Processo nº 785/2010(() Data: 24.02.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “fuga à responsabilidade”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Atenuação especial da pena.
SUMÁRIO
1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas se verifica quando o Tribunal omite pronúncia sobre matéria objecto do processo.
Não existe tal vício quando o Tribunal emitiu pronúncia sobre toda a dita matéria objecto do processo, elencando os factos provados, identificando os que não se provaram e fundamentando também adequadamente esta sua decisão.
2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
3. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 785/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B., decidiu-se condenar o arguido A, com os sinais dos autos, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 64° do Código da Estrada, na pena de prisão de 4 meses suspensa na sua execução por 1 ano, e na suspensão da validade da licença de condução pelo período de 5 meses; (cfr., fls. 83 e 145 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido traz o arguido o presente recurso motivando para em sede de conclusões afirmar o que segue:
“1. O Tribunal a quo julgou procedente o crime de fuga à responsabilidade que foi imputado ao recorrente, fundamentalmente, com base na convicção formada com os factos provados enumerados no acórdão.
2. Na audiência de julgamento, os dois polícias de trânsito alegaram que não tinham contacto ocular com o recorrente, mas confirmaram que, na dada altura, o arguido estava consciente e devia saber que tinha embatido no cone de sinalização, dizendo ainda que a velocidade da viatura não era alta e abandonava o local em apreço com uma velocidade regular, sem qualquer aceleração especial.
3. In casu, confirmou-se que o recorrente tinha uma taxa de álcool no sangue igual a 1,46 g/l, constituindo uma contravenção, antes da vigência da nova Lei do Trânsito Rodoviário. O recorrente pagou voluntariamente a multa que lhe foi imposta (vide fls. 12 dos autos).
4. Embora o Tribunal a quo julgasse procedente o crime de fuga à responsabilidade que foi imputado ao recorrente, este negou os factos, uma vez que o recorrente abandonava o local em causa sem saber que tinha embatido no cone. Assim, no julgamento, o recorrente considerou modestamente que o Tribunal a quo não devia formar a sua convicção só, subjectivamente, com base nos depoimentos dos polícias de trânsito e na livre convicção do juiz, mas sim, também, devia analisar objectivamente a reacção perante o ambiente obtida em estado de embriaguez, a atitude de condução do recorrente posterior ao acidente, o material do conde estragado, bem como consultar os documentos de medicina que se tratam da reacção que o condutor embriagado tem perante o ambiente e da sua capacidade de juízo.
5. Analisados os depoimentos prestados pelos dois polícias de trânsito na audiência de julgamento, objectivamente, se o recorrente tivesse a intenção de se furtar da responsabilidade por ter sabido que tinha embatido no cone, naturalmente, este iria acelerar o seu carro para abandonar o local em causa. Todavia, ao contrário, o recorrente não fez isso e os dois polícias de trânsito confirmaram que, após o acidente, a velocidade da viatura deste não era alta e abandonava o local em apreço com uma velocidade regular, sem qualquer aceleração.
6. O recorrente duvidou os depoimentos dos dois polícias de trânsito, já que, por um lado, eles alegaram que o recorrente sabia que tinha embatido no cone e, por outro, disseram que, após o embate do objecto, este abandonava o local em causa sem ter acelerado a viatura, além disso, referiram que o cone era feito com material não rígido e estragava-se com facilidade. Os depoimentos deles serão suficientes para levarem o Tribunal a quo, na formação da convicção, a reconhecer que este era um facto indubitável, sendo esta uma questão que merece a reflexão.
7. O recorrente considerou modestamente que o Tribunal recorrido devia ajuizar, de forma cautelosa, conjugado com as regras de experiência, os factos relevantes, no entanto, confirmou-se que o recorrente conduziu em estado de embriaguez, por isso, será aplicável a convicção ao estado do recorrente para reconhecer que este tenha praticado o crime ora imputado.
8. Os dois polícias de trânsito estavam em piquete na ocorrência dos factos, estando conscientes, pois, não é acessível, tanto no aspecto subjectivo como no aspecto objectivo, que uma pessoa consciente possa ajuizar o estado físico e a reacção do recorrente que estava em estado de embriaguez, sendo notoriamente injusto para o recorrente.
