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Processo nº 1072/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 31 de Março de 2011

ASSUNTO
  - Aplicabilidade do nº 5 do artº 95º do CPCM


SUMÁRIO
    - A notificação prevista no nº 5 do artº 95º do CPC tem sempre lugar se foi praticado o acto nos primeiros 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo sem que tenha sido paga a multa devida, independentemente haver ou não o prévio requerimento da guia para pagamento imediato da multa por parte do interessado.
    
O Relator,

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Ho Wai Neng







Processo nº 1072/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 31 de Março de 2011

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I
Por despacho 01/09/2010, decidiu-se em não admitir o recurso interposto pela recorrente Companhia de A, Limitada, por considerar o mesmo ser extemporâneo.
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Inconformada com a decisão da não admissão, vem a referida recorrente, nos termos do artº 620º do CPC, reclamar para a Conferência, alegando que o recurso foi interposto logo no primeiro dia útil ao do termo do prazo, daí que deveria, em vez de proferir o despacho da não admissão, ordenar proceder à notificação para pagamento da multa prevista no nº 5 do artº 95º do CPC.
Pedindo assim que seja revogado o despacho reclamado, admitindo o recurso interposto.
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Notificada a parte contrária, esta vem dizer que “nada tem a dizer sobre a mesma”.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II
Factos provados:
- Por carta registada datada de 07/01/2009, foi a R. Companhia de A, Limitada, ora reclamante, notificada da sentença constantes a fls. 1336 a 1363 dos autos.
- Em 21/01/2009, a ora reclamante apresentou requerimento de interposição de recurso.
- Por despacho de 03/02/2009, o Mmº Juíz titular do processo admitiu o recurso interposto.
- Em 10/03/2009, a ora reclamante apresentou as alegações de recurso.
- Em 06/07/2010, a secretaria deste Tribunal verificou que, tendo em conta a data da notificação da sentença, o prazo do recurso terminou no dia 20/01/2009, sem que no entanto tinha sido paga a multa correspondente.
III
A questão que se coloca é justamente a de saber se a notificação a que se alude o nº 5 do artº 95º do CPC só tem lugar na hipótese de a prática do acto nos primeiros 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo ter sido acompanhada do requerimento para imediato pagamento da multa devida.
Para o Coordenador da Comissão de Revisão do Código de Processo Civil de Macau, “só se requerido o pagamento imediato da multa, ela não for paga, só então é que a secretaria mandará notificar a parte faltosa para proceder ao pagamento da multa e da sanção fixada”.
No mesmo sentido, temos ainda os Acórdãos deste Tribunal, proferido nos Processos nºs 42/2001 e 84/2001.
Tudo isto aponta, num primeiro momento, para a improcedência da reclamação, já que a ora reclamante nunca pediu guias para imediato pagamento da multa devida.
Contudo, não ignoramos que o Tribunal de Última Instância da RAEM também pronunciou sobre a questão subjacente.
Por Acórdão proferido no Proc. nº 9/2003, de 25/06/2003, o TUI decidiu no sentido oposto, isto é, a notificação prevista no nº 5 do artº 95º do CPC tem sempre lugar se foi praticado o acto nos primeiros 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo sem que tenha sido paga a multa devida, independentemente haver ou não o prévio requerimento da guia para pagamento imediato da multa por parte do interessado, por entender que:
    “No n.° 4, do art. 95.º prevê-se o caso de a parte se apresentar para praticar um acto processual no primeiro, segundo ou terceiro dia útil seguinte ao termo do prazo, pagando imediatamente uma multa de determinado montante.
   O que se diz no n.° 5 do mesmo artigo é que praticado o acto em qualquer dos 3 dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa referida no número anterior, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar uma multa de montante igual ao dobro da mais elevada prevista no número anterior, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto.
   Ora, em nenhum local se diz que a secretaria só notifica o interessado para pagar a multa em dobro, se este tiver requerido o pagamento da multa em singelo, e não a tiver pago.
   Antes pelo contrário, o que resulta do teor literal do preceito é que se o acto for praticado em qualquer dos 3 dias seguintes sem ter sido paga a multa, a secretaria, logo que a falta seja verificada, notifica o interessado para pagar a multa em dobro, independentemente de este ter ou não requerido o pagamento da multa em singelo.
   Ou seja, em direitas contas, a interpretação que se combate, acrescentou aos requisitos da prática do acto nos 3 dias seguintes ao termo do prazo, um novo requisito não previsto na lei.”
Para sustentar a sua interpretação, recorreu-se aos seguintes elementos históricos e doutrinários:
   “A segunda parte do n.° 5 e o n.° 6 do art. 145.º do Código de 1961 foram introduzidos no nosso sistema jurídico por via do Decreto-Lei n.° 242/85, de 9.7.
   Contudo, a sua origem está na Lei n.° 3/83, de 26.2, que alterou o Decreto-Lei n.° 224/82, de 8.6, diplomas estes que nunca chegaram a vigorar, por ter sido suspensa a sua vigência e posteriormente, revogados.
   O Decreto-Lei n.° 224/82 foi o primeiro diploma que saiu da Comissão de Reforma do Código de Processo Civil de 1961.
   Entretanto, formou-se na Assembleia da República uma subcomissão encarregada de proceder aos estudos para ratificação do Decreto-Lei n.° 224/82.
   A Assembleia da República viria a aprovar a Lei n.° 3/83, que alterou o Decreto-Lei n.° 224/82.
   A Comissão de Reforma do Código de Processo Civil não procedeu a qualquer alteração do art. 145.º do Código de Processo Civil de 1961. 1
    Viria a ser a subcomissão da Assembleia da República, a autora da proposta de alteração das normas que se contêm na segunda parte do n.° 5 e no n.° 6 do art. 145.º do Código de Processo Civil de 1961. Ora, na anotação ao art. 145.º do Código de Processo Civil de 1961, relativamente ao texto introduzido pela Lei n.° 3/83, o anotador da mencionada publicação “Reforma do Código de Processo Civil”, II, CAMPOS COSTA, escreveu o seguinte na página 24: 2
