Processo nº 729/2010(/) Data: 20.01.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Pedido de renovação da prova.
Erro notório na apreciação da prova.
“In dúbio pro reo”.
SUMÁRIO
1. O pedido de renovação da prova é objecto de decisão interlocutória, e a sua admissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal recorrido;
- que o recurso tenha por fundamento os vícios referidos no nº 2 do artº 400º do C.P.P.M.;
- que o recorrente indique, (a seguir às conclusões), as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma, dos factos a esclarecer e das razões justificativas da renovação; e
- que existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo para novo julgamento, ou seja, que com a mesma, se consiga, no Tribunal de recurso, ampliar ou esclarecer os factos, eliminando os vícios imputados à decisão recorrida.
Não tendo o recorrente indicado as provas que entende deverem ser renovadas, referindo relativamente a cada uma delas, os factos que se destinam a esclarecer, (…), é manifesta a improcedência da pretensão.
É que, não sendo a renovação de prova um “novo julgamento” – doutro modo, nada justificaria não reenviar o processo – obviamente, só ao recorrente caberá indicar quais as provas que pretende ver (re)-produzidas no Tribunal de recurso e, não o fazendo, fica de todo comprometida a sua pretensão;
2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
3. Sendo recusada a renovação da prova, pode a decisão do recurso integrar o acórdão preliminar em caso de rejeição.
4. O princípio “in dúbio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dúbio pro reo”, decidir pela sua absolvição.
5. Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”.
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias, sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador - e não no do recorrente - alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 729/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (A), com os sinais dos autos, foi, por Acórdão do Colectivo do T.J.B., condenado como co-autor material da prática em concurso real de:
– 1 crime de “sequestro”, p. p. pelo art. 152°, n° 1, na pena de prisão de 2 anos; e,
– 1 crime de “usura para jogo”, p. p. pelo art. 13° da Lei n° 8/96/M, conjugado com o art. 219°, n° 1 do C.P.M., na pena de prisão de 1 ano.
Em cúmulo, foi condenado na única pena de 2 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de proibição de entrada nos casinos da RAEM por um período de 3 anos; (cfr., fls. 758 a 759, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Não se conformando com o assim decidido, o arguido recorreu.
Motivou para, em síntese, concluir nos termos seguintes pedindo, também a final, a renovação da prova:
“1. Em relação ao crime de sequestro, de acordo com os dados constantes dos autos, incluindo os dados audiovisuais da audiência de julgamento, o tribunal a quo teve erro notório na apreciação das provas ao reconhecer que o recorrente cometeu, em co-autoria material e na forma consumada, o supracitado crime de sequestro. O erro é evidente e não passa despercebido ao comum dos observadores (art.º 400.º n.º 2 al. c) do CPP).
2. O tribunal a quo fez o juízo dos factos meramente com base nas declarações prestadas pelos 4 arguidos presentes (nomeadamente a 2ª arguida B (B)), nas declarações para memória futura prestadas pelo ofendido C (C) no Juízo de Instrução Criminal e no facto de que a polícia encontrou o ofendido no respectivo quarto do hotel.
3. Além disso, segundo os dados constantes dos autos, incluindo os dados audiovisuais da audiência de julgamento, o tribunal a quo não obteve outras provas como base do reconhecimento dos factos acima referidos.
4. De facto, o ofendido não mencionou que o recorrente manteve-o detido e o privou da liberdade de deslocação, mas ao contrário, o ofendido identificou clara e subjectivamente os indivíduos (ou seja os 4 arguidos presentes na audiência de julgamento e um outro suspeito C) que o detiveram.
5. Comparando as declarações para memória futura prestadas pelo ofendido C (C) no Juízo de Instrução Criminal com as declarações contraditórias prestadas pela 2ª arguida B (B), não é difícil encontrar as inconciliações.
6. Segundo as regras de experiência comum, as declarações prestadas pelo ofendido devem ser admitidas sem dúvida, e as declarações contraditórias prestadas pela 2ª arguida B (B) são obviamente desculpa para a sua absolvição do crime ou atenuação da culpa. Tendo em conta a sua qualidade de arguida e as declarações contraditórias, não é difícil descobrir a sua incredibilidade.