9. Embora o Juiz puder ajuizar as provas produzidas na audiência com base na sua livre convicção, indubitavelmente, isto é restringido por leis. Nos termos do art.º 149º do Código de Processo Penal, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, pelo que, o juízo da conduta reflectida pelo condutor embriagado não deve ser matéria da livre convicção do julgador.
10. Quanto à influência provocada pela taxa de álcool de uma pessoa embriagada à conduta, podemos consultar a taxa de álcool no sangue do ora recorrente (1,46g/l) http://www.loveclass.cn/article/3/8/2007/200705041736.htm
Embriaguez de nível incontrolável: a taxa de álcool no sangue é de 0,11-0,15% (i.e. 1,1-1,5g/l). Neste momento, o consumidor de álcool deve ter perdido a capacidade de auto-controlo, começa a dizer as coisas que estavam escondidas no profundo do seu coração, o córtex cerebral não consegue controlar o seu comportamento. Isto é o sinal para alertar o consumidor que tinha ingerido álcool em excesso, por isso, os familiares ou amigos devem dar-lhe conselho para deixar de ingerir mais álcool.
11. Mais, a condução em estado de embriaguez pode causar os seguintes sentimentos e reacções:
http://www.wenwen.soso.com/z/q155011536.htm
Consultada a influência causada pela condução em estado de embriaguez ao corpo humano, na dada altura, a taxa de álcool no sangue do recorrente era igual a 1,46 g/l, pode causar redução do sentimento e da reacção do recorrente perante o ambiente, torna-se mais longo o tempo de reagir perante a luz e som, e, também, se prolonga o tempo da reflexão do seu movimento, surgindo obstáculo na colaboração entre os órgãos da sensibilidade e os da movimentação física, tais como, os olhos, as mãos e os pés, consequentemente, não se consegue ajuizar a distância e a velocidade, sendo assim, as suas capacidades de juízo, de análise e de manobra são notoriamente reduzidas, por isso, suscita o acidente de viação.
12. Deste modo, o recorrente duvidou que o Tribunal a quo não atendesse objectivamente a que, na dada altura, ele estava em estado de embriaguez, tendo a possibilidade de não conseguir ajuizar o embate do objecto por existir obstáculo no funcionamento dos órgãos da sensibilidade e dos da movimentação física. O Tribunal a quo não devia ajuizar o comportamento e a reacção de um condutor sob influência de álcool, com base no ponto de vista duma pessoa consciente ou nas regras de experiência. A formação da convicção deve ser feita com a observância das informações da medicina, em vez da intuição ou sentimento ou livre convicção.
13. Assim sendo, o Tribunal a quo não consegue reconhecer e ajuizar indubitavelmente se, na ocorrência dos factos, o recorrente abandonava o local mesmo que tivesse o conhecimento sobre o embate do cone, pelo que, o recorrente não concordou com o acórdão, considerando que, na apreciação de factos e na formação de convicção, esse Tribunal cometeu o vício de violação das regras de experiência e do princípio da livre convicção, constituindo como o primeiro fundamento do recurso interposto – “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” – previsto no art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal.
14. A par disso, o recorrente discordou com que o Tribunal a quo aplicou-lhe a pena de prisão que podia ser suspensa a sua execução, e considerou que a pena determinada era excessivamente pesada, e que, na escolha da espécie da pena, tinha violado o princípio e os dispostos nos art.ºs 40º, 64º, 65º e 66º do Código Penal devidamente cumpridos.
15. Porque o recorrente é primário, não tem antecedente criminal nem registo de comportamento maléfico, praticou ocasionalmente o crime, tinha apenas 19 anos de idade na prática do crime, era estudante do 2º ano do ensino secundário complementar na ocorrência dos factos. Na dada altura, o recorrente tinha ingerido álcool na festa de aniversário do seu amigo antes de conduzir e embateu num objecto, razão pela qual lhe foi imputado a prática do crime de fuga à responsabilidade. Após o acidente, foi-lhe aplicado a pena de multa de MOP$1.500,00 pela prática da contravenção de condução em estado de embriaguez.
16. Além da multa, o recorrente foi sujeito a investigação efectuada na esquadra da Polícia e a julgamento realizado no Tribunal e, durante quatro anos contado desde o período que aguardava o julgamento até o dia da abertura da audiência de julgamento, o recorrente deixou de conduzir, cumpriu activamente as leis e jamais cometeu crime por condução em estado de embriaguez.
