inscrita o seu favor a aquisição de metade indivisa da fracção autónoma de um prédio urbano, designada por “A” Rés-do-chão “A”, na Rua Nova, nº X, Edifício XX, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 4484 (alínea A da Especificação).
- Por escritura pública celebrada em 8/5/2007 entre a 1ª e o 2º Réu e a esposa deste, no cartório da Notária Privada Célia Rute da Silva Pereira, a fls. 35 do Livro 32, a 1ª Ré declarou vender ao 2º Réu e à sua esposa a sua quota-parte indivisa na fracção autónoma referida em A), ficado inscrita a favor do 2º Réu sob o nº 154197G, na Conservatória do Registo Predial (alínea B da Especificação).
*
Da Base Instrutória
- Em 1/9/2006, o Autor emprestou à 1ª Ré B uma quantia em dinheiro de HKD$136,000.00 (MOP$140,080.00), tendo a Ré comprometido a restituir tal quantia em prestações em 16 meses, de Outubro de 2006 a Fevereiro de 2008, nos seguintes termos:
「現B向A借款港幣壹拾叁萬陸仟元,現分16個月清還,時間即2006年10月開始每月8,000.00,至2008年2月份為止,款項壹拾叁萬陸仟元如不清還由澳門政府法律處理。」
“B devo ao A o montante de HKD$136,000.00. Prometo o pagamento em prestações de 16 meses, de Outubro de 2006 a Fevereiro de 2008, paga MOP$8,000.00 por mês. Se não cumprir a obrigação de reembolso, aplicar-se-á a lei da RAEM” (cfr. fls. 20) (resposta dos quesitos 1º e 2º).
- A 1ª Ré pagou apenas as duas primeiras prestações em 1/10/2006 e 1/11/2006 (MOP$8,000.00 x 2 meses), no total de HKD$16,000.00 (MOP$16,480.00), nada mais tendo pago (resposta do quesito 3º).
- Em 8/5/2007, a 1ª Ré, para além da fracção “A”, Rés-do-chão “A”, na Rua Nova, nº X, Edifício XX, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 4484, não dispunha de qualquer outro património que pudesse garantir a satisfação do crédito do Autor (resposta do quesito 6º).
- O 2º Réu emprestou à irmã, 1ª Ré, a quantia total de HKD$1,500,000.00, fraccionadas da seguinte forma:
♦ Em 02.03.2005 a quantia de HKD$150,000.00 (cento e cinquenta mil dólares de Hong Kong) (fls. 45);
♦ Em 04.02.2006 a quantia de HKD$200,000.00 (duzentos mil dólares de Hong Kong) (fls. 46);
♦ Em 25.01.2007 a quantia de HKD$780,000.00 (setecentas e oitenta mil dólares de Hong Kong) sendo HKD$180,000.00 em cheque e o remanescente em dinheiro (fls. 47 e 48);
♦ Em 06.03.2007 a quantia de HKD$60,000.00 (seiscentas mil dólares de Hong Kong) em dinheiro (fls. 49);
♦ Em 20.03.2007 a quantia de HKD$100,000.00 (cem mil dólares de Hong Kong) em dinheiro (fls. 50);
♦ Em 22.03.2007 a quantia de HKD$20,000.00 (vinte mil dólares de Hong Kong) em dinheiro (fls. 51);
♦ Em 08.05.2007 a quantia de HKD$20,000.00 (vinte mil dólares de Hong Kong) em dinheiro (fls. 52);
♦ Em 28.05.2007 a quantia de HKD$170,000.00 (cento e setenta mil dólares de Hong Kong) (fls. 53) (resposta do quesito 12º).
- A divida da 1ª Ré para com o seu irmão atingiu o montante de HKD$1,330,000.00 (assim se corrigindo o mero lapso de cálculo constante da sentença recorrida enquanto aí se averbou o montante de HKD$1,500,000.00) e, não tendo esta condições para lhe pagar os seus créditos titulados até ao 08/05/2007, acordaram em efectuar esse pagamento através da entrega de 1/2 da fracção autónoma referida em A) (fls. 112 a 118) (resposta do quesito 13º).
