Processo nº 353/2010(/) Data: 24.02.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Transgressão Laboral.
Erro notório da apreciação da prova.
Compensação do trabalho extraordinário.
SUMÁRIO
1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
2. A retribuição do trabalho efectuado em horas extraordinárias é composta por duas partes: a retribuição base, correspondendo à retribuição média por cada hora, e um acréscimo a título de retribuição compensatória.
3. A parcela correspondente à retribuição base não pode ser objecto de acordo por se tratar da contraprestação normal do trabalho que o trabalhador tem direito, apenas se podendo acordar no que toca à parcela correspondente ao acréscimo.
4. Nesta conformidade, e sendo que os montantes acordados – MOP$15.00 por hora pelo trabalho extraordinário prestado entre as 17:00 horas e a meia-noite e MOP$30.00 por hora após a meia-noite – são inferiores ao que deviam receber os (3) trabalhadores (em causa) – vd. o “mapa de cálculo” dado como provado – nulo e de nenhum efeito é o referido “acordo”, isto, atento o “princípio do mais favorável” consagrado no art. 5° do D.L. n° 24/89/M e ao disposto no art. 273°, n° 1 do C.C.M..
O relator,
______________________
Processo nº 353/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença do Mm° Juiz do T.J.B., decidiu-se condenar a “A LIMITADA” (“A CO., LTD.”, A有限公司), como autora de 6 transgressões ao art. 11° do D.L. n° 24/89/M de 03.04, na multa de MOP$2,000.00 cada, perfazendo a multa total de MOP$12,000.00, e no pagamento de MOP$54.165,60 a B, MOP$20.015,10 a C, MOP$20.388,60 a D, MOP$20.004,80 a E, MOP$21.098,00 a F e MOP$19.972,90 a G; (cfr., fls. 434 a 438 e 514-v a 515 que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados como o assim decidido, do mesmo recorreram o Exm° Magistrado do Ministério Público e a arguida “A LIMITADA”.
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No seu recurso assim conclui o Exm° Magistrado do Ministério Público:
“1- O douto Tribunal a quo dando-se provado que no contrato de trabalho consta uma cláusula estabelecendo o valor da retribuição das horas extraordinárias inferior à normal retribuição, absolveu a Ré da contravenção considerando que houve acordo dos respectivos trabalhadores;
2- O art. 11 ° no. 2 refere que a empregadora e o trabalhador podem acordar o acréscimo do salário;
3- A retribuição das horas extraordinárias é composta por duas partes: a) a retribuição base, correspondendo a retribuição média por cada hora; e b) o acréscimo ou seja um adicional que se trata de uma retribuição compensatória.
4- A retribuição base nunca pode ser acordado por se tratar da contraprestação normal do trabalho que o trabalhador tem direito, mas apenas o adicional - acréscimo, pode ser acordado;
5- Porque o tal é uma compensação ao sacrifício do trabalhador do seu direito de repouso;
6- A legislação de Portugal foi clara estabelecendo como acréscimos mínimos 50% do salário para a primeira hora, e 75% para as horas subsequentes;
7 - Assim, o referido acordo constante do contrato de trabalho é uma cláusula nula ao abrigo do princípio do mais favorável previsto no art. 5° do DL no. 24/89/M, bem como o art. 273° no. 1 do Código Civil por ter o objecto do negócio contra a lei.
8- A douta sentença recorrida violou os art. 11 ° no. 2 e art. 5° do DL no. 24/89/M.”
A final, pugna pela revogação da parte absolutória da douta sentença recorrida e condenando-se a Ré nas 3 contravenções em relação aos trabalhadores H, I, J bem como arbitrar as indemnizações nos valores MOP11,015.10, MOP6,684.50 e MOP9,994.80”; (cfr., fls. 442 a 444-v).
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Por sua vez, formulou a arguida as conclusões seguintes:
“1. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo condenou a arguida pelas 6 violações dos dispostos previstos no art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril (insuficiência no pagamento da compensação pelo trabalho extraordinário), na multa de MOP$2.000,00 cada, no total de MOP$12.000,00 em 6 violações, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 50.º do mesmo Decreto-Lei, e no pagamento de compensação aos 6 ex-trabalhadores B, C, D, E, F e G; ora vem a arguida interpor recurso por ser inconformada com a dita parte da sentença.
2. O Tribunal a quo considerou os seguintes factos como provados: “Os trabalhadores B, C, D, E, F e G não concordaram com o valor da compensação de MOP$15 por hora pelo trabalho extraordinário prestado entre 17:00 e meia-noite, e MOP$30 após meia-noite.”
