Processo n.º 54/2009
(Recurso laboral)
Data: 14/Abril/2011
RECORRENTE :
A
RECORRIDAS :
S.T.D.M.
S.J.M.
RECORRENTE (Do Recurso Interlocutório)
A
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Vêm interpostos dois recursos pelo A. A:
A- Um recurso interlocutório relativo à não admissão de uma dada prova que pretendia produzir e se traduzia numa ordem à ré para que apresentasse uma acta de uma Assembleia Gera l da STDM em que esta deliberara constituir uma sociedade para que concorresse à concessão do jogo;
B- Recurso da sentença final em que impugna a validade da declaração remissiva dos alegados créditos laborais.
Em relação ao primeiro daqueles recursos, alega em sede de conclusões:
O requerido no ponto 1 do requerimento de 14/07/2008 probatório do A. para que fosse facultada a acta da assembleia geral extraordinária de cinco de Novembro de 2001 (doc. 1), na qual foi deliberado constituir uma nova sociedade (a 2.a Ré) para se candidatar à concessão da licença de jogo permitirá ao Tribunal decidir a questão da invalidade do acto ou negócio a que se refere a alínea H) dos Factos Assentes porque essa decisão pressupõe que se apure, primeiro, se, a 2.ª Ré sucedeu à 1.ª.
O objecto da prova requerida no ponto 1 requerimento de 14/07/2008 probatório consiste num facto no qual o tribunal se pode servir para fundar a sua decisão nos termos do art. 567.° e art. 5.°, n.º I do CPCM, pelo que se inscreve no direito à prova dos fundamentos da acção que assiste ao A., não por isso impertinente.
A diligência ora em causa foi requerida no momento processual próprio previsto no art. 35.°, n.º 1 do CPT, pelo que também não é dilatória.
A decisão recorrida, violou, assim, nesta parte, o disposto no art. 6.°, n.º 1 e 3 e no art. 442.°, n.º 1 do CPCM, e, em consequência "o direito à prova relevante" que assiste ao A. ora Recorrente.
NESTES TERMOS entende que deve ser dado provimento ao recurso, substituindo-se o despacho na parte recorrida por outro que ordena a realização da diligência requerida, se razão diversa a tal não obstar, anulando-se os termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, com as legais consequências.
Sobre o recurso da sentença, alega em síntese:
O despacho de fls. 412 e ss. não seleccionou a matéria de facto indicada na reclamação de fls. 404 e ss., o que: (i) inviabilizou a apreciação da validade da segunda parte do documento de fls. 298 à luz das várias soluções plausíveis de direito, designadamente à luz da cessão da empresa ou cessão da posição contratual operada entre a 1ª Ré e a sua subsidiária SJM, e da anulabilidade do negócio usurário de fls. 298; e (ii) impediu que fosse produzida prova sobre os factos demonstrativos de que a vontade negocial da ora Recorrente não foi livre na sua formação e subsequente externalização.
O despacho de fls. 412 e ss. proferido sobre a reclamação de fls. 404 e ss. – na parte em que indeferiu o aditamento à base instrutória da matéria alegada nos artigos 16.° a 18.°, 62.°, 68.°, 69.°, 71.°, 72.°, 75.°, 99.°, 111.°, 154.°, 155.°, 163.°, 171.°, 172.°, 272.°, 273.° e 300.° da p.i., - violou o disposto no artigo 430.°, n.º 1 do CPCM, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que alargue a Base Instrutória e ordene a realização de novo julgamento sobre a matéria que nela for aditada.
Os elementos de prova produzidos nos autos e especificados no corpo destas alegações não suportam a convicção que o Tribunal a quo formou quanto à matéria dos quesitos 14.°, 14.º-A, 16.°, 17.°, 27.°, 29.° e 30.° da Base Instrutória, os quais deveriam, por isso, ter sido dados como "PROVADOS".
O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 5.°, n.º 2, 436.° e 562.°, n.º 3, in fine, todos do CPCM, porque não fez o exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer.
A sentença recorrida ao pressupor que a relação laboral do A. cessara com a sua transferência para a SJM, violou o art. 567.°, o art. 5.°, n.º 1 e 2, 434.°, e 562.°, n.º 3, todos do CPCM, bem como o artigo 111.° do Código Comercial.
Isto porque se trata de um facto notório (também provado documentalmente nos autos) que a SJM passou a explorar o complexo económico em que o A exercia a sua actividade, o qual se destacou como parte da empresa explorada pela 1ª Ré , e o A continuou ao serviço da SJM em execução do contrato anteriormente celebrado, o que é suficiente para, em face do art. 111.º do Código Comercial afirmar que aquele contrato subsistiu e que a segunda R. sucedeu na posição que a primeira ocupava no mesmo contrato.
Ao pressupor que a relação laboral do A. cessara com a sua transferência para a SJM em 1 de Abril de 2002 (sem qualquer contrato!) ou posteriormente em Julho do mesmo ano, com a formalização contratual dessa transferência, o Tribunal a quo violou também o disposto nos artigos 427.º CC de 1966 e art.º 420.º do CC actual e/ou do artigo 111.º do Código Comercial, dado que modificação da relação laboral foi meramente subjectiva, isto é, do lado do empregador, que, formalmente, passou a ser a SJM em vez da STDM.