   “Na subcomissão encarregada pela Assembleia da República de proceder aos estudos para ratificação do Decreto-Lei n.° 224/82 invocou-se que a doutrina do n.º 6 pretendia prever a hipótese de a parte entregar em juízo algum requerimento ou documento em qualquer dos três dias úteis imediatos ao termo do prazo e de não pagar logo a multa devida, por supor erradamente estar ainda dentro do prazo.”
   Se a inovação exarada na parte final do n.° 5 se tem em certa medida por aceitável, algumas reservas se devem pôr quanto à bondade da solução prescrita no n.° 6” (o sublinhado é nosso) .
   Ora, daqui resulta indiscutivelmente que o elemento histórico da interpretação aponta para o sentido do texto legal, para que propendemos.
   Pois, se se pretendeu - com o n.° 6 - prever a hipótese de a parte entregar em juízo algum requerimento ou documento em qualquer dos três dias úteis imediatos ao termo do prazo e de não pagar logo a multa devida, por supor erradamente estar ainda dentro do prazo, temos que o que os deputados quiseram foi precisamente prever o caso em que a parte conta erradamente um prazo.
   Logo, o que se quis foi prever a situação em que o acto processual é praticado em qualquer dos três dias úteis imediatos ao termo do prazo, mas em que a parte não pede guias para o pagamento da multa em singelo, por não saber que praticou o acto fora do prazo.
   Recorde-se, ainda, o momento histórico em que foram produzidos o Decreto-Lei n.° 224/82 e a Lei n.° 3/83 e que é explicado na “Nota preambular” da autoria do Ministro da Justiça e a “Advertência” do punho de CAMPOS COSTA.3 O Decreto-Lei n.° 224/82 teve a oposição expressa da Ordem dos Advogados, sendo que a subcomissão da Assembleia da República encarregada de proceder aos estudos para ratificação do Decreto-Lei n.° 224/82, era, ao que parece, composta exclusivamente por advogados.4
   Ora, a Ordem dos Advogados veio a considerar aceitável a Lei n.° 3/83, que ratificou com alterações o Decreto-Lei n.° 224/82, o que mais ajuda a explicar o espírito que presidiu à alteração da segunda parte do n.° 5 e do n.° 6 do art. 145º do Código de Processo Civil de 1961.
   Já vimos que o próprio CAMPOS COSTA, interpreta a norma em questão do modo como o fazemos, embora a critique de jure condendo.
   Da mesma opinião é CARDONA FERREIRA5 que, tal como o anterior autor, também fazia parte da Comissão de Reforma já referida e que escreve o seguinte em anotação ao art. 145.º:
    “A última parte do n.° 5 e o n.° 6 não resultaram dos trabalhos da Comissão de Reforma; repetem o texto da Lei 3/83, de 26-2, que fora objecto de suspensão (D.L. 356/83, de 2-9).
   Feitos esses acrescentamentos, tem de se entender, relativamente ao n.° 6: a multa para cujo pagamento se notifica o interessado dependerá da data em que o acto tenha sido praticado, isto é, o interessado será notificado para pagar o dobro da multa que teria sido, desde logo, cobrada, em função da data da prática do acto, se o interessado a tivesse pago espontaneamente; se a secretaria não tiver agido antes de qualquer despacho, por maioria de razão agirá sob despacho se for o juiz a detectar a extemporaneidade da prática do acto; a notificação oficiosa deve ser feita desde que a multa não tenha sido paga espontaneamente, quer o interessado tenha chegado a pedir guias, quer não - atendendo ao claro significado do n.º 6 ”.
  Entendeu o TUI ainda que “o novo Código de Macau seguiu de perto a reforma portuguesa de 95/96 e, na parte em apreço, relativa aos prazos, é uma cópia integral do Código português, pelo que a opinião do autor do Código de Macau é de reduzida relevância enquanto tal, quando não é confortada com a doutrina e a jurisprudência sobre a norma.”
  E “não há qualquer interpretação autêntica porque o regime legal não foi alterado, limitou-se a reproduzir o regime que já vigorava. A opinião do autor do Projecto do Código só poderia ter algum valor, para efeitos de interpretação, se tivesse inovado o regime vigente e se ele fosse o autor da solução. Como isso não aconteceu, tal opinião, vale o que vale uma opinião de um jurista. Neste caso, salvo melhor entendimento, é um erro de doutrina e nada mais.”
É esta posição que vamos adoptar, por mais corresponder ao espírito legislativo.
Pois, não nos parece justo e correcto sancionar desde logo com a não admissão do recurso por a ora reclamante não ter requerido guias para pagamento imediato da multa devida nos termos do nº 4 do artº 95º do CPC.
Quer para o caso em que foram requeridas guias para pagamento, quer para o caso negativo, certo é que em ambos os casos a multa devida não é paga.
Pergunta-se então porquê razão na primeira hipótese a prática do acto ainda pode ser ressalvada pela aplicação do nº 5 do artº 95º do CPC, ao passo que a consequência da segunda é simplesmente a não admissão da prática do acto?
Não resulta da letra da lei, como bem observou o douto citado Acórdão do TUI, que o legislador pretendia distinguir estas duas situações e consagrar regimes diferentes.
Também não há razões plausíveis que permitem um tratamento diferente.
Por outro lado, o CPC de 1999 acentuou o poder de direcção do processo do juíz, ao qual incumbe providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, sempre que essa falta seja susceptível de suprimento, determinando a realização de actos necessários à regularização da instância (cfr. nº 2 do artº 6º do CPC).
Assim, o juíz, em cumprimento do seu poder-dever acima em referência, ao detectar o acto ter sido praticado nos primeiros 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo sem a multa devida ter sido paga, deveria mandar proceder-se à notificação da parte interessada para pagamento da multa nos termos do nº 5 do artº 95º do CPC.
IV
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente a reclamação, revogando o despacho recorrido e ordenando que sejam passadas guias para pagamento da multa nos termos do nº 5 do artº 95º do CPC.

