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Processo nº 806/2010/A
(Autos de suspensão de eficácia)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:




Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos, veio requerer a suspensão de eficácia do despacho do EXM.° CHEFE DO EXECUTIVO, de 03.09.2010, exarado sobre a Informação n.° 5895/DURDEP/2010, de 24.08.2010, e com o qual foi ordenada a desocupação de um terreno situado na “Povoação de XX”, n° XX, em Coloane, e a demolição da construção aí existente.

No seu pedido, formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente pedido é apresentado tempestivamente, com a petição de recurso, o Tribunal de Segunda tem competência para apreciar o recurso contencioso;
2. Caso o requerente não venha a cumprir o supracitado despacho dentro do prazo de 30 dias, o requerido vai, juntamente com outros serviços do governo, com a colaboração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, proceder à desocupação e à demolição, pelo que, o acto administrativo constante do despacho causa ao requerente sofrimento de grande prejuízo;
3. Além disso, contra o supracitado despacho com vício de violação da lei, caso não se apresente o presente processo de suspensão de eficácia, serão causados ao requerente os prejuízos graves de difícil reparação tais como vai ser destruída a sua casa e ele ficará sem abrigo;
4. Pelo que, nos termos do art.º 120º, n.º1 do Código do Processo Administrativo Contencioso, a eficácia do acto administrativo pode ser suspensa quando os actos tenham conteúdo positivo.
5. Quanto aos requisitos para a suspensão de eficácia do acto administrativo, em primeiro lugar, é de salientar que, havia cem anos atrás, o pai do requerente B, a mãe E, os tios C e D (irmão mais velho do pai e sua esposa) já viviam na referida casa rural localizada em Macau, na povoação de XX n.ºXX, Coloane, bem como, na qualidade de proprietários da casa rural do terreno, usavam, ocupavam a casa e nela residiam, pagavam a contribuição predial, procedendo à apreensão, reparação e manutenção da referida casa rural;
6. Até 1974, uma vez que falecidos os pais e o tio, a tia sentiu-se velha e não tinha herdeiro, acabando por oferecer a dita casa rural ao requerente. Desde então, o requerente sempre vive nesta casa rural, na qualidade de proprietário da casa rural do terreno, usa, ocupa a casa e nela reside, procedendo à apreensão, reparação e manutenção da casa e mais, em seu nome, requereu a instalação do contador de electricidade;
7. Todos os vizinhos conhecem o requerente, sabendo que o mesmo é dono da referida casa rural, enquanto, o requerente, por sua vez, também usa e ocupa a referida casa e nela reside, na qualidade de proprietário da casa rural, e nunca chegou a pagar renda a outras pessoas;
8. Nem usou qualquer violência ou esbulho para obter a casa rural, e desde 1974 até à presente data, há mais de 25 anos, o requerente, de forma pública e reiterada, usa e reside na referida casa rural na qualidade de proprietário da casa rural;
9. Para o requerente, a perda da casa rural é igual à perda da sua vida e de todos os seus bens, levando a que o requerente perda o seu “lar” e, ele, sua esposa e filhos irão ficar sem abrigo e vaguear pelas ruas;
10. Caso venha a executar o acto administrativo indicado no despacho, o direito fundamento do requerente fica lesado, a demolição da casa rural causa-lhe que fica sem abrigo e sofre prejuízo não inferior a MOPXXXX;
11. Além disso, a remodelação da casa rural já é um facto inalterável e consumado, a fim de melhor proteger os interesses de todas as partes, deve ser autorizado ainda o presente processo de suspensão de eficácia, mas não se vem executar o despacho ora recorrido antes de ter decisão do recurso contencioso, Por outro lado, a execução do despacho ora recorrido não quer dizer que a casa rural vai ser demolida e novamente reconstruída.
12. Uma vez que as despesas de remodelação de casa pelo valor não inferior a MOPXXXX, são uma poupança da maior parte da vida do requerente. Além do mais, ele e sua esposa, bem como, todas as tabuletas dos antepassados tais como pais e tios sempre esperam que podem voltar a casa rural o mais breve possível;
13. De acordo com o art.º 1179º do Código Civil, o requerente em 1974 sucedeu na posse dos pais e dos tios, e depois a acessão da posse, a posse da casa rural por parte do requerente é cerca de cem anos;
14. E nos termos do disposto nos art.ºs 1184º, n.º1, 1185º e 1187º, al. a) do mesmo código, a posse da casa rural por parte do requerente é de boa fé de forma pública;