A segunda parte da "declaração" (聲明書) relativa ao "prémio de serviço" (服務賞金) a que se refere o documento 1 da Contestação consubstancia um acto ou negócio nulo, nos termos do disposto no art. 287.º do Código Civil ex vi do artigo 33.º e do art. 6.º do Decreto-Lei 24/89/M, independentemente de a relação jurídica iniciada com a 1ª Ré se ter ou não extinto com a transferência do A. para a SJM.
O Tribunal a quo violou o disposto no art. 342.º, n.º 1 do CCM porque não retirou (dos factos notórios publicados no BORAEM assinalados nas Alegações e do documento de fls. 168 e ss.) a ilação de que quando o A. foi transferida para a SJM não cessaram para o A. os constrangimentos a que estava sujeita quando trabalhava directamente para a sociedade dominante (STDM).
A sentença recorrida ao qualificar a segunda parte do documento de fls. 298 como um contrato de remissão de créditos, violou o art. 854.º do CCM por, face à prova documental produzida, não se verificarem no caso concreto, nenhum dos pressupostos dessa modalidade de extinção de obrigações.
Mesmo que nos queiramos afastar das normas que, em concreto, regulam a matéria controvertida no caso sub judíce, para procurar, outras, de sinal contrário, no sistema jurídico, mesmo assim só encontraremos normas - p. ex. o art. 707.°, n.º 1, a) do CPCM e o art. 60 do Decreto-Lei n.º 40/95/M - que reforçam a solução de jure constituto estabelecida nos artigos 6.° e 33.° do "Regime Jurídico das Relações Laborais".
Não existe nenhuma disposição legal que ressalve ou mitigue o regime fixado no artigo 6.° e no artigo 33.° do Decreto-Lei 24/89/M.
Em Macau, o legislador ordinário não ressalvou no art. 33.° do "Regime Jurídico das Relações Laborais", nem em qualquer outra norma de outro diploma, nenhuma situação em que o empregador pudesse violar, mediante transacção, o núcleo essencial dos direitos basilares dos trabalhador à retribuição do trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados previsto no art. 5.°, n.º 1, a) e e) da "Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais".
O direito à retribuição do trabalho, o direito ao descanso semanal e a férias periódicas pagas, bem como a receber remuneração nos dias feriados foi reforçado no art. 5.°, n.º 1, a) e e) da "Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais" aprovada pela Lei n.º 4/98/M, de 29 de Julho (LBPEDL).
No caso sub judíce, uma interpretação no sentido da validade de um negócio relativo aos descansos obrigatórios do trabalhador na pendência de uma relação laboral com uma subsidiária (SJM) da 1ª Ré, sem autonomia funcional como é próprio das relações de domínio, redunda numa manifesta injustiça, em prejuízo da correcta aplicação do direito, designadamente do disposto nos artigos 6.° e 33.º do Decreto-Lei 24/89/M à luz do "princípio do favor laboratoris".
Se o legislador de Macau quisesse ter ressalvado o momento a partir do qual o trabalhador podia passar a dispor dos seus créditos ao salário então:
- teria adoptado (para o actual artigo 33.º do Decreto-Lei 24/89/M) a redacção ora proposta para o artigo 44.° da "Proposta de lei (15/08/2006) do Regime Geral das Relações de Trabalho", ou
- teria introduzido no ordenamento juslaboral de Macau normas correspondentes às previstas em Portugal no artigo 97.° do "Regime Jurídico do Contrato de Trabalho" aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24-11-1969, no artigo 271.° do actual "Código do Trabalho" português aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto e no artigo 8°. n.º 4 do “Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo” aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27/02/1989.
Ora, como o legislador de Macau não fez uma coisa nem outra, e uma vez que se não pode ignorar ou contornar o regime imperativo especial do actual artigo 33.º e do art. 6 do Decreto-Lei 24/89/M, ter-se-á que presumir, para efeitos da fixação do sentido e alcance da norma contida no actual artigo 33.º do Decreto Lei 24/89/M, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.1
A sentença recorrida baseou-se na jurisprudência juslaboral formada sobre o artigo 8°, n.º 4 da LCCT (DL 64-A/89, de 27/02/1989), o artigo 97.° do regime jurídico do contrato de trabalho aprovado pelo DL 49 408, de 24-11-1969 e o artigo 271.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, a qual se afasta da solução de jure constituto estabelecida em Macau nos artigos 6.° e 33.° do RJRL para a questão da (in)disponibilidade dos créditos ao salário.
Mesmo em Portugal, o caso "sub judice" não seria resolvido à luz da jurisprudência citada na douta sentença recorrida por causa do disposto no artigo 378.° do actual Código de Trabalho de Portugal (Responsabilidade solidária das sociedades em relação de domínio ou de grupo), ao abrigo do qual, sempre que o empregador seja uma sociedade comercial e esteja com outra, ou outras, numa das relações acima descritas, os seus trabalhadores podem demandar, indistintamente, a sociedade empregadora ou qualquer uma dessas sociedades, a fim de obterem a satisfação de créditos laborais, já vencidos, que detenham sobre aqueles.
O objectivo desta solução foi, efectivamente, o de intensificar a garantia patrimonial de tais créditos, evitando que a inclusão do empregador em determinado tipo de coligação intersocietária redunde em prejuízo dos seus trabalhadores.
