Processo nº 82/2011
Data: 17 de Março de 2011
Assuntos: - Arresto
- Penhora
- Aplicação subsidiária da norma
- Princípio de suficiência
SUMÁRIO
1. O arresto, sendo embora providência antecipatória da penhora, só se justifica na medida em que se torne indispensável dar ao credor os meios de obter o pagamento do seu crédito. Daí que a lei se oponha a que se apreendam mais bens do que os suficientes para a segurança da obrigação.
2. O recurso à aplicação subsidiária do regime que regula a penhora não pode deixar de se limitar aos dispostos legais operacionais, devendo ter em conta tanto a natureza do próprio arresto, como a alcance da decisão que ordena o arresto.
3. Se fizesse estender o arresto de direito sobre o imóvel indiviso às suas rendas, o arresto das mesmas não pode deixar de ser uma nova providência cautelar dos bens móveis ou de direito (de crédito), ampliando o objecto e alcance do arresto ordenado.
O Relator,
Choi Mou Pan
Recurso nº 82/2011
Recorrente: A (XXX)
Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu o pedido de arresto da rendas proporcionais
A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
A (XXX), empresário, divorciado, de nacionalidade chinesa, residente na China, na中國XXXX9號, vem ao abrigo do disposto nos art.ºs 351º e ss. do Código de Processo Civil (CPCM), justificar e requerer, contra contra B (XXX), empresário, casado com C, no regime da separação de bens, com morada em XX市XXXXXX樓XXX,o arresto:
i) da quota-parte de 55% sobre a fracção de escritório “H”, 1º Andar, do Edifício XX, com entrada pelo nº 1023 da Avenida da XX, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o 22XXX, com o valor de MOP1.004.857,70 (MOP1.827.014,00 x 55%);
ii) dos eventuais saldos de contas bancárias do B até ao limite do crédito do A que excede o valor da quota parte de 55% da fracção a arrestar, ou seja, até ao limite de MOP1.493.081,58 (MOP$2.388.835,82 – MOP1.004.857,70 + MOP109.103,46),
E fundamentou o seu pedido que é credor do requerido, enquanto promitente comprador da quota indivisa que este detém na propriedade da fracção autónoma acima referida; que o requerido não pretende cumprir a promessa de venda, e se prepara para alienar o seu direito de propriedade, não lhe sendo conhecido outros bens que possam responder pelo incumprimento.
Produzida a prova, o Tribunal Judicial de Base, considerando o conhecimento que as testemunhas demonstraram sobre os factos alegados, em conjugação com os documentos juntos aos autos, julgou a providência cautelar procedente por provada e, em consequência, ordeno o arresto da quota-parte de 55% sobre a fracção de escritório “H”, 1º andar, do Edifício XX, com entrada pelo nº 1023 da Avenida da XX, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 22XXX e o arresto dos saldos das contas bancárias em nome do requerido B até ao montante de MOP$1.493.081,58.
B (XXX), Requerido nos presentes autos, notificado da Sentença, apresentou a sua oposição. E o Mm° Juiz a quo, decidiu-se julgar parcialmente procedente a oposição, reduzindo o arresto decretado à quota indivisa da fracção autónoma e ordenando o seu levantamento no que diz respeito aos saldos das contas bancárias do Requerido.
Com esta redução decidida, recorreu o requerente, mas depois desistiu o recurso e foi esta desistência homologada.
No decurso da instância do cumprimento do arresto, o requerente veio requerer perante o Tribunal nos seguintes termos (o dito requerimento de fl. 198):
“1. Nos presentes autos foi decretado o arresto da quota-parte de 55% sobre a fracção de escritório “H”, 1º. Andar, do Edifício XX, com entrada pelo nº 1023 da Avenida da XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o 22XXX.
2. O arresto decretado abrangeu os frutos civis da referida fracção, conforme resulta do disposto no artº 727º, nº 1 do CPCM, aplicável ao arresto por força do artº 357º, nº 2 do CPCM e do artº 618º nº 2 do CCM.