17. Terminado o curso do ensino secundário, o recorrente inscreveu-se em cursos universitários e, presentemente, frequenta o 3º ano da Universidade “XX” em Taiwan (台灣XX大學) (vide anexos 1 e 2).
18. Embora estivesse com receio de ser julgado, o recorrente enfrentou activamente o julgamento e, para evitar o incómodo causado ao estudo, pediu (sic)
19. Indubitavelmente, o recorrente demonstrou o sincero arrependimento perante o acidente, sendo o maior castigo para um estudante do 3º ano do ensino universitário, por ter sido julgado no Tribunal. O acidente provocou grande pressão e preocupação ao recorrente e aos seus familiares, no sentido de estarem com receio de que a presente causa poderá prejudicar o futuro do recorrente. O crime praticado pelo recorrente é ocasional, por isso, no futuro previsto, este não irá cometer o mesmo crime.
20. Assim sendo, o recorrente transmitiu mensagem positiva ao Tribunal, com base na sua personalidade e no seu comportamento anterior e posterior ao crime, por isso, na determinação da pena, o Tribunal a quo devia, nos termos da lei, atenuar especialmente a pena aplicada ao recorrente.
21. No crime de fuga à responsabilidade, o recorrente apenas estragou um cone de sinalização, após o acidente, efectuou devidamente a indemnização, pelo que, nos termos da natureza do crime, da protecção dos bens jurídicos e da influência causada à sociedade, a ilicitude e a culpabilidade do recorrente são regulares, sendo bastante reduzida a influência causada à sociedade.
22. O recorrente pagou a multa pela prática da condução em estado de embriaguez. O Tribunal a quo julgou procedente o crime de fuga à responsabilidade, pelo que, não se devia atender às circunstâncias da condução em estado de embriaguez na determinação da pena, contudo, lamentavelmente, perante o crime de fuga à responsabilidade, o Tribunal a quo aplicou ao recorrente a pena de prisão que podia ser suspensa a sua execução, bem como considerou que a aplicação da pena de multa não realiza de forma suficiente as finalidades da punição.
23. Nos termos do art.º 40º do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa; nos termos do art.º 64º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; e, o art.º 65º do Código Penal dispõe que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
24. O art.º 66º do Código Penal dispõe, 1.° tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
25. O recorrente duvidou que, na fundamentação da determinação da pena, o Tribunal a quo não observou o disposto no art.º 65º, n.º 3 do Código Penal, uma vez que esse Tribunal apenas referiu os fundamentos de direito, mas não os fundamentos de facto, deste modo, na determinação da pena, como é que o Tribunal a quo relaciona os fundamentos de facto e de direito para determinar a presente medida da pena?
26. No âmbito das exigências de prevenção criminal, tendo em consideração que o recorrente é primário, praticou ocasionalmente o crime, mantém-se sempre a boa conduta após a prática do crime, deixou de conduzir durante quatro anos, demonstrou arrependimento através do seu comportamento, o Tribunal a quo deve atenuar especialmente a pena que lhe foi aplicada. Além disso, o recorrente é um estudante universitário e não tem o hábito do cometimento de crimes, por isso, nos termos da natureza do crime que lhe foi imputado, verifica-se que a censura do facto e a aplicação da pena de multa atingem e realizam de forma adequada as finalidades da punição.
27. Pelo exposto, o recorrente considerou que, na determinação da pena, o Tribunal a quo violou os dispostos nos art.ºs 40º, 64º, 65º e 66º do Código Penal, e que cometeu o vício que constitui como segundo fundamento do recurso interposto, previsto no art.º 400º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
28. Na parte final do ponto III do acórdão recorrido – “Motivos e determinação da pena” indicou-se que o recorrente é punido com pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 360 dias, pela prática do crime de fuga à responsabilidade, previsto no Código da Estrada.
29. Isto é manifestamente incompatível com a moldura penal prevista no Código da Estrada, sendo este um erro notório. Nos termos do Código da Estrada, o crime em causa é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 100 dias.
30. Devido à existência de erro notório acima exposto no acórdão, vem requerer ao T.S.I. que seja corrigido o referido erro, ao abrigo do art.º 361º, n.º 2 do Código de Processo Penal.”; (cfr., fls. 88 a 107 e 148 a 193).