A sentença recorrida ao qualificar a segunda parte da declaração de fls. 298 como sendo um contrato de remissão de créditos válido violou:
- o disposto no art. 558.°, n.º 1, por erro no julgamento da matéria de facto relativa aos quesitos 14.°, l4.º-A, 16.°, 17.°, 27.°, 29.° e 30.° da Base Instrutória;
- o disposto no art. 562.°, n.º 3 do CPCM, (i) porque não conheceu dos factos provados pelos documentos (não impugnados) de fls. 168 e ss. e do documento de fls. 174, parágrafo 8, (cf. Acórd. STJ de 28/2/80, no BMJ, 294376), que demonstram que a importância referida a fls. 298 não se destinou a saldar qualquer dívida e que, nessa data, se mantinha a dependência económica do trabalhador face à 1ª Ré por ser esta quem lhe continuava a pagar os salários;
- o disposto no artigo 6.° do Decreto-Lei 24/89/M interpretado à luz do princípio do tratamento mais favorável, que não consente acordos de que resultem condições de trabalho, (e.g. créditos salariais) mais desfavoráveis aquelas previstas nesse diploma;
- o disposto no art. 33.° do Decreto-Lei 24/89/M, que proíbe os contratos de remissão de créditos, sem ressalva dos negócios concluídos após o termo de efectivação de funções, diferentemente do que agora vem propor a redacção da norma prevista no artigo 44.° da "Proposta de lei (15/08/2006) do Regime Geral das Relações de Trabalho" ;
- o disposto no art. 8.°, n.º 3 do CCM, porque entende que o legislador não consagrou a solução mais acertada nos artigos 6.° e 33.° do Decreto-Lei 24/89/M, nem aí soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
- o disposto no artigo 287.° do CCM, que comina com a nulidade os negócios contrários a disposições legais de carácter imperativo como as previstas nos artigos 6.° e 33.° do Decreto-Lei 24/89/M;
- o disposto no art. 5.°, n.º 1, a) e) da "Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais" aprovada pela Lei n.º 4/98/M, de 29 de Julho, o qual está inscrito numa lei de valor reforçado e visa a protecção dos direito basilares dos trabalhadores, cujas restrições apenas podem ser definidas pelo legislador ordinário, e não foram.
Ao não apreciar a relação controvertida à luz dos factos notórios publicados no BORAEM demonstrativos da relação de domínio da SJM pela 1ª Ré, O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 434.° e 562.°, n.º 3 do CPCM.
No caso concreto, a sociedade dominada (SJM) não tem, de direito, autonomia funcional em relação à sociedade dominante (STDM), por isso se adere à opinião de João Zenha Martins, em artigo publicado, na revista Questões Laborais, Ano VIII - 2001, pág. 255 onde se defende que todas as formas de agrupamento ou cooperação interempresarial (...), que "apresentem possibilidades de afectação da tutela juslaboral outorgada pelo ordenamento e desfigurem as coordenadas básicas do sistema, devem ser objecto de tratamento idêntico e concitar do intérprete um esforço tendente à reposição da justiça violada".
Até porque no caso "sub judice" em que há coincidência de titularidade dos cargos de administração, nem sequer haverá propriamente instruções, já que directamente os titulares comuns do órgão de administração (especialmente o Administrador-Delegado Dr. Stanley Hung Sun Ho) imprimem a vontade (do órgão de administração) da sociedade dominante na administração da sociedade dominada.
Assim, se a SJM, mercê do seu estatuto de sociedade dominada pela 1ª Ré, não dispõe, de direito, de autonomia funcional por estar sujeita à vontade da sociedade dominate imprimida directamente pelo Administrador-Delegado, afigura-se contrário à figura da relação de domínio existente, in casu, concluir, como fez o Tribunal a quo, não ser de presumir que existissem constrangimentos de nível psicológico de tal modo intensos que inibissem o trabalhador de, livremente, manifestar a sua vontade negocial.
Neste contexto, o facto de ser notório que existe uma relação de domínio da 1ª Ré sobre a SJM para quem o A. trabalhava quando assinou as declarações de fls. 298, faz necessariamente presumir que a transferência do A. para a SJM, .lli1;Q fez desaparecer no A. aquele particular estado de sujeição, em que ela se encontrava face à sociedade dominante, que a inibia, do ponto de vista psicológico, de tomar decisões verdadeiramente livres e que tem sempre a virtualidade para retirar espontaneidade e autenticidade a qualquer declaração de vontade abdicativa de créditos salariais.
Ainda que fosse de acolher a jurisprudência portuguesa, que, ao abrigo do artigo 8°, n.º 4 da LCCT (DL 64-A/89, de 27/02/1989), consente a disponibilidade dos créditos salariais após a cessação da relação laboral, afigura-se evidente que tal entendimento não teve seguramente em vista a situação do caso sub judice, na qual o A. quando assinou as declarações de fls. 298, trabalhava para a SJM, i.e. trabalhava numa subsidiária sujeita a uma relação de domínio por parte da 1ª Ré.
Isto porque, por identidade de razão, procederem as mesmas razões, designadamente, os mesmos constrangimentos que obstam à disponibilidade dos créditos salariais na vigência da relação de trabalho com a sociedade dominante.