- O imóvel foi avaliado pela Direcção do Serviço de Finanças em MOP$600,000.00 (seiscentas mil patacas) (fls. 54) (resposta do quesito 14º).”
III – FUNDAMENTOS
1. Objecto do presente recurso
O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se se verificam os pressupostos da impugnação pauliana em relação ao acto de disposição de bens por parte da 1ª Ré para o 2º, seu irmão, acto esse titulado sob a forma de uma escritura de compra e venda e que o A. pretende impugnar.
2. Impugnação pauliana
Nos termos do artigo 605º do Código Civil:
"Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as seguintes circunstâncias:
a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.
Além dos requisitos referenciados neste artigo - anterioridade do crédito ou (no caso do crédito ser posterior) intenção de impedir a satisfação do direito do futuro credor; e, situação de impossibilidade de cobrança do crédito, ou, agravamento dessa possibilidade - a impugnação pauliana exige, em relação a contratos onerosos (v.g. contrato de compra e venda) que o devedor e o terceiro ajam de má fé.
O nº 2 do artigo 607º, por sua vez, esclarece que a má fé é a "consciência do prejuízo que o acto causa ao credor".
Reconhece-se, deste modo, que a má fé, referenciada a um contrato de compra e venda, envolve a necessidade do vendedor e do comprador partilharem da consciência do prejuízo que a venda produz no património do credor do dito vendedor.
Essa consciência não pressupõe concertação entre as partes contratantes.1 Todavia, se fica afastada tal exigência, por um lado, é óbvio que, por outro, a referida "consciência" tem de significar algo que consubstancie uma situação de fraude, seja a clara representação, pelas partes contratantes, do prejuízo e da vontade de obter tal prejuízo; ou, se não ocorrer aquela representação e vontade, a representação do resultado (prejuízo) como necessária consequência, ou como previsível (na perspectiva de adequação) consequência do acto.
Em qualquer dessas hipóteses pode reconhecer-se que tudo são formas de consciência do citado prejuízo e que todas elas violam o dever de boa fé prosseguindo pelo preceito.2
Essa consciência apura-se do conjunto de considerandos e da factualidade apurada.
3. Posição do A.
Pretende o A. convencer da má-fé dos RR, porquanto realizarem uma venda de um bem imóvel para impedir a consumação de uma penhora destinada ao pagamento do crédito do A., - facto atribuído à 1ª Ré -, sendo a dívida exequenda do conhecimento do 2º R., sendo os RR. irmãos, sabendo ainda o 2º R, comprado, da dívida da irmã para com o A., de que para além do bem penhorado não havia outros bens suficientes para pagamento da dívida, tudo significa, em termos de normalidade da vida, fundada até em regras de presunção natural, que os intervenientes no negócio tiveram o propósito de fazerem desaparecer o único bem que podia garantir o crédito do A.
E tendo tido tal propósito, na sua argumentação, entendem ser evidente, que, com ele, representaram inevitavelmente o prejuízo do credor ou como consequência necessária, ou, pelo menos, como consequência eventual.
Mas será assim? Ter-se-ia provado o que o recorrente pretende ter como provado?
4. Impugnação da matéria de facto
Insurge-se o recorrente por não se terem dados como provados os quesitos 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 12.° e 13.° da Base Instrutória, tendo havido em relação a eles erro na apreciação da prova.
4.1. No quesito 7 da Base Instrutória perguntou-se: A venda ao réu foi celebrada com o único objectivo de retirar a fracção ora em apreço da esfera jurídica da 1ª R. de forma a evitar que a mesma fosse penhorada tendo a 1ª e o 2º RR. fingido celebrar um negócio jurídico, quando na realidade não queriam negócio jurídico nenhum?
