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Processo nº 1022/2010 Data: 17.02.2011
(Autos de recurso penal)

Assunto : Medida de coacção de prisão preventiva.
Princípio da prevenção da inocência.
Pressupostos de aplicação.



SUMÁRIO

1. As medidas de coacção e de garantia patrimonial são meios processuais que tem como finalidade acautelar a eficácia do processo quer quanto ao seu normal prosseguimento quer quanto às decisões que nele vieram a ser proferidas.

O “princípio da presunção da inocência”, (consagrado no artº 29º da L.B.R.A.E.M., e segundo o qual toda a pessoa se deve presumir inocente até ao trânsito em julgado de decisão condenatória), não obsta a que se decrete a medida de coacção de prisão preventiva a um arguido antes de estar condenado por decisão com trânsito em julgado.

2. O estatuído no art. 187° do C.P.P.M. permite ao Juiz alterar – agravar – a(s) medida(s) de coacção em caso de violação da(s) antes aplicada(s).
Porém, tal preceito não impede que, ainda que sem violação das medidas aplicadas, decida o Juiz alterá-las, agravando-as, em conformidade com as circunstâncias entretanto verificadas.

3. A prolação de uma decisão condenatória (ainda que não transitada em julgado) constitui também elemento a ponderar em sede de alteração das circunstâncias que levaram a aplicar determinada medida de coacção.

4. São pressupostos da prisão preventiva do arguido, além dos requisitos ou condições de carácter geral das als. a) a c) do artº 188º do C.P.P.M., os pressupostos de carácter específico da inadequação ou insuficiência das restantes medidas de coacção referidas nos artºs 182º e segs. do mesmo Código; a existência de fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos ( ibidem, artº 186º, nº 1 al. a) ) e ainda a proporcionalidade e a adequação da medida, consubstanciadas na justeza da prisão preventiva relativamente à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao caso (ibidem, artº 178º, nº 1).

5. Os pressupostos das alíneas a) e c) do art. 188° não são de verificação cumulativa.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo







Processo nº 1022/2010
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar os 1° a 7° arguidos, A (XXX), B (XXX), C (XXX), D (XXX), E (XXX), F (XXX) e G (XXX), como autores materiais da prática de 1 crime de “cartel ilícito para jogo”, p. e p. pelo art. 11° da Lei n° 6/97/M, na pena individual de 2 anos e 3 meses de prisão, declarando-se também perdidas a favor da R.A.E.M. as quantias pecuniárias e fichas de jogo apreendidas nos autos; (cfr., fls. 702-v a 703-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Logo após a leitura do assim decidido, os (1°, 6° e 7°) arguidos Z (XXX), F(XXX) e G(XXX) interpuseram recurso.

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Perante isso, decidiu o Colectivo que os referidos arguidos recorrentes ficavam a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.

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Também inconformados com o assim decidido, do mesmo vieram os arguidos recorrer, para, em síntese, imputar à decisão objecto do seu recurso os vícios de “falta de fundamentação” e “erro de direito” por violação ao art.° 187° do C.P.P.M. e ao “princípio da presunção da inocência” plasmado no art. 29° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.

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Em Resposta e posterior Parecer é o Ministério Público de opinião que os recursos não merecem provimento.

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Urge decidir.

Fundamentação

2. Com os recursos trazidos a este T.S.I., pretendem os arguidos recorrentes a revogação do despacho que determinou que aguardassem em prisão preventiva os ulteriores termos processuais, ou mais concretamente, a apreciação e decisão do recurso que também interpuseram do Acórdão que os condenou como autores da prática de 1 crime de “cartel ilícito para jogo” p. e p. pelo art. 11° da Lei n° 6/97/M.

Na decisão ora em questão, considerou o Tribunal a quo o crime pelos recorrentes cometido e a pena que lhes foi aplicada, e, ponderando no perigo de fuga, (nomeadamente), em face da pena aplicada e personalidade dos recorrentes, entendeu necessária e adequada a medida de coacção de prisão preventiva, invocando os art°s 188° e 193° do C.P.P.M..