Subsidiariamente, ao não atender a nenhum dos vícios da vontade que inquinaram a declaração negocial manifestada no documento de fls. 298, a douta sentença recorrida terá violado o disposto nos artigos 240.°, n.º 2 ou 241.° ou 245.° ou 248.°, n.º 1, ou 275.°, todos do CCM.
NESTES TERMOS e no mais de direito entende dever ser dado provimento ao presente recurso com as legais consequências.
No essencial a recorrida SJM defende o acerto do decidido.
Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vem provada a factualidade seguinte:
Da confissão e das provas documentais resultam provados os seguintes factos:
O A. iniciou a relação contratual com a 1.ª R. desde 11 de Setembro de 1983, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalizações da mesma. (A)
O rendimento do A. era composto por duas partes, uma parte fixa e outra parte variável.(B)
A parte variável do rendimento dependia do valor global do dinheiro recebido dos clientes de casinos vulgarmente designado por gorjetas. (C)
Esta parte variável constituía a parte mais significativa do rendimento do A. (D)
As ditas gorjetas não se destinavam, em exclusivo, aos empregados que lidavam directamente com os clientes de casinos, mas também a outros, nomeadamente gerentes administrativos e pessoal da área de informática.(E)
As gorjetas oferecidas aos trabalhadores da 1.ª R. pelos seus clientes eram reunidas e contabilizadas pelos seguintes indivíduos: um funcionário do Departamento da Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do departamento da tesouraria da 1.ª R., um “floor manager” (gerente do andar) e um ou mais trabalhadores das mesas de jogo da 1.ª R. e depois distribuídas, de 10 em 10 dias, por todos os trabalhadores dos casinos da 1.ª R. (F)
O rendimento fixo proposto pela 1.ª R. era de MOP$4,10 por dia, desde o início da relação contratual até 30 de Junho de 1989, e depois de HKD$10,00 por dia até 30 de Abril de 1995, e ascendente a HKD$15,00 por dia, a partir de 1 de Maio de 1995 até 8 de Março de 2001, e finalmente de MOP$20,00 por dia, até ao final da relação contratual. (G)
No dia 2 de Agosto de 2003, o A. declarou ter recebido a quantia de MOP$44.522,67 referente à compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM, aqui 1ª R. ( Doc.n.º 1 junto com a contestação da 1ª R.). (H)
Na mesma data declarou que, com o montante então recebido nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a 1ª R. subsistiria e, por consequência, nenhuma quantia seria por ele (A.) exigível por qualquer forma, na medida em que nenhuma das partes devia à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral ( Doc. n.º 1 junto com a contestação). (I)
O A. recebeu e a 1ª R. pagou, após a assinatura da declaração mencionada na alínea H), a quantia de MOP$44,522.67.(J)
Resulta do Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na RAEM que, a 2ª R. obrigou-se a adquirir à 1ª R. a propriedade de todos os locais de instalação dos casinos (com excepção do Casino Lisboa), todos os equipamentos, todos os utensílios e todas as mobílias afectos aos jogos neles compostos. (K)
O A. cessou a relação contratual com a 1ª R. em 31 de Dezembro de 2002. (1 e 2.º)
Os trabalhadores de categoria profissional superior e os próprios trabalhadores que trabalhavam nas salas de casinos, ou seja, aqueles que prestavam directamente serviços aos clientes, recebiam percentagens do valor diferente das gorjetas. (4.º)
O A., como era regra, não podia ficar com quaisquer gorjetas que lhe fossem entregues pelos clientes do casino. (5.º)
Provado o que consta da alínea F) da matéria de facto assente. (6.º)
Caso não tivesse direito ao valor das gorjetas, não teria celebrado qualquer relação contratual com a STDM. (7.º)
As gorjetas recolhidas eram distribuídas aos trabalhadores consoante uma data percentagem anteriormente fixada pela 1.ª R. (7º-A)
As gorjetas recebidas dos clientes da R. são por esta distribuídas aos seus trabalhadoras para realizar o pagamento da parte variável do rendimento dos mesmos. (7º-B)
Durante o período em que prestava serviço à 1.ª R., o A. recebeu nos anos de 1984 a 2002, os seguintes rendimentos (Doc. n.º 2 junto com a p.i.): (8.º)
Ano
Rendimento total (MOP)
1984
40,663.00
1985
77,676.00
1986
79,361.00
1987
102,276.00
1988
126,318.00
1989
168,733.00
1990
196,325.00
1991
185,450.00
1992
173,519.00
1993
202,721.00
1994
210,764.00
1995
216,176.00
1996
195,781.00
1997
221,975.00
1998
206,363.00
1999
162,630.00
2000
153,391.00
2001
168,894.00
2002
160,550.00
Desde o início da relação contratual com a 1.ª R. até à sua cessação, o A. nunca foi dispensado pela mesma de um dia de descanso por cada semana de serviço prestado. (9.º)
Nem lhe foi dispensado pela 1ª R. de seis dias de descanso por cada ano de serviço prestado. (10.º)
Bem assim nunca foi dispensado de dias de descanso correspondentes aos feriados obrigatórios, quer remunerados quer não remunerados. (11.º)
A 1ª R. não pagou à A. qualquer compensação pecuniária adicional pelos serviços prestados nos dias descritos nos quesitos anteriores. (12.º)
A 2ª R. comprometeu-se pública e contratualmente que os trabalhadores da 1ª R. manteriam todos os direitos e regalias que fossem titulares na 1ª R., e, em especial, o direito à contagem dos anos de serviço para os todos os efeitos legais. (13.º)