Sem custas.
Notifique e registe.

RAEM, aos 31 de Março de 2011

O Relator,

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Ho Wai Neng
Os Juízes Adjuntos,

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Cândido de Pinho

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Lai Kin Hong

Processo nº 1072/2009
Declaração de voto de vencido

Vencido por razões por mim expostas na decisão da reclamação nº 3/2000 proferida em 10MAIO2000, assim como razões doutamente expostas no Acórdão de 22FEV1995 do TSJ no processo nº 228.

RAEM, 31MAR2011


O 2º juiz adjunto


Lai Kin Hong


1 Cfr. a Lei n.° 3/83 e CAMPOS COSTA, “Reforma do Código de Processo Civil, Lei n.º 3/83, de 26 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 128/83, de 12 de Março, com notas justificativas e trabalhos preparatórios II”, Lisboa, 1983, Ministério da Justiça, separata do BMJ 324. Neste BMJ 324, publicada a p. 49 a 331. O I volume desta obra, “Reforma do Código de Processo Civil, Decreto-Lei n.º 224/82, de 8 de Junho, com notas justificativas e trabalhos preparatórios, I” está publicado em separata do BMJ 318. Neste BMJ 318, publicada a p. 39 a 161.
2 BMJ 324, p. 68.
   3 Respectivamente a p. 5 e segs. e 13 e segs. da já citada CAMPOS COSTA, ”Reforma do Código de Processo Civil.. vol. II”. No BMJ 324, p. 53 e 57 e segs.
   4 Cfr. a sua composição na p. 14 da mencionada obra ”Reforma do Código de Processo Civil.. vol. II” e no BMJ 324, p. 58.
   5 No estudo intitulado Decreto-Lei n° 242/85, de 9 de Julho (Reforma intercalar do Processo Civil), Notas Práticas, p. 12.
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