打印全文
Processo nº 1011/2010(() Data: 24.03.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Crime de ofensa à integridade física por negligência.
Percentagem de culpa.
Contradição insanável da fundamentação.
Indemnização.



SUMÁRIO

1. Não é de se considerar o arguido único e exclusivo culpado do acidente, se o mesmo, ainda que circulando a velocidade não adequada, vem a embater na ofendida, menor, que desce de um autocarro pela porta que dava para a via pública, fazendo-o sem previamente se certificar que o podia fazer em segurança.

2. Na verdade, se a saída do autocarro implicava uma “introdução na via pública”, claro é que à ofendida cabia também ver primeiro se aquela (via) se apresentava livre e que o podia fazer sem prejuízos pessoais e para terceiros.

3. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.

O relator,

______________________






Processo nº 1011/2010(()
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:




Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A, como autor de um crime de “ofensa à integridade física por negligência” p. e p. pelo art. 142°, n°3, do C.P.M. conjugado com o art. 66°, n°1 do Código de Estrada, na multa de 210 dias à taxa diária de MOP$100.00, perfazendo uma multa global de MOP$21,000.00 ou 140 dias de prisão subsidiária, assim como na suspensão da validade da sua carta de condução por 8 meses.
Em relação ao pedido de indemnização civil enxertado nos autos, julgou-o o Colectivo parcialmente procedente, condenando a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS B, S.A.” a pagar o montante total de MOP$290,250.50 a favor do ofendido C, menor, representando pelos seus pais D e E; (cfr., fls. 386 a 386-v).

*

Inconformados com o decidido em relação ao pedido de indemnização civil, os demandantes recorreram; (cfr., fls. 404 a 422).

*

Após resposta da demandada civil a pedir a improcedência do recurso (cfr., fls. 451 a 461), vierem os autos a este T.S.I.

*


Teve lugar a audiência de julgamento do recurso.

*

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Dão-se aqui como integralmente reproduzidos os factos dados como provados no Acórdão recorrido; (cfr., fls. 381-v a 382-v).

Do Direito

3. Vem os demandantes recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. na parte que conheceu do pedido de indemnização civil pelos mesmos deduzido.

Vejamos se tem razão.
No âmbito do seu pedido de indemnização civil, pediam os ora recorrentes o total de MOP$1,669,541.90.

MOP$1,000,000.00, a título de “danos não patrimoniais” (MOP$800,000.00 para o menor, seu filho e vítima do acidente, e MOP$200,000.00 para os próprios), e MOP$669,541.90, a título de “danos patrimoniais”, resultante da soma das seguintes quantias:
– MOP$41,357.00 – despesas no Hospital Conde São Januário;
– MOP$996.60 – despesas no Hospital de He Nan;
– MOP$12,500.00 – bilhetes de avião e outros transportes;
– MOP$13,017.50 – Hotel;
– MOP$10, 000.00 – alimentação e transportes em Macau;
– MOP$81,670.80 – desconto no salário (por férias para acompanhar a vítima em Macau);
– MOP$10,000.00 – tónicos;
– MOP$500,000.00 – operação e medicamentos.

Ponderou o Colectivo que:
– provado estava que os demandantes pagaram MOP$42,323.60 em despesas hospitalares, MOP$10,520.00 em despesas de transporte, MOP$13,017.50 em despesas de alojamento, e MOP$14,640.00 em descontos salariais, num total de MOP$80,501.00 (a título de “danos patrimoniais”).

Assim, fixando a indemnização por “danos não patrimoniais” do ofendida em MOP$500,000.00, e considerando que o arguido e ofendido tinham cada um 50% de culpa no acidente, chegou-se ao quantum de MOP$290,250.50 (MOP$80,501.00 + MOP$500,000.00, x 50%), condenando-se a demandada seguradora (do arguido) em conformidade.

No seu recurso, entendem os recorrentes que o Acórdão recorrido padece dos vícios de “contradição insanável” e “erro notório na apreciação da prova”, considerando ainda que o Tribunal incorreu em erro ao atribuir 50% de culpa no acidente à vítima, (filha dos recorrentes), sendo de opinião que é o arguido o único responsável, e pedindo também a condenação da demandada em MOP$85,412.00, por despesas com uma segunda operação, MOP$10,000.00, por despesas com tónicos, e que seja aumentado o valor dos descontos salariais para MOP$81.670.80, o mesmo sucedendo com a indemnização pelos danos não patrimoniais da vítima que entendem dever ser de MOP$800,000.00 (+MOP$300,000.00).
Pois bem, para além do que se referiu quanto às despesas, que os demandantes tiveram e no que agora interessa, está provado que no dia 25.04.2005, pelas 14:45 horas o arguido conduzia o motociclo CM31699, circulando na rua Luís Gonzaga Gomes, e que quando chegou junto ao poste de iluminação com o n°1501301, por não ter conseguido travar a tempo, embateu na ofendida, menor, de 5 anos de idade, (filha dos recorrentes) que, no momento saía da porta do lado direito (e que dava para a via pública) de um autocarro de turismo com a matrícula MJ-99-26, e que da colisão resultaram para a ofendida lesões que demandaram 70 dias de doença.

Aqui chegados, vejamos, começando-se por se apreciar dos “vícios da matéria de facto”, e seguindo-se depois para a “percentagem de culpa” e “montantes indemnizatórios”.

–– Quanto aos “vícios da matéria de facto”: “contradição insanável” e “erro notório na apreciação da prova”.

Ora, como sabido é, só ocorre o vício de “contradição insanável” quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre este e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 29.09.2005, Proc. n° 108/2005)”; (cfr., v.g. no Acórdão deste T.S.I. de 27.01.2011, Proc. n° 634/2010).

Por sua vez: “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).”

Atento o que se expôs, que se mostra de manter, não nos parece que padeça o Acórdão recorrido dos referidos vícios, (necessária não sendo uma extensa fundamentação para assim concluir, já que nem os recorrentes explicitaram em termos que seriam os adequados, “como” ou “em que termos” se terá incorrido nos ditos vícios).

Com efeito, lendo-se o Acórdão recorrido, sem esforço se alcança à decisão proferida assim como os seus motivos de facto e de direito, não nos parecendo assim que se possa considenar que incorreu o Colectivo a quo nos mencionados vícios, pois que, não se vislumbra nenhuma “contradição insanável”, nem tão pouco nos parece que tenha o mesmo Colectivo violado regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis antis.

Assim, continuemos.

–– Da “percentagem de culpa”

Entendeu o Tribunal que tanto o arguido como a ofendida tiveram culpa no acidente, fixando-a em 50% para cada um.

Consideram porém os recorrentes que se devia atribuir toda a culpa do acidente ao arguido.

Ora, atenta a factualidade dada como provada e ponderando nas circunstâncias em que ocorreu o acidente, cremos porém que censura não merece o juízo do Colectivo a quo.

De facto, dúvidas cremos não poder haver que a ofendida, (e os demandantes, ora recorrente e pais daquela) tem culpa no acidente, pois que, devia(m) ter tido cuidado na saída do autocarro, em especial, visto que a porta utilizada para tal dava para a via pública, e devia(m) assim certificar, previamente, que o fazia(m) em segurança.

Na verdade, se a saída do autocarro implicava uma “introdução na via pública”, claro é que à ofendida cabia também ver primeiro se aquela (via) se apresentava livre e que o podia fazer sem prejuízos pessoais e para terceiros.

Por sua vez, provado está que o arguido não conseguiu evitar o embate com a ofendida porque não conseguiu travar a tempo, (em espaço livre e visível à sua frente), o que demonstra que a velocidade que imprimiu ao seu motociclo não era a adequada.

Nesta conformidade, (na falta de outra matéria que melhor esclareça as circunstâncias do acidente), e reconhecendo-se que na matéria em causa não há certezas absolutas, cremos que adequada é a percentagem de 50% de culpa para o arguido e ofendida.
– Quanto aos “montantes indemnizatórios”.

Provadas não estando as “despesas com tónicos” (no montante de MOP$10,000.00), nada justifica a condenação da demandada pelas mesmas.

Em relação aos “descontos salariais”, estando também (apenas) provado que os mesmos foram na ordem das MOP$14,640.00, motivos não há para se aumentar tal valor para os peticionados MOP$81,670.80

No que diz respeito às “despesas com uma segunda operação”, no montante de MOP$85,412.00, há que dizer também que da matéria de facto não resulta que a ofendida tenha que se submeter a uma “segunda operação”, pelo que, também no ponto em apreciação inexiste base factual para se fixar e condenar a demandada em tal quantum.

Por fim, e quanto aos “danos não patrimoniais” da ofendida.

Pedem os recorrentes que se aumente o montante fixado de MOP$500,000.00 para MOP$800,000.00.
Tem este T.S.I. entendido que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu.”; (cfr., v.g., o Ac. de 21.04.2005, Proc. n° 318/2004 e, mais recentemente, de 03.03.2011, Processo n.° 535/2010).

Na situação do presente autos, e atenta a factualidade provada, crê-se também que motivos não há para se aumentar o montante arbitrado.

Não se nega que na matéria em questão não se devem adoptar “montantes miserabilistas”, assim tendo este T.S.I. vindo a entender.

Todavia, nem o montante em questão se afigura reduzido atentas as lesões sofridas, não sendo também de olvidar que se devem evitar enriquecimentos injustificados.

Assim, e tudo visto, resta dicidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes com taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Macau, aos 24 de Março de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa



T Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Proc. 1011/2010 Pág. 14

Proc. 1011/2010 Pág. 15