Desde 1 de Abril de 2002 até 31 de Dezembro de 2002, o A. exerceu funções na companhia 2ª R., sob ordem da 1ª R., mantendo-se como entidade patronal esta última. (14.º)
Em meados de Junho de 2002, o A. foi avisado pelos seus superiores hierárquicos de que para poder exercer funções na 2ª R., deveria dirigir-se à secção de pessoal para formalizar a sua “ integração ” na dita empresa. (15.º)
Em 7 de Fevereiro de 2003, o A. assinou o contrato referido como doc. 1 junto na p.i., com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2003. (16.º)
Na perspectiva dos empregados da 1ª R. que depois transitaram para a 2ª R. não existe, na prática, qualquer distinção entre STDM e SJM. (17.º)
O A. tinha perfeito conhecimento do conteúdo da declaração mencionada nas alíneas H) e I) da matéria de facto assente, tendo abdicado de todos os créditos salariais. (31.º)
Antes da entrada do aqui A. ao serviço da 1.ª R., era do seu conhecimento que as gorjetas entregues pelos clientes aos trabalhadores não eram para seu benefício exclusivo, mas para todos os que naquela organização prestavam serviço, desde os seguranças aos quadros dirigentes. (32.º)
E tal foi-lhe expressamente esclarecido aquando da sua contratação. (33.º)
Aquando da contratação do A., foram-lhe propostas pela 1.ª R., a respeito dos direitos a descanso anual, descanso semanal e feriados obrigatórios, as seguintes condições contratuais: (34.º)
(i) o rendimento seria pago à razão diária, mas apenas pelos dias em que fosse efectivamente prestado trabalho;
(ii) Caso pretendesse gozar de descansos semanal, anual e feriados obrigatórios, tal não lhe era negado, simplesmente esses dias não seriam pagos.
O A. era livre de pedir o gozo de dias de descanso sempre que assim o entendesse, desde que tal gozo não pusesse em causa o funcionamento da empresa da 1ª R. e que fosse autorizado pela mesma. (36.º)
A partir de data indeterminada, o A. foi promovido a funcionário do Departamento interno, passando a ter direito a gozar 30 dias de descanso pagos por ano. (40.º)
III - FUNDAMENTOS
A - Sobre o recurso interlocutório
Não tem razão o recorrente, porquanto, como bem refere o Mmo Juiz recorrido, a matéria a que se pretende ouvir a Ré não consta da base instrutória, mais dizendo não se lhe afigurar que tal prova se mostrasse relevante ou de interesse para o thema decidendum.
No fundo, o que o recorrente pretende é abalar a validade da declaração do trabalhador e procurar convencer que a SJM e a STDM são uma mesma empresa e que o trabalhador em causa mais não fez do que continuar a mesma relação jurídico-laboral.
Esta é questão que já tem sido muito abordada nos nossos Tribunais e como adiante se verá tem-se concluído em sentido diverso do pretendido.
Mas também é verdade que cada caso é um caso e a parte em cada processo tem o direito de fazer valer as provas que convençam da sua posição e dos interesses legitimamente defendidos numa dada acção em concreto.
Admitamos assim que se permitia aquela prova - e nem sequer se questiona aqui a validade da substituição do Tribunal à parte na produção da prova - e se tinha como provada a alegada matéria de facto dos artigos 159º e 163º da p. i.; independentemente de tal facto não integrar matéria quesitada, perguntamo-nos, e daí? Esse facto por si só nada vale e do conjunto das provas bem se pode retirar que se trata de sociedades diferentes, devendo a validade da declaração negocial contida no documento de fls 298 ser aferida em função de outros factores.
Não se vislumbra que haja uma relação causal entre a referida deliberação e o pretenso temor reverencial ou outro que abale a vontade do declarante.
Para além de que se trata de um facto que, a ter relevância autónoma, devia ter sido quesitado e da sua concreta não inserção se devia ter reclamado, o que não ocorreu.
Acresce que o entendimento do Mmo Juiz se mostra escudado na previsão do artigo 455º, n.º 2 do CPC, aí se dizendo que só deve ser ordenada a notificação de documentos em poder da parte contrária se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa.
Donde, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, somos a julgar improcedente o presente recurso
B - Sobre o recurso final
1. Quanto à primeira questão, a relativa à inserção de determinada matéria no questionário, quais sejam os da natureza da cessão da posição contratual entre a SJM e a STDM com consequências na viciação da vontade da trabalhadora ao assinar a declaração de fls 298, bem como a factualidade demonstrativa do temor e constrangimento viciantes da vontade negocial do trabalhador não tem razão o recorrente.
Desde logo há que considerar que os referidos factos, em parte, são do conhecimento público e constam do BO, pelo que desnecessária se tornava a sua quesitação.
Noutra parte são factos instrumentais que não deixam de se poder incluir em sede de apuramento da factualidade pertinente aos artigos 13º e segs do questionário e por isso a parte não estaria impedida de produzir as pertinentes provas a ela respeitante.
Tudo acaba por se prender com a pretensão da A., ora recorrente, em ver considerados provados determinados quesitos, questão que será adiante analisada.