15. Nos termos dos art.ºs 1213º, 1193º, n.º1, 1221º e 1179º do mesmo código, uma vez invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse. O requerente, de boa fé e conhecido por todas as pessoas, passou a ser possuidor da referida casa rural tal como outros proprietários legítimos, a sua posse é reiterada por cem anos, pelo que, o requerente adquiriu o direito da casa rural por usucapião, tem direito a obter a referida casa;
16. Nos termos do art.º 31 da Lei Básica, o domicílio e os demais prédios dos residentes de Macau são invioláveis. São proibidas a busca e introdução arbitrárias ou ilegais no domicílio ou nos demais prédios dos residentes;
17. De acordo com o despacho, o acto efectivamente violou o disposto no art.º 31º da Lei Básica: a violação e introdução no domicílio ou no prédio do requerente;
18. Pelo que, o supracitado despacho ignorou a posse do requerente e dos seus antecessores, o requente, tal como outros possuidores das casas rurais da povoação de XX, nos termos do art.º 122º, n.º2, al. d) do Código do Procedimento Administrativo e art.º 21º, n.º1, al. d) do Código do Processo Administrativo Contencioso, uma vez que o acto administrativo em causa violou os art.º 1191º, 1209º, 1221º do Código Civil, e art.º 31º da Lei Básica, sendo nulo por ofender conteúdo essencial de um direito fundamental do requerente;
19. O requerente tem direito absoluto sobre a casa rural em causa tal como direito de propriedade, pelo que, vem apresentar o presente pedido conjuntamente com a petição de recurso, dado que, caso venha a ser executado o respectivo acto, serão causados ao requerente e aos seus direitos e interesses ora defendidos no recurso contencioso, prejuízos de difícil reparação;
20. O requerente, desde pequeno, vive sempre na casa rural em causa. Sente profundamente que a povoação de XX de Coloane é parecida como uma grande família que está cheio de ar de simplicidade e características de várias nações, e entre as pessoas há uma relação muito estreita, tanto os residentes como os vizinhos todos ajudam-se e cuidam-se como se fossem membros familiares, pelo que, é um local importante que testemunha a fase do crescimento e a vida do requerente;
21. A povoação de XX de Coloane e a casa rural do requerente possuem valor histórico e arquitectónico de muitos anos, que testemunham todos os aniversários de casamento de entre o requerente e sua esposa, o nascimento e crescimento dos filhos, bem como, os pormenores da sua vida quotidiana, pelo que, o requerente tem muito afecto à povoação de XX e à sua casa rural;
22. Contudo, a casa rural já existe há cem anos, embora o requerente periodicamente tenha realizado obras de manutenção da casa, também não é possível evitar a corrosão de paredes e de vara de aço, a interrupção e fuga de electricidade, a casa corre risco de queda, face a essa situação, o requerente e sua esposa mostram muitas preocupações, tendo novamente realizado remodelação da sua casa rural e despendido um montante não inferior a MOPXXXX;
23. Para o requerente, a perda da casa rural é igual à perda da sua vida e de todos os seus bens, levando a que o requerente perda o seu “lar” e, ele, sua esposa e filhos irão ficar sem abrigo e vaguear pelas ruas;
24. Nos termos do art.º 4º do Código do Processo Administrativo, compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes;
25. O acto administrativo praticado pela entidade recorrida, em primeiro lugar, não tomou em consideração os direitos e interesses do requerente, em particular, o facto de o requerente e seus familiares terem residido na casa rural há cerca de 40 anos, a perda da casa rural que causará aos requerente e seus familiares ficarem sem abrigo, bem como, o requerente ter despendido, como poupança da maior parte da sua vida, o valor não inferior a MOPXXXX para a remodelação da sua casa rural;
26. Nos termos do art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo e art.º 21º, n.º1, al. d) do Código do Processo Administrativo Contencioso, o acto administrativo em causa violou o art.º 4º do Código do Procedimento Administrativo, padecendo do vício de violação da lei, sendo anulável;
27. Pelo que, a suspensão da eficácia do acto administrativo não vai prejudicar os interesses públicos ora procurados pelo mesmo acto na situação concreta, pelo contrário, a execução do acto administrativo do despacho na pendência da decisão do recurso contencioso, serão gravemente lesados os direitos e interesses do requerente. Evidentemente o recurso contencioso deduzido pelo requerente é fundamentado, e o acto administrativo é ilegal.
28. De acordo com os pressupostos acima indicados, nos termos do art.º 121º, n.º1, al. a), b) e c) do Código do Processo Administrativo Contencioso, o presente processo de suspensão de eficácia tem fundamento e é válido.”