7. Durante toda a audiência, as declarações dos outros arguidos ou os depoimentos das testemunhas não indicaram directa ou indirectamente que o recorrente agiu em conjugação de esforço com outros arguidos ao manter o ofendido detido e privá-lo da sua liberdade de deslocação, também não há provas de que os outros arguidos estiveram a agir sob comando do recorrente, sem prejuízo do respeito ao tribunal a quo, é ilegal o juízo meramente subjectivo deste.
8. Além disso, o ofendido entendeu subjectivamente que foi detido por outrem e não podia sair do quarto do hotel, e na falta de factos objectivos para provar que as pessoas no quarto manteve o ofendido detido e o privaram da liberdade de deslocação, não estão reunidos os requisitos constitutivos do crime de sequestro.
9. O tribunal a quo, meramente com base no facto de que o ofendido alegou que o recorrente acompanhou-o para colocar as apostas, “inferiu” que o ofendido entendeu subjectivamente que tinha sido detido, mas a implicação subjectiva sem base de facto objectivo é proibida por lei e é obviamente conclusão logicamente inaceitável retirada de um facto tido como provado, pelo que existe erro notório na apreciação das provas, e este erro é tão evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
10. Por outro lado, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 400.º n.º 2 al. c) do CPP).
11. A matéria de facto não indicou que o recorrente tinha detido ou preso o ofendido, ou tinha mantido detido ou preso o ofendido, ou de qualquer forma privou o ofendido da sua liberdade.
12. E o tribunal a quo não pode reconhecer subjectivamente os factos na falta de prova material objectiva, sob pena de violação do princípio de livre apreciação das provas.
13. Ademais, o tribunal a quo não tem provas de que o recorrente agiu em conjugação de esforço com outros arguidos ao manter detido o ofendido e o privou da liberdade de deslocação. O respectivo juízo dos factos não tem suporte de prova material objectiva e é meramente implicação feita com base nas declarações da 2ª arguida B (B), pelo que existe grande dúvida da prática do respectivo crime por parte do recorrente, e segundo o “princípio de in dúbio pro reo”, deve-se absolver o recorrente do crime de sequestro.
14. Quando à questão de direito da medida da pena, a pena de prisão de 2 anos é uma punição muito grave para um não-residente de Macau que não teve registo criminal, e deve ser alterada na pena de prisão mínima de 1 ano, ou na pena igual às penas aplicadas aos outros 4 arguidos no processo.
15. Em relação ao crime de usura para jogo imputado ao recorrente, de acordo com os dados constantes dos autos, incluindo os dados audiovisuais da audiência de julgamento, o tribunal a quo teve erro notório na apreciação das provas ao reconhecer que o recorrente cometeu, em co-autoria material e na forma consumada, o supracitado crime de usura para jogo. E o erro é evidente e não passa despercebido ao comum dos observadores (art.º 400.º n.º 2 al. c) do CPP).
16. O tribunal a quo fez o juízo dos factos meramente com base nas declarações prestadas pelos 4 arguidos presentes (nomeadamente a 2ª arguida B (B)) e nas declarações para memória futura prestadas pelo ofendido C (C) no Juízo de Instrução Criminal.
17. Além disso, segundo os dados constantes dos autos, incluindo os dados audiovisuais da audiência de julgamento, o tribunal a quo não obteve outras provas como base do reconhecimento dos factos acima referidos.
18. De facto, o ofendido não mencionou que o recorrente tinha lhe concedido empréstimo para o jogo a fim de obter interesses ilegítimos, mas ao contrário, o ofendido identificou claramente as pessoas (a 2ª arguida B (B) e o seu patrão, ou seja o suspeito B, mas não o recorrente!) que lhe emprestaram dinheiro.
19. Comparando as declarações para memória futura prestadas pelo ofendido C (C) no Juízo de Instrução Criminal com as declarações contraditórias prestadas pela 2ª arguida B (B), não é difícil encontrar as inconciliações.
20. Segundo as regras de experiência comum, as declarações prestadas pelo ofendido devem ser admitidas sem dúvida, e as declarações contraditórias prestadas pela 2ª arguida B (B) são obviamente desculpa para a sua absolvição do crime ou atenuação da culpa. Tendo em conta a sua qualidade de arguida e as declarações contraditórias, não é difícil descobrir a sua incredibilidade.
21. Durante toda a audiência, as declarações dos outros arguidos ou os depoimentos das testemunhas não indicaram directa ou indirectamente que o recorrente agiu em conjugação de esforço com outros arguidos ao conceder empréstimo ao ofendido para jogar, com o propósito de alcançar interesses ilegítimos, também não há provas de que os outros arguidos estiveram a agir sob comando do recorrente, sem prejuízo do respeito ao tribunal a quo, é ilegal o juízo meramente subjectivo deste.
22. O tribunal a quo, meramente com base no facto de que o ofendido alegou que o recorrente acompanhou-o para colocar as apostas, “inferiu” que o recorrente concedeu empréstimo ao ofendido para jogar, mas a implicação subjectiva sem base de facto objectivo é proibida por lei e é obviamente conclusão logicamente inaceitável retirada de um facto tido como provado, pelo que existe erro notório na apreciação das provas, e este erro é tão evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
23. Além disso, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 400.º n.º 2 al. c) do CPP).
24. A matéria de facto não indicou que o recorrente, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultou ao ofendido dinheiro ou qualquer outro meio para jogar.
25. Por outro lado, o tribunal a quo não pode reconhecer subjectivamente os factos na falta de prova material objectiva, sob pena de violação do princípio de livre apreciação das provas.
26. Ademais, o tribunal a quo não tem provas de que o recorrente agiu em conjugação de esforço com outros arguidos ao conceder empréstimo ao ofendido para jogar, com o propósito de obter interesses ilegítimos. O respectivo juízo dos factos não tem suporte de prova material objectiva e é meramente implicação feita com base nas declarações da 2ª arguida B (B), pelo que existe grande dúvida da prática do respectivo crime por parte do recorrente, e segundo o “princípio de in dúbio pro reo”, deve-se absolver o recorrente do crime de usura para jogo.
27. Quando à questão de direito da medida da pena, a pena de prisão de 1 ano é uma punição muito grave para um não-residente de Macau que não teve registo criminal, e deve ser alterada na pena de prisão mínima de 1 mês, ou na pena igual às penas aplicadas aos outros 4 arguidos no processo.”
A final, pede para “julgar procedente o presente recurso e em consequência, absolver o recorrente dos crimes de sequestro e de usura para jogo, ou determinar de novo a duração da pena aplicada ao recorrente.
Além disso, de acordo com o art.º 402.º n.º 3, o art.º 415.º e o art.º 418.º do CPP, para averiguar se o acórdão do tribunal a quo padece dos vícios previstos pelo art.º 400.º, n.º 2, al.s a) e c) do CPP, pede-se ao MM.º Juiz para produzir novamente as seguintes provas constantes dos autos, ou remeter o processo ao tribunal a quo para novo julgamento, a fim de provar que o recorrente não cometeu os crimes de sequestro e de usura para jogo:
(1) As declarações para memória futura prestadas pelo ofendido C (C) no Juízo de Instrução Criminal (vide as fls. 99 e 100 dos autos), e o auto de inquirição elaborado pela PJ constante das fls. 8 a 10 dos autos;
(2) As declarações prestadas pela 2ª arguida B (B) (vide as fls. 152 a 154, 177 a 178 e 206 a 207 dos autos);
(3) Os dados audiovisuais da audiência de julgamento.” ; (cfr., fls. 788 a 794).
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Em resposta, entende o Exm° Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 715 a 718).
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Nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador-Adjunto o seguinte douto Parecer:
“O nosso Exm°. Colega demonstra, concludentemente, a insubsistência da motivação do recorrente.
E apenas vamos tentar complementar, num ou noutro ponto, as suas judiciosas considerações.
O recorrente vem, além do mais, requerer a renovação da prova.
Conforme tem entendido este Tribunal, essa renovação pressupõe:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal;
- que o recorrente indique as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma delas dos factos a esclarecer e das razões justificativas da sua renovação;
- que se verifique qualquer dos vícios referidos no n° 2 do art. 400° do C. P. Penal; e
- que haja razões para se crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo.
(cfr., nomeadamente, ac. de 12-6-2003, proc. n°. 107/2003)
E, encontrando-se preenchido o primeiro requisito, mostram-se inverificados o segundo e o terceiro.
Vejamos.
Antolha-se, desde logo, o incumprimento do comando do art. 402°, n° 3, do citado C. P. Penal.
Não pode considerar-se feita, de facto, a indicação a que o mesmo se refere.
Não se divisa, por outro lado, a existência de qualquer dos vícios em causa.
O recorrente invoca, a propósito, os previstos nas respectivas als. a) e c).
Mas mais não faz, realmente, do que discordar do julgamento da matéria de facto feito na decisão recorrida, afrontando flagrantemente a regra da livre apreciação da prova consagrada no art. 114° do mesmo Diploma.
Isso mesmo se evidencia, aliás, na resposta à motivação.
Falecendo, pois, os mencionados pressupostos, não deve ser admitida a propugnada renovação da prova.
Para além dos vícios referidos, o recorrente tem como violados os princípios da "livre apreciação da prova" e "in dúbio pró reo". .
Trata-se de afirmações descabidas.
Resulta, inequivocamente, da motivação fáctica da decisão, que a convicção do Tribunal não foi, "in casu", arbitrária.
E é certo, também, que não se chegou a qualquer, situação de dúvida sobre a realidade dos factos.
O pedido de absolvição, em suma, não pode deixar de ter-se como gratuito.
Os elementos constitutivos dos crimes por que o recorrente foi condenado, com efeito, emergem claramente da matéria de facto fixada.
As penas aplicadas, finalmente, mostram-se justas e equilibradas.
E há que sublinhar, a propósito, além do mais, a preponderância que o recorrente assumiu na perpetração dos factos em apreço.
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente - ou até, mesmo, manifestamente improcedente (com a sua consequente rejeição, nos termos dos art°s. 407°, n°. 3-c, 409°, n°.2-a e 410°, do C.P.Penal).”; (cfr., fls. 797 a 801).
*
Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Deu o Colectivo a quo como provada a seguinte factualidade:
“Cerca das 15h00 do dia 4 de Agosto de 2008, junto à entrada de “Tai Wong Tin” do casino Venetian, o arguido D (D) encetou conversa com o ofendido C (C), tentando convencê-lo a pedir dinheiro emprestado para o jogo.
Pelas 17h30 do mesmo dia, dentro do estabelecimento de talharim “Chek Long” localizado no acima referido casino, o arguido D (D) apresentou o ofendido C (C) à arguida B (B); após esta perguntar sobre os dados identificativos do ofendido, telefonou ao seu “patrão”, ou seja, o arguido A (A), quem concordou em conceder empréstimo ao ofendido para o jogo, e ordenou um indivíduo de alcunha “Ah Ngao” e um outro de identidade não apurada para se deslocarem ao referido estabelecimento de talharim, para juntamente com os arguidos B (B) e D (D), negociarem sobre as condições do empréstimo com o ofendido C (C).
No interior do referido estabelecimento de talharim, o ofendido C (C) concordou em pedir emprestado ao referido arguido um montante de HKD$50.000,00 sob a condição de no decurso de jogo de baracat, sempre que ganhasse o jogo após apostar no ponto 6 ou ponto 7, retirava, a título de juros, 50% sobre o valor da aposta da respectiva jogada.
Pelas 19h01 do mesmo dia, a arguida B (B), o arguido D (D) e “Ah Ngao” deixaram o casino Venetian com o ofendido C (C), e depois deslocaram-se ao casino Sands, onde se encontraram com o arguido A (A) na Sala de VIP Internacional de “U Bin Vui”.
No interior da respectiva sala de VIP, o arguido A (A) entregou à arguida B (B) fichas no valor total de HKD$100.000,00, das quais a arguida B (B) entregou ao ofendido C (C) cinquenta mil para jogar. No decurso do jogo, a arguida ficou encarregue de retirar as fichas como juros, e entregava-as ao arguido A (A), enquanto D (D) e “Ah Ngao” estavam ao lado para vigiar e trocar fichas.
Cerca de duas horas mais tarde, ou seja às 21h00 e tal, o ofendido C (C) perdeu todo o dinheiro que tinha pedido emprestado, e com o consentimento do arguido A (A), a arguida B (B) tirou HKD$30.000,00 das fichas remanescentes de HKD$50.000,00 para emprestar ao ofendido C (C) sob as mesmas condições acima referidas, porém ficou o arguido A (A) encarregue de colocar as apostas, enquanto ficou a cargo de B (B) retirar fichas a título de juros, e o arguido D (D) e “Ah Ngao” ficavam ao lado a vigiar e trocar fichas.
Depois de cerca de duas horas, o ofendido C (C) perdeu mais uma vez o dinheiro pedido emprestado, e mais uma vez com o consentimento do arguido A (A), a arguida B (B) emprestou ao ofendido sob as mesmas condições as fichas remanescentes no valor de HKD$20.000,00, ficando a arguida B (B) encarregue de retirar fichas a título de juros, e os arguidos A (A) e D (D) e “Ah Ngao” ficavam ao lado para vigiar e trocar fichas.
Até cerca de 00h30 da madrugada do dia 5 de Agosto, o ofendido C (C) perdeu todo o referido dinheiro pedido emprestado no jogo, na altura, os arguidos A (A), B (B) e D (D) tinham retirado a título de juros um montante total de HKD$50.000,00.
Os referidos arguidos acompanharam o ofendido C (C) até à zona de repouso da respectiva Sala de VIP, o arguido A (A) tirou fotocópia do Salvo-conduto da RPC do ofendido, ordenando-lhe para assinar uma declaração de dívida com o seguinte teor: “pedi dinheiro emprestado ao amigo D (D) no valor de cem mil dólares de Hong Kong, e não são calculados juros”, e ao mesmo tempo instruiu os arguidos B (B) e D (D) para levar o ofendido ao Hotel “Chon Keng” para ser vigiado, e só poderia sair após a liquidação integral da dívida por parte do ofendido.
No mesmo dia, pelas 02h38 da madrugada, os arguidos B (B), D (D) e “Ah Ngao” levaram o ofendido C (C) até ao átrio do Hotel “Chon Keng” da Taipa, para ir ao encontro com o arguido E (E). Pelas 02h50 da madrugada, o arguido D (D) arrendou em seu nome o quarto n.º 17XX do referido hotel, e juntamente com o arguido E (E) encaminharam o ofendido até ao respectivo quarto a fim de vigiá-lo.
No período compreendido entre as três e quatro horas da madrugada, o arguido A (A), através dum indivíduo de sexo masculino de alcunha “Weng Ko”, instruiu o arguido F (F) para se deslocar ao quarto do referido hotel, para ali se encontrarem com os arguidos E (E) e D (D) e juntamente vigiarem o ofendido C (C).
Durante este período, os arguidos E (E) e D (D) ordenaram ao ofendido para telefonar ao Interior da China para angariar dinheiro, tendo o arguido E (E) dito ao ofendido que não poderia dali se ausentar, se não pagasse a dívida.
Até às 10h55 da manhã, os agentes da PJ chegaram ao quarto do referido hotel, onde detiveram os arguidos D (D), E (E) e F (F).
Os agentes da PJ encontraram na posse do arguido D (D) um recibo de depósito do arrendamento do referido quarto emitido pelo Hotel “Chon Keng” e um telemóvel, que era utilizado pelo arguido na prática dos referidos actos ilícitos, como instrumento de comunicação com os outros arguidos.
Os agentes da PJ encontraram na posse do arguido E (E) um telemóvel, que era utilizado por este na prática dos referidos actos ilícitos como instrumento de comunicação com os outros arguidos.
Os agentes da PJ também encontraram na posse do arguido F (F) um telemóvel que era utilizado pelo mesmo na prática dos supracitados actos ilícitos como instrumento de comunicação com os outros arguidos.
No dia 4 de Setembro do mesmo ano, os agentes da PJ interceptaram a arguida B (B) no casino Venetian.
Os agentes da PJ encontraram na posse da arguida B (B) um telemóvel, que era utilizado pela mesma na prática dos referidos actos ilícitos, como instrumento de comunicação com os outros arguidos.
Além disso, no dia 10 de Setembro de 2003, a arguida B (B) alegou na PJ que ela é filha de G (G) e de H (H).
Ao prestar os referidos dados de identidade, a arguida tinha a intenção de ocultar os dados verdadeiros da sua identidade, a fim de furtar-se à vigilância da Policia, quando entraria ou permaneceria em Macau.
Os arguidos A (A), B (B), D (D), E (E) e F (F) agiram de forma livre, voluntária e consciente, e em conjugação de esforço, ao manter o ofendido detido em espaço fechado contra a vontade deste e privá-lo da sua liberdade de deslocação.
Os arguidos A (A), B (B) e D (D) agiram de forma livre, voluntária e consciente, e em conjugação de esforço ao conceder empréstimo ao ofendido para o jogo sob os supracitados pressupostos, com o propósito de obter interesses ilegítimos.
A arguida B (B) agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de ocultar a sua verdadeira identidade e furtar-se à vigilância da policia de Macau, ao prestar à autoridade pública dados falsos de identidade.
Os arguidos A (A), B (B), D (D), E (E) e F (F) sabiam bem que as sua condutas acima referidas eram proibidas e punidas por lei.
(…)”; (cfr., fls. 422 a 432 e 738 a 760).
Do direito
3. Insurge-se o arguido ora recorrente contra o Acórdão do Colectivo do T.J.B. que o condenou nos termos atrás descritos, imputando ao mesmo os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” (e in dúbio pro reo), e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a renovação da prova e a redução das penas (parcelares) que lhe foram impostas.
Cremos porém que nenhuma censura merece o Acórdão recorrido, sendo pois de indeferir a pretendida renovação da prova e de rejeitar o recurso dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
— Comecemos pela pretendida “renovação da prova”.
O instituto da “renovação da prova” vem regulado no art. 415° do C.P.P.M. onde se preceitua o que segue:
“1. Quando tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o tribunal singular ou o tribunal colectivo, o Tribunal Superior de Justiça admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 400.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.
2. A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância pode ser renovada.
3. Se for determinada a renovação da prova, o arguido é convocado para a audiência.
4. Salvo decisão do tribunal em contrário, a falta de arguido regularmente convocado não dá lugar ao adiamento da audiência.”
E sobre o mesmo teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“(…)
O pedido de renovação da prova é objecto de decisão interlocutória, e a sua admissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que tenha havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal recorrido;
- que o recurso tenha por fundamento os vícios referidos no nº 2 do artº 400º do C.P.P.M.;
- que o recorrente indique, (a seguir às conclusões), as provas a renovar, com menção relativamente a cada uma, dos factos a esclarecer e das razões justificativas da renovação; e
- que existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio do processo para novo julgamento, ou seja, que com a mesma, se consiga, no Tribunal de recurso, ampliar ou esclarecer os factos, eliminando os vícios imputados à decisão recorrida.
Não tendo o recorrente indicado as provas que entende deverem ser renovadas, referindo relativamente a cada uma delas, os factos que se destinam a esclarecer (…) é manifesta a improcedência da pretensão.
É que, não sendo a renovação de prova um “novo julgamento” – doutro modo, nada justificaria não reenviar o processo – obviamente, só ao recorrente caberá indicar quais as provas que pretende ver (re)-produzidas no Tribunal de recurso e, não o fazendo, fica de todo comprometida a sua pretensão; vd. neste sentido, os Ac. da Relação de Lisboa de 09.03.94, Proc. nº 0327503; de 21.03.95, Proc. nº 0081955 e de 25.05.99, Proc. nº 0079335, in “www.dgsi.pt”; (cfr., v.g., o Ac. de 29.03.2001, Proc. n° 32/2001-I, do ora relator).
Na situação sub judice, e independentemente do demais, patente é que inexistem os dois vícios da matéria de facto pelo ora recorrente assacados ao Acórdão recorrido.
De facto, o Colectivo a quo pronunciou-se sobre toda a matéria objecto do processo, identificando a que resultou provada e não provada, apenas por equívoco se podendo considerar que incorreu no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
No que tange ao “erro notório”, é também flagrante a falta de razão do recorrente.
Com efeito, alega o recorrente que o depoimento de (várias) testemunhas não é suficiente, que os mesmos são contraditórios e que a visualização das imagens gravadas em videos também não permite concluir pela sua participação nos crimes em que foi condenado.
Ora, a ser assim, (muito) mal estaríamos.
De facto, bastaria alegar em sede de recurso que os depoimentos prestados não tinham sido claros, ou mesmo que inexistia prova para se dar por verificado o vício de “erro notório”.
Porém, e como temos como adquirido (e cremos ser pacífico), não é assim.
Como repetidamente tem este T.S.I. afirmado:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”; (cfr., v.g., Ac. de 14.06.2001, Proc. n° 32/2001, do ora relator).
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 20.09.2001, Proc. n° 141/2001, do ora relator).
Dito isto, pouco mais se mostra de acrescentar para se concluir que motivos não existem para se proceder a peticionada renovação.
Continuemos.
— Em diversas situações análogas à ora em apreciação decidiu já este T.S.I. que sendo recusada a renovação da prova, pode a decisão do recurso integrar o acórdão preliminar em caso de rejeição; (cfr., v.g., o Ac. de 14.09.2000, Proc. n° 132/2000/I, de 14.12.2000, Proc. n° 188/2000 e de 22.02.2001, Proc. n° 8/2001-I).
Sendo este o caso, passa-se a explicitar este nosso ponto de vista.
Quanto ao princípio “in dubio pro reo”, (igualmente) já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“O princípio in dubio pro reo identifica-se com o de presunção da inocência do arguido e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o dito princípio, decidir pela sua absolvição; (cfr., neste sentido, o Ac. de 06.04.2000, Proc. n° 44/2000, do ora relator).
Por sua vez, e como entende a doutrina, segundo o princípio “in dubio pro reo” «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).
Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito - tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo - quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615) .
Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do STJ de 29-4-2003, proc. n.º 3566/03, in “www.dgsi.pt”).
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias; (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarãs de 9-5-2005, proc. n.º 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador - e não no do recorrente - alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.
“In casu”, motivos não existem para se considerar que violado foi o mencionado princípio, bastando para tal ler a fundamentação fáctica pelo Tribunal a quo exposta no seu Acórdão; (cfr., fls. 428-v a 429).
Aliás, aquela é clara nos motivos que levaram à convicção de que o ora recorrente cometeu o crime pelo qual foi condenado, nela não se divisando qualquer “dúvida”, certo sendo ainda que, em bom rigor, nem o próprio recorrente esclarece como e em que termos incorreu o Colectivo do T.J.B. na imputada maleita.
Quanto às “penas”, mostra-se-nos também que evidente é a falta de fundamento do ora recorrente.
Na verdade, ao crime de “sequestro” pelo mesmo cometido cabe a pena de 1 a 5 anos de prisão, (cfr., art. 157°, n° 1 do C.P.M.), e atentas as evidentes razões de prevenção criminal, nenhum reparo merece a pena de 2 anos que ao recorrente foi imposta.
Por sua vez, e no que tange ao crime de “usura”, ao mesmo corresponde a pena de prisão até 3 anos; (cfr., art. 219° do C.P.M.).
Entendeu o Colectivo a quo como adequada a pena de 1 ano de prisão, que como se vê, corresponde a 1/3 daquela.
Alega o recorrente que é residente de Hong-Kong e que é primário.
Pois bem, e tanto quanto se sabe, o “local de residência” de um arguido (ainda) não constitui “circunstância atenuante”, e a invocada “primodelinquência”, embora, possa ser tida em conta – e certamente já o foi – também não permite a pretendida redução, atento, nomeadamente, as necessidades de prevenção geral deste tipo de crime.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expendidos, acordam julgar improcedente o pedido de renovação da prova, rejeitando-se o recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs, e, pela rejeição do recurso, o equivalente a 4 UCs.
Macau, aos 20 de Janeiro de 2011
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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