No entanto, não se deixa de realçar, uma vez mais, que todos esses quesitos, por si só, ou conjugadamente, não se mostram decisivos para uma das plausíveis situações de direito, pelo que, podendo estar abrangidos ou instrumentalizar o conteúdo de matéria quesitada e essa, sim, decisiva, não deixam de se poder considerar prescindíveis na elaboração do questionário.
E isto é tanto mais evidente quando as partes são prolixas nos seus articulados, espraiando-se por centenas e centenas de artigos, o que implica um grande esforço de concentração no que seja essencial e nas sínteses que se pedem ao julgador.
2. Perde-se o recorrente com uma análise detalhada de alguns documentos e do que disseram algumas das testemunhas para tentar comprovar o desacerto da decisão da matéria de facto.
Nomeadamente em relação aos quesitos 14º, 14º-A, 16º, 17º, 27º, 29º e 30º.
Como se disse, alguns dos factos alegados, ainda que instrumentais, por si só, não são decisivos, donde, mesmo a terem-se dado como provados não implicariam uma resposta diferente aos aludidos quesitos.
O Mmo Juiz explicou bem da sua razão de ciência e de não ciência e não podemos ignorar que os excertos transcritos não deixam de ser parcelares e não se mostram determinantes no sentido de infirmar a convicção firmada.
Importa ter presente que por vezes se trata de meras convicções dos depoentes.
Trata-se de um facto, - referimo-nos ao facto nuclear relativo ao condicionamento da vontade do declarante - do foro íntimo e, porventura integrante de matéria probanda, de mais difícil apreensão, não se mostrando ser decisiva qualquer prova das elencadas pelo recorrente no sentido de infirmar a convicção do julgador, não se evidenciando qualquer erro no julgamento de facto que foi efectuado.
3. Muito sumariamente não se deixa de responder concretamente às apontadas insuficiências invalidantes do julgamento de facto produzido.
Quesito 14º - a pretensão do recorrente em que foi a mando da 1 Ré que o A. foi trabalhar para a SJM não passa disso mesmo, de uma pretensão, sem qualquer suporte claro nos apontados elementos probatáorios.
Quesito 14º - A – A proveniência e transferência de dinheiro da STDM para a SJM não implica necessariamente que quem continuava a pagar os salários fosse a STDM.
Quesito 16º - A confiança na continuidade da sua relação laboral iniciada com a 1º Ré, como está bem de ver, é algo que não resulta da vontade interessada do trabalhador em o afirmar, antes se devendo extrair dos elementos objectivos dos autos, onde sobreleva a existência de um novo patrão, ainda que com ligação ao anterior, em pode resultar de uma qualquer análise ou comentário de declarações de terceiros ainda que administradores das empresas.
Quesito 17º - A nuance apresentada na resposta a este quesito até mostra um elevado nível de rigor e bom senso, pois que seria muito difícil afirmar realisticamente que para os empregados não existia diferença entre a STDM e SJM, mas já não assim ao dizer-se que na perspectiva dos empregados não existia na prática qualquer distinção.
Quesito 29º - Que a 1ª Ré sabia qual a posição unânime do TSI quanto à natureza jurídica das gorjetas quando da proposta de assinatura da referida declaração.
Aqui está um bom exemplo da pertinácia inconsistente do recorrente no sentido de procurar abalar a convicção da autonomia e liberdade negocial das partes.
Desde logo dos acórdãos não resulta aí uma prova sobre a unanimidade das posições, não resultando deles as posições de todos os juízes.
Depois, o facto de ter perdido essas acções tal não significa que estivesse inteirada sobre a questão jurídica das gorjetas, matéria técnico jurídica reservada aos seus mandatários.
O que terá ficado a saber, ao perder tais acções, é que àqueles trabalhadores teve que pagar determinadas indemnizações.
Importa ainda reter que uma coisa, eventualmente de instrumental relevância, é o patrão saber que as gorjetas integram o montante do salário e outra, a quesitada, é o estar inteirado sobre a natureza jurídica das gorjetas.
Esta última indagação tem de se ter, de todo, irrelevante.
Quesito 30º - Que não se provou que a entidade patronal se aproveitou da inexperiência ou desconhecimento do A., propondo-lhe desistir dos seus direitos salariais a troco de uma fracção do valor correspondente a esses direitos, cuja aceitação pelo A. implicava para a companhia uma poupança de várias centenas de patacas.
Mais uma vez não lhe assiste aqui a mínima razão.
Nada nos autos faz crer na comprovação dessa intenção , não se devendo desprezar na autonomia e a capacidade do declarante.
3. Ainda quanto aos fundamentos da viciação da vontade do trabalhador.
Só terá assinado a declaração porque desconhecia os valores que estavam em causa.
Francamente, então a sua adesão a um determinado resultado está somente dependente dos valores?!
Não se deixa de reconhecer que, em tese, tal é humanamente legítimo, mas já será eticamente de difícil aceitação. O trabalhador não é um incapaz e tem todos os meios e discernimento em termos de autonomia para se poder determinar.
Tanto assim que soube procurar patrocínio a fim de obter uma leitura diferente daquela que os Serviços de Trabalho e Emprego tiveram, observando-se até não estar desacompanhado nessa mesma análise e interpretação jurídica.
Para além de que os depoimentos apresentados não deixam de ser sectoriais, por quem se apresenta com um interesse paralelo ao A. e contrariados pela prova globalmente considerada.