No quesito 12 da Base Instrutória perguntou-se: O ora 2º R. emprestou à irmã, ora 1ª R., a quantia total de MOP$1,017,500 (Um milhão, dezassete mil e quinhentas patacas), fraccionadas da seguinte forma:
1. Em 02.03.2005 a quantia de HKD$150,000.00 (Cento e cinquenta mil dólares de Hong Kong);
2. Em 04.02.2006 a quantia de HKD$200,000.00 (Duzentos mil dólares de Hong Kong);
3. Em 25.01.2007 a quantia de HKS$250,000.00 (Duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong) sendo HKD$180,000.00 em cheque e o remanescente em dinheiro;
4. Em 06.03.2007 a quantia de HKD$70,000.00 (Setenta mil dólares de Hong Kong) em dinheiro;
5. Em 20.03.2007 a quantia de HKD$100,000.00 (Cem mil dólares de Hong Kong) em dinheiro;
6. Em 22.03.2007 a quantia de HKD$20,000.00 (Vinte mil dólares de Hong Kong) em dinheiro;
7. Em 24.03.2007 a quantia de HKD$37,500.00 (Trinta e sete mil e quinhentos dólares de Hong Kong) em dinheiro, pagos a titulo de salário a um terceiro;
8. Em 08.05.2007 a quantia de HKD$20,000.00 (Vinte mil dólares de Hong Kong) em dinheiro;
9. Em 28.05.2007 a quantia de HKD$170.000,00 (Cento e setenta mil dólares de Hong Kong)?
No quesito 13 da Base Instrutória perguntou-se: Atingindo a dívida da ora 1.ª R. ao irmão o montante de MOP$1.017.500,00 (Um milhão, dezassete mil e quinhentas patacas) e, não tendo esta nenhumas condições para lhe pagar os seus créditos, acordaram em efectuar esse pagamento através da entrega de 1/2 da fracção autónoma referida em A)?
4.2. Concretamente quanto a esta matéria a testemunha E disse:
Translator 2 - 008
Testemunha: E
01:41 Testemunha: A empresa de B está no Interior da China. O Sr. C pediu-me para levar dinheiro de Macau para ela que estava no Interior da China.
01:57 Advogado: Sabe porque é que precisava de levar dinheiro para ela? Chegou a explicar-te por que razão precisava de levar o dinheiro?
02:04 Testemunha: Porque a empresa está com problemas financeiros, por isso, pediu-lhe dinheiro emprestado.
Translator 2 - 008
Testemunha: E
03:51 Advogado: Como é que sabe que o dinheiro é pertencente a C, em vez da sua irmã mais velha? Não será possível que antes B tivesse deixado seu dinheiro a C e agora pretende ficar novamente com o mesmo? Como é que sabe que foi C que emprestou dinheiro à sua irmã mais velha, em vez da irmã dele ter lhe deixado antes seu dinheiro e agora pretende ficar novamente com o mesmo?
04:15 Testemunha: O Sr. C contou-me que a sua irmã mais velha pediu-lhe dinheiro emprestado por ter sido encontrados problemas financeiros no negócio, por isso, pediu-me levar dinheiro para ela até a Gongbei.
Concretamente quanto a esta matéria a testemunha F disse:
Translator 2 - 006
Testemunha: F
03:06 Advogado: Porque é que ela precisava tanto dinheiro?
03:09 Testemunha: Sabia que houve défice na fábrica dela que estava instalada no Interior da China, razão pela qual, andou sempre a pedir empréstimo a outras pessoas e, até quando ninguém lhe podia emprestar dinheiro, resolveu por pedir empréstimo aos familiares.
4.3. Perante estes elementos e documentos dos autos, nomeadamente os de fls 289 e 290 pretende o recorrente convencer que as importâncias referidas nos quesitos 12º e 13º não eram empréstimo; destinaram-se à Fábrica da 1.ª Ré; o 2.º Réu era um dos investidores da Fábrica juntamente com a 1.ª Ré.
Donde resultar que a afectação dessas importâncias pelo 2.º Réu à sua própria Fábrica “D” não consubstancia qualquer empréstimo, antes se tratando de um investimento empresarial.
Assim se dá resposta à questão de uma pretensa violação do artigo 562º, n.º 3 do CPC, enquanto se pretende dar como comprovado, por falta de impugnação a alegação do artigo 1º da p.i. referente a um empréstimo para investimento na Fábrica e de que o o A. também era sócio.
Mais, da resposta ao quesito 13.º da Base Instrutória,
- “A divida da 1ª Ré para com o seu irmão atingiu o montante de HKD$1,500,000.00 e, não tendo esta condições para lhe pagar os seus créditos titulados até ao 08/05/2007, acordaram em efectuar esse pagamento através da entrega de 1/2 da fracção autónoma referida em A) (fls. 112 a 118) (resposta do quesito 13º)”.-
resultaria que o preço da venda (MOP$600.000,00) não foi entregue pela 1.ª Ré ao 2.º Réu, pelo que os RR. fingiram celebrar um negócio de compra e venda, quando na realidade não queriam negócio jurídico nenhum, por não haver nenhuma razão [i.e., empréstimo] que justificasse a transferência do único património da 1.ª Ré para o 2.º Réu.
4.4. Com todas as limitações que resultam da apreciação de um dado depoimento a interpretação do recorrente não se mostra decisiva no sentido que pretende.
Os elementos probatórios acima evidenciados não evidenciam de uma forma clara aquela interpretação e não infirmam as conclusões extraídas na sentença recorrida.
Daí se pode configurar:
- houve uma situação aflitiva da 1ª Ré;
- esta andou a pedir a toda a gente, incluindo familiares;
- o dinheiro do 2º R. foi levado à fábrica dirigida pela 1º Ré, resultando ser esta a assumir o negócio;
- houve um negócio subjacente à transmissão da 1/2 da referida fração.
Se se tratou de um mútuo ou de qualquer forma de suprimentos, as coisas não excluem que tenha havido uma disposição de capital por banda do 2º Réu a favor de um negócio de que a 1ª Ré beneficiava e isso é quanto cumpre relevar para o que ora nos interessa.
Se se tratou de uma compra e venda ou de uma dação em cumprimento essa é questão que no passo presente apenas releva no sentido de constatar, por ora, que algum negócio não deixou de existir.
Assim se conclui que não se vê razão para não ter como correctas as respostas dadas à matéria de facto no que respeita aos apontados quesitos.
4.5. No quesito 8 da Base Instrutória perguntou-se: O preço de MOP$600.000,00 indicado na escritura nunca foi pago à 1.ª R., nem foi vontade dos Réus que fosse pago?
Pretende o recorrente que a resposta de “Não provado” ao quesito 8.º se encontra em contradição com a resposta da quesito 13 da Base Instrutória acima transcrito.
Ainda aqui não se vê que haja contradição.
Percebe-se, sem malabarismos técnico-jurídicos, aquilo que um leigo compreenderia sobre o que se passou e vai no sentido de que o preço declarado na escritura foi preenchido, compensado ou pago com a dívida existente.
Percebe-se que foi esse o sentido da resposta negativa, exactamente para não se entrar em contradição com a resposta ao quesito 13º.
Agora do nomen juris, se estamos perante uma compra e venda com compensação do preço ou perante uma dação em pagamento é questão que ainda por ora não importa apreciar.
Nada impediria até de se conceber uma situação em que houvesse entrega de dinheiro e com esse dinheiro fosse paga a dívida, pagamento esse que podia ser total ou parcial. Como está bem de ver não faria muito sentido que o deve e haver não fosse imediatamente compensado.
O que importa, ainda neste momento, é concluir que não se enxerga contradição na matéria de facto.
4.6. No quesito 9 da Base Instrutória perguntou-se: Da venda da metade indivisa da fracção para o 2.º R. resultou para o A. a impossibilidade de obter a satisfação do direito de crédito, tendo a 1.ª R. inviabilizado a execução do seu património, unicamente constituído pelo 1/2 indivisa da fracção ora em apreço, ao transferi-la para o 2.º R.? Tendo o Tribunal a quo respondido “Não provado”.
No quesito 10 da Base Instrutória perguntou-se: A 1.ª e o 2.º RR., agiram conluiados, tendo perfeita consciência do prejuízo que o negócio que simularam causava ao A.? Tendo o Tribunal a quo respondido “Não provado”.
4.7. Concretamente quanto a esta matéria a testemunha F disse:
Translator 2 - 007
Testemunha: F
01:03 Juiz: Porque é que ela não devolveu dinheiro a outras pessoas? Ela contraiu dívidas a tantas pessoas, porque é que ela transferiu o bem para o seu irmão mais novo mas não para outras pessoas? Não sabe que ela vendeu-o e levou o dinheiro obtido para pagar as dívidas a outras pessoas?
01:09 Testemunha: Quanto aos acontecimentos precedentes… Ela perguntou ao meu irmão mais novo…
01:13 Juiz: O quê?
01:14 Testemunha: Porque na altura ela perguntou ao meu irmão mais novo. Ela disse que precisava de ter dinheiro para resolver os problemas financeiros e que na altura ela já não tinha mais dinheiro para resolver isso. Como ela pediu dinheiro emprestado ao meu irmão mais novo, por isso, precisa de pagar as dívidas.
01:22 Juiz: Quer dizer que ela não tinha dinheiro para emprestar a outras pessoas, ou seja, às pessoas que não sejam você e os seus familiares?
01:23 Testemunha: Mas na altura parece que não havia ninguém, bem, não sei. Pronto, só sabia que na altura parece que não havia ninguém lhe dava pressão.
01:31 Juiz: Claro que não, as pessoas emprestaram-lhe dinheiro em 1996, porque é que ela não pagou as dívidas contraídas em 1996, mas sim, pagou as dívidas contraídas com o seu irmão mais novo em 1997?
01:40 Testemunha: Não sei quando é que ela contraiu as outras dívidas. Pois, nós emprestámos dinheiro. Portanto, nem sempre a sequência da devolução de dinheiro está em conformidade com a sequência do pedido de empréstimo deduzido, ou seja, a gente não costuma escolher a quem vai pagar primeiro as dívidas, já que as mesmas têm que ser pagas quando forem exigidas!
Translator 2 – 006
Testemunha: F
03:06 Advogado: Porque é que ela precisava tanto dinheiro?
03:09 Testemunha: Sabia que houve défice na fábrica dela que estava instalada no Interior da China, razão pela qual, andou sempre a pedir empréstimo a outras pessoas e, até quando ninguém lhe podia emprestar dinheiro, resolveu por pedir empréstimo aos familiares.
Contrariamente ao que pretende o recorrente daqui não se retira uma resposta afirmativa ao quesitado.
Antes se prova que havia outros credores, que embora a 1ª Ré o devesse saber, como é óbvio, as outras pessoas não sabiam de quando eram os diversos créditos, se anteriores ou não aos do irmão, 2º R. - note-se que a testemunha F é irmã dos RR. - , que os pagamentos tinham a ver não apenas com uma prioridade temporal dos créditos, mas até com a própria pressão dos credores.
E importa realçar dois aspectos que decorrem da restante matéria que comprovada vem e se afiguram de alguma pertinência:
- O crédito do 2º R. sobre a 1ª Ré, ainda antes da contracção da dívida desta para com o A. - era já bastante superior ao do A.;
- A dívida perante o 2º R. era manifestamente muito superior.
E foi essa que foi satisfeita, mesmo assim, pelo menos em termos do valor objectivo, apenas parcialmente.
5. Do negócio celebrado
5.1. Foi celebrada a referida escritura de compra e venda.
Pretende o recorrente que se tratou de uma simulação, tendo sido celebrado um negócio gratuito e nulo.
Na pertinácia com que defende, aliás sagazmente, a sua posição, o recorrente parece até entrar em contradição enquanto, por um lado, defende que não houve negócio algum, para, noutro passo, defender que houve um negócio gratuito, na medida em que não houve empréstimo do 2º Réu em relação à Ré, e mais adiante vir dizer que o que houve foi uma dação em cumprimento.
Basicamente sustenta que sendo essencial à dação em cumprimento o acordo do credor sobre a aceitação da prestação diversa feita pelo devedor e a imediata extinção do seu direito de crédito e da correspondente obrigação do devedor.
Ora, como esse acordo não resulta da escritura, o que teríamos era uma doação, ou seja, um negócio gratuito, não sendo nesse caso fazer prova da má-fé – cfr. art. 607º, n.º 1 do CC.
5.2. A pergunta que logo se coloca é como se pode dar como provado que não existiu esse acordo face à escritura e ao mesmo tempo dar como provado que esse acordo existiu, face à resposta ao quesito 13º, como resultante da sentença? Isto é, o recorrente quer o facto como assente para efeitos de enquadrar uma dação em pagamento, mas já não quer esse facto como assente, face à escritura, para efeitos de lhe retirar o carácter oneroso e cair na gratuitidade do acto de forma a libertar-se do ónus da prova da má-fé.
Afigura-se haver aqui alguma quebra argumentativa.
5.3. Quanto à tese de que não teria havido empréstimo, já vimos que não há elementos decisivos que a demonstrem.
Na verdade, não há elementos seguros que abonem no sentido de que o que houve foi uma mera operação de investimento na Fábrica. Houve efectivamente uma entrega de dinheiro do 2º Réu à irmã para esta desenvolver os negócios na fábrica, negócios esses que ela empreendia e de que beneficiava, independentemente de o mutuante aí ter também interesses.
Se não houve uma compra e venda, e sim uma dação em cumprimento, sendo nessa altura nula a venda, enquanto simulada, permaneceria válido o negócio dissimulado, ou seja a dação em cumprimento – cfr. art. 233º do CC.
Não se deixa, contudo, ainda de referir, face à matéria que vem comprovada, que, mesmo em relação ao negócio titulado pela escritura que não há elementos seguros para afirmar que não existiu uma venda, aliás, documentalmente comprovada nos autos.
Pensamos que a resposta ao quesito 13º não é definitiva de forma a afastar a configuração de tal negócio.
O facto de os irmãos (1ª e 2º RR) terem acordado em que o pagamento da dívida fosse efectuado através da entrega de 1/2 da dita fracção isto não é pressuposto necessário de que venda não tenha sido efectuada. Esse acordo podia até ser prévio e assumir-se aí um contrato pro solvendo. Da resposta ao quesito 13º resulta um compromisso de transmissão da coisa e bem se pode considerar que o pagamento a que se alude fosse total, nada nos dizendo que - pelo menos foi dado como não provado - que o preço de MOP$600.000,00 não tivesse sido pago.
E importa atentar no facto de que no acto da compra não se deixou de realizar uma hipoteca para garantia de facilidades bancarias superiores a um milhão de patacas.
6. Da pretensa dação em pagamento
6.1. Mas vamos até admitir, por ora, que assim não foi, como pretende o recorrente, e que na verdade o que houve foi uma dação em pagamento.
A dação em cumprimento é uma forma de extinção das obrigações que consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação (artº 828º do CC).
A concepção exacta e completa da dação é a que retrata, no único momento em que o acto se esgota, o duplo aspecto que ele envolve. Só mediante a inclusão do fim e do meio do acto se obtém um retrato em corpo inteiro da dação em cumprimento.3
O fim da dação consiste na extinção da obrigação (da única obrigação que persiste nas relações entre as partes); o meio dessa extinção, sendo diferente da prestação debitória (aliud pro alio), pressupõe uma troca concertada entre as partes – troca que se efectua no próprio momento da entrega.
É notória a analogia existente entre as modalidades mais correntes da dação (como a entrega de uma coisa ou a cedência de um direito) e o contrato de compra e venda.
Esta identidade é que explica a tentativa de reconduzir a dação em cumprimento a uma venda feita pelo devedor ao credor e a que se segue a compensação da dívida inicial com o crédito do preço resultante da venda.4
Por isso, o art.º 829º concede ao credor a mesma protecção que os artºs 896º e seguintes do CC concedem ao comprador quando a coisa ou o direito transmitido apresentem vícios.
A aplicação à dação em cumprimento das regras da compra e venda resulta não só do citado artº 829º, como da remissão geral do artº 933º, o qual manda aplicar as regras da compra e venda aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas.
Por força do disposto naqueles normativos, são aplicáveis à dação em cumprimento, por exemplo, as disposições relativas à venda de coisa alheia (artºs 882º do CC e seguintes), se tiver sido dada em cumprimento uma coisa não pertencente ao devedor.
A aplicação do regime da compra e venda à dação em cumprimento é explicada pelo carácter oneroso que reveste a datio in solutum. Entrega-se ou dá-se a coisa (lato sensu) em troca da extinção (do crédito).
Ou seja, ao entregar um bem ao credor, com vista à extinção do crédito, o devedor transmite ao credor a propriedade desse bem, a título oneroso.
Por isso, não podem deixar de se aplicar à dação em cumprimento também as exigências de forma que são aplicáveis ao contrato de compra e venda, nomeadamente a sujeição à escritura pública - cfr. art.º 866º do CC e no art.º 94º, n.º 1 do C. do Notariado.
6.2. Posto isto, está bem de ver que mesmo que por hipótese se configure uma dação em pagamento, parece não restarem dúvidas que de modo algum tal negócio assumiu um carácter oneroso e se correspondeu a um pagamento total - quoad est demonstrandum - com aparente prejuízo patrimonial do credor.
Seria necessário, sem suporte claro na prova feita, de que não houve empréstimo do 2º Réu à primeira, tese, como acima visto, já analisada.
Não sem que se diga a este propósito, querendo relevar os documentos de 289, 290 e 291, que se considera que o empréstimo do 2º R. foi uma forma de investimento na fábrica de que era sócio, então por não considerar também que o empréstimo do A. também o não foi, face à sua situação de sócio, como decorre de fls 290, não obstante a declaração de fls 291, empréstimo feito nesse dia?
Também já a esta questão oportunamente se deu resposta, assim se respondendo à alegação da gratuitidade do negócio.
6.3. Nem se diga que a dação sempre seria nula por falta de forma, já que ela revestiu a forma de escritura pública, a forma mais solene que não deixaria de ser exigida para a transmissão dos imóveis.
E não será pelo facto de daí não constar a alteração da prestação aceite pelo credor que se terá deixado de fazer prova dessa estipulação5, questão, no entanto, só suscitada por terceiro àquele negócio, sendo certo que a mudança da prestação e sua aceitação só aos celebrantes interessa, donde se entender, face ao disposto no artigo 213º, n.º 1 do CC que as razões determinantes da forma inerentes à transmissão do imóvel já não abrangerão as estipulações relativas a estipulações acessórias relativas às obrigações assumidas no negócio dissimulado, sendo certo que a exigir-se que do acto formalizado tivessem de constar todas as declarações correspondentes ao negócio realmente celebrado não haveria hipótese de salvar qualquer negócio em situações de simulação relativa.6
6.4. E sobre a questão da inoponibilidade da simulação ao A., não tem razão alguma o recorrente, tratando-se tal alegação de um non sense. Então não é verdade que quem invoca a simulação é o A., aqui terceiro em relação ao negócio simulado e que quem se pretende prevalecer da nulidade do negócio simulado e do dissimulado é ele próprio?
E se a inoponibilidade de que fala advém da nulidade do acto também não se compreende a sua alegação porque se o negócio fosse nulo não produzia efeitos contra quem quer que fosse, não obstante a natureza especial da nulidade na simulação.
7. Quanto à má-fé
De uma forma genérica, existe má-fé quando alguém age com fito, directo ou necessário de lesar os interesses doutra pessoa.7
No que ao caso interessa entende-se por má-fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor - art. 607º, n.º 2 do CC.
De tudo quanto se viu acima e da análise da prova produzida e agora reanalisada não se conclui que tenha havido aquela consciência, face às respostas negativas dos quesitos 7º a 11º do saneador, respostas essas que não merecem censura como se disse.
A nossa lei não exige o chamado concilium fraudis, limitando-se a considerar como existente o pressuposto referido, qual seja o de o devedor e terceiro terem agido com consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
Poder-se-ia pensar que bastaria um conhecimento simples do devedor e do terceiro sobre uma situação objectiva de diminuição do património daquele, o que por si implicaria um prejuízo para o credor enquanto se entenda que o património constitui uma garantia geral dos credores. Se assim fosse, este requisito pareceria desnecessário e bastaria uma formulação como a que existe para os negócios gratuitos para se ter a má-fé por dispensada. Não basta a mera previsibilidade desse prejuízo8, devendo haver uma consciência dolosa ou negligente da situação de prejuízo ou de retirar um benefício ilegítimo.9 Para já não falar como incisivamente refere Menezes Cordeiro, o acto que cai na previsão pauliana é um acto finalisticamente destinado a prejudicar o credor.10
O negócio celebrado aparece justificado e insere-se numa relação existente entre os contraentes, 1ª e 2º RR., ganhando autonomia por si e sem necessidade de ser explicado como uma fuga para o não pagamento de uma dívida ao A., importando não esquecer que o valor da coisa até era muito superior ao crédito do A., isto na tese da compra e venda; importando não esquecer ainda que sempre o crédito do 2º R. era ele anterior e muito superior ao do A., isto na tese da dação em pagamento.
8. Em suma, sempre importará reter o seguinte:
- Entende-se que não vem comprovada a simulação, a que, para além da comprovação da celebração de um outro negócio diferente do declarado, sempre faltaria o requisito fraudulento - intuito de enganar terceiros - a que alude o art. 232º, n.º 1 do CC.
- Aliás, qual o interesse, mantendo-se a onerosidade da dação em pagamento, que os declarantes do negócio celebrado teriam em declarar que se fazia uma venda em vez da pretensa dação? Sinceramente que não se enxerga qual o interesse subjacente a essa dissimulação.
- De todo o modo, a ter-se como celebrada uma dação em pagamento, não há certezas no sentido de excluir a existência de uma transmissão da coisa a título oneroso, havendo assim que comprovar a má-fé relevante para a impugnação pauliana pretendida (cfr. art. 607º, n.º 1 do CC).
- Em qualquer situação não se comprova a má-fé.
Donde dever improceder o presente recurso.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrente.
Macau, 17 de Março de 2011,
João A.G. Gil de Oliveira (Relator)
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações 2º/491 e Ac. do STJ ,de 26 de Maio de 1994 in CJSTJ 1994 II/115
2 - Ac. do STJ de 23 de Janeiro de 1992, BMJ 413,548
3 - Menezes Cordeiro, Tratado do Direito Civil Português, I, 1999, 557.,
4 - Cunha de Sá, Dação em Cumprimento, Estudos em Homenagem a Inocêncio Galvão Telles, 2002, I, 200
5 - Não era essa a situação do acórdão do STJ, proc. 05B499, citado pelo recorrente, pois que aí não se fez prova que tivesse havido acordo e aceitação do credor de prestação diversa feita pelo devedor e a imediata extinção do seu direito de crédito e da correspondente obrigação do devedor, ponto que se tem por pacífico
6 - Embora tendo presente a posição de Galvão Telles, citada pelo recorrente, Manual dos Contratos em Geral, 2002, 180, Castro Mendes, Dto Civil Teoria Geral, 1973, III, 282, importa não esquecer a corrente doutrinal e jurisprudencial dominante, em sentido contrário, a partir do CC de 66, de que nos dá conta Heinrich Hörster, Parte Geral do CC Port, 1992, 546, Pires de Lima e A. Varela, CCAnot, 4ª ed. 228
7 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 145
8 - Vaz Serra , RLJ, 102, 68
9 - Ana Prata, Dic. Jur., 4ª ed. 739
10 - Dto das Obrigações, 2º vol., AAFDL, 1986, 491
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