Pede a inquirição de 5 testemunhas e que, a final, se decrete a suspensão do acto administrativo em questão; (cfr., fls. 2 a 8 e 147 a 162 que, como as que adiante se vierem a referir, dão-se como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Citada, e invocando o estatuído no art. 126°, n° 2 do C.P.A.C., veio a entidade recorrida afirmar, em síntese, que “considera que a não execução imediata do acto recorrido – desocupação do terreno, prejudicará gravemente o interesse público, pelo que se deve continuar a execução da respectiva ordem”; (cfr., fls. 55 a 62 e 163 a 172).

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Oportunamente, em contestação, alegou o que segue:
“1)
  Em consonância com o certidão exarado pelo Conservatória de Registo Predial em 10 de Maio de 2010, o terreno pelo requerente ocupado não foi registado em título privado (pessoa física ou colectiva), pelo que o terreno é propriedade do Estado ao abrigo do artigo 7.º da Lei Básica da RAEM.
2)
  O requerente não está munido de nenhum documento com eficácia legal para justificar a sua ocupação do terreno em causa, razão pela qual o seu acto de ocupação é ilegal.
3)
  Nos termos do art.º 41º, al. o) da Lei de Terras, o Chefe do Executivo proferiu despacho em 3 de Setembro de 2010, exarado na informação/proposta n.º 5895/DURDEP/2010, segundo a qual foi ordenado ao ocupante ilegal que proceda, no prazo de 30 dias, à desocupação do referido terreno, à demolição e ao despejo da construção ilegal, removendo os objectos, materiais e equipamentos nele depositados, bem como proceda à entrega do terreno ao Governo.
4)
  O acto administrativo praticado pelo requerido é legal, em que não se verificou o vício alegado pelo requerente no requerimento. Tendo em conta que o objecto da medida cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo, como referido no acórdão n.º 37/2009 do T.U.I, não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Pelo que a questão da legalidade do acto administrativo será abordada adiante no ulterior recurso contencioso.
5)
  Nos termos do artigo 121.º n.º 1 do CPAC, a suspensão de eficácia dos actos administrativos é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
6)
  No entanto, neste processo, relativamente ao pedido de suspensão da eficácia dos actos administrativos, não se verificou o requisito estabelecido no artigo 121.º n.º 1 alínea b) do CPAC, pois a suspensão da eficácia dos actos administrativos prejudicará o interesse público de modo grave.
7)
  O acto administrativo indicado no ponto 3.º consiste em ordenar ao ocupante que proceda à desocupação e à entrega da grande porção do terreno do Estado que foi ilegalmente ocupado pelo mesmo, para que:
- O Governo possa gerir eficientemente o terreno e, conforme o desenvolvimento da sociedade, usá-lo de forma tempestiva e razoável, a fim de procurar o interesse público;
- Se revele ao público que a lei reage quando existir o acto de ocupação ilegal do terreno público.
8)
  In casu, o requerente não só ocupou ilegalmente o terreno do Estado, mas também construiu um prédio, de 4 andares, com betão armado, vara de aço e paredes de tijolos, sem licença de obras (a dita habitação do requerente).
9)
  Todavia, segundo as informações constantes do processo administrativo, em 9 de Dezembro de 2009, no decurso do exercício de funções, os fiscais da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes detectaram que alguém estava a construir obra com betão armado e vara de aço no terreno ilegalmente ocupado, mas na dada altura, ainda não se encontrava lá a dita habitação do requerente (vide pp. 3 a 4 do processo administrativo). Pelas referidas informações do processo administrativo, verificou-se que a habitação construída pelo requerente é uma nova edificação, e que as obras de construção foram realizadas de forma a negligenciar absolutamente a lei, já que:
- Em 9 de Dezembro de 2009, o pessoal da DSSOPT detectou que no terreno supra referenciado se encontrava em obras de construção de uma edificação com betão armado e vara de aço, consequentemente, o Subdirector da DSSOPT proferiu a ordem de proibição da execução de obras no dia 14 de Dezembro do mesmo ano e, logo no dia 16 de Dezembro, o pessoal daquela Direcção fixou a referida ordem na entrada do terreno em apreço; (vide pp. 14 do processo administrativo)
- Contudo, em 19 de Março de 2010, o pessoal da DSSOPT detectou que os empregados de obras ainda estavam a construir uma edificação informal com 4 andares, com tecto de betão armado e vara de aço e muro de tijolos. Nestas circunstâncias, o pessoal daquela Direcção exigiu-lhes que cessassem as referidas obras, mas os empregados não lhe ligaram e continuaram a execução das obras; (vide pp. 44 a 47 do processo administrativo)
- Posteriormente, em 29 de Abril do mesmo ano, continuou-se a execução das respectivas obras ilegais, mesmo que o pessoal da DSSOPT, com a colaboração do CPSP, tivesse procedido, em 29 de Abril do mesmo ano, à vedação da aludida edificação com fitas plásticas. Não se deixaram de executar as referidas obras, mesmo que a DSSOPT levantasse o processo de desocupação do terreno e pelo qual, em 6 de Junho do mesmo ano, colocasse o anúncio nos jornais chinês e português e fixasse o edital no terreno em causa (a fim de notificar o ocupante ilegal do terreno para apresentar, no prazo indicado, a sua opinião escrita). (vide pp. 54 a 57, 89, 93 a 94, 96, 98 a 100, 107 a 108 do processo administrativo)
10)
  Nos termos do art.º 136º, n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo, caso o prazo indicado no ponto 3 for expirado e o respectivo terreno ainda estiver indevidamente ocupado, a Administração tem o poder de executar a aludida ordem de desocupação do terreno
11)
  Assim sendo, a Administração deve executar oficiosa e imediatamente a ordem de desocupação do terreno, a fim de retomar, breve e legalmente, a gerência deste, evitando a futura ocupação ilegal do mesmo.
12)
Ao abrigo do art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M., o Governo desta Região é responsável pela gestão do referido terreno, por isso, a suspensão de execução do referido acto administrativo causaria a continuação da ocupação ilegal do solo do Estado, fazendo com que o Governo da R.A.E.M. não consiga gerir eficientemente o terreno e, em consequência, ficaria gravemente prejudicado o interesse público.
13)