4. Desenvolvendo ainda os pontos pretensamente controvertidos em termos de matéria de facto.
Quanto ao temor reverencial e manutenção de patronato.
Desde logo, é indesmentível a diferenciação jurídica e de substracto entre a SJM e a STDM e a extinção do objecto social da STDM relativamente à exploração do jogo face à abertura das novas concessões.
O Autor pretende comprovar uma relação de domínio da Ré sobre a STDM, utilizando conceitos jurídicos de natureza comercial que não têm correspondência com a base factual.
Nem sequer a pretensa referência ao nome da STDM nas referidas cadernetas e documentos de pagamento, sendo um elemento entre tantos, não é decisivo.
Então, não é reconhecida como possível a assunção e transmissão da dívida sem que tal signifique a tomada da gestão ou do domínio do negócio?
Todos os elementos e documentos concretamente enumerados pelo A. nas suas alegações de recurso não são, por si só, definitivos no sentido de uma resposta positiva ao quesitos pertinentes para demonstrar a viciação da vontade da trabalhadora em causa, não passa a explicação para a constituição de uma nova sociedade apenas por uma posição predominante do capital social, mas também por um facto muito concreto que bem pode passar por uma política efectiva de gestão e conjecturalmente de autonomia concorrencial que não se pode retirar taxativamente dos elementos elencados.
Não se vê razão, pois, ainda aqui, para se abalar a convicção a que o Tribunal chegou, não se mostrando ela desmentida pelos elementos ora aludidos e oportunamente carreados para os autos.
É certo que, atomisticamente considerados, os pretendidos elementos podiam inculcar no sentido proposto pelo recorrente; só que se trata de elementos parcelares e que não se mostram decisivos.
5. Da assinatura da declaração por se poder entender tratar-se de um bónus de serviço.
Quanto a isto, dir-se-á que tal tese é desmentida categoricamente pelo texto da referida declaração onde, a propósito do recebimento de um prémio de serviço, se diz claramente o que é que está em causa, ou seja os pagamentos dos créditos exactamente reclamados nos autos, compensações por descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM.
6. Assim se entra na análise da eficácia da declaração de remissão dos créditos, afastados que foram os argumentos que iam no sentido da sua invalidade por viciação da vontade declarativa subjacente à sua emissão.
E no essencial para reafirmar a Jurisprudência que de certa forma, não obstante as doutas posições em contrário, se vem adoptando neste TSI.
Tal análise passa pela análise das seguintes questões:
- Da aplicação do Código Civil em detrimento do DL 24/89/M de 3/Abril
- Da natureza, validade e alcance da declaração e da disponibilidade ou indisponibilidade dos direitos
- Do princípio do favor laboratoris
- Da validade da declaração
- Vício da vontade
7. O Mma Juiz a quo julgou procedente e provada a excepção peremptória do pagamento e renúncia expressa do A. ao pagamento de quaisquer outras quantias por parte da Ré, considerando assim que ele renunciou ou abdicou dos créditos decorrentes do referido contrato a que eventualmente ainda tivesse direito.
Insurge-se o recorrente, que peticionou na acção o pagamento das compensações devidas pelo pretenso não gozo de determinados descansos (semanal, anual e feriados, etc.), durante os anos em que trabalhou para a Ré STDM, pela aplicação do artigo 854º do CC, tomada como remissão dos créditos a declaração acima referida, segundo a qual o trabalhador, aquando da cessação da relação laboral assinou uma declaração dizendo receber as quantias a que se considerava com direito, mais dizendo que considerava não subsistir qualquer outro direito decorrente da relação laboral que então findava.
E por considerar que a situação não integra qualquer lacuna, já que regulada pelos artigos 1º e 33º, entre outros, do RJRL (DL24/89/M, de 3/4), não seria aplicável o regime geral que, no fundo, permite a disponibilidade dos créditos do trabalhador.
8. Antes de esmiuçar esta questão, importa caracterizar a natureza e alcance da declaração que o trabalhador assinou, para assim se ver se ela está ou não regulada no RJRL. Só se se concluir que se trata de uma renúncia de direitos indisponíveis abrangida por aquele regime se poderá afirmar a inaplicabilidade do regime geral consagrado na lei civil.
Analisando a transcrita declaração, os seus termos, em chinês e em português, são claros e o sentido que um declaratário normal - e face ao disposto no artigo 228º do CC, é esse o sentido que há que relevar - dali se retira que o trabalhador, face à rescisão do contrato de trabalho, no que respeita à relação laboral subsistente até então, recebeu uma certa quantia, referente a compensações de eventuais direitos, nomeadamente relativos aos descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, aceitando que nenhuma outra quantia fosse devida.
Em linguagem simples, deu quitação da dívida.
9. Mas vem agora demandar outros montantes, quantitativamente muito maiores, numa desconformidade que desde logo impressiona, em relação àqueles que aceitou receber. E impressiona, porque em face de tais montantes, se não se considerava pago, face ao prejuízo que se afigurava, não devia ter assinado essa declaração.
Dir-se-á que não tinha consciência do montante dos créditos ou que fora induzidos em erro; mas essa é uma outra questão que devia ter sido comprovada, não se deixando de adiantar que tal como agora ocorreu não havia razões para se aconselhar sobre o alcance dos créditos a que efectivamente teria direito.
