Processo nº 574/2009
(Recurso Cível)
Data: 17/Fevereiro/2011
Assuntos:
- Direito de retenção; contrato promessa; contrato tripartido
SUMÁRIO :
Se por força de um contrato tripartido o Banco vem a assumir a posição do primitivo promitente comprador de uma dada fracção, por incumprimento deste, mantém-se o direito de retenção a favor do Banco, direito esse oponível a terceiro comprador da coisa, face ao incumprimento do promitente vendedor no caso de este a ter vendido a esse terceiro, como garantia do pagamento do crédito resultante do financiamento efectuado para a primitiva promessa de compra.
O Relator,
João A.G. Gil de Oliveira
Processo n.º 574/2009
(Recurso civil)
Data: 17/Fevereiro/2011
Recorrente: A
Recorrido: Banco B, S.A.R.L. (B銀行有限公司)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. “BANCO B, S.A.R.L.” (B銀行有限公司),
intentou
ACÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO ORDINÁRIO,
contra:
“Sociedade de Investimentos em Propriedades C, Limitada”,
e
A,
Todos melhor identificados nos autos,
Pedindo que fosse a acção julgada procedente e provada e, em consequência:
(1) Declarado que o Autor ocupou a posição contratual de promitente comprador da fracção autónoma designada por “A31”, do Xº andar “X”, para habitação, do prédio urbano sito na Praça de Lobo de Ávila, com os nºs. 16 e 18, melhor descrito no artigo 40 do presente articulado, com referência ao contrato-promessa de compra e venda de 15 de Junho de 1995,
(2) Declarado que a 1ª Ré incumpriu, por sua exclusiva culpa, os citados contrato-promessa de compra e venda de 15 de Junho de 1995, contrato tripartido de 8 de Setembro de 1995 e contrato de transmissão da posição contratual de 13 de Junho de 2000, tornando definitivamente impossível o seu cumprimento;
(3) Declarado que a 1ª Ré recebeu a quantia global de MOP$8.049.600,00, equivalente a HK$7.800.000,00, a título de sinal, no que concerne ao referido contrato-promessa;
(4) A 1ª Ré seja condenada a pagar ao Autor o dobro daquela quantia já prestada, no montante de MOP$16.099.200,00, equivalente a HKD15.600.000,00; ou, subsidiariamente, seja a 1ª Ré condenada a restituir ao Autor o preço recebido, no montante de MOP$8.049.600,00, equivalente a HK$7.800.000,00, acrescido de juros à taxa legal calculados desde 8 de Setembro de 1995 até integral pagamento;
(5) Em todo o caso, seja ainda declarado que o Autor goza, nos termos da lei, do direito de retenção sobre a referida fracção autónoma designada por “A31”.
2. A final, veio a ser proferida a seguinte decisão:
“Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga procedente a acção por provada e, em consequência, decide:
1) - Declarar que o Autor “BANCO B, S.A.R.L.” (B銀行有限公司) ocupou a posição contratual de promitente-comprador da fracção autónoma designada por “A31”, do Xº andar “X”, para habitação, do prédio urbano sito na Praça de Lobo de Ávila, com os nºs. 16 e 18, com base no contrato-promessa de compra e venda, de 15 de Junho de 1995, inicialmente celebrado pelo D.
*
2) - Declarar que a 1ª Ré “Sociedade de Investimentos em Propriedades C, Limitada” incumpriu, por sua exclusiva culpa, os citados contrato-promessa de compra e venda de 15 de Junho de 1995, contrato tripartido de 8 de Setembro de 1995 e contrato de transmissão da posição contratual de 13 de Junho de 2000, tornando definitivamente impossível o seu cumprimento.
*
3) – Condenar a 1ª Ré “Sociedade de Investimentos em Propriedades C Limitada” (C置業有限公司) a pagar ao Autor “BANCO B, S.A.R.L.” (B銀行有限公司) a quantia no valor de MOP$16,099,200.00, a título de restituição do sinal em dobro.
*
4) – Reconhecer que o Autor “BANCO B, S.A.R.L.” (B銀行有限公司) goza de direito de retenção, perante a 1ª Ré, sobre a fracção autónoma 31º-A do prédio identificado nos autos.”
3. A, melhor identificado nos autos vem interpor recurso da sentença proferida, alegando no essencial, em sede conclusiva:
A decisão proferida nos presentes autos quanto ao ponto 5 do Pedido do A. não regula definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado, dado que a questão de saber se o Banco tem ou não direito de retenção sobre a fracção do A se discute também nos autos CV1-03-0038-CAO, pelo que não se encontra salvaguardado o efeito útil normal da decisão.
Ao não absolver também a 1.ª Ré da instância quanto ao ponto 5 do pedido do A., a sentença recorrida violou o disposto no artigo 61.°, n.º 2 do CPCM, dado se afigurar logicamente impossível impor ao proprietário (2.° R.) da fracção retida, o ónus de suportar um direito de retenção resultante de uma dívida que não é sua, num processo no qual foi absolvido desse pedido (despacho de fls. 305), o único que, de resto, lhe dizia respeito.
"O credor retém a coisa que deve entregar para garantir e compelir o devedor a pagar-lhe o que lhe é devido".
No caso dos autos, esta função coerciva do direito de retenção pura e simplesmente não existe, o que o esvazia do seu propósito, porque o devedor não é o proprietário da coisa retida.
A decisão que julgou procedente o 5.° pedido do Autor perante a 1.ª Ré violou também o disposto no artigo 596.° do CCM porque se encontra provado nos autos que a coisa retida não pertence ao devedor (a 1.ª Ré), mas ao 2.° Réu, que nada tem ver com a dívida da 1.ª Ré ao Autor.