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Respondendo, assim conclui o Exm° Magistrado do Ministério Público:
“1. O recorrente considerou que o acórdão do Tribunal a quo cometeu o vício previsto no art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal e achou que é improcedente a interpretação sobre os dispostos nos art.ºs 40º, 64º e 65º do Código Penal.
2. Em conformidade com a jurisprudência dominante de Macau, o vício de “A insuficiência de facto provado”, previsto no art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, consiste em que os factos provados são insuficientes para suportarem a sentença condenatória, uma vez que o tribunal não apreciou integralmente o objecto do processo. (TSI, proc. n.º 1044/2009, de 11 de Março de 2010)
3. Apreciado integralmente o objecto do processo, incluindo os factos constantes da acusação e da contestação, verifica-se que, com base nos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, o recorrente praticou efectivamente um crime de fuga à responsabilidade, previsto no art.º 64º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/93/M.
4. O acórdão recorrido, onde foi condenado o recorrente pela prática do crime de fuga à responsabilidade, não cometeu o vício de “A insuficiência de facto provado”, previsto no art.º 400º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal. Esta parte do recurso deve ser rejeitada por ser manifesta a improcedência, ao abrigo do art.º 410º, n.º 1 do Código de Processo Penal. (TSI, proc. n.º 148/2003)
5. A par disso, não se verifica que no acórdão recorrido existia determinação da pena excessivamente pesada nem violação dos dispostos nos art.ºs 40º, 64º e 65º do Código Penal.
6. Nos termos do art.º 64º do Código Penal, só se aplica a pena de multa ao arguido desde que o tribunal considere que a pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, previstas no art.º 40º, n.º 1 do mesmo Código.
7. Para atender se o agente conseguir ou não reintegrar na sociedade, o factor indispensável é ter em conta se o agente conseguir ou não demonstrar o arrependimento perante os factos ilícitos cometidos e se conseguir reintegrar, em atitude responsável, na sociedade, a fim de realizar a prevenção geral e especial da pena.
8. In casu, embora o recorrente fosse primário, negou os factos que lhe foram imputados na acusação; a partir daí, reflecte-se que o arguido não mostrou arrependimento perante o acto praticado.
9. Ora, atendendo a todos os factores, o Tribunal a quo conclui que a aplicação da pena de multa ao recorrente não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por isso, não se verifica a irrazoabilidade da decisão da aplicação da pena de prisão que podia ser suspensa a sua execução ao recorrente.
10. Mais, o crime de fuga à responsabilidade imputado ao recorrente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa. Atendendo a uma série de circunstâncias previstas no art.º 65º do Código Penal, o Tribunal a quo condenou o recorrente na pena de prisão de 4 meses, com suspensão da execução da pena por 1 ano, pois, não se verifica que esta decisão tenha violado notoriamente os princípios da proporcionalidade e da adequação.
11. Assim sendo, deve rejeitar-se liminarmente a primeira motivação do recurso apresentada pelo recorrente, ao abrigo do art.º 410º, n.º 1 do Código de Processo Penal; e, julgar-se improcedente a segunda motivação do recurso, pela carência de fundamentos.”; (cfr., fls. 114 a 117 e 194 a 205).
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Remetidos os autos a este T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador-Adjunto o seguinte Parecer:
“O nosso Exm° Colega demonstra, de forma concludente, a insubsistência da motivação do recorrente.
E nada temos a acrescentar, de relevante, às suas criteriosas explanações.
É insubsistente, desde logo, a invocação do vício previsto na al. a) do n°. 2 do art. 400° do C. P. Penal.
Não se vislumbra, na verdade, atento o objecto do processo, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada.
E não pode deixar de ter-se corno descabida, também, a chamada à colação do art. 149° desse Diploma.
O arguido mais não faz, a propósito, do que um exercício especulativo.
O recorrente, na perspectiva da pretendida absolvição, limita-se, realmente, a manifestar a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto, afrontando o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 114° do mesmo Código.
Sobre a questão da pena, por outro lado, apenas acrescentaremos duas breves notas.
Não se verifica, obviamente, o especial quadro atenuativo que o art. 66° do C. Penal pressupõe e exige.
Basta atentar, para tanto, que nada se apurou, de significativo, em benefício do arguido.
A aplicação do antecedente art. 64°, por seu turno, mostra-se igualmente comprometida.
Essa aplicação foi correctamente equacionada no douto acórdão.