3. Segundo o documento 6 referido no artigo 27º da sentença que decretou o arresto, a fracção encontra-se se arrendada à sociedade XXX有限公司(“Companhia XXX Limitada”) (doc. 1), com a renda mensal de HKD10.000,00, o que equivale a MOP10.300,00, cabendo ao ora requerido B o valor MOP5.665,00 (10.300,00 x 55%) correspondente à sua quota ideal de 55%.
4. Neste quadro, dado que as rendas pagas pela arrendatária da fracção arrestada têm que ser depositadas, à medida que se vençam, na entidade responsável pela Caixa Geral do Tesouro do Território, à ordem do Tribunal, conforme resulta do disposto no artº 726º, nº 3 do CPCM, requer, a V.Exa, que, ao abrigo do disposto no artº 726º, nº 1 do CPCM, se digne ordenar à arrendatária “Companhia XXX Limitada” (XXX有限公司) que deposite à ordem do Tribunal 55% do valor das rendas relativas à fracções de escritório “H”, 1º Andar, do Edifício XX, à medida que se vençam, nos termos do disposto no art.º 726º, nº 3 do CPCM.
Mais requer a V. Exa, se digne ordenar ao requerido B que proceda ao depósito, à ordem do tribunal, da sua quota-parte de 55% das rendas vencidas desde a data do decretamento do arresto em 19/03/2010.
A este pedido, o Mm° Juiz mandou notificar o requerido para pronunciar-se o que tiver por conveniente.
Notificado para o efeito, B vem dizer o seguinte:
1. Contrariamente ao que alega o Requerente no artigo 2º do seu requerimento, o arresto decretado não abrangeu os frutos civis da fracção dos autos, mas apenas a quota indivisa de 55% sobre a mesma.
2. Após audiência contraditória do Requerido, subsequente ao decretamento da providência, concluiu-se que apenas ficou demonstrada a probabilidade de o Requerente ter direito a adquirir a referida quota sobre a fracção dos autos.
3. Consequentemente, o arresto inicialmente decretado foi reduzido à quota indivisa da fracção e ordenado seu levantamento no que respeita às contas bancárias do Requerido, anteriormente arrestadas até à quantia de MOP$1.493.081,58.
4. Ora, esta decisão de reduzir o arresto à quota indivisa da fracção autónoma tem subjacente o critério legal da suficiência da providência face à necessidade de garantir o crédito ou direito de que o requerente é presumivelmente titular.
5. In casu, se a medida do arresto, depois de decretado, já foi revista uma vez, não se vislumbra por que razão o Requerente entende deve ser novamente modificada, se todos os pressupostos da providência se mantêm exactamente os mesmos.
6. O arresto do valor das rendas, ou de parte dele, seria excessivo por abranger mais bens do que os suficientes ou necessários para a garantia do crédito do Requerente e constituiria uma violência injustificada sobre o Requerido, pelo que, salvo melhor entendimento, deverá ser recusado em conformidade.
7. Assim não se decidindo, o que de todo não se concede e apenas admite por mera cautela e dever de patrocínio, qualquer valor referente a rendas que viesse a ser arrestado teria de ser deduzido de 55% do valor mensal das despesas geradas pelo imóvel, as quais só a final podem ser apuradas, mas que são não inferiores à soma das seguintes verbas (conforme resulta dos artigos 54º a 61º da contestação apresentada na acção principal e dos documentos já juntos aos autos):
a. Condomínio: MOP$4,492.75/mês;
b. Contribuição Predial: MOP$4,662.00/ano (MOP$388.50/mês);
c. Renda paga ao Governo de Macau: MOP$803.00/ano (MOP$66.92/mês);
d. Comissão paga à agência de mediação imobiliária para recebimento de rendas: MOP$100/mês.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, conclui como na oposição ao arresto, para que se faça a habitual Justiça.
Seguidamente, o Mm° Juiz decidiu nos seguintes termos (fls. 215 a 216):
“Foi arrestada a quota-parte indivisa de 55% de um imóvel que se encontra arrendado. O arrestante pretende que seja depositada à ordem do tribunal a parte da renda correspondente à quota arrestada (55%).
É certo que à execução do arresto se aplicam as regras da penhora e que a penhora de imóveis abrange as rendas, enquanto frutos civis, que não sejam expressamente excluídos e não sejam objecto de nenhum privilégio (arts. 351º e 727º do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, não foi arrestado um bem imóvel, mas um direito relativo a um bem indiviso, sendo que à penhora de direitos se aplicam subsidiariamente as regras da penhora de imóveis (art. 752º do Código de Processo Civil). Assim, foi arrestado um direito e não um bem imóvel, pelo que só subsidiariamente se aplicam as regras da penhora de imóveis, havendo antes que considerar o disposto no art. 750º do Código de Processo Civil, o qual, pelo uso do termo “unicamente” (nº 1) e pela referência expressa ao direito aos lucros das quotas sociais penhoradas parece apontar para a não abrangência das rendas em caso de penhora da quota indivisa do direito de propriedade.
Mas mais decisivo no sentido apontado é a referência ao direito de voto no caso de penhora da quota em sociedade, o qual não é abrangido pela penhora, o que aponta para que o titular da quota social penhorada continue a votar, designadamente quanto à distribuição, ou não, de dividendos. É certo que esta última norma só por analogia aqui poderia intervir, pois não á directamente aplicada ao caso dos autos. Mas obriga a concluir que para decidir se as rendas requeridas devem ser consideradas arrestadas é imperioso atender-se às regras da administração da compropriedade.
Ora, se for penhorado bem imóvel, cabe ao depositário a sua administração, recebendo os frutos e administrando o imóvel penhorado (art. 729º do Código de Processo Civil). Mas se for penhorado um direito, a “administração” dos frutos respectivos que sejam abrangidos continua a caber ao titular, que assim “vota” quanto à “distribuição dos dividendos” ou à sua aplicação na “sociedade” (leia-se no caso em apreço compropriedade ou condomínio), pois que, se quanto aos actos de conservação, cada comproprietário pode actuar individualmente, quanto aos demais actos de administração, na falta de regulamente em contrário, só conjuntamente podem ser praticados.
Este regime jurídico sumariamente enunciado leva a concluir que as rendas são frutos civis da coisa e não da quota arrestada nem do somatório as quotas indivisas. Assim, contrariamente à quota em sociedade, expressamente referida no art. 750º do Código de Processo Civil para incluir na penhora o direito aos lucros (melhor seria referir dividendos enquanto lucros distribuíveis) mas não o direito ao voto, a penhora/arresto da quota da compropriedade não abrange as rendas enquanto frutos civis. De contrário não se nomearia depositário para administrar a compropriedade e impediam-se os condóminos de a administrar em grande parte. Já no caso de a sociedade deliberar distribuir dividendos, estes ficarão penhorados/arrestados, pelo que só se compreenderia que se admitisse a inclusão das “rendas” proporcionais à quota arrestada da coisa comum se os condóminos decidissem distribuí-las.
Pelo exposto, considerando excepcional a norma do art. 750º do Código de Processo Civil que se refere aos lucros, conclui-se que a regra geral é a oposta, de forma que não ficam abrangidas pela penhora/arresto as rendas proporcionais à quota indivisa penhorada/arrestada da coisa comum.
Indefere-se pois o requerimento de fls. 198.
Custas do incidente pelo requerente, com taxa de justiça mínima.
Notifique.”
Com esta decisão não conformou, recorreu para esta instância, o requerente A (XXX), que alegou em síntese o seguinte:
A. A decisão recorrida violou o disposto no art.º 9º, nº 1 do CCM porque se fundou na aplicação analógica da solução fixada na alínea c) do nº 4 do art.º 750º, nº 4 do CPCM para o direito de voto do titular da quota penhorada, a qual é insusceptível de aplicação no caso “sub judice”, dado que a “vexatia quesito”, i.e., a extensão da penhora aos frutos civis, não configura um caso omisso, antes se encontra expressamente regulada no artº 727º, do CPCM, aplicável à penhora de direitos relativos a bem indivisos por força do art.º 752º do mesmo diploma.
B. Se, nos termos do disposto no art. 1299º do CCM. O comproprietário tem direito a uma quota-parte do bem em compropriedade – como sucede no caso ora em apreço – tal significa que ele tem igualmente direito a idêntica quota-parte dos frutos daquele bem, pelo que a penhora do seu direito abrange a penhora dos frutos, por força do disposto do artº 727º, nº 1, ex vi do art.º 750º, ambos do CPCM, sendo este regime também aplicável ao caso “sub judice” por força dos artº 352º, nº 2 do mesmo diploma e do art.º 618º nº 2 do CCM.
C. A decisão ora recorrida de que não ficam abrangidas pela penhora/arresto as rendas proporcionais à quota indivisa penhorada/arrestada da coisa comum, viola assim o disposto no art.º 9º, nº 1 do CCM, bem como o artº 727º, nº 1 do CPCM, aplicável à penhora de direitos relativos a bens indivisos por força do artº 752º do mesmo diploma e, por conseguinte, aplicável ao caso “sub Júdice” por força do artº 352º, nº 2 do CPCM e do artº 618º nº 2 do CCM.
Nestes termos, deverá ser revogada a decisão recorrida com as legais consequências.
A este recurso respondeu o requerido B que:
1. Salvo o devido respeito por melhor entendimento e opinião, a decisão do Meritíssimo juiz do Tribunal a quo ora posta em crise pelo impetrante é acertadíssima do ponto do vista legal e encontra-se devidamente fundamentada, não merecendo, por conseguinte, qualquer censura por parte desse Venerando Tribunal de Segunda Instância.
2. Como se sabe, no caso dos autos não foi arrestado um bem imóvel, mas sim o direito relativo a um bem indiviso.
3. Dada a redacção do artigo 750º do CPC, número 1, em particular pela utilização do vocábulo “unicamente”, parece que não restam dúvidas quanto à não aplicação supletiva de normas referentes à efectivação da penhora de coisas imóveis e de coisas móveis e em particular do artigo 727º do CPC, como pretende o Recorrente.
4. Se o legislador não tivesse querido excluir a aplicação subsidiária das normas referentes à penhora de coisas imóveis e de cosias móveis do âmbito da penhora de direitos a bens indivisos previsto no artigo 75º do CPC, nomeadamente no que concerne à extensão da penhora, como é que se explica a redacção dada ao número 1 do artigo 750º do CPC, principalmente quando confrontada com a redacção de outras normas relativas à penhora de direitos incluídas na mesma Subsecção em que se encontra a norma em análise?
5. Vejam-se os artigos 742º, 743º, 747º, 748º, 749º e 751º do CPC – em nenhum deles se utiliza a expressão “a diligência consiste unicamente” ou outra semelhante que restrinja os efeitos da penhora tal como determinado no número 1 do artigo 75º do CPC.
6. Se, no caso de penhora de quota em sociedade, o legislador sentiu necessidade de explicitar na alínea b) do número 4 do artigo 750º do CPC que “A penhora abrange os direitos patrimoniais inerentes à quota (…)” (leia-se frutos civis), forçoso será concluir, salvo melhor opinião, que a norma da alínea b) do número 3 do artigo 750º do CPC é especial relativamente à norma do número 1 do artigo 750º do CPC, pelo que a penhora de direito a bens indivisos, a que este se refere, não inclui os frutos civis que lhe são relativos.
7. O artigo 727º do CPC não pode ter, portanto, e salvo melhor opinião e entendimento, aplicação ao caso dos autos.
8. Está equivocado o Recorrente quando alega e assenta as suas alegações, no pressuposto de que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo aplicou subsidiariamente ao caso dos autos a norma contida na alínea c) do artigo 750º do CPC, pois tal não aconteceu.
9. O Meritíssimo Juiz o Tribunal a quo apenas se socorreu da referida norma para concluir que para decidir se as rendas requeridas devem ser consideradas arrestadas é necessário atender-se às regras da administração da compropriedade, após o que conclui – e bem – que as rendas são frutos civis da coisa e não da quota arrestada nem do somatório das quotas indivisas.
10. Quanto às citações de doutrina e jurisprudência feitas nos parágrafos 11 e 12 das alegações do Recorrente, importa dizer que as mesmas são totalmente descontextualizadas da realidade normativa da RAEM, porquanto têm subjacente uma norma diferente daquela que vigora na nossa ordem jurídica e importa nos presentes autos.
11. Constata-se, de imediato, que enquanto o nosso artigo 750º, número 1 do CPC, determina que “a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens” para todos os casos em que “a penhora [tenha] por objecto o direito a bens indivisos”, no caso do número 1 do artigo 862º do Código de Processo Civil Português a restrição dos efeitos da diligência está prevista apenas para os casos em que “a penhora [tenha] por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo”. (negro e sublinhado nossos)
12. Acresce ainda que o artigo 862º do Código de Processo Civil Português não contempla qualquer norma semelhante ao número 4 do artigo 750º do CPC de Macau, a qual foi preponderante para o sentido da decisão do recorrida e ora posta em crise, conforme melhor se explanou no despacho recorrido.
13. Pelo exposto, diversamente do que propugna novamente o Recorrente, a legislação de Macau não lhe confere o direito a ver penhorada qualquer parte das rendas geradas pela fracção a que se refere o direito penhorado no âmbito dos presentes autos.
Caso assim V. Exas. não entendam, o que apenas se admite pró mera cautela de patrocínio, requer-se, então, seja ponderado o seguinte, conforme exposto e requerido pelo Recorrido na sua resposta de 16 de Julho de 2010 ao requerimento do ora Recorrente de fls. 198.
14. Contrariamente ao que pretende o ora Recorrente, o arresto decretado não deverá abranger os frutos civis da fracção dos autos, mas apenas a quota indivisa de 55% sobre a mesma.
15. Isto porque, após audi6encia contraditória do Recorrido, subsequente ao decretamento da providência, concluiu-se que apenas ficou demonstrada a probabilidade de o Recorrente ter direito a adquirir a referida quota sobre a fracção dos autos.
16. Consequentemente, o arresto inicialmente decretado foi reduzido à quota indivisa da fracção e ordenado seu levantamento no que respeita às contas bancárias do Recorrido, anteriormente arrestadas até à quantia de MOP$1.493.081,58.
17. Ora, esta decisão de reduzir o arresto à quota indivisa da fracção autónoma teve subjacente o critério legal da suficiência da providência face à necessidade de garantir o crédito ou direito de que o Recorrente é presumivelmente titular.
18. In casu, se a medida do arresto, depois de decretado, foi revista uma vez face à factualidade provada nos autos, crê-se não assistir razão ao Recorrente quando pretende ver novamente modificada a medida do arresto, se todos os pressupostos da providência se mantêm exactamente os mesmos.
19. Com o devido respeito por eventual opinião contrária, o arresto do valor das rendas ou de parte dele, seria excessivo por abranger mais bens do que os suficientes ou necessários para a garantia do crédito do Recorrente e constituiria uma violência injustificada sobre o Recorrido, pelo que, no entender do Recorrido, deverá ser recusado em conformidade.
20. Assim não se decidindo, o que se apenas admite por mero dever de patrocínio, então, qualquer valor referente a rendas que viesse a ser arrestado teria de ser deduzido de 55% do valor mensal das despesas geradas pelo imóvel, as quais só a final podem ser apuradas, mas que são não inferiores a MOP$5,048.17, correspondente à soma das verbas descritas nos artigos 54º a 61º da contestação apresentada na acção principal e dos documentos já juntos aos autos.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrido.
Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos legais.
Conhecendo.
O objecto do presente recurso consiste unicamente em saber se o arresto ordenado sobre a quota parte de 55% do bem indiviso do requerido abrange também a renda respeitante à mesma quota ao abrigo do disposto do artigo 750° ex vi artigo 351° do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 351° do Código de Processo Civil:
“1. O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
2. O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta secção.”
Foi nos presentes autos ordenado o arresto sobre a quota-parte indivisa de 55% de um imóvel, o que implica o arresto não incidente no próprio imóvel, ou seja um arresto sobre o direito. Na parte em que seja aplicável ao arresto, o disposto legal respeitante à penhora consta no citado artigo 750° do Código de Processo Civil que:
“1. Se a penhora tiver por objecto o direito a bens indivisos, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do tribunal da execução.
2. Os notificados podem fazer as declarações que entendam quanto ao direito do executado e ao modo de o tornar efectivo.
3. Quando o direito seja negado, a penhora subsiste ou cessa nos termos do artigo 744.º
4. ... .”
Sendo o arresto uma providência cautelar que, por natureza, visa uma tutela urgente baseada na aparência do direito para o qual se requer tutela provisória ou antecipatória, fundada no bonus fumus juris e numa prova perfunctória, a lei impõe para declaração definitiva do direito, a instauração da acção relativa ao direito acautelado.
Na penhora, como simplificou o Prof. Alberto dos Reis, apreende os bens do executado, vende-os, com o produto da venda paga ao credor. Este esquema mostra que os actos ou as operações funcionais da execução para pagamento de quantia certa são: a penhora, a venda e o pagamento. A penhora é uma providência de afectação, a venda uma providência de expropriação, o pagamento uma providência de satisfação.1
Como se sabe, o arresto – artigo 351º do Código de Processo Civil – é uma providência cautelar antecipatória da penhora – artigo 732º do Código de Processo Civil – visando garantir um crédito, acautelando eventual prejuízo do credor que receia não o poder cobrar. Por isso o “destino” natural do arresto é ser convertido em penhora, exercendo uma função meramente instrumental relativamente ao processo de execução.2
O arresto, sendo embora providência antecipatória da penhora, só se justifica na medida em que se torne indispensável dar ao credor os meios de obter o pagamento do seu crédito. Daí que a lei se oponha a que se apreendam mais bens do que os suficientes para a segurança da obrigação. Assim, se o arresto houvesse sido requerido em mais bens do que os suficientes para a segurança da obrigação deve o juiz reduzir a garantia aos justos limites (artigo 353° n° 2 do Código de Processo Civil).
Em caso concreto, o requerente é credor do requerido de um crédito enquanto promitente comprador da quota indivisa que este detém na propriedade da fracção autónoma acima referida e ficou provado que o requerido não só não pretende cumprir a promessa de venda, como se prepara para alienar o seu direito de propriedade.
O interesse do requerente consiste em adquirir o mesmo direito indiviso, e, embora o crédito a que o arresto visa garantir tenha natureza de aparência, não exigindo que tudo corresponde à verdade, pelo facto de se verificar o perigo em mora, o direito arrestado não pode deixar de ser suficiente para a garantir o seu crédito.
Por outro, tendo em conta a natureza funcional da penhora por haver apreensão efectiva dos bens, a lei manda estender essa medida aos frutos dos imóveis penhorados, pela forma a abranger “todas as suas partes integrantes e os seus frutos, naturais e civis” (artigo 727° n° 2 do Código de Processo Civil)3. Tratando-se, porém, a providência de um arresto do direito indiviso sobre o imóvel, por não haver apreensão efectiva dos bens, não há lugar à administração dos bens nos termos do artigo 729° do Código de Processo Civil, e, com certeza, a diligência da penhora consiste unicamente na notificação referida no artigo 750° do Código de Processo Civil, sem necessidade, por isso, nesta parte, de recorrer à aplicação subsidiária do regime regulado a penhora dos imóveis por força do disposto no artigo 752°.
Sabe-se que o recurso à aplicação subsidiária do regime que regula a penhora não pode deixar de se limitar aos dispostos legais operacionais, i.e., como por exemplo quando pretender arrestar um imóvel, para sabe como se faz as diligência do arresto, recorre neste momento ao regime que regula a penhora. De qualquer maneira, antes de recorrer a este o regime, tem que toma em conta tanto a natureza do próprio arresto, como a alcance da decisão que ordena o arresto, razão pela qual, se fizesse estender o arresto de direito sobre o imóvel indiviso às suas rendas, o arresto das mesmas não pode deixar de ser uma nova providência cautelar dos bens móveis ou de direito (de crédito), ampliando o objecto e alcance do arresto ordenado.
Embora a decisão recorrida confunda a regra de modus operandis da penhora aplicável ao arresto com a regra inerente do arresto, a decisão tomada não deixa de ser correcta, o que impõe a sua manutenção com a consequente improcedência do recurso.
Ponderado resta decidir.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
RAEM, aos 17 de Março de 2011
Choi Mou Pan
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 In Processo de Execução, vol. 2, Reimpressão, 1985, p. 91.
2 Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Procedimentos Cautelares Especificados, Almedina, 2001, pág.190.
3 Neste sentido também o acórdão da RP de Portugal, de 28 de Outubro de 2008 do processo n° 0825080.
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