O direito de retenção pressupõe a) a licitude de detenção da coisa; b) reciprocidade de créditos; e c) conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção ou d) a verificação de um dos casos especiais previstos no art. 755, n.º 1 e 2 do CCP, ou nas alíneas do n.º 1 do actual artigo 745º do CCM.
Ora, nenhum dos pressupostos de que depende a constituição do direito de retenção se verifica no caso em apreço.
Subsidiariamente; - sempre tal direito de retenção seria inoponível ao 2.º Réu, enquanto terceiro adquirente de boa fé.
A consequência da ilegitimidade do promitente na celebração da promessa de transmissão de direito alheio, não configurado como alheio, é a nulidade, por aplicação analógica do regime da venda de coisa alheia (art. 882º do CCM), pelo que a cláusula 10.ª do contrato tripartido de fls. 52 a 53 é nula uma vez que nela a 1.ª Ré se comprometeu a transmitir ao Autor um direito que já saíra da sua esfera jurídica e, nessa medida, da sua disponibilidade, e de cujo preço dera já quitação ao D na cláusula 2.ª do mesmo contrato.
Acresce que o contrato tripartido de fls. 52 a 53, o D constituiu a favor do Autor penhor dos direitos resultantes do contrato promessa de fls. 22 a 26, designadamente, do direito à compra da fracção ora em apreço, o qual tem por objecto uma coisa imóvel, pelo que tal penhor é nulo nos termos do disposto no artigo 680º do CCP.
Este contrato é nulo por vício de forma (art. 287.° do CCM), por lhe faltar o reconhecimento notarial das assinaturas dos contraentes [art. 7.°, n.º 1) fixado na Lei n.º 15/2001], o que no caso da 1.ª Ré e do Autor obrigava ao reconhecimento notarial da assinatura com menções especiais, por se tratarem pessoas colectivas (art. 2.°, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 15/2001).
A conclusão que o Autor "BANCO B, S.A.R.L." ocupou a posição contratual de promitente-comprador da fracção autónoma designada por "A31" do Xº andar "X", para habitação, do prédio urbano sito na Praça de Lobo de Ávila, com os nºs. 16 e 18. com base no contrato-promessa de D. não se afigura correcta, dado que o D assinou o contrato de fls. 54, não em seu próprio nome, mas em representação da sociedade de que era gerente geral.
Assim, e uma vez que a lei exige para a ratificação a mesma forma para a procuração (art. 261.°, n.º 3, do CCM),
que no caso, teria de ser uma procuração com poderes especiais para transmitir a outrem a posição contratual do D no contrato-promessa de fls. 22 a 26, ou seja, uma procuração lavrada em instrumento público ou em documento autenticado (art. 128.°, n.º 1 do Código do Notariado),
e sendo certo que o D, enquanto promitente comprador da fracção "A31" nunca, por qualquer forma, autêntica ou particular, ratificou o contrato de fls. 54,
tal significa que a cessão da posição contratual de fls. 54 levada a cabo pela 1.ª Ré a favor do Autor é nula ou, pelo menos, inoponível ao D.
Nestes termos, entende que deve ser dado provimento ao presente recurso com as legais consequências.
4. O BANCO B S.A.R.L., autor na acção, contra-alega, dizendo:
As partes foram notificadas da decisão supra descrita por carta registada expedida em 22 de Junho de 2006, o que significa que o respectivo prazo para interposição de recurso terminou em 5 de Julho de 2006 ou, sob a cominação prevista no artigo 95º do CPC, em 10 de Julho do mesmo ano.
Nenhuma das partes recorreu do despacho saneador.
Consequentemente, a primeira questão levantada pelo recorrente constitui caso julgado formal, sendo inadmissível, quanto a esta parte, o pedido de recurso a que ora se responde.
Ainda que, por remota hipótese, assim se não entendesse, cabe dizer que sempre falharia a razão ao entendimento sufragado pelo recorrente, quando afirma estarmos perante um caso de litisconsórcio necessário.
Relativamente à segunda questão, a de saber se há direito de retenção oponível ao recorrente, a resposta é afirmativa.
In casu, a aquisição da propriedade por parte do Recorrido verificou-se em 17/08/2001, ou seja, após a constituição do direito de retenção, que ocorreu em 13/06/2000.
Pelo que, mesmo para os que defendem esta última posição, no caso concreto o direito de retenção do ora Recorrido pode ser oposto ao direito de propriedade do Recorrente.
De qualquer modo, da conjugação do disposto no art. 745°, alo f) com o disposto no artigo 749°, ambos do Código Civil, resulta claro que o direito de retenção é, abstractamente, oponível a terceiros adquirentes.
Acrescenta, ainda, o recorrente, sem mais, que não se verificam os requisitos de que depende a existência do direito de retenção: "a) a licitude de detenção da coisa; b) reciprocidade de créditos; e c) conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção ou d) a verificação de um dos casos especiais previstos no art. 755°, n° 1 e 2 do Código Civil de 1966 (CCP), ou nas alíneas do n° 1 do actual artigo 745° do CCM" (sic).
Por seu turno, na douta sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo, considerou que se verificavam todos os requisitos apontados pelo recorrente nas alíneas a), b) e c) transcritas no número precedente.
Tem razão o Meritíssimo Juiz a quo, aqui se dando por reproduzidos os fundamentos nos quais se baseou o seu douto entendimento.
Porém, salvo o devido respeito, os três requisitos mencionados na sentença (licitude da detenção da coisa, reciprocidade de créditos e conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção) apenas serão exigíveis para os casos gerais do art. 744º do Código Civil (CC).
Ora, o direito de retenção no caso concreto está previsto na norma especial contida no art. 745°, n° 1, al. f) do mesmo Código e ali não se exige a verificação daqueles três requisitos.
Ali, basta ter havido tradição do imóvel para nascer o direito de retenção.
E não colhe o argumento do recorrente de que, "o regime aplicável à situação ora em apreço é o estabelecido no texto do art. 755º, n° 1 do CCP que vigorou em Macau", o qual "nunca conteve a disposição prevista na alínea f) do n° 1 do art. 745º do CCM".
Desde logo, o regime aplicável à situação em apreço é o do artigo 745°, n° 1 al. f) do actual CCM.
No ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), as normas de carácter geral relativas aos conflitos de leis no tempo são os artigos 11° e 12° e os artigos 290° e 292° do actual Código Civil.
Ora, o n° 2 do artigo 11°, distingue entre as normas que se referem à constituição (ou à extinção) e as que se referem ao conteúdo duma situação jurídica, retirando a retroactividade às primeiras e concedendo a aplicação imediata às segundas.
Deste modo, ao contrato-promessa de fls. 22 a 26, celebrado em 15/6/1995, aplicam-se dois regimes legais: i) o regime legal previsto no Código Civil Português de 1966 (CC66), tornado extensivo a Macau pela Portaria n° 22 869, de 4 de Setembro de 1967, quanto à sua constituição e ii) o regime do actual Código Civil de Macau, quanto ao seu conteúdo.
Ainda que se considerasse que aquele preceito legal não é imediatamente aplicável, já entendia o Venerando Tribunal Superior de Justiça de Macau (TSJ), partindo duma interpretação do artigo 2º da Lei n° 20/88/M, de 15 de Agosto, que "havendo traditio rei do promitente vendedor para o promitente-comprador, este passa a possuir a coisa (Ac. do TSJ, de 15/2/1995, proferido no Proc. n° 254) .
Pelo que, também por esta via, nem sequer se afigura necessário o recurso à citada al. f) do art. 755º do actual CC, para se constatar da efectiva existência do direito de retenção da fracção autónoma a favor do Banco ora recorrido, já que foi essa a vontade expressamente contratada entre as partes.
Por qualquer das vias, a da douta sentença recorrida ou, salvo o devido respeito, a que o Banco recorrido reputa ser a legalmente correcta, não tem o recorrente, uma vez mais, qualquer razão.
Relativamente à terceira questão, a da validade do contrato tripartido de fls. 52 e 53, alega o recorrente que a sua cláusula 10º é nula, uma vez que tem por objecto a transmissão de um direito que não existiria na esfera jurídica do transmitente.
Não assiste razão ao recorrente, porquanto o chamado contrato tripartido comporta 3 contraentes, incluindo D, o qual, aliás, renuncia expressa e incondicionalmente a todos os direitos em favor do autor (vd. cláusula 4ª).
E, in casu, o que releva é a indisponibilidade relativa dos direitos sobre o imóvel em causa que foi acordada voluntariamente entre todos os contratantes, no âmbito do quadro supra descrito.
Por outro lado, não se verifica o vício de forma alegado pelo recorrente no n° 60 das alegações de recurso a que ora se responde.
A Lei n° 15/2001, de 22 de Agosto, não é aplicável aos contratos-promessa e tripartido, ambos de 1995.
Também é de afastar a aplicação do artigo 7º deste diploma legal uma vez que o chamado contrato tripartido foi resolvido pelo ora recorrido.
Sendo certo que, ao tempo da celebração do contrato tripartido não existia disposição semelhante à do artigo 2º da Lei n° 15/2001, de 22 de Agosto.
De qualquer modo, o recorrente, não poderia invocar qualquer vício de forma, uma vez que tal faculdade apenas aproveita aos contratantes, só eles tendo legitimidade para a sua invocação, sendo que tais contratos nunca foram colocados em crise senão, agora, pelo réu.
Sendo válido o contrato de fls. 52 e 53, da mesma forma é válido o contrato de fls. 54, uma vez que no chamado contrato tripartido, figura desde logo o consentimento de D quanto à cessão da posição contratual, a qual pode ser autorizada antes da celebração do contrato (artigo 418°, n° 1 do Código Civil).
E note-se que, como bem o lembra a douta sentença recorrida, ficou provado que, "em 13 de Junho de 2000, na execução do estipulado naquela cláusula 10°, D, por si e em representação da 1ª ré, e o autor acordaram transmissão da posição contratual nos termos do documento junto aos autos a fls. 54 (...) ".
Assim, contrariamente ao alegado pelo recorrente no n° 65 (com direito a sublinhado), a. cessão é assinada por D na qualidade de representante da proprietária (a cedida) e na qualidade de promitente-comprador (cedente), a favor do autor (cessionário).
De qualquer modo, também aqui sucede que o recorrente, não pode invocar qualquer vício de forma, uma vez que tal faculdade apenas aproveita aos contratantes, só eles tendo legitimidade para a sua invocação, sendo que, repete-se, tais contratos nunca foram colocados em crise senão, agora, pelo réu.
Termos em que, entende, deve ser julgado improcedente o recurso a que ora se responde.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“ Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- A fracção identificada como “A31”, do Xº andar “X”, para habitação, do prédio urbano sito na Praça de Lobo de Ávila, com os nºs 16 e 18, encontra-se inscrita na matriz predial sob o artigo nº 72006, e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 9739 do Livro B-26, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o nº 7530 do Livro F-32-K (alínea A da Especificação).
- A 1ª Ré vendeu, em 1 de Junho de 2001, a fracção referida em A) a uma associada sua, a XXX Seong Ip Mao Iek Mat Chi Chong Kong Si (alínea B da Especificação).
- A Sociedade de Investimentos e Propriedades C, Limitada, cujo objecto é o fomento imobiliário, na compra e venda e administração de propriedades foi até 7 de Maio de 2001, representada por D, obrigando-se pela assinatura deste (alínea C da Especificação).