  A reivindicação dos terrenos ocupados permite que o Governo os use, conforme o desenvolvimento da sociedade, de forma tempestiva e razoável, por isso, a suspensão de execução do referido acto administrativo provocaria a continuação de ocupação ilegal e prolongada dos terrenos (durante o período do procedimento jurídico duradouro) ou, pelo menos, esta situação seria prolongada até o momento em que o tribunal profira a sentença final perante o pedido da suspensão de eficácia do acto administrativo, impedindo o uso dos terrenos de forma razoável e em conformidade com as necessidades públicas, daí fazendo com que os membros da sociedade considerem que é permissível ou tolerável a ocupação ilegal do solo do Estado por um determinado período de tempo. Os terrenos ilegalmente ocupados têm uma área bastante vasta, por isso, provocou “grave prejuízo” ao interesse público, sendo tão grave que dificulte o cálculo do prejuízo. A par disso, segundo o acórdão n.º 190/2010/A do T.S.I.: “(…) a duração do período de ocupação ilegal dos terrenos públicos e de alteração do seu original relevo não deve ser considerada como factor de atenuação da gravidade do prejuízo causado ao interesse público. Por senso comum, quanto mais longo for o período de ocupação ilegal dos terrenos públicos e de alteração do seu original relevo, mais grave é o prejuízo causado pelo transgressor ao interesse público, pelo que, os casos mais antigos devem ser resolvidos urgentemente. Ora, se a Administração não executar imediatamente a ordem executiva em causa, o interesse público prosseguido pela ordem de desocupação do terreno seria gravemente prejudicado.”
14)
Além disso, uma das funções da lei é a “prevenção geral”, isto manifesta-se especialmente na sanção aplicada nos casos da violação da norma proibitiva, independentemente do aspecto administrativo ou penal, cuja finalidade é mostrar aos membros da sociedade que a lei reage se se verificar a violação da norma proibitiva. As normas proibitivas administrativas ou penais são sempre dispostas à protecção de um ou mais interesses públicos. Além de estabelecer sanção para os casos da violação das respectivas normas proibitivas, o legislador fixa também medidas para prevenirem ou impedirem que o acto ilegal prejudique ou continue a prejudicar o interesse público que as normas proibitivas pretendem proteger. Ocorre-se neste caso a situação acima referida, quanto à proibição de ocupação ilegal do terreno público, não só se estabelece sanção (nota: art.º 191º da Lei de Terras), mas também se permite que o Órgão Administrativo ordene a desocupação do terreno nos termos da lei. Assim sendo, se se permitir a “suspensão de execução da referida decisão administrativa”, implica-se que se permite que o requerente continue a ocupar publicamente o terreno público sem título legalmente válido. Indubitavelmente, isto pode influenciar os membros da sociedade, fazendo com que os mesmos considerem que é “permissível” ou “tolerável” a ocupação ilegal do solo estatal por um determinado período de tempo, daí resultando, inevitavelmente, a ocorrência de mais actos de ocupação ilegal do terreno, com a intenção de obter interesse indevido no curto período de tempo, mediante a ocupação do terreno público, impedindo assim o Governo da R.A.E.M. a gerir eficientemente o solo estatal e usá-lo tempestivamente para acompanhar o desenvolvimento da sociedade.
15)
Apontou-se na conclusão do acórdão n.º 32/2005 do T.U.I., publicado na II Série do Boletim Oficial da R.A.E.M. de 2 de Agosto de 2006 o seguinte: “Os terrenos na Região que não foram reconhecidos legalmente como propriedade privada passam a constituir propriedade do Estado depois da criação da Região. Após o estabelecimento da Região, não se pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor de particulares dos referidos terrenos através de decisão judicial, independentemente de a acção ser proposta antes ou depois da criação da Região.” Pois, após o estabelecimento da Região, o requerente não pode obter o reconhecimento de propriedade privada ou domínio útil a favor dele do terreno ilegalmente ocupado através de decisão judicial.
(16)
Mais, o art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M. dispõe expressamente: “Os solos e os recursos naturais na R.A.E.M. são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da R.A.E.M.. (…).”; e, segundo o acórdão n.º 32/2005 do T.U.I.: “A Lei Básica foi aprovada e publicada em 31 de Março de 1993. Foi amplamente sujeita a consultas em Macau na fase de elaboração e constantemente divulgada após a promulgação (…).” Deste modo, o requerente deve ter perfeito conhecimento do teor da Lei Básica da R.A.E.M..
(17)
A par disso, do princípio do ano transacto até os meados do corrente ano, o Governo reafirmou diversas vezes que “não se permitem os actos de ocupação e marcação ilegais de terreno, bem como as obras ilegais de remodelação e reconstituição de habitação” (vide anexos 1, 2, 3, 4); mais, perante “os actos de ocupação e marcação ilegais de terreno”, a jurisprudência (vide os acórdãos n.ºs 106/2009 e 652/2009 do T.S.I.) refere que o terreno é legalmente pertencente ao Estado quando não houver documentos comprovativos para apurarem que o mesmo pertence ao particular e, em consequência, o ocupante deve proceder à desocupação e reversão da parcela do terreno ao Governo da Região; e, apontou-se no teor do acórdão n.º 106/2009 do T.S.I. que foi publicado no Jornal “Macao Daily”, datado de 10 de Maio de 2010, o seguinte: “Os dois ocupantes, declarando que possuíam escritura de papel da seda e ocupavam o terreno XX na Taipa que será disposto à construção de habitações económicas, interpuseram recurso. O T.S.I. proferiu o acórdão, rejeitando o recurso contencioso interposto pelos dois aludidos recorrentes contra o despacho do Chefe do Executivo, datado de 10 de Novembro de 2008.” “A causa da rejeição do recurso é o seguinte: provado está que a parcela de terreno identificada como A1, encontra-se registada a favor da R.A.E.M., e que em relação à parcela B2a, nada consta. Além disso, não há documentos comprovativos para apurarem que as referidas duas parcelas são pertencentes ao particular, e que os recorrentes, também, não possuem provas para apurarem que os mesmos tenham direito de propriedade em domínio útil e em domínio direito sobre as parcelas supramencionadas, pelo que, não há vício quanto ao despacho proferido pelo Chefe do Executivo em 10 de Novembro de 2008 e rejeita-se o recurso contencioso interposto pelos ocupantes.”; daí, vislumbra-se que não é possível que o requerente não souber que os seus actos de ocupação de terreno e de edificação são ilegais.
18)
  Com base nos pontos 9 e 15 a 17, é certo que o requerente violou, publicamente, a ordem executiva que proíbe a execução de obras de construção e a ordem de “desocupação e reversão do terreno” decretada pelo Chefe do Executivo, mandou continuar as obras de construção até quando a habitação estava completamente construída, continuou a ocupar terreno público e desafiou a lei, mesmo que saiba perfeitamente que são ilegais as obras de construção realizadas no terreno por ele ilegalmente ocupado, por não possuir licença, e que é ilegal o acto de ocupação do terreno estatal, por não possuir qualquer documento comprovativo legalmente válido para apurar que o mesmo tem quaisquer direitos ao terreno ou a ele é permitida a ocupação do respectivo terreno, bem como, tenha perfeito conhecimento de que o Governo defende a posição de que o terreno em causa é propriedade do Estado. Se não se executar imediatamente a ordem de desocupação do terreno, permitindo-se que o terreno público seja ilegalmente ocupado pelo requerente, a lei poderia ficar menosprezada e sem severidade, tal como foi referido no acórdão n.º 13/2010 do T.U.I.: “O acto cuja eficácia se pretende suspender visa precisamente a repor a ordem jurídica violada, restabelecendo com premência o respeito pela lei face à sua violação sucessiva. A suspender a eficácia do acto em causa, este interesse público visado pelo acto será gravemente prejudicado.”