E há que ter em conta, nesse âmbito, razões de prevenção geral e especial.
Entre as segundas, conforme se frisa na resposta do M°P°, há a destacar a circunstância de o recorrente não ter assumido a sua responsabilidade.
E essa circunstância inculca, naturalmente, uma adequação dos factos à sua personalidade.
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente.”; (cfr., fls. 209 a 211).
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Teve lugar a audiência de julgamento do recurso no integral respeito pelo formalismo processual.
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Vem dados como provados os factos seguintes:
“Em 3 de Dezembro de 2006, às 3H00 da madrugada, os guardas da polícia de trânsito B (guarda n.º 17XXXX) e C (guarda n.º 20XXXX), conforme a ordem superior, realizaram a operação STOP na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, nas proximidades da estação de abastecimento de combustível Caltex, perante as viaturas que circulavam na direcção do Túnel do Monte da Guia para a Estrada do Reservatório, e colocaram naquele local três cones de sinalização e um sinal de STOP, servindo como equipamentos auxiliares da operação STOP.
Na dada altura, o guarda B estava ao pé da margem da estrada e responsabilizou-se pela inspecção de viaturas e dos documentos de condutores, enquanto o guarda C estava ao lado do cone mais dianteiro para dar indicações aos condutores a submeter-se a sua viatura à inspecção.
Cerca das 3H30 da madrugada, o arguido A conduziu o automóvel ligeiro de matricula MK-XX-XX, circulando como serpente, quando se aproximou do cone mais dianteiro, virou o volante para o lado direito e, consequentemente, estragou o cone mais dianteiro.
O guarda C, que estava por trás do referido cone e do sinal STOP, afastou-se do local onde estava para que evitasse que fosse atingido pelo dito sinal STOP quando este for embatido pela viatura do arguido.
Depois, o arguido não parou o carro nem tomou a mínima atenção sobre o assunto, e, abandonou o local em causa, circulando à direcção do caminho para a estrada nova do Reservatório, em vez de ficar lá a resolver o acidente de viação que provocou a destruição do cone de sinalização.
Daí, o guarda B foi imediatamente conduzir o motociclo para interceptar a viatura do arguido. Durante o decurso, o motociclo estava com o sinal luminoso aceso, mas o arguido não parou o carro, ao contrário, entrou na Avenida de Sidónio Pais e, depois, virou à direita para a Avenida do Ouvidor Arriaga.
Quando o automóvel ligeiro de matrícula MK-XX-XX chegou a frente do semáforo, sito no cruzamento entre a Avenida do Ouvidor Arriaga e a Avenida do Conselheiro Ferreira de Almeida, onde estava com o sinal vermelho, e que na altura muitas viaturas estavam paradas no cruzamento, impedindo-lhe o avanço, por isso, foi interceptado pelo guarda B que o seguiu.
Posteriormente, o arguido B conduziu o arguido para o Comissariado de Trânsito.
No Comissariado de Trânsito, os guardas submeteram o arguido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, confirmando-se que o arguido tinha uma taxa de álcool no sangue igual a 1,46 gramas por litro, constituindo assim uma contravenção (o arguido pagou voluntariamente a multa, vide fls. 12 dos autos).
O aludido cone de sinalização destruído custava MOP$170,00 (vide fls. 24 dos autos).
O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente o acto supracitado.
O arguido, mesmo que soubesse que estava em estado de embriaguez e não tinha condições de conduzir com segurança, ainda conduzia dolosamente o automóvel ligeiro na via pública.
O arguido é o interveniente do acidente de viação, mas tentou, fora dos meios legais ao seu alcance, furtar-se à responsabilidade civil ou criminal em que eventualmente tenha incorrido.
O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por leis de Macau.
O arguido é delinquente primário, conforme a Certidão do Registo Criminal.
O arguido é estudante de universidade, não tem ninguém a seu cargo; e tem como habilitações literárias o 3º ano do ensino universitário.”
Seguidamente, consignou o Colectivo o que segue:
Não foram provados os restantes factos da acusação e da contestação que são incompatíveis com os factos provados supramencionados, designadamente:
Não se provou: o arguido só começou a virar o volante quando se aproximou do cone, circulando como serpente, e seguiu para frente.
Não se provou: o arguido conduzia com alta velocidade quando encontrou guardas de Polícia que estavam a realizar operação STOP, bem como circulava de forma baloiçada à direcção do guarda e causou destruição do cone de sinalização, criando perigo para a vida de outrem (guarda de Polícia) e perigo grave para a integridade física de outrem. Felizmente, o respectivo guarda conseguiu fugir atempadamente daquele lugar e, em consequência, o automóvel ligeiro conduzido pelo arguido apenas passou ao lado dele com alta velocidade e não o atropelou.
Não se provou: o arguido é utente da via pública, por isso, deve obedecer às ordens dos agentes de autoridade com competência para regular e fiscalizar o trânsito. Na ocorrência dos factos, o arguido tinha perfeito conhecimento de que os guardas da operação STOP deram-lhe a ordem de parar o carro para efeito de inspecção, no entanto, o arguido desobedeceu à ordem e não parou o carro, além disso, ele abandonou o local com alta velocidade, violando assim os dispostos nos art.ºs 5º e 70º, n.º 3 do Código da Estrada e constituindo uma outra contravenção.” (cfr., fls. 80 a 81 e 134 a 138).
Do direito
3. Colhe-se da motivação e conclusões pelo recorrente oferecidas que o seu inconformismo se deve ao entendimento de que o Tribunal a quo incorreu nos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, considerando também o mesmo recorrente excessiva a pena em que foi condenado.
Analisando os autos, e reflectindo sobre as questões colocadas, cremos porém que não tem o recorrente razão, passando-se a expor este nosso entendimento.
— Do alegado vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
O vício em questão, como repetidamente tem este T.S.I. afirmado, apenas se verifica quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto do processo.
Ora, no caso dos presentes autos, mal se compreende a razão pela qual considera o ora recorrente que incorreu o Tribunal a quo em tal vício, pois que não deixou o mesmo de se pronunciar sobre toda a matéria objecto do processo, elencando os factos provados e identificando os que resultaram não provados, fundamentando também adequadamente esta sua decisão.
Nesta conformidade, e ociosas nos parecendo mais alongadas considerações, improcede o recurso na parte em questão.
— Do alegado vício de “erro notório na apreciação da prova”.
Também aqui deve haver equívoco do recorrente.
Com efeito, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).
Na situação sub judice, e em essência, diz o recorrente que o Tribunal não devia decidir com base nos depoimentos de determinadas testemunhas, (os agentes da P.S.P.), pois que devia era dar crédito às suas declarações.
Ora, como se vê, limita-se o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, limitando-se a sindicar a livre convicção do Tribunal, afrontando o princípio da “livre apreciação da prova” enunciado no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.
— Quanto à “pena”.
Foi o recorrente condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 64° do Código da Estrada, na pena de prisão de 4 meses suspensa na sua execução por 1 ano, e na suspensão da validade da licença de condução pelo período de 5 meses.
A esta pena chegou o Tribunal a quo depois de ponderar o regime do Código da Estrada e o previsto na Lei n° 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), considerando aquele o mais favorável; (cfr., art. 2°, n° 4 do C.P.M.).
Pretende porém o arguido a “atenuação especial ou redução” da dita pena principal.
Ora, como sabido é, a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 11.11.2010, Proc. n° 670/2010).
No caso, não se verifica o “especial quadro atenuativo”, pois que em benefício do arguido, nada de significativo se apurou.
Quanto à pena em si, sendo o crime em questão punido pelo art. 64° do Código da Estrada com a “pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa”, cremos também aqui que censura não merece a decisão recorrida.
De facto, não se pode olvidar que o arguido conduzia sob a influência do álcool, e que, assim, atenta também a personalidade demonstrada, fortes são as necessidades de prevenção especial, (para além da prevenção geral).
Mostra-se-nos assim acertada a opção pela pena privativa de liberdade, fixada em 4 meses de prisão, que se nos afigura também equilibrada, pois que situa-se ainda assim aquém do meia da pena, correspondendo a 1/3 do limite máximo, certo sendo ainda que lhe foi suspensa na sua execução nos termos do art. 48° do C.P.M..
Dest’arte, apreciadas que ficam todas as questões pelo recorrente colocadas, e reparo não merecendo a decisão recorrida, há que julgar improcedente o recurso.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Macau, aos 24 de Fevereiro de 2011
José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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Proc. 785/2010 Pág. 32
Proc. 785/2010 Pág. 1