3. O Tribunal a quo reconheceu erradamente que os trabalhadores B, C, D, E, F e G não tinham concordado com o valor da compensação de MOP$15 por hora pelo trabalho prestado entre 17:00 e meia-noite e MOP$30 após meia-noite, constitui-se erro notório na apreciação da prova realizada pelo Tribunal a quo.
4. Como não é definido na lei o meio de “negociação” relativo ao acréscimo de salário, nem é fixado o limite mínimo de salário pelo trabalho extraordinário.
5. Neste sentido, devem ser admitidos os acordos em que definem o salário pelo trabalho extraordinário dos 6 trabalhadores supra referidos no valor acordado de MOP$15 por hora. Dado que a arguida já pagou integralmente os salários pelo trabalho extraordinário conforme o valor acordado, deve-se julgar improcedentes as 6 transgressões laborais.
6. Mesmo que não se conforme com os pontos de vista acima referidos, não obstante a apresentação da arguida quanto às seguintes motivações:
7. O primeiro contrato de trabalho celebrado em 1 de Abril de 2003 entre a arguida e o trabalhador B é um contrato a prazo, entrou em vigor em 1 de Abril de 2003, com validade de 6 a 12 meses.
8. A relação laboral estabelecida neste contrato bem como a respectiva natureza do trabalho é temporária, o trabalhador B somente recebe mensalmente o salário básico de MOP$6.500,00 e os subsídios (para a limpeza, óleo lubrificante e água de manutenção de veículo) de MOP$500,00, pelo que a arguida acordou com os trabalhadores em calcular o salário-hora pelo trabalho extraordinário à taxa de 150 % do salário-hora durante aquele período.
9. No entanto, o salário e o tratamento do trabalhador B passaram a ser totalmente diferentes depois de ser contratado como trabalhador oficial (condutor do caminhão betoneira), com o salário calculado a partir de “sistema salarial fixado por unidade”, e, quanto ao salário pelo trabalho extraordinário, calcula-se com o volume de betão armado carregado pelo caminhão betoneira (9 patacas/m3 ou 12 patacas/m3). A partir de Junho de 2006, calcula-se o salário e a compensação pelo trabalho extraordinário com a estrutura salarial ajustada, mas nela não foi acordado em calcular o salário pelo trabalho extraordinário prestado entre 17h00 e meia-noite e após meia-noite à taxa de 150% de salário-hora.
10. Em síntese, o tratamento e o bem estar do novo contrato de trabalho são mais favoráveis que os do primeiro contrato de trabalho, sendo assim, fica inválido o contrato de trabalho antigo, nem esse contrato antigo é aplicável ao cálculo de compensação pelo trabalho extraordinário do dito trabalhador. Na sentença recorrida não se deve calcular o salário pelo trabalho extraordinário por a mesma forma (salário-hora x 150%) constante do primeiro contrato de trabalho.
11. Pelo exposto, mesmo necessite de calcular a compensação pelo trabalho extraordinário, o cálculo deve ser feito com base no salário-hora básico, mas não conforme a fórmula: salário-hora x 150% que constante do mapa de cálculo de compensação reconhecido pela sentença recorrida.”; (cfr., fls. 461 a 472 e 516 a 529).
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Após respostas aos recursos, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador-Adjunto o seguinte douto Parecer:
“1. Recurso do M° P°.
Acompanhamos as criteriosas explanações do nosso Exmº Colega.
E nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
A cláusula em foco, com efeito, não pode deixar de ter-se como nula, sendo certo que a norma do n.º 2 do art. 11º do Dec.-Lei nº. 24/89/M assume, claramente, um “carácter imperativo” (cfr. art. 287º do C. Civil).
2. Recurso da arguida.
Não procede, a nosso ver, a questão prévia suscitada pelo nosso Exmº Colega, relacionada com o alegado incumprimento do disposto no art. 402º, n.º 2, do C. P. Penal.
Nas conclusões da sua motivação, efectivamente, a recorrente indica as normas dos artigos 11º e 50º, n.º 1, al. c), do Dec.-Lei n.º 24/89/M, resultando, dessas conclusões, que são tais normas que considera violadas.
A impugnação em questão inscreve-se, aliás, em primeira linha, no âmbito da matéria de facto, com a chamada à colação do vício referido na al. c) do n.º 2 do art. 400º do citado C. P. Penal.