10. Pretende o recorrente que se tratou de uma renúncia de direitos indisponíveis.
E para tanto invoca a natureza indisponível dos direitos concedidos ao trabalhador, a natureza proteccionista daquele diploma em relação a tais direitos, a necessidade de protecção da parte mais fraca, a posição dominante da concessionária empregadora, a menor margem de liberdade do trabalhador.
Não tem razão o recorrente.
Não obstante ser verdade o que diz quanto à enunciação daqueles princípios, a protecção que deve ser dispensada ao trabalhador não pode ser absoluta nem fazer dele um incapaz sem autonomia e liberdade, ainda que aceitando os condicionamentos específicos decorrentes de uma relação laboral.
É verdade que, desde logo, o RJRL, no seu art. 1°, pugnando pela "observância dos condicionalismos mínimos" nele estabelecidos, prevê que
“O presente diploma define os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre empregadores directos e trabalhadores residentes, para além de outros que se encontrem ou venham a ser estabelecidos em diplomas avulsos.”
E no art. 33º do R.J.R.T.
”O trabalhador não pode ceder, nem a qualquer outro título alienar, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos ao salário, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.”
Daqui decorre que nenhum desses artigos contempla ex professo a situação em apreço. Antes respeitam a situações diferentes, nomeadamente o artigo 33º o que prevê é a impossibilidade de renúncia a um salário e não já às compensações devidas por trabalho indevido.
Tais preceitos dispõem sobre a regulação do exercício de uma relação laboral ainda em aberto, compreendendo-se que por essa via, ao trabalhador sejam garantidos aqueles mínimos que o legislador reputa como as condições mínimas de exercício humano, digno e justo do trabalho a favor de outrem.
Tais cautelas já não são válidas quando finda essa relação, como acontece no caso presente.
E também não são válidas quando já não está em causa o exercício dos direitos, mas apenas uma compensação que mais não é do que a indemnização pelo não gozo de determinados direitos.
Não deixaria de ser abusivo e contrário à autonomia da vontade e liberdade pessoal, próprias do direito privado, que alguém, incluindo o trabalhador, não pudesse ser livre quanto ao destino a dar ao dinheiro recebido, ainda que a título de compensações recebidas por créditos laborais.
A não se entender desta forma, pese embora a aberração do argumento, ter-se-ia de obrigar o trabalhador a aceitar o dinheiro e, mais, importaria seguir o destino que ele lhe daria.
11. Diferentes são as coisas quando o trabalhador está em exercício de funções e a sociedade exige que as condições de trabalho sejam humanas e dignificantes, não se permitindo salários ou condições concretas de exercício vexatórias e achincalhantes, materializando a garantia da sua subsistência e do seu agregado familiar. Essa tem de ser a inspiração do intérprete relativamente ao princípio favor laboratoris, mas que não pode ir ao ponto de converter o trabalhador num incapaz de querer, entender e de se poder e dever determinar.
Nem aquele princípio, consagrado no artigo 5º do mesmo supra citado Regime nos seguintes termos “1. O disposto no presente diploma não prejudica as condições de trabalho mais favoráveis que sejam já observadas e praticadas entre qualquer empregador e os trabalhadores ao seu serviço, seja qual for a fonte dessas condições mais favoráveis. 2. O presente diploma nunca poderá ser entendido ou interpretado no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho estabelecidas ou observadas entre os empregadores e os trabalhadores, com origem em normas convencionais, em regulamentos de empresa ou em usos e costumes, desde que essas condições de trabalho sejam mais favoráveis do que as consagradas no presente diploma.” , poderá ter o alcance que se pretende, de limitar a capacidade negocial do trabalhador de forma tão extensa.
O princípio do tratamento mais favorável "...assume fundamentalmente o sentido de que as normas jurídico-laborais, mesmo as que não denunciem expressamente o carácter de preceitos limitativos, devem ser em princípio consideradas como tais. O favor laboratoris desempenha pois a função de um prius relativamente ao esforço interpretativo, não se integra nele. É este o sentido em que, segundo supomos, pode apelar-se para a atitude geral de favorecimento do legislador - e não o de todas as normas do direito laboral serem realmente concretizações desse favor e como tais deverem ser aplicadas"2
Noutra perspectiva3, considera-se que tratamento mais favorável ao trabalhador deve ser entendido em termos actualistas, como o conjunto dos valores que o Direito do Trabalho, de modo adaptado, particularmente defende e entre os quais, naturalmente, avulta a protecção necessária ao trabalhador subordinado. Quando haja um conflito hierárquico entre fontes do Direito do Trabalho, aplicam-se as normas que estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador, sejam elas quais forem; tal não se verificará quando a norma superior tenha uma pretensão de aplicação efectiva, afastando a inferior.
Donde decorre que o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador não é erigido para sufragar toda e qualquer interpretação que permita o alargamento de uma tutela proteccionista injustificada, tendo antes na sua génese a exclusão de um regime, entre dois ou mais aplicáveis, que lhe seja menos favorável.
12. Nesta conformidade falece eventual invocação do artigo 6º do RJRL ”São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”, tendo-se como condições de trabalho, nos termos do art. 2º, al. d) todo e qualquer direito, dever ou circunstância, relacionados com a conduta e actuação dos empregadores e dos trabalhadores, nas respