Recurso Contencioso n. 693/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 31 de Março de 2011
Descritores: Princípio da boa fé
SUMÁRIO:
A invocação da violação do princípio a boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada.
Processo n. 693/2010
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
O recorrente, com os demais sinais dos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho da entidade recorrida, datado de 2 de Julho de 2010, que lhe negou a renovação da autorização de residência, imputando-lhe vício de forma por falta de fundamentação, erro nos pressupostos de facto, violação dos princípios da boa fé e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, bem como o da proporcionalidade.
Fê-lo nos seguintes termos conclusivos:
1. O acto recorrido enferma de ilegalidades que, conforme se demonstrará, o tornam inválido e anulável;
2. O regime jurídico geral da fundamentação dos actos administrativos consta actualmente dos artigos 114º. e 115º. do Código do Procedimento Administrativo;
3. A fundamentação deve proporcionar ao administrado (destinatário normal) a reconstituição do denominado iter cognoscitivo e valorativo do autor do acto para que este fique a conhecer o motivo por que se decidiu naquele sentido; para que conscientemente o aceite ou o impugne, ao mesmo tempo que se deseja que aquele decida com ponderação o que, em princípio se conseguirá com a externação dos respectivos fundamentos, prática que, normalmente, conduz à sua reflexão;
4. Do exposto flui, que o recorrente tinha o direito de conhecer a respectiva e verdadeira fundamentação, para os fins legalmente previstos. Era necessária uma exposição dos fundamentos de facto e de direito que se apresentasse clara, congruente e suficiente, ainda que sucinta, e esclarecesse concretamente a motivação da decisão, o que não se verifica no acto impugnado, que por isso é ilegal;
5. Com efeito, do acto recorrido não constam quaisquer factos precisos que permitam saber da concreta motivação, nem da justeza das subsunções;
6. Só a fundamentação, enquanto declaração de quem decidiu, exprime autenticamente a continuidade entre a validade intrínseca do agir administrativo e a sua manifestação externa: é porque o acto é o produto de uma vontade subordinada à realização do interesse público normativamente definido que se exige ao seu autor uma declaração, que se assuma como responsável pela decisão tomada, e através da qual possa demonstrar ter actuado intencionalmente de um modo legítimo;
7. Com efeito, vir alegar que o ora recorrente poderia ter-se Socorrido da sua mandatária para requerer a renovação atempada ou que poderia ter enviado um fax ou email a justificar o seu atraso não é fundamentação suficiente atento a que o ora recorrente se encontrava muito doente e não tinha qualquer mandatária judicial ao tempo dos factos;
8. Nem se compreende se como pode ter o IPIM dúvidas quanto ao estado de saúde do ora recorrente se não respondeu ao requerimento por este apresentado, se não requereu documentos suplementares esse não ouviu sequer as testemunhas por este arroladas;
9. De facto, a fundamentação reflecte necessariamente a história racional da decisão: é a representação de um procedimento interior, não só volitivo, mas também intelectivo, na medida em que apresenta a razão de ser do conteúdo do acto;
10. Assim, o dever formal de fundamentação dos actos administrativos pode e deve, portanto, ser concebido como um dever posta pela lei a cargo do órgão directamente responsável pela constituição dos efeitos jurídicos, ainda que este se limite a aderir ao processo especulativo desenvolvido por outros órgãos ou entidades, e mesmo quando não lhe caiba mais do que a verificação da existência concreta das condições determinantes desses efeitos;
11. Enferma, assim o Despacho do Exm.o Senhor Secretário para a Economia e Finanças de Macau de vício de forma, por insuficiente fundamentação porquanto o Parecer que serviu de base para a emissão do despacho ora recorrido apenas apresenta meras conjecturas desprovidas de qualquer fundamento de facto;
12. Em consequência com o exposto, acrescentar-se-á que sofrendo a fundamentação do despacho ora impugnado de insuficiência determina a lei a falta da mesma, conforme o disposto no n.o 2 do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo. Falta de fundamentação que determina a anulabilidade do despacho.
13. O Parecer que se encontra na base do Despacho ora recorrido tem como bases meras conjecturas não tendo procurado analisar as razões que estavam na base do requerimento de renovação por razões excepcionais;
14. Se a Administração Pública tinha dúvidas deveria primeiro tê-las colocado e assim o ora recorrente poderia ter posta cobro a essas dúvidas;
15. A lei permite a renovação quando se verifiquem razões excepcionais. Ora, a doença do ora requerente foi real e grave;
16. Alegar-se não estarmos na presença de um caso de força maior incorre em manifesto vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto. Enferma, assim, o acto recorrido de manifesto vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto;
17. O princípio da boa fé é transversal a todo o procedimento administrativo, pelo que suscitando-se as questões acima referidas, deveria o IPIM ter informado o recorrente e procurado solucionar as mesmas no espírito de colaboração mútua;
18. Pelo que o Despacho ora recorrido é anulável por manifesta violação do princípio da boa fé previsto no artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo de Macau doravante CPA;
19. O Despacho ora impugnado igualmente violou, de forma flagrante, os princípios da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 4.º e 5.º do CPA, já que é notório que o acto impugnado afectou legítimos interesses do Recorrente, na medida em que inviabilizou a renovação, num momento em que apenas faltava um ano para obtenção definitiva da residência. E após terem decorrido seis anos de renovações realizadas dentro do prazo legal;
20. Por outro lado, o Despacho impugnado impôs ao Recorrente um sacrifício desmedido e inusitado, já que o mesmo foi proferido sem que ao Recorrente tenha sido dada a oportunidade de colmatar as dúvidas existentes.
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A entidade recorrida, apresentou contestação, sustentando, em termos que aqui se dão por reproduzidos, a improcedência do recurso.
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Os autos prosseguiram o seu normal curso, vindo a ser lavrado parecer final pelo digno Magistrado do M.P., o qual, também em moldes cujo conteúdo aqui damos por reproduzido, se pronuncia pela falta de razão do recorrente.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
1- O recorrente é comerciante e titular de Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau com o n. XXXXX(X), emitido em XX de XX de XXXX.
2- Durante seis anos procedeu à renovação desse documento de identificação.
3- Tinha autorização válida para residência temporária em Macau até 24 de Abril de 2009.
4- No período de 180 dias posteriores a 24 de Abril de 2009 o recorrente não apresentou ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) pedido de renovação da autorização de residência temporária
5- Em 1 de Abril de 2010 o recorrente apresentou junto do IPIM um requerimento, invocando motivo de força maior para não ter apresentado o pedido de renovação juntando 3 atestados médicos, datados de 30/03/2009, 30/04.2009 e 30/05/2009 (doc. #2 fls.20/24dos autos ).
6- Nesses documentos era atestado que o recorrente havia sofrido ruptura do menisco e que carecia de um mês de repouso referente a cada um deles.
7- Devido àquela ruptura, o recorrente esteve internado entre 12 e 30 de Março de 2009 no continente chinês (doc. fls. 32 dos autos).
8- No IPIM foi elaborada a Proposta n. 00584/GJFR/2010, datada de 18/05/2010, sugerindo se declarasse a caducidade da autorização de residência temporária do recorrente. O seu teor é o seguinte:
“Como o requerente A não apresentou a este Instituto o pedido de renovação da autorização de residência temporária dentro de 180 dias após o termo do prazo de validade desta autorização (antes de 21 de Outubro de 2009), nesse sentido, conforme os dispostos previstos no n.º 3 do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 subsidiariam ente aplicável, a falta do requerimento para renovação dentro de 180 dias após o fim do prazo de validade da autorização de residência implica a caducidade dessa e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.
O requerente, através do seu constituinte, a este Instituto consultou o seu caso e apresentou os pareceres diagnósticos da doença respectivamente em 26 de Janeiro e em 1 de Abril de 2010, apontou ainda que, o requerente não pôde tratar os documentos de renovação da autorização de residência temporária porque o mesmo não conseguiu mover-se livremente durante a doença e ainda não foi perfeitamente recuperado após o tratamento médico, nesse sentido, pediu assim que concedesse mais tempo para o requerente preparar os respectivos documentos da renovação.
Apreciados as respectivas informações de arquivos, bem como os documentos e as respectivas declarações a este Instituto apresentados mediante o seu constituinte, vem se concluir que:
1. Segundo os “pareceres diagnósticos de doença” remetidos pelo requerente e que foram emitidos respectivamente em 30 de Março, 30 de Abril e 30 de Maio de 2009 pelo “Hospital XX do Centro Médico da cidade XX”, o requerente tinha doença no joelho esquerdo, foi proposto um mês do descanso em cada análise diagnóstica. No entanto, os documentos supramencionados não apontaram a gravidade de doença do requerente nem neles foram compreendidos os respectivos registos de internamento hospitalar, para além disso, os mesmos documentos mostram que, o período de descanso ultimamente proposto ao requerente foi até ao dia 30 de Junho de 2009, constata-se que devia o requerente interpor a este Instituto o pedido de renovação da autorização de residência temporária desde aquele dia (30 de Junho de 2009) até 21 de Outubro de 2009.
2. Por outro lado, a doença do joelho esquerdo não obstou o requerente comunicar a este Instituto do assunto acima referido por vias telefónica, e-mail e postal, nem o obstou interpor a este Instituto o requerimento de renovação da autorização de residência temporária através do seu constituinte. De facto, o presente requerimento do requerente também foi interposto com a interferência do seu constituinte.
3. Considerando que a interposição do requerimento para renovação fora do prazo não constitui motivo de força maior, determina-se indeferir o respectivo pedido do requerente.
Face ao expendido, sugere-se que, nos termos do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, seja subsidiariamente aplicável o n.º 3 do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e declare a caducidade da autorização da renovação de residência temporária do requerente A.
À consideração superior”.
9- Em 28/05/2010, o Director-Adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência pronunciou-se do seguinte modo:
“O signatário concorda com a presente proposta. Como a autorização de residência temporária do requerente A já tinha excedido 180 dias mas o mesmo não pediu a respectiva renovação, sendo assim, sugere que se declare a caducidade da autorização de residência temporária do requerente A bem como a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.
À consideração da Comissão Executiva”.
(Ass. Vd. o original)
B / (tradução no doc. de fls. 74 e 75).
10- Sobre esta proposta foi emitido o parecer de 3/06/2010 seguinte da Ex.a Presidente Substituta:
“Concordo com a presente proposta, remeto-a à consideração do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças”.
(Ass. C)
C / A Presidente Substituta (tradução no doc. de fls. 74).
11- Em 02/07/2010 o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho:
“Autorizo a proposta” (tradução no doc. fls. 74).
12- Este despacho e proposta respectiva foram comunicados à mandatária do recorrente em 31/07/2010.
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III- O Direito
Do vício de forma
Começa o recorrente por considerar o despacho impugnado formalmente viciado, por não expor os factos e o direito de uma forma clara, congruente e suficiente e, assim, por não esclarecer concretamente a motivação da decisão.
Socorre-se para tanto dos arts. 114º e 115º, do CPA, preceitos que não vale a pena aqui transcrever, de tão conhecidos que são. O que importa para já sublinhar é que eles caracterizam um dever imposto ao ente público no sentido de a explicitar as razões por que tomou uma decisão num sentido e não noutro. E esse dever não fica cumprido se algo ficar por dizer ou se o que tiver sido dito não for claro, nem congruente e, pelo contrário, for obscuro e mal perceptível ou, então, incoerente e ilógico. A isto se resumem, basicamente, os requisitos da fundamentação contidos n o art. 115º do CPA.
Daqui saltando rapidamente para a fundamentação vertida no acto em crise, somos a dizer que não nos parece que algo mais devesse ser referido para alicerçar a decisão tomada. Está lá tudo: o prazo de que o recorrente dispunha para efectuar o pedido de renovação da autorização de residência, a norma e o instrumento normativo que permitiam a ultrapassagem desse prazo, a apreciação crítica dos documentos que ele tinha apresentado em Abril de 2010 e as razões que levaram o seu autor a não aceitar a causa apresentada pelo recorrente como impeditiva da renovação da pretensão autorizativa. Na medida em que a proposta continha este acervo de elementos (causas e razões), à entidade recorrida bastava um mero exercício de remissão para tais fundamentos, como é consabido e, assim, cumprido ficou o seu dever de fundamentação. Qualquer destinatário comum seria capaz de entender a fundamentação utilizada e não teria dificuldades em concordar com ela ou, pelo contrário, desferir-lhe assaltos de discordância. Assim o fez o recorrente em termos que em nada indiciam dificuldades de defesa.
Eis porque, sem mais considerandos, se conclui pela inexistência do invocado vício.
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Do erro sobre os pressupostos de facto
Este foi o segundo vício imputado ao acto.
Diz o recorrente: a doença de que padeceu era real e grave e, por isso, tinha que tratar da sua saúde antes de tudo; se dúvidas a entidade tinha sobre o seu estado de saúde, deveria ter-se munido previamente dos devidos esclarecimentos, pedindo documentos suplementares ou relatórios explicativos sobre a sua verdadeira condição física, a qual traduz um motivo de força maior que o impediu de fazer a tempo o pedido de renovação.
Ora bem. Não se duvida que o recorrente tenha estado doente e disso também a entidade recorrida não chegou a duvidar. Questão é saber se, mesmo tendo de cuidar da recuperação da sua saúde, o recorrente não podia ter feito o pedido de renovação da sua autorização de residência. Ou seja, tudo consiste em saber se ele chegou, realmente, a estar impedido de o fazer por causa da doença.
Ora, os elementos recolhidos não permitem sufragar a sua tese. Aliás, nem ele mesmo consegue desenhar um quadro de facto capaz de a sustentar, já que a situação trazida aos autos não chega para revelar impossibilidade de se deslocar a Macau no período de 180 dias posteriores ao termo do prazo de que dispunha para o efeito. Não é, portanto, um quadro de dúvidas que a entidade pudesse ou devesse ter dissipado. É antes um problema de interpretação da matéria de facto revelada no procedimento. E que diligências haveria a Administração Pública de fazer, perguntamos, se o assunto era do interesse do particular recorrente? O que se esperava é que fosse ele a fornecer um conjunto de circunstâncias que, logo que provadas, se mostrassem capazes de preencher a apontada dificuldade ou impossibilidade física de comparência em Macau para a apresentação do requerimento em falta.
A verdade é que, nem o procedimento, nem agora os autos de recurso contencioso, fornecem melhores elementos em ordem a permitir uma situação de facto diferente. Sabemos que esteve doente e impossibilitado durante algum tempo. Sabemos, também, que entre Março e Junho de 2009 carecia de repouso. Simplesmente esses três meses de repouso terminavam em Junho de 2009, enquanto o termo do prazo de 180 dias para a apresentação do pedido já com atraso (justificado com força maior) só terminava em Outubro de 2009. Ora, como se haverá de aceitar que o recorrente se tenha podido deslocar a Hong Kong para uma consulta (facto 9 da p.i.) em Julho de 2009, logo, dentro do tal período de seis meses, e não tenha podido fazer o mesmo em Macau para apresentação de um simples requerimento? E porque não pôde deslocar-se em Agosto, Setembro ou em Outubro desse ano a Macau, se nem ele próprio trouxe agora razões plausíveis! Quer isto dizer que os factos apurados no procedimento não consentiam dúvida razoável que devesse ser eliminada com novas diligências instrutórias. E nem hoje mesmo existe alguma dúvida nesse sentido.
Assim sendo, soçobra o vício invocado.
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Da violação do princípio da boa fé
A este respeito, o recorrente defende que deveria o IPIM ter informado o recorrente e procurado solucionar as questões atrás referidas em espírito de colaboração mútua?
Esta invocação, que nos parece deslocada e ter mais a ver com a colaboração prevista no art. 9º, do CPA, está intimamente ligada à matéria do vício anterior. E o que sobre esta matéria haveria a dizer, dito já está, porque, concretamente, nada de novo o recorrente arguiu. A matéria dos arts. 45º e 46º da petição é claramente conclusiva, pelo que nada mais se esperaria que disséssemos.
Mesmo assim, sempre acrescentaremos, muito genericamente, que a violação da boa fé só tem sentido face a uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada. Ora, nada disso está provado nos autos. O que existe é um requerimento apresentado em Abril de 2010, muito para além do limite situado em Outubro de 2009. E sobre esse requerimento, a Administração nada fez que iludisse as expectativas e confiança do recorrente e, antes, se limitou a cumprir a lei (a tanto estava vinculada). E se tal aconteceu, isso se deve apenas ao comportamento lassivo do recorrente.
Portanto, o recorrente não tem razão neste ponto.
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Dos princípios da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade
Sobre estes princípios consagrados nos artigos 4.º e 5.º do CPA, o recorrente limita-se a dizer ser “…notório que o acto impugnado afectou legítimos interesses do Recorrente, na medida em que inviabilizou a renovação, num momento em que apenas faltava um ano para obtenção definitiva da residência. E após terem decorrido seis anos de renovações realizadas dentro do prazo legal”. E que “Por outro lado, o Despacho impugnado impôs ao Recorrente um sacrifício desmedido e inusitado, já que o mesmo foi proferido sem que ao Recorrente tenha sido dada a oportunidade de colmatar as dúvidas existentes”.
Ora, nenhuma desta alegação procede por uma razão muito simples, de certo modo já aflorada na abordagem do vício anterior. É que são vícios que constituem limites da actividade discricionária da Administração, isto é, representam garantias dos particulares perante o exercício discricionário da actividade administrativa. Fora deste contexto discricionário, são princípios inertes.
Sucede que a matéria em causa está regulada no Regulamento Administrativo n. 5/2003, de 25/03/2003, vigente a partir de 16/04/2003, em cujo art. 23º, n. 31, aplicável “ex vi” art. 11º, do DL 14/95/M, de 27 de Março2 e, por via dele, nenhuma outra decisão era possível senão aquela que foi tomada. A menos que o recorrente se esteja a referir ao poder de integrar os factos vertidos no requerimento de 1 de Abril de 2010 no conceito de força maior contido no art. 23º, n. 3 citado. Mas, até nesse caso, nos parece que outra saída não tinha a entidade recorrida face aos factos que o próprio requerente tinha invocado e à realidade que agora conhecemos. Nesse sentido, os factos apurados ajustam-se bem à solução seguida sobre a força maior então invocada e, por isso, ela não se pode dar por tomada abusivamente, nem contra a boa fé e confiança do recorrente, nem contra os seus legítimos e expectáveis direitos e interesses, como ainda se não pode dizer ter sido desadequada e desproporcionada em relação aos objectivos a prosseguir pela Administração.
Improcede, pois, a invocada violação dos referidos princípios.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
TSI/RAEM, 31 de Março de 2011.
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Vitor Manuel Carvalho Coelho José Maria Dias Azedo
(Presente) (Relator) (Magistrado do M.oP.o)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 “3. A falta do requerimento para renovação dentro do prazo do n.º 1, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado, implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente”.
2 Aos indivíduos que solicitem fixação de residência ao abrigo deste diploma é subsidiariamente aplicável o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência em Macau.
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