Como é sabido, além do mais, o comando do referido art. 402º, n.º 2, deve ser interpretado em termos hábeis, sem formalismos excessivos, de forma a não frustrar o objectivo principal de aplicar justiça (cfr. ac. Do S.T.J. de Portugal, de 21-1-1999, proc. n.º 742/98/3º - citado por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Comentado e Anotado, 15ª Ed. – 2005, pg. 839).
Tem sido esse, também, de resto, o entendimento deste Tribunal (cfr., nomeadamente, ac. de 12-4-2007, proc. n.º 341/2006).
Quanto ao mais, todavia, subscrevemos as judiciosas considerações vertidas na resposta à motivação.
A arguida mais não faz, na verdade, do que discordar do julgamento da matéria de facto feito na decisão recorrida, afrontando flagrantemente a regra da livre apreciação da prova consagrada no art. 114º do Diploma adjectivo.
3. Conclusão
Deve, pelo exposto, ser concedido provimento ao recurso do MºPº e negado provimento ao da arguida.”; (cfr., fls. 539 a 541).
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Realizada a audiência de julgamento dos recursos, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão dados como provados os factos seguintes:
“O trabalhador B, titular do BIRM: XXXXXX(X), residente no XX.º andar XX do Edf. XX da Rua de XX, n.º X, Macau. Tel: XXX, contratado pela arguida em 1 de Abril de 2003 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil, seiscentas e setenta patacas (MOP$5.670,00).
O trabalhador C, titular do BIRM n.º XXXXXX(X), residente no XX.º andar XX do XX (Bloxo XX) da Rua do XX de Macau, Tel: XXX, contratado pela companhia supramencionada em 16 de Outubro de 2003 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil e setecentas patacas (MOP$5.700,00).
O trabalhador D, titular do BIRM n.º XXXXXX(X), residente no XXº andar XX do Edf. XX da Rua dos XXs n.º XX de Macau, Tel: XXX e XXX, contratado pela companhia supramencionada em 2 de Janeiro de 2005 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil, seiscentas e setenta patacas (MOP$5.670,00).
O trabalhador E, titular do BIRM n.º XXXXXX(X), residente na fracção n.º XX do Edf. XX da Estrada dos XX de Macau, Tel: XXX, contratado pela companhia supramencionada em 1 de Abril de 2005 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil, seiscentas e trinta patacas (MOP$5.630,00).
O trabalhador F, titular do BIRM n.º XXXXXX(X), residente no XX.º andar XX do Edf. XX da Avenida da XX n.º XX de Macau, Tel: XXX, contratado pela companhia supramencionada em 1 de Outubro de 2003 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil e setecentas patacas (MOP$5.700,00).
O trabalhador G, titular do BIRM n.º XXXXXX(X), residente no XX.º andar XX do XX (Bloco XX) da Rua XX de Macau, Tel: XXX, contratado pela companhia supramencionada em 5 de Fevereiro de 2006 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil, seiscentas e setenta patacas (MOP$5.670,00).
Face ao trabalho extraordinário prestado pelos 6 trabalhadores supramencionados além do período normal de trabalho, entre a segunda quinzena de Junho de 2006 e 30 de Novembro de 2008, a arguida pagou MOP$15 por cada hora de trabalho extraordinário prestado antes da meia-noite e MOP$30 após meia-noite.
O trabalhador H, titular do BIRM n.º XXXXXX(X), residente no XX.º andar XX do Edf. XX (Bloco XX.) da Avenida XX de Macau, Tel: XXX, contratado pela companhia supramencionada em 16 de Setembro de 2006 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil, seiscentas e setenta patacas (MOP$5.670,00).
Face ao trabalho extraordinário prestado pelo trabalhador H além do período normal de trabalho, entre 16 de Setembro de 2006 e 30 de Novembro de 2008, a arguida pagou MOP$15 por cada hora de trabalho extraordinário prestado antes da meia-noite e MOP$30 após meia-noite.
O trabalhador I, titular do BIRM n.º XXXXXX(X), residente no XX.º andar XX do Edf. XX da Estrada do XX n.º XX, Tel: XXX e XXX, contratado pela companhia supramencionada em 13 de Agosto de 2007 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil e quinhentas patacas (MOP$5.500,00).
Face ao trabalho extraordinário prestado pelo trabalhador I além do período normal de trabalho, entre 13 de Agosto de 2007 e 30 de Novembro de 2008, a arguida pagou MOP$15 por cada hora de trabalho extraordinário prestado antes da meia-noite e MOP$30 após meia-noite.
O trabalhador J, titular do BIRM n.º XXXXXX(X), residente no XX.º andar XX do Edf. XX da Rua do XX n.º XX de Macau, Tel: XXX, contratado pela companhia supramencionada em 5 de Junho de 2007 como condutor; a relação de trabalho cessou em 30 de Novembro de 2008, o último salário mensal foi de cinco mil, seiscentas e setenta patacas (MOP$5.670,00).
Face ao trabalho extraordinário prestado pelo trabalhador J além do período normal de trabalho, entre 5 de Junho de 2007 e 30 de Novembro de 2008, a arguida pagou MOP$15 por cada hora de trabalho extraordinário prestado antes da meia-noite e MOP$30 após meia-noite.
Ao mesmo tempo, foram provados ainda:
Ao iniciar as funções, os trabalhadores H, I e J celebraram contratos com a arguida, neles foram definidos que o salário-hora pelo trabalho extraordinário prestado entre 17:00 e meia-noite era de MOP$15, e após meia-noite era de MOP$30.
Nos contratos celebrados pelos trabalhadores B, C, D, E, F e G com a arguida ao iniciarem as funções, não foram fixados que o salário-hora pelo trabalho extraordinário prestado entre 17:00 e meia-noite era de MOP$15, e após meia-noite era de MOP$30.
A arguida já chegou a acordo com os trabalhadores B, C, D, E, F e G em termos de salário mensal.
Os trabalhadores B, C, D, E, F e G não concordaram com o valor da compensação de MOP$15 por hora pelo trabalho extraordinário prestado entre 17:00 e meia-noite, e MOP$30 após meia-noite.
O salário-hora do trabalhador B foi calculado por: salário mensal / 30 dias/ 8 horas x 1.5.
Os factos do mapa de cálculo constante das fls. 8 a 20.”; (cfr., fls. 434 a 438 e 501 a 505).
Do direito
3. Inconformados com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, da mesma vieram recorrer o Exm° Representante do Ministério Público e a arguida “A LIMITADA”
No seu recurso, pede o Ministério Público que se revogue o segmento decisório que absolveu a arguida da prática de (outras) 3 transgressões ao art. 11° do D.L. n° 24/89/M que lhe eram imputadas, arbitrando-se também aos respectivos ofendidos as indemnizações cujo montante indica na sua motivação.
Por sua vez, entende a arguida que incorreu o Mm° Juiz do T.J.B. no vício de “erro notório na apreciação da prova” e, tanto quanto parece, em “erro de direito”.
Ponderando nas questões colocadas, considera-se adequado começar pelo recurso da arguida, (pois que sem uma correcta decisão da matéria de facto impossível é uma boa decisão de direito).
Assim, vejamos.
— Do recurso da arguida.
Cabe aqui fazer uma observação preliminar.
Na resposta ao presente recurso entende o Exm° Magistrado do Ministério Público que se deve rejeitar o recurso quanto ao pela recorrente imputado “erro de direito”, por inobservância do estatuído no art. 402°, n° 2 do C.P.P.M..
Cremos porém que outra deve ser a solução, mostrando-se de subscrever as considerações sobre a questão produzidas pelo Ilustre Procurador-Adjunto em sede do seu Parecer que aqui se dão como reproduzidas.
De facto, e como temos vindo a entender, o comando do referido art. 402º, n.º 2, deve ser interpretado em termos hábeis, sem formalismos excessivos, de forma a não frustrar o objectivo principal de aplicar justiça; (cfr., v.g., o Ac. de 12.04.2007, Proc. n° 341/2006).
E, no caso, ainda que sem alegar, expressamente, que violados foram os art°s 11° e 50° do D.L. n° 24/89/M, não deixou a arguida (recorrente) de os referir nas suas conclusões, sem esforço se alcançando a sua pretensão.
Dito isto, continuemos.
— Quanto ao alegado “erro notório na apreciação da prova”.
Cremos que razão não tem a arguida.
Com efeito, e como (repetidamente) tem este T.S.I. afirmado:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”; (cfr., v.g., Ac. de 14.06.2001, Proc. n° 32/2001, do ora relator).
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 20.09.2001, Proc. n° 141/2001, do ora relator).
In casu, e verificando-se que com o imputado vício mais não faz o recorrente que tentar impor a sua versão dos factos, sindicando a livre convicção do Tribunal e afrontando assim o “princípio da livre apreciação da prova” enunciado no art. 114° do C.P.P.M., nada mais se mostra de acrescentar sobre a questão.
— Quanto ao “erro de direito”.
Aqui, a questão prende-se com o cálculo da compensação pelo trabalho extraordinário prestado pelo ofendido B.
Todavia, e se bem ajuizamos, também aqui à recorrente não assiste razão.
Vejamos.
Diz a mesma recorrente que a relação de trabalho com a dita ofendida começou por ser um “contrato temporário”, que tão só posteriormente foi alterada tal situação, e que, assim, “o cálculo deve ser feito com base no salário-hora básico, mas não conforme a fórmula: salário-hora x 150% que constante do mapa de cálculo de compensação reconhecido pela sentença recorrida”; (cfr., concl. 7ª a 11ª).
Ora, provado está que “o salário-hora do trabalhador B foi calculado por: salário mensal / 30 dias/ 8 horas x 1.5”, e como se viu, motivos não há para se considerar ter havido “erro notório na apreciação da prova”.
Assim, e tendo o Tribunal a quo efectuado o cálculo em questão em conformidade com o “mapa de cálculo” constante de fls. 8 a 20 dos autos”, cujo teor foi também dado como provado (cfr., matéria da facto), mais não é preciso dizer para se concluir pela improcedência do recurso ora em apreciação.
— Do recurso do Ministério Público.
Como se deixou consignado, pede o Ministério Público que se revogue o segmento decisório que absolveu a arguida de (outras) 3 transgressões ao art. 11° do D.L. n° 24/89/M que lhe eram imputadas, arbitrando-se também aos respectivos ofendidos as indemnizações que indica na sua motivação.
Vejamos.
Na parte em questão, entendeu o Tribunal a quo que não era de censurar a conduta da arguida dado que tinham os ofendidos H, I e J acordado com a mesma (arguida) os montantes compensatórios pelo seu trabalho extraordinário.
Pois bem, é verdade que preceitua o art. 11°, n° 2 do D.L. n° 24/89/M que:
“2. Nos casos de prestação de trabalho extraordinário, o trabalhador terá direito a um acréscimo de salário, do montante que for acordado entre o empregador e o trabalhador.”
Porém, correcto se nos mostra o raciocínio do Exm° Recorrente.
Com efeito, não se pode olvidar que a retribuição do trabalho efectuado em horas extraordinárias é composta por duas partes: a retribuição base, correspondendo à retribuição média por cada hora, e um acréscimo a título de retribuição compensatória.
Por sua vez, não se pode igualmente olvidar que a parcela correspondente à retribuição base não pode ser objecto de acordo por se tratar da contraprestação normal do trabalho que o trabalhador tem direito, apenas se podendo acordar no que toca à parcela correspondente ao acréscimo.
Nesta conformidade, e sendo que os montantes acordados – MOP$15.00 por hora pelo trabalho extraordinário prestado entre as 17:00 horas e a meia-noite e MOP$30.00 por hora após a meia-noite – são inferiores ao que deviam receber os 3 trabalhadores em causa – vd. o “mapa de cálculo” dado como provado – há pois que considerar o referido “acordo” nulo e de nenhum efeito, isto, atento o “princípio do mais favorável” consagrado no art. 5° do diploma legal citado e ao disposto no art. 273°, n° 1 do C.C.M..
Assim “quid iuris”?
Ora, cremos que a solução não poderá deixar de ser a que foi já adoptada em relação aos 6 trabalhadores que não acordaram a sua compensação com a arguida, ou seja, que cometeu também a mesma arguida as restantes 3 transgressões que lhe eram imputadas.
E, assim sendo, adoptando-se aqui o mesmo critério pelo Tribunal a quo adoptado na fixação da multa por cada contravenção, e onde se considerou o regime do D.L. n° 24/89/M o mais favorável à arguida (afastando-se o novo regime consagrado na Lei n° 7/2008), em causa estando uma multa de MOP$1,000.00 a MOP$5,000.00, fixa-se por cada uma das 3 contravenções em questão a multa de MOP$2,000.00, ficando assim a arguida condenada na multa global de MOP$18,000.00.
Por fim, quanto às compensações, mostrando-se correctos os montantes pelo Exm° Magistrado do Ministério Público indicado na motivação do seu recurso, pois que correspondem aos constantes nos referidos “mapas de cálculo”, vai também a arguida condenada a pagar aos ofendidos H, I e J os montantes de MOP$11,015.10, MOP$6,684.50 e MOP$9,994.80 respectivamente, a título de compensação pelo trabalho extraordinário pelos mesmos prestados.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam:
– julgar procedente o recurso do Exm° Magistrado do Ministério Público, condenando-se a arguida nos exactos termos consignados;
– julgar improcedente o recurso da arguida.
Custas pela arguida com taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.
Macau, aos 24 de Fevereiro de 2011
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
) Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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Proc. 353/2010 Pág. 1