* * *
Da Base Instrutória
- A 1ª Ré declarou prometer vender a D, que declarou prometer comprar, a fracção autónoma melhor identificada em A) (Resposta ao quesito 1º).
- Tendo as partes acordado o preço de MOP$8.049.600,00, equivalente a IK$7.800.000,00,a pagar:
* MOP$804.960,00 (HKD780.000,00), correspondente a 10% do preço, no acto de assinatura do mesmo contrato;
* MOP$804.960, 00 (HKD780.000,00), correspondente a 10% do preço, com a conclusão das fundações;
* MOP$402.480,00 (HKD390.000,00), correspondente a 5% do preço, com a conclusão da botonagem do 10º andar;
* MOP$402.480,00 (HKD390.000,00), correspondente a 5% do preço, com a conclusão da botonagem do teraço;
* MOP$804.960,00 (HKD780.000,00), correspondente a 10% do preço, com a conclusão das divisões
* MOP$4.829.760,00 (HKD4.680.000,00), correspondente a 60% do preço, no prazo de 7 dias a contar da emissão da licença de utilização (Resposta ao quesito 2º).
- Para pagamento do remanescente do preço do imóvel referido em A), o Autor emprestou a D, em 8 de Setembro de 1995, no montante de HK$3.800.000,00 (Resposta ao quesito 3º).
- Tal quantia de HK$28.835,00 foi creditada a 8 de Setembro de 1995, na conta pertencente a D e o remanescente de HK$3.771.165,00 na conta pertencente à 1ª Ré (Resposta ao quesito 4º).
- Por instruções de D (Resposta ao quesito 5º).
- Para garantia de reembolso da quantia de HK$3.800.000,00, seus juros e demais encargos, acordaram, em 8 de Setembro de 1995, o Autor, a 1ª Ré e D, os termos constantes do documento junto aos autos a fls. 52 a 53, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (Resposta ao quesito 6º).
- D não procedeu ao reembolso da quantia emprestada (Resposta ao quesito 7º).
- Em 13 de Junho de 2000, na execução do estipulado naquela cláusula 10ª, D, por si e em representação da 1ª Ré, e o Autor acordaram transmissão da posição contratual nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (Resposta ao quesito 8º).
- Após o referido em 6), a 1ª Ré cedeu a D a posse do imóvel, entregando-lhe as chaves da fracção (Resposta ao quesito 9º).
- Que, a exerceu ininterruptamente desde 8 de Setembro de 1995 até 13 de J unho de 2000 (Resposta ao quesito 10º).
- Em de 13 de Junho de 2000, 13 de Junho de 2000, D, por si e na qualidade de representante da 1ª Ré entregou o imóvel referido em A) ao Autor (Resposta ao quesito 11º).
- Naquela mesma data, D entregou ao Autor as chaves da mesma fracção autónoma, por si e na qualidade de representante da 1ª Ré (Resposta ao quesito 12º).
- Passando o Autor a ocupar e a dispor do referido imóvel (Resposta ao quesito 13º).
- Sem oposição de ninguém (Resposta ao quesito 14º).
- Guardando e conservando esse imóvel (Resposta ao quesito 15º).
- Tendo os funcionários do Autor livre acesso à referida fracção autónoma (Resposta ao quesito 16º).
- Deslocando-se à mesma por forma a inspeccionarem as condições de conservação e de habitabilidade desse imóvel (Resposta ao quesito 17º).
- O Autor suportou ainda a contribuição predial urbana do ano de 2000 referente a esse imóvel (Resposta ao quesito 18º).
- Tudo o forma pública, pacífica, reiterada e de boa fé (Resposta ao quesito 19º).
- O Autor diligênciou junto da 1ª Ré no sentido desta designar data para a celebração da escritura pública de compra e venda da fracção referida em A) (Resposta ao quesito 20º).
- O que a 1ª Ré nunca veio fazer (Resposta ao quesito 21º).
- A fim de evitar danos, o Autor colocou em 16 de Agosto de 2001 um dístico na porta de entrada daquele imóvel, informando que o mesmo era sua propriedade (Resposta ao quesito 22º).
- No dia 21 de Agosto de 2001, o Autor colocou uma nova fechadura na porta de entrada daquele imóvel (Resposta ao quesito 23º).
- Visando impedir que terceiros ocupassem aquele imóvel (Resposta ao quesito 24º).
- Em 19 de Outubro de 2001, um indivíduo apelidando-se de E, invocando ser procurador e representante do 2º Réu, quis arrombar a porta de entrada e ocupar a fracção autónoma (Resposta ao quesito 25º).
- Com vista a uma próxima revenda (Resposta ao quesito 26º).
- Em 22 de Outubro de 2001 a porta da fracção em causa foi arrombada por desconhecidos (Resposta ao quesito 27º).
Sem o consentimento do Autor (Resposta ao quesito 29º).”
Mais resulta documentalmente dos autos (cfr. fls 37):
A referida fracção autónoma encontra-se inscrita na Conservatória do Registo predial a favor do R. A, por a ter adquirido por escritura de compra e venda celebrada em 17/8/2001
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões, tal como identificadas pelo próprio recorrente:
a) Se a absolvição da instância do 2º réu do ponto 5 do pedido do A., implica a absolvição do 1º réu por preterição do litisconsórcio necessário.
b) Se há direito de retenção oponível ao 2º Réu;
c) Se o contrato tripartido de fls. 52 a 53 é nulo;
d) Se o contrato- promessa de fls. 54 é nulo.
2. Relativamente à primeira das questões, invoca o recorrente, argutamente, concede-se, a violação de um pretenso litisconsórcio necessário, pugnando pela sua absolvição da instância, já que a 1ª Ré, a Sociedade C, fora absolvida da instância no saneador por litispendência, sintetizando a sua argumentação da seguinte forma:
“ ... Ao não absolver também a 1.ª Ré da instância quanto ao ponto 5 do pedido do A., a sentença recorrida violou o disposto no artigo 61.°, n.º 2 do CPCM, dado se afigurar logicamente impossível impor ao proprietário (2.° R.) da fracção retida, o ónus de suportar um direito de retenção resultante de uma dívida que não é sua, num processo no qual foi absolvido desse pedido (despacho de fls. 305), o único que, de resto, lhe dizia respeito.”
No fundo, defende que também devia ter sido absolvido e por isso mesmo o Banco recorrido diz que ressalta desde logo a ilegitimidade do recorrente para a invocar em sede de recurso.
Na verdade, a Mma Juiz titular do processo, decidiu a invocada excepção de litispendência, julgando absolvido da instância (relativa apenas àquele pedido) o réu A.
Tratava-se do pedido traduzido na declaração de que o autor gozava do direito de retenção sobre a referida fracção autónoma designada por “A31”.
Qual o raciocínio do recorrente?
O R. A foi condenado, entre outras coisas, a reconhecer que o Banco B gozava do direito de retenção, perante a 1ª Ré, a Sociedade C.
Ele comprou a fracção àquela sociedade.
Ora, não faz sentido ser ele absolvido da instância e já o não ser a sociedade a quem ele a adquiriu, vista a existência de um litisconsórcio derivado do facto de o direito de retenção dever ser oposto ao adquirente do direito e não à transmitente.
Se assim era, afigura-se-nos que, desde logo, devia o ora recorrente ter colocado a questão em sede de impugnação do saneador por não ter aí sido igualmente absolvido da instância.
Nos termos do n° 2 artigo 429º do CPC, o despacho saneador "constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas".
E o certo é que nenhuma das partes recorreu do despacho saneador, pelo que tal questão, relativa à ilegitimidade, devia ter sido suscitada oportunamente, até porque o seu conhecimento dependia apenas da configuração da relação material controvertida, tal como posta pelo A.
3. Mas mesmo que se entendesse de forma diversa e se configure a questão como passível de conhecimento neste momento, cabe referir que não estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário (que se dá quando existe pluralidade de partes principais porque a lei ou o contrato fonte da relação controvertida o impõe1):
Porque pela natureza da relação material controvertida a sentença recorrida produz o seu efeito útil normal, uma vez que fixa definitivamente a favor do aqui recorrido, o direito de retenção sobre a aludida fracção autónoma "A31", contra a 1ª ré, a "Sociedade de Investimentos em Prédios C, Limitada" – o que decorre do n° 2 (segunda parte) do artigo 61º do CPC, "a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes sujeitos, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado".
Porque esse direito não tem necessariamente de ser exercido contra ambos os RR., isto é, se a Sociedade aparecer a opor-se ao direito do A., este pode invocar esse direito que lhe foi reconhecido;
Porque, no fundo, em última análise, o Banco é estranho aos negócios havidos entre os RR. E se assim não fosse os actos de pretensa posse poderiam facilmente ser invocados em nome de um ou outro R.;
Porque a absolvição sobrevinda nos autos é apenas de instância, o que quer dizer que a Sociedade 1ª Ré C bem poderá vir a ser condenada no outro processo, vista a causa de litispendência declarada nestes autos, por aí podendo vir a ficar amarrada ao reconhecimento do direito que se pretende efectivo contra alegado possuidor da coisa.
Porque, por fim, mas porventura a primeira das razões, face à relação material controvertida e que comprovada vem, quem desalojou o A. da fracção que a ocupara nos termos do contrato celebrado com a Sociedade 1ª Ré foi o ora recorrente que tem, assim, desta feita, por ele e apenas por si um interesse próprio em contradizer a pretensão do A. em ver reconhecido o seu direito de retenção.
Aliás, o argumento do recorrente é reversível, na medida em que, se por um lado diz que se ele foi absolvido da instância também o deveria ter sido a 1ª Ré - em função da oponibilidade do direito de retenção, enquanto direito de garantia, não apenas contra o devedor, mas ainda contra terceiros (o que faz sentido sob pena de tal direito perder aquela natureza garantística) -, também se pode dizer que o que acontece é que o recorrente não devia ter sido absolvido da instância, ou pelo menos que perde sentido não reconhecer o direito de retenção que foi sentenciado pelo menos em relação à 1ª Ré, a dita sociedade.
Assim se conclui no sentido da improcedência desta linha argumentativa.
4. Passemos então à segunda questão, que vem na sequência do que acima se vem dizendo e se traduz em saber se há direito de retenção oponível ao recorrente, a resposta é afirmativa.
Poder-se-ia sustentar, numa primeira abordagem, que o recorrente não teria legitimidade para interpor recurso dessa sentença porquanto fora absolvido (da instância) quanto ao pedido do direito de retenção.
O certo é que a acção foi posta também contra ele e para além desse pedido outros foram formulados: cessão da posição contratual do promitente comprador para o banco A.; incumprimento da 1ª Ré, enquanto promitente vendediora; pagamento por parte desta do dobro do prestado; direito de retenção do A.
Ora o reconhecimento destes diversos direitos foi formulado contra ambos os RR e ambos vieram a ser condenados, com excepção do último pedido em relação ao R. ora recorrente por ter sido absolvido da instância.
Este R., ora recorrente foi condenado no demais, por essa condenação terá de pagar as custas processuais, não se podendo retirar-lhe o direito de vir discutir em sede de recurso a condenação que sofreu.
Nem sequer se poderá dizer - questão nunca posta em causa durante a acção- que não lhe assistia legitimidade passiva, na medida em que, enquanto proprietário da coisa, assiste-lhe todo o direito em contradizer qualquer direito de retenção que seja reclamado sobre a coisa ou qualquer pressuposto desse direito, na medida em que o seu direito de propriedade está limitado pela posse que o direito de retenção confere ao seu titular e de que o Banco A. se arroga.
Acresce que a acção que justificou um juízo de litispendência em relação ao direito de retenção contra o 2º R., como resulta também comprovado nos autos, era uma acção de restituição em que o Banco procurava manter-se na posse da coisa contra uma tentativa de apossamento por parte do R., ainda que proprietário da coisa e onde se pedia a restituição da coisa, indemnização pelos prejuízos causados e só finalmente o direito de retenção (cfr. fls 255 dos autos).
O escopo da acção era outro e não impede o R., ora recorrente, em todas as frentes, o que significa, também nesta acção, de tentar pôr em causa os fundamentos e pressupostos de um direito de retenção que colide frontalmente com o seu direito de propriedade.
Por palavras mais simples, se o recorrente conseguir aqui - e note-se que foi condenado na sentença impugnada a reconhecer esses direitos do A. - abalá-los (direito resultante da cessão da posição contratual, direito de crédito, enquanto pressupostos desse outro direito que é o da retenção da coisa para garantia do crédito) logrará remover o A. da posse e exercer de pleno o seu direito.
Ora, atente-se que só nesta acção e já não naquela se concretizam estes direitos que vão suportar o direito de retenção.
Donde se revelar de uma forma mais clarividente a legitimidade do 2º R. para a interposição do presente recurso.
5. Com o que se vem dizendo respondeu-se já axiomaticamente à questão de indagar se o direito de retenção será oponível em relação a terceiros adquirentes da coisa?
Importa identificar a este propósito três subquestões:
- se o direito de retenção está consagrado na nossa ordem jurídica em relação ao promitente comprador de imóveis com tradição da coisa, pagamento do sinal e animus sibi possidendi;
- determinação do regime aplicável em relação à consagração do direito de retenção, face à sucessão de diferentes Códigos;
- se esse direito é transmissível ao subadquirente do promitente comprador.
6. A algumas destas questões já tem sido dada resposta pela Jurisprudência de Macau e por isso afigura-se-nos pertinente reproduzir aqui as considerações ainda recentemente tecidas2:
“(...)
A função do direito de retenção é uma função de garantia, atribuindo-se ao retentor faculdades de realização pecuniária nos termos do credor hipotecário, tratando-se de coisas imóveis, e a sua tónica real significa que pode ser actuado onde quer que a coisa se encontre, incluindo nas mãos de terceiros, nos termos geris dos direitos reais, dada a inerência que os caracteriza.3
O direito de retenção pressupõe que aquele que retém tenha um crédito sobre outrem, por causa da coisa retida, mas não deixa de estar obrigado à entrega quando o seu crédito for satisfeito.4
Esse crédito, pelo incumprimento, no caso do contrato-promessa de compra e venda, pode ser, v.g., o dobro do sinal, ou o valor da coisa, determinado objectivamente à data do incumprimento, acrescido do sinal e da parte do preço que tenha pago, ou, se houver convenção de indemnização pelo incumprimento, o que se achar estabelecido nos termos do convencionado.
O direito de retenção destina-se, não a proporcionar o gozo ou a fruição da coisa ao titular desse direito, mas a permitir-lhe apenas a execução da coisa retida e o pagamento sobre o valor dela com preferência sobre os demais credores.5
Donde se pode concluir que o direito à retenção não confere mais do que esse poder; o de reter e se fazer pagar pela coisa para garantia do seu crédito. Com ele não se transmite ipso jure qualquer direito de propriedade sobre a coisa.
Estamos, pois em condições de definir o direito de retenção como o direito que tem o detentor da coisa, obrigado à sua entrega, de a recusar, retendo, pois, o objecto, enquanto não for pago do crédito que por sua vez lhe assiste. 6
Ou numa outra asserção, consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lhe pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.7
Como está bem de ver há aqui uma nuance, não despicienda na questão ora em juízo, qual seja a de saber se aquela faculdade de não entrega da coisa é oponível ou não a quem não seja o devedor.
... Consagração do direito de retenção; regime aplicável
Muito sumariamente, diremos que no novo Código Civil, entrado em vigor em 1 de Nov./99, o direito de retenção é expressamente previsto nos casos das promessas de compra e venda no art. 745º, n.º 1, f), quando haja sinal e traditio - “o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 436º”.
(...)”
7. Se o incumprimento, traduzido na não entrega por parte do R. ocorreu no domínio do velho Código, será este o aplicável, tendo aqui presente o já decidido pelo nosso Tribunal de Ultima Instância.8
Então como se passavam as coisas no velho Código?
Embora só com a entrada em vigor do novo CC de Macau se consagrasse expressamente este direito ao promitente comprador, já anteriormente, por via jurisprudencial e doutrinária, se adoptava o entendimento que ia no sentido de se considerar consagrado esse direito, desde que o possuidor agisse como senhor da coisa.9
De qualquer modo, no nosso caso, o incumprimento, tal como reconhecido pelo primitivo promitente comprador, terá ocorrido a partir de 2000, pelo que não interessará aprofundar o regime pré-vigente aplicável.
8. E se a lei prevê um direito de retenção a favor do promitente-comprador, quando haja tradição da coisa, tal direito é para ser usado contra o promitente vendedor, traduzindo-se num direito real de garantia, não impedindo, por si, o arresto, ou a penhora, apenas permitindo ao promitente-comprador reclamar, a par com outros credores com garantia real, o seu crédito.
Esta situação é diferente daquela em que a qualidade de promitente-comprador, se verifica sem traditio, e que integra tão somente um direito de crédito a concretizar pelo promitente vendedor, que fica por essa via obrigado a vender-lhe a coisa prometida.
Na verdade, pode haver posse em certos direitos reais de garantia, como defende Orlando de Carvalho10, como o direito de penhor e o direito de retenção, que conferem poderes de facto sobre a coisa, dado que a lei estabelece que o credor pignoratício tem o direito de usar, em relação à coisa empenhada, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono (artigo 662º, alínea a), o que também valia, por força dos artigos 758º e 759º, n.º 3 do Código Civil de 66, para o titular do direito de retenção.
O critério destrinçador, agora expressamente consagrado, tal como defendido por F11 residirá em saber se houve posse ou mera detenção no poder de facto do promitente-comprador sobre a coisa objecto do contrato prometido, que lhe foi entregue antecipadamente, tudo depende do animus que acompanhe o corpus, isto é, se o promitente-comprador tiver animus possidendi, o que não é de excluir a priori, será possuidor, situação que pode ocorrer quando o promitente-vendedor diz ao promitente-comprador que pode entrar para a casa e proceder como proprietário desde logo, como se ela fosse desde já sua, passando ele a actuar com animus rem sibi habendi, ou originariamente, mas se tiver animus detinendi, será detentor ou possuidor precário; e acrescenta que, em todos os casos de tradição da coisa para o promitente-comprador, a ocupação, uso e fruição da coisa por este é lícita e legítima, até à resolução do contrato-promessa ou celebração do contrato prometido, porque se constitui uma relação jurídica obrigacional que confere ao promitente comprador o direito relativo de ocupar, usar e fruir a coisa até uma daquelas duas referidas situações, seja qual for a classificação dada a essa relação jurídica; e certo é que o facto de o promitente-comprador gozar do direito de retenção da coisa é irrelevante para a questão de saber se houve posse ou mera detenção.
Pelo que toca à Jurisprudência, já se vinha desenhando a tendência no sentido de que o promitente-comprador, tendo havido tradição da coisa, é um verdadeiro possuidor e não um mero detentor, ou pelo menos que, como titular do direito de retenção, goza de tutela possessória e por isso até podia embargar de terceiro.12
E não se deixa de registar que o entendimento acima explanado já anteriormente vinha sendo acolhido nos Tribunais de Macau13
Desta forma se responde à questão relativa à consagração do direito de retenção na esfera do promitente comprador, o que decorre expressamente do regime actual aplicável - art. 745º, n.º 1, f) do CC - , na esteira do entendimento doutrinário e jurisprudencial anterior, a que se procedeu tão somente para integrar a natureza e alcance do direito e enquadrar a abordagem que adiante se fará.
9. Posto isto, a natureza de um verdadeiro direito real de garantia confere a possibilidade de oponobilidade não só contra o transmitente como contra terceiros de boa-fé, face ao disposto nos artigos 744º e 749º, ambos do Código Civil.
Mas como vimos, apenas dentro dos limites e conteúdo desse direito.
Como diz Henrique Mesquita14 “A circunstância, porém, de o credor não poder proceder directa e autonomamente à alienação do objecto de garantia não impede a conceituação do seu direito como um verdadeiro jus in re. A finalidade precípua de tal direito (a soberania que confere) é a realização, pelo titular, de certo valor pecuniário à custa da coisa sobre que incide.
(...)
Pelo facto de se constituir um direito real limitado, o proprietário da coisa não fica impedido de o alienar; mas o titular daquele direito poderá fazê-lo valer contra o subadquirente. Ele tem sobre a coisa o chamado poder de sequela.
O poder de sequela (ou de seguimento) existe em todos os direitos reais.
O titular de qualquer jus in re, sempre que a coisa que constitui o respectivo objecto se encontra sob o domínio de um terceiro, pode actuar sobre ela - pode segui-la - na medida necessária ao exercício do seu direito.
(...) como destinar-se a possibilitar o exercício do direito em caso de transmissão, pela titular do jus disponendi, da coisa sobre que o direito incide... o direito real do credor hipotecário ou do proprietário dominante segue a coisa, isto é, pode ser exercido em face do novo proprietário.
Do que se trata, aqui, não é de defender o direito de hipoteca ou o de servidão contra uma agressão cometida por terceiro (a alienação do prédio é lícita), mas de os fazer valer contra subadquirente".
Estamos assim em condições de constatar que, ao reconhecer o direito de retenção ao R.., embora esse direito não contenha a virtualidade de operar a transferência da propriedade sobre a coisa, o certo é que lhe confere o direito de o reter para garantia do seu crédito, face ao incumprimento do promitente vendedor.
E não foi sem razão que, por isso mesmo, o Banco A. desde logo demandou a primitiva promitente vendedora, a dita Sociedade C Lda.
10. Quanto à supra terceira subquestão, se o direito de retenção assiste ao A., se é verdade que ele não foi o promitente comprador, não é menos certo que esse direito foi expressamente conferido ao autor nos termos do próprio clausulado do chamado contrato tripartido.
Pelo que, também por esta via, nem sequer se afigura necessário o recurso à citada al. f) do art. 755º do actual CC, para se constatar da efectiva existência do direito de retenção da fracção autónoma a favor do Banco ora recorrido, já que foi essa a vontade expressamente contratada entre as partes.
E não se vê razão alguma para afastar ou limitar a liberdade contratual das partes contratantes, as únicas interessadas na relação negocial então constituída, a saber, a vendedora, o comprador, o credor, este último interessado em assegurar uma garantia de natureza real para salvaguarda do seu crédito - em caso de não pagamento do financiamento, conferiu-se ao mutuante o direito a resolver o contrato tripartido, comprometendo-se o promitente-comprador a ceder-lhe a sua posição contratual e a entregar-lhe o imóvel com renúncia a todos os direitos que sobre o mesmo detinha, com o consentimento expresso da proprietária e promitente-vendedora.
11. Aqui entronca a terceira questão, a da validade do contrato tripartido de fls. 52 e 53.
Alega o recorrente que a cláusula 10º é nula, uma vez que tem por objecto a transmissão de um direito que não existiria na esfera jurídica do transmitente.
Não assiste, porém, razão ao recorrente, porquanto o chamado contrato tripartido comporta 3 contraentes, incluindo D, o primitivo comprador, o qual, aliás, renuncia expressa e incondicionalmente a todos os direitos em favor do autor (vd. cláusula 4ª), não se compreendendo facilmente como, depois disto, foi ceder o seu direito a terceiro sem ter cumprido as obrigações assumidas.
Por aquele contrato, em caso de incumprimento do mutuário, o mutuante passa a poder entrar na posse do imóvel e a transmitir o direito de aquisição objecto do contrato-promessa com vista ao reembolso do mútuo.
Foi e é este o sentido que se colhe na interpretação acolhida na sentença da 1ª Instância, sendo irrelevante o lapso referente ao alegado penhor do direito.
Fica claro, repete-se, que o que as partes quiseram foi transmitir ao A. mutuante os direitos advindos para o promitente comprador da celebração daquele contrato-promessa financiado pelo A.
12. Quanto à questão relativa ao vício de forma, não se verifica tal vício, tal como alegado pelo recorrente no n° 60 das alegações de recurso.
A Lei n° 15/2001, de 22 de Agosto, não é aplicável aos contratos celebrados em 1995, sendo de aplicar a lei ao tempo do contrato, face ao disposto no artigo 11º, n.º 2 (1ª parte) do CC, não sendo de aplicar o artigo 7º, n.º 1 deste diploma - com as especialidades estabelecidas nos números seguintes, a presente lei aplica-se a todos os contratos de pretérito que, preenchendo os requisitos previstos no artigo 1.º, ainda não tenham sido integralmente cumpridos - uma vez que o chamado contrato tripartido foi resolvido pelo ora recorrido.
Como parece evidente e de mediano bom senso, o que esta norma quer dizer é que se aplica as contratos celebrados anteriores à sua regulamentação o seu conteúdo, não fazendo sentido que lhe fossem aplicados os requisitos de forma, sob pena de se cair num vício lógico inultrapassável. Mandava-se aplicar a lei aos contratos passados, mas como eles não tinham sido celebrado com as regras de forma da nova lei, seriam nulos e, portanto, não podiam integrar o âmbito da lei nova. Ora isto não faz sentido algum e muito menos a hipótese de os contratos anteriores deverem ser reformalizados.
Como está bem de ver, como se podiam obrigar os contratantes pretéritos a formalizar um contrato, para mais numa situação de ruptura ou incumprimento, única situação em que a lei nova lhes seria aplicável?
Assim se conclui, contrariamente ao pretendido, pela validade daquele contrato tripartido e o art. 3º, n.º 3 daquela mesma lei reforça exactamente o entendimento assumido nesta sede - O mutuante tem a faculdade de se sub-rogar ao mutuário no exercício dos direitos previstos no artigo 820.º do Código Civil que a este assistem, na qualidade de promitente-comprador fiel, contra o promitente-vendedor faltoso.
13. Sendo válido o contrato de fls. 52 e 53, da mesma forma é válido o contrato de fls. 54, uma vez que no chamado contrato tripartido, figura desde logo o consentimento de D quanto à cessão da posição contratual, a qual pode ser autorizada antes da celebração do contrato – cfr. artigo 418°, n° 1 do Código Civil, No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
Aliás, contrariamente ao alegado pelo recorrente, a cessão é assinada por D na qualidade de representante da proprietária e na qualidade de promitente-comprador (cedente), a favor do autor (cessionário).
Em face do exposto, tudo visto e ponderado, estando todas as questões colocadas expressa e implicitamente analisadas, o recurso não deixará de improceder.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Macau, 17 de Fevereiro de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira (Relator)
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Castro Mendes, D. Proc. Civil, 1980, 2º, 221
2 - Cfr. TSI, Ac. 583/2009, de 11/11/2010
3 - Menezes Cordeiro, Dtos Reais, 1979, 771
4 - Oliveira Ascensão, Dto Civil, Reais, 1993, 552
5 - A. Varela, RLJ, 119º, 204
6 - Galvão Telles, Dir.das Obrigações, 4ª ed., 265 ou Paulo Cunha, Garantia das Obrigações, 2ª, 155
7 - P. Lima e A. varela, CC Anot, nota I ao art. 754º
8 - Ac- TUI, proc. 41/2008, de 5/12/08 e Ac. 42/2004, de 1/12/04
9 - Cfr. acs deste TSI, proc. 409/2007, onde se faz uma resenha doutrinária e jurisprudencial do reconhecimento do direito de retenção como garantia real a c reconhecer ao promitente comprador, com traditio e 729/2007, de 22/5/2008
10 - R.L.J. 122, página 106
11 - Sinal e Contrato-Promessa, 112
12 - Entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 18 de Novembro de 1982, 4 de Dezembro de 1984, 25 de Fevereiro de 1986, 16 de Maio de 1989, 22 de Junho de 1989, 21 de Fevereiro de 1991, 7 de Março de 1991, in, respectivamente, B.M.J. 321, página 387, 342, página 347, 354, página 549, 387, página 579, 388, página 437, 404, página 465, 405, página 456.
Cfr. ainda acs. deste TSI, procs. 246/2002 e 247/2002, de 27/2/03 e de 13/3/03
13 - Cfr. Proc. 195/2004, deste TSI, de 2/12/2004 e Ac. de 15/2/95 do então TSJ, in Tribunal Superior de Justiça de Macau – Jurisprudência, 1995, I Tomo, pags. 102 e segs, entre outros
14 - Obrigações Reais e Ónus Reais, 77 e segs
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574/2009 1/37