— E, ponderando nas questões pelos recorrentes colocadas, mostra-se-nos de dizer desde já que não cremos que padeça a decisão recorrida do vício de “falta de fundamentação”.

Vejamos.

Em causa não estando o preceituado no art. 355° do C.P.P.M. – pois que o mesmo, como a própria epígrafe “requisitos da sentença” o explicita, diz respeito às “decisões finais” – importa ter presente o estatuído no art. 87°, n° 4, do mesmo código, onde se preceitua que “os actos decisórios são sempre fundamentados”.

E, atento o assim previsto, não nos parece de considerar que a decisão ora recorrida não esteja fundamentada.

De facto, a mesma apresenta-se-nos clara nos motivos que levaram à decisão de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva aos ora recorrentes, estando pois fundamentada de facto, (a invocação do crime e pena em que foram condenados os recorrentes, e o perigo de fuga), e de direito, (os invocados princípios da necessidade e adequação e os art°s 188° e 193° do C.P.P.M.).

Óbvio é que se pode discordar das “razões” expostas.

Porém, tal não significa que a dita decisão não esteja fundamentada.

Continuemos.

— Dizem também os ora recorrentes que a decisão recorrida viola o art. 187° do C.P.P.M. e o “princípio da presunção da inocência” consagrado no art. 29° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.

Ora, nos termos deste último comando da L.B.R.A.E.M..:
   “Nenhum residente de Macau pode ser punido criminalmente senão em virtude de lei em vigor que, no momento da correspondente conduta, declare expressamente criminosa e punível a sua acção.
Quando um residente de Macau for acusado da prática de crime, tem o direito de ser julgado no mais curto prazo possível pelo tribunal judicial, devendo presumir-se inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação pelo tribunal.”

E – admitindo-se que a questão comporte outro entendimento – não vemos como ou em que termos é que a decisão em crise não respeita o “princípio da presunção da inocência” estatuído no preceito em questão.

Com efeito, se as “medidas de coacção” são medidas expressamente previstas no C.P.P.M., (cfr., art. 176° e segs), podendo ser aplicadas em fase de Inquérito e ainda antes de uma “acusação formal”, (cfr., art. 179°), evidente nos parece que a sua aplicação não belisca o princípio em questão.

Aliás, apreciando análoga questão teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“O “princípio da presunção da inocência”, (consagrado no artº 29º da L.B.R.A.E.M., e segundo o qual toda a pessoa se deve presumir inocente até ao trânsito em julgado de decisão condenatória), não obsta a que se decrete a medida de coacção de prisão preventiva a um arguido antes de estar condenado por decisão com trânsito em julgado”; e que,
“As medidas de coacção e de garantia patrimonial são meios processuais que tem como finalidade acautelar a eficácia do processo quer quanto ao seu normal prosseguimento quer quanto às decisões que nele vieram a ser proferidas, não representando a sua imposição nenhuma violação ao princípio da presunção da inocência nem tão pouco qualquer atropelo aos direitos e garantias legitimamente reconhecidos desde que respeitados os princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade consagrados nos artºs 176º e 178º do C.P.P.M.”, (cfr., v.g., o Ac. de 30.01.2003, Proc. n° 6/2003 e de 15.07.2004, Proc. n° 152/2004 do ora relator).

Ora, mostrando-se-nos de manter o assim entendido, há pois que afirmar que também na parte em questão improcedem os recursos.

Debrucemos-nos agora sobre a imputada violação ao art. 187° do C.P.P.M..

Nos termos deste comando:
“Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso.”.

E, invocando o preceito em questão, e em síntese, afirmam os recorrentes que por não ter havido violação das obrigações antes impostas, motivos inexistiam para que lhes fosse aplicada uma medida de coacção mais gravosa.

Ora, cabe dizer que correcto é o entendimento no sentido de que o art. 187° permite ao Juiz alterar – agravar – a(s) medida(s) de coacção em caso de violação da(s) antes aplicada(s).

Porém, também se nos apresenta como válido o entendimento segundo o qual tal preceito não impede que, ainda que sem violação das medidas aplicadas, decida o Juiz alterá-las, agravando-as, em conformidade com as circunstâncias entretanto verificadas.

No caso, foi o que sucedeu.

De facto, até o julgamento, os arguidos ora recorrentes estavam (apenas) “acusados”, e, com a prolação do Acórdão, passaram a “condenados”.

Não se nega que o dito Acórdão ainda não transitou em julgado, (em virtude do recurso que do mesmo foi interposto).

Porém inegável nos parece que com a sua prolação se verificou uma “alteração das circunstâncias” que levaram à aplicação aos arguidos da medida de coação a que até aí estavam sujeitos; (cfr., v.g., neste sentido, o Ac. deste T.S.I. de 30.01.2003, Proc. n° 258/2002, onde se decidiu que “com a efectiva condenação do arguido (…), em virtude da qual a sua situação se alterou de indiciado para “condenado”, deve considerar substancialmente alterados os pressupostos da aplicação da medida de coacção”).

— E dito isto, vejamos então se reunidos estão os pressupostos legais para que se tivesse decidido como se decidiu.

Pois bem, começa-se por dizer que inadequada foi a invocação do art. 193° do C.P.P.M., pois que não é aplicável ao caso.

Não constituindo nenhuma “nulidade insanável”, e não se podendo olvidar que invocou também o Tribunal a quo o princípio da necessidade, adequação e o art. 188° do C.P.P.M., vejamos.

Como é sabido e assim já decidiu este T.S.I.:
“São pressupostos da prisão preventiva do arguido, além dos requisitos ou condições de carácter geral das als. a) a c) do artº 188º do C.P.P.M., os pressupostos de carácter específico da inadequação ou insuficiência das restantes medidas de coacção referidas nos artºs 182º e segs. do mesmo Código; a existência de fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos ( ibidem, artº 186º, nº 1 al. a) ) e ainda a proporcionalidade e a adequação da medida, consubstanciadas na justeza da prisão preventiva relativamente à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao caso (ibidem, artº 178º, nº 1)”; (cfr., v.g., o Ac. de 12.06.2003, Proc. n° 117/2003, do ora relator).

No caso, ao crime pelo qual foram os recorrentes condenados corresponde uma pena de 1 a 5 anos de prisão; (cfr., art. 11° da Lei n° 6/97/M).

Assim, e havendo já decisão condenatória – ainda que sem trânsito em julgado – evidente é que preenchidos estão os pressupostos da “existência de fortes indícios da prática de crime punível com pena superior a 3 anos de prisão”.

Por sua vez, estando já os recorrentes condenados a uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão, – e não sendo este o local para se apreciar da bondade do assim decidido, sendo tal matéria oportunamente apreciada no âmbito do recurso do Acórdão condenatório – não nos parece que inadequada é a decisão em questão quanto a sua adequação à gravidade do crime e previsibilidade de aos recorrentes ser aplicada uma pena privativa da liberdade.

Nesta conformidade, motivos inexistindo para não se sufragar o juízo do Tribunal a quo no sentido da existência do perigo de fuga dos ora recorrentes, (assente na personalidade dos mesmos revelada em audiência de julgamento), e salientando-se também que, de acordo com as regras de experiência, é tal perigo acentuado quando, como sucede, confrontados estão os mesmos recorrentes com a possibilidade de terem que cumprir uma pena de prisão, há que dizer que verificado está também o pressuposto do art. 188°, al. a) do C.P.P.M., o que é bastante para que se tivesse decidido como efectivamente se decidiu, (pois que os pressupostos das alíneas a) a c) do art. 188° não são de verificação cumulativa sendo antes de aplicação alternativa – cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 12.06.2003, Proc. n° 117/2003, do ora relator).

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, e em conferência, acordam negar provimento aos recursos.

Pagarão os recorrentes a taxa individual de justiça que se fixa em 6 UCs.

Macau, aos 17 de Fevereiro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

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