19)
  Como é sabido de todos, a fim de reprimir os actos de ocupação ilícita do terreno estatal e os actos destrutivos da montanha, o Governo, desde o início do ano passado, desencadeou o respectivo processo de desocupação do terreno, e conseguiu reivindicar várias parcelas de terreno estatal ocupado com uma área total de 52,700 metros quadrados a mais. Nos três casos iniciais, como os ocupantes das três parcelas de terreno (terrenos destinados a construção da habitação localizados respectivamente na Estrada de XX, lote XX, na Estrada de XX, ao noroeste do Teleport Macau e no entroncamento entre a Estrada de XX e a Avenida de XX, da Ilha de Coloane) dentro do prazo imposto, não procederam à desocupação dos terrenos para os devolver ao Governo, este obrigou-se a executar imediatamente a ordem da desocupação a fim de reivindicar tais terrenos. Na sequência das diligências executivas imediatas da desocupação e do sucesso que o Governo obteve na reivindicação de terrenos ocupados, mais indivíduos que ocupavam ilegalmente os terrenos estatais, sucessivamente despejaram, pela sua iniciativa, as casas e devolveram os terrenos logo depois da última notificação edital publicada pelo Governo. i.e. a parcela do terreno junto à rotunda da CEM da ilha de Coloane, a parcela do terreno destinado à construção escolar na Taipa, terreno junto à Rua XX, a parcela de terreno ao pé da XX, ilha de Coloane, a parecela de terreno junto à Estrada de XX, duas parcelas de terreno na ilha de Colonae ao pé da Rua XX, e Estrada de XX. São todos terrenos que os ocupantes voluntariamente despejaram e entregaram ao Governo dentro do prazo cominado para este efeito. Daí que, a execução imediata da ordem de desocupação de facto reveste-se da função de prevenção geral, que consiste em afastar o público de reiterar as mesmas condutas para ocupar os terrenos estatais, a fim de evitar novos actos da mesma natureza, facilitar a gestão do terreno pela RAEM nos termos legais e proteger o interesse público contra prejuízos graves.
20)
  Nos termos expostos, dado que a suspensão da eficácia dos actos administrativos comprometerá gravemente o interesse público em concreto prosseguido por aquele acto, não se verificou o requisito consagrado no artigo 121.º n.º 1 alínea b) do CPAC quanto ao pedido do requerente.
21)
  Além disso, alegou o requerente que o pedido de suspensão da eficácia dos actos administrativos não preencheu o requisito estabelecido no artigo 121.º n.º 1 alínea a) do CPAC.
22)
  Tal como alegado nos pontos 8, 9 da contestação, neste caso concreto, o requerente, além de ocupar ilegalmente o terreno estatal, ainda procedeu à construção da edificação naquele terreno sem ter licença que permita a execução de tal obra; trata-se de uma nova edificação, e a mesma obra foi realizada sem ter respeito nenhum pelas leis, não como dito no requerimento, era para “remodelação da habitação rural”.
23)
  A par disso, na proposta de preço para obras de construção – anexo 30 do requerimento (de que constam expressamente 1. Povoação XX n.ºXX com uma área de superfície de 1300 pés quadrados, e uma área de construção de 4450 pés quadrados, em que se fixa vigas de ferro, se instala placas, se monta tijolos e realiza reboco, reveste o azulejo na parede e no chão do banheiro, na parede e no chão da cozinha, instala janelas de alumínio na parede exterior, custos de construção XX dólares x XX pé quadrados = XXXX dólares 2. Viveiro cimento construído com vara de aço = XXXX dólares), constata-se que o requerente estava a fazer obra de edificação, não a de remodelação,
24)
  Uma vez que se trata de uma nova edificação que o requerente construiu no terreno por ele ocupado e a respectiva obra só foi concluída neste ano, não é possível ter afectos e memória mencionados pelo requerente no seu pedido (tal como alegado no ponto 15 do requerimento, cheio de afectos pela habitação rural, que duram perenemente trinta anos e mais, no ponto 16, testemunha todos os aniversários de casamento de entre o requerente e sua esposa, o nascimento e crescimento dos filhos, bem como, os pormenores da sua vida quotidiana e a memória dos pais falecidos. Nem é possível existir o valor histórico e arquitectónico, pelo contrário, a habitação não possui nenhum valor especial histórico ou arquitectónico por se trata da edificação nova e só concluída neste ano. Assim, ainda que seja imediatamente demolida a mesma habitação, o prejuízo que poderá incorrer no requerente (a despesa de remodelação não inferior a MOPXXXX alegada no ponto 18.º do requerimento) será totalmente reparável da forma pecuniária.
25)
  Aparte disso, muito embora o requerente referisse no ponto 20 que a perda da habitação rural levou a sua mulher e os filhos a vaguear pela rua sem casa. A desocupação do terreno não necessariamente significa que o requerente se obrigará a ficar na rua, pois este poderá sempre arrendar casa para resolver a questão de habitação. Ainda que não consiga suportar rendas elevadas por causa da pobreza, poderá apelar ajuda aos Instituo de Acção Social e Instituto de habitação e outros serviços competentes para ficar em casa social. Além disso, como dissemos, o prédio referido neste processo (habitação rural na designação dada por requerente) é, na verdade, edificação nova, cuja construção foi iniciada com a obra estrutural com betão armado e vara de aço que se encontrava no terreno ilegalmente ocupado. Naquela altura, era impossível que alguém se encontrasse ali, como tal, os filhos e a mulher do requerente não moravam ali, entretanto, nem por isso se encontravam a vaguear na rua. Pelo que podemos concluir que o requerente, bem como os filhos e a mulher ficavam noutro lado aquando da construção do prédio; Assim sendo, ainda que o prédio em causa fosse demolido de imediato, seria difícil crer que estes se encontravam na rua sem uma casa para regressar.
26)
  No que diz respeito ao prejuízo dificilmente reparável, o Tribunal de Última Instância no acórdão n.º 33/2009, mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto.
27)
  Neste caso, como não se vislumbra o afecto e a memória alegado pelo requerente sobre a nova edificação construída no terreno ilegalmente ocupado, a par disso, o prejuízo eventual da demolição da edificação pode ser ressarcido com dinheiro, isto quer dizer, o requerente pode obter ressarcimento de danos na execução da sentença judicial, se o tribunal vier anular o acto praticado no recurso contencioso; se esta via não for suficiente, pode ainda intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Pelo que o referido prejuízo não é dificilmente reparável.
28)
  Nos termos expostos, o pedido de requerente não se reviste do requisito consagrado no artigo 121.º n.º 1 do CPAC, ou seja, a demolição da nova edificação não causará ao requerente prejuízo dificilmente reparável.
  Face ao exposto, como o pedido do requerente não reúne requisitos previstos no artigo 121.º n.º 1 do CPAC, solicito aos Exm.ºs Juízes que não admitam ou autorizem o pedido de suspensão da eficácia dos actos administrativos do requerente.”;(cfr., fls. 96 a 107 e 172 a 190).
  
  *
  
  Seguidamente, e em resposta à “oposição” pela entidade recorrida assumida quanto à suspensão provisória do acto em questão, veio o requerente, em síntese, insistir que a dita suspensão não causava “grave prejuízo ao interesse público”; (cfr., fls. 140 a 145-v e 200 a 214).
  
*

Em sede de vista, juntou o Exm° Magistrado do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
  “Sendo certo que na suspensão de eficácia não poderão ser apreciados os vícios imputados ao acto administrativo, tendo de se partir da presunção da legalidade de tal acto e respectivos pressupostos de facto, temos que grande parte do alegado pelo requerente a tal nível no presente meio processual se apresenta como inócuo, nomeadamente as considerações atinentes à qualidade em que se arroga ao terreno e habitação em causa, invocada usucapião, forma de posse e circunstâncias a ela referentes, tratando-se, como é bom de ver, de matéria a escrutinar no domínio do recurso contencioso.
  Posto isto, vem A requerer a suspensão de eficácia do despacho do Chefe do Executivo de 3/9/10 que, na sequência do procedimento respectivo, ordenou ao recorrente a desocupação, no prazo de 30 dias, do terreno localizado junto ao poste de iluminação nº XXX da Povoação de XX, na ilha de Coloane, a demolição e despejo das construções ilegais ali existentes, removendo os materiais e equipamentos nele depositados, bem como a entrega do terreno ao Governo da RAEM, sem direito a indemnização.
  Tanto quanto se alcança da redacção introduzida no art. 121.º do CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu nº 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada.
   Tais requisitos são, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo).
  Ficando a ordem do conhecimento desses requisitos ao critério do Tribunal, não nos repugna, porém, desde logo, admitir que se não vislumbra que, no caso, resultem indícios, e muito menos fortes, de ilegalidade do recurso.
  No que tange ao interesse público, estranha-se que, ao que alega o requerente e não vemos infirmado pela requerida, encontrando-se o terreno na sua posse desde 1974, se veja, neste preciso momento, a Região confrontada com a iminência de grave lesão de tal interesse resultante da “função de prevenção geral, que consiste em afastar o público de reiterar as mesmas condutas para ocupar os terrenos estatais, a fim de evitar novos actos da mesma natureza, facilitar a gestão do terreno pela RAEM nos termos legais e proteger o interesse público contra prejuízos graves” : como se pode argumentar que, tendo a situação, na sua generalidade, existido há mais de 30 anos, período durante o qual, aliás, se implantou no terreno uma moradia, a cuja construção se não descortina ter-se a Administração oposto com eficácia, quando poderia perfeitamente tê-la embargado, invocar, neste momento, a grave lesão do interesse público na manutenção da situação até resolução do recurso contencioso ?
  C’os diabos, é mais de uma trintena de anos contra apenas alguns meses, sabendo, como se sabe, andar este Tribunal relativamente em dia com a normal tramitação dos seus processos, sendo ainda certo (a propósito da propalada necessidade de “prevenção geral”) não existir notícia que, após a implantação da RAEM se tenha assistido a muitas ocupações ilegais de terrenos, em condições similares...
  Convirá, aliás, invocar, a propósito, o preceituado no artº 52º do Regulamento Geral de Construção Urbana, aprovado pelo Dec Lei 79/85/M : pois se tal dispositivo, em termos gerais, perante ordem do Governador (leia-se Chefe do Executivo) de demolição de qualquer obra de construção sem a necessária licença, prevê a ocorrência de recurso com efeito suspensivo da decisão, como não aceitar tal efeito em procedimento preventivo, fundado em alegada grave lesão do interesse público ?
  Mas mais : a ter-se como verificado este pressuposto, resulta inequívoco que os prejuízos decorrentes da imediata execução do acto, além do mais com a destruição de uma moradia, habitável e habitada, revelar-se-iam desproporcionadamente superiores àquela lesão do interesse público decorrente da não imediata execução do acto, pelo que, também por via do disposto no nº 4 do artº 121º, CPAC não haveria que indeferir o peticionado.
  Finalmente, tem vindo a constituir jurisprudência constante o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provàvelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tido como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
  A este nível, esgrime o requerente, naquilo que ousamos sintetizar nas suas próprias palavras com o facto de que “Para o requerente, a perda da casa rural é igual à perda da sua vida e de todos os seus bens, levando a que o requerente perca o seu “lar” e, ele, sua esposa e filhos irão ficar sem abrigo e vaguear pelas ruas”.
  Passe embora, algum exagero no referido, derivado, quiçá, de expressão de algum desespero, não é difícil, perante a situação, configurar a existência de prejuízos não quantificáveis ou determináveis e que, pela sua própria natureza, se tornarão irreparáveis, decorrentes da execução do acto, bastando, para tanto, colocar-nos na situação de um cidadão perante a ameaça de demolição do seu domicílio familiar, fàcilmente se alcançando que tais prejuízos advirão não só da destruição das portas, janelas e paredes da habitação (danos estes, quiçá, quantificáveis, avaliáveis), como do desaparecimento de todo um património não “palpável”, relativo às memórias, à ligação afectiva, ao “cordão emocional” que, por regra, liga os residentes às suas moradias familiares, para além de que, como é óbvio, com o desaparecimento de tal moradia, sem qualquer indemnização, implicaria necessàriamente situação extrema, a tal “falta de tecto” alegada, com todas as perniciosas consequências daí resultantes, atinentes à falta de abrigo e subsistência do requerente e seu agregado familiar, danos que, pela sua própria natureza, não é possível, determinar, quantificar e avaliar.
  Razões por que por verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, somos a pugnar pelo deferimento do peticionado.”;(cfr., fls. 194 a 198).

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Conclusos os autos ao ora relator, atenta a “natureza urgente” do presente processo (art. 6°, n° 1, al. g) do C.P.A.C.), ao preceituado no art. 129° do mesmo código, e nada parecendo obstar, foi determinada a sua inscrição em tabela para julgamento na sessão imediata; (cfr., fls. 214).

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Vieram assim os autos à conferência.

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Das questões prévias

2. Duas são as questões prévias sobre as quais se mostra de, desde já, emitir pronúncia.

A primeira, quanto ao suscitado “incidente” de oposição à suspensão provisória do acto cuja suspensão de eficácia é peticionada, e, a segunda, quanto à requerida “inquirição de testemunhas”.

Vejamos.

2.1. O acto administrativo pode ser definido como “a conduta voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto”, e, como tal, “goza da presunção de legalidade, o que envolve a sua imediata obrigatoriedade e a executoriedade dos imperativos nele contidos”; (cfr., M. Caetano in, “Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 463 e segs..)

De facto, como regra geral, a interposição de recurso contencioso de um acto administrativo visando a declaração da sua invalidade, não tem “efeito suspensivo”; (cfr. artº 22º, onde se prescreve que “o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido, excepto quando, cumulativamente...”, notando-se também que na situação dos presentes autos em causa não está a aplicação do art. 52°, n° 7 do Regulamento Geral da Construção Urbana aprovado pelo D.L. n° 79/85/M de 21.08 que atribui efeito suspensivo aos recursos de decisões que determinam a demolição de obras não licenciadas, pois que a “decisão de desocupação e demolição“ ora requerida foi proferida em conformidade com o preceituado no art. 41°, al. o) da Lei n° 6/80/M – “Lei de Terras” – e ponderando-se a falta de título legalmente válido para a ocupação e aproveitamento de terreno da R.A.E.M.).

Tal ausência de efeito suspensivo – como afirma Santos Botelho, no seu “Contencioso Administrativo”, 3ª ed., pág. 446 – “prende-se e encontra a sua justificação na necessidade que, de uma maneira geral, a Administração tem de evitar que a celeridade, que com carácter normal deve presidir à actividade administrativa venha a ser entravada por um uso formalista e reprovável das garantias contenciosas. No fundo, a não atribuição de efeito suspensivo ao recurso contencioso radicaria não só na presunção da legalidade do acto administrativo, como também no apontado interesse do exercício contínuo, regular e eficaz da acção administrativa”.

Todavia, impõe-se reconhecer que situações existem em que a imediata execução do acto pode produzir efeitos tais que se torne impossível, mais tarde, quando verificada a sua nulidade ou causa da sua anulação, faze-los desaparecer.

Precisamente para obviar tais situações, admitiu o legislador a possibilidade de o particular se socorrer do meio processual de suspensão de eficácia do acto, procurando obviar a que a administração execute o respectivo acto administrativo, desencadeando os seus efeitos jurídicos e materiais de modo a criar ao particular que venha a vencer o recurso, situações tornadas irremediáveis ou dificilmente reparáveis.

O pedido de suspensão de eficácia apresenta-se assim como que ligado à necessidade de acautelar ainda que provisoriamente a integridade dos bens ou a situação jurídica litigiosa, garantindo correspondentemente a execução real e efectiva da decisão e utilidade do recurso. Tem, assim, como meio processual acessório de natureza cautelar, o objectivo de evitar os inconvenientes do “periculum in mora” decorrentes do funcionamento do sistema judicial; (neste sentido, vd., Vieira de Andrade in, “A Justiça Administrativa”, 2ª ed. pág. 167 e F. do Amaral, “Dtº Administrativo”, Vol. IV, pág. 302).

É assim a “suspensão da eficácia de actos administrativos” – matéria regulada nos art°s 120 e segs. – uma providência cautelar que visa impedir que, durante a pendência de um recurso contencioso (ou acção), ocorram prejuízos ou que a situação de facto se altere de modo a que a decisão que se vier a proferir, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela, tornando-se numa decisão puramente platónica.

Daí estatuir também o art. 126°, n°1 que, após o órgão administrativo tomar conhecimento do pedido de suspensão, deve “impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução”.

Pretende-se assim a manutenção do “status quo” até que seja apreciado o pedido de suspensão de eficácia do acto praticado.

Porém, ainda que assim seja, pode o órgão administrativo proceder à imediata execução do acto em causa caso “reconheça, fundadamente, e por escrito”, que a sua não execução imediata causa “grave prejuízo para o interesse público”; (cfr., n° 2 do art. 126°).

E, precisamente, como meio de reacção a tal execução imediata de um acto administrativo – na pendência de um pedido de suspensão da sua eficácia – previu o legislador o “incidente” regulado no art. 127°.

Com efeito, prevê o art. 127°, n° 2 que o requerente do pedido de suspensão do acto pode pedir ao Tribunal onde penda o processo de suspensão(...) a “declaração de ineficácia, para efeitos de suspensão, dos actos de execução indevida”.

No caso dos presentes autos, e como se deixou relatado, citada para contestar, e em tempo, veio a entidade requerida reconhecer que a suspensão provisória do acto requerido causava “grave prejuízo para o interesse público”.

Ponderando sobre a questão, cremos que à entidade recorrida assiste razão, como mais adiante se irá expor.

2.2. Quanto à peticionada inquirição de testemunhas.

Como se viu, com o requerimento que apresentou, pediu o requerente a inquirição de 5 testemunhas.

Ora, para além de se nos afigurar desnecessária tal inquirição, (isto, face aos documentos juntos aos autos, à posição pelas partes assumida, e visto também que não é em sede dos presentes autos que se vai apreciar da legalidade do acto administrativo cuja suspensão se pretende, sendo antes o “recurso contencioso” o meio processual próprio para tal efeito – cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 03.02.2005, de 06.10.2005 e de 05.11.2009, Procs. n° 20/2005/A, n° 228/2005 e n° 888/2009/A, assim como do Vdo TUI de 13.05.2009 e 17.12.2009, Proc. n° 2/2009 e n° 37/2009), cremos que não existe fundamento legal para a sua execução.

Com efeito, percorrendo todos os preceitos legais que regulam a matéria da suspensão de eficácia – art°s 120° a 131° – nada nos parece permitir tal “diligência probatória”.

Dir-se-à que em prol da verdade material, ao Tribunal sempre caberia o poder (inquisitório) de a levar a cabo.

Pois bem, não se nega ser esta uma forma de ver as coisas.

Porém, confrontando o regime em causa com o legalmente previsto para os restantes procedimentos preventivos e conservatórios, nomeadamente, o de “intimação para um comportamento”, (art°s 132° a 137°), verifica-se que no âmbito deste e quanto à sua tramitação preceitua expressamente o art. 133°, n° 3, que “ouvido seguidamente o Ministério Público, quando não seja o requerente, e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 129.º”.

Ora, tal “diferença” de regime leva-nos pois a considerar – ainda que não fosse desnecessária, e, como se viu, no caso, este é o nosso ponto de vista – que inviável é a pretendida inquirição; (neste sentido, cfr., v.g., Fernando Brandão Ferreira Pinto e Guilherme F.D. Pereira da Fonseca in, “Dto Processual Administrativo Contencioso”, fls. 113).

Aliás, em recente Acórdão decidiu também o Vdo T.U.I. que “é inadmissível a prova testemunhal no processo de suspensão de eficácia de actos administrativos”; (cfr., Ac. de 14.05.2010, Proc. n° 15/2010).

Avancemos.

Dos factos

3. Consideram-se assentes os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir.
– A, ora requerente, é filho de B e E;
– há cerca de cem anos, os pais e tios do ora requerente habitaram uma casa que existia num terreno da “Povoação de XX”, n° XX, em Coloane;
– em 1974, após o falecimento dos pais e tio do requerente, a sua tia ofereceu-lhe o dito imóvel, tendo o mesmo passado a residir nele;
– no mesmo local, e em data não determinada, o requerente decidiu realizar obras, construindo uma moradia de 4 pisos;
– de acordo com a certidão da Conservatória de Registo Predial de 10.05.2010, sobre o terreno onde se encontra edificada a mencionada moradia não se encontra registado a favor de particular direito de propriedade ou qualquer outro direito real;
– em 09.12.2009, profissionais da D.S.S.O.P.T. detectaram que no referido terreno desenvolviam-se obras de construção de uma edificação com betão armado e vara de aço;
– em 14.12.2009 foi decidida a proibição das ditas obras, tendo-se afixado cópia de tal decisão à entrada do terreno;
– em 19.03.2010, e depois de se apurar que as obras continuavam, foi novamente ordenado que fossem as mesmas imediatamente suspensas;
– em 29.04.2010, e perante a continuação das obras, a D.S.S.O.P.T., com a colaboração da P.S.P., procedeu à vedação da obra;
– por despacho do Exm° Chefe do Executivo de 03.09.2010, (cfr., fls. 143 e segs. do P.I.), ordenou-se a desocupação do terreno assim como a demolição da construção aí existente, (sendo este o acto objecto do presente pedido).

Do direito

4. Cumpre decidir se verificados estão os pressupostos legais para a procedência do presente pedido de suspensão de eficácia.

Sobre tal matéria incidem os art°s 120° e 121° do C.P.A.C. os quais prescrevem que:

Art° 120°:
   “A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”

Art° 121°:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”

Atento o preceituado no art. 120°, e tendo em conta os efeitos do acto suspendendo, patente é que é o mesmo um “acto de conteúdo positivo”.

Nesta conformidade, vejamos então se verificados estão os pressupostos do art. 121°, n°1, alíneas a), b) e c) atrás transcrito, pois que, como sabido é, “A não verificação de um dos requisitos da suspensão de eficácia de acto administrativo previstos no n.° 1 do art.° 121.° do Código de Processo Administrativo Contencioso torna desnecessária a apreciação dos restantes porque o seu deferimento exige a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si.”, (cfr., v.g., o Ac. do T.U.I. de 13.05.2009, Proc. n° 2/2009).

No caso, atenta a factualidade dada como assente, e respeitando-se entendimento diverso, cremos que evidente é que a pretendida suspensão causa “grave prejuízo para o interesse público”.

De facto a situação dos presentes autos é idêntica à que foi recentemente apreciada pelo Vdo T.U.I. no seu Acórdão de 02.06.2010, Proc. n° 13/2010, e onde se decidiu que: “Determina grave lesão do interesse público a suspensão da eficácia do acto administrativo que ordena a demolição de uma moradia construída, de início até ao seu acabamento, sempre sob cominação de duas ordens de proibição de execução de obra, no terreno de propriedade do Estado, circunstâncias de conhecimento do interessado.”

Na verdade, e como se colhe da factualidade dada como assente, verifica-se também que, “in casu”, por várias vezes foi ordenada a (imediata) suspensão da obra, e que a mesma, não obstante tal, continuou a ser executada à revelia de tais decisões.

Ora, nos termos do estatuído no art. 7° da L.B.R.A.E.M.:
   “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. (…)”

E, dando aplicação ao assim preceituado teve já o Vdo T.U.I. oportunidade de afirmar que:
“Desta norma resulta que foi estabelecido pela Lei Básica o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da Região cabem respectivamente ao Estado e ao Governo da Região. No entanto, a fim de respeitar e proteger os poucos terrenos da propriedade privada já existentes em Macau, é admitida excepção a este princípio, isto é, continuar a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existentes.
Há um requisito para a excepção, que consiste em que os terrenos de propriedade privada devem ser "reconhecidos, de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM."
Uma vez que após o estabelecimento da Região, todos os terrenos situados no âmbito territorial da Região são de propriedade do Estado, excepto os que foram reconhecidos como propriedade privada nos termos da lei antes do estabelecimento da Região. Em consequência, não é possível constituir nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do art.° 7.° da Lei Básica”; (cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I., de 05.07.2006, Proc. n° 32/2005).

Sendo de subscrever o assim entendido, e ponderando-se no teor da certidão da C.R.P. de 10.05.2010 atrás referida, constata-se que o ora requerente ocupa ilegalmente o terreno em questão e que nele edificou uma moradia de 4 pisos sem que para tal estivesse autorizado e apesar de sucessivas ordens da autoridade administrativa competente para que fossem as mesmas obras suspensas.

É pois manifesto que o requerente insiste em ocupar ilegalmente um terreno que é propriedade da R.A.E.M., violando, consciente e deliberadamente, sucessivas ordens emitidas por autoridade administrativa competente.

Nesta conformidade, e tendo o acto administrativo em questão como objectivo repor a ordem jurídica violada, é de considerar que a sua suspensão causa “grave lesão do interesse público”, não se podendo assim dar por verificado o pressuposto ínsito na alínea b) do n° 1 do art. 121° do C.P.A.C..

Por fim, mostra-se igualmente de concluir que inexiste também “prejuízo de difícil reparação” para o ora requerente.

De facto, a construção em causa foi levada a cabo em frontal violação de sucessivas ordens de suspensão das obras, e não revestindo aquela qualquer valor histórico ou arquitectónico, inviável é considerar-se verificado o referido “prejuízo”, o que, por sua vez, torna desnecessária a apreciação da questão da “proporção” a que alude o n° 4 do art. 121° do mencionado C.P.A.C..

Dest’arte, há que julgar improcedente o pedido deduzido.

Decisão

5. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar improcedente o pedido de suspensão de eficácia apresentado.

Custas pelo requerente com taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Macau, aos 11 de Novembro de 2010


_________________________ _________________________
José Maria Dias Azedo Vitor Manuel CarvalhoCoelho
(Relator) (Presente)
(Magistrado do M.oP.o)
_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
(subscrevo apenas a decisão de indeferimento do pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo, parque entendo que é aplicável aqui a posição já assumida na minha declaração de voto vencido então apendiculada ao acórdão deste T.S.I. que veio a ser objecto de impugnação no âmbito do Processo n.º 13/2010 do Venerando Tribunal de Última Instância, referido na pág. 47, 3.º parágrafo, do presente acórdão).

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)

Proc. 806/2010/A Pág. 50

Proc. 806/2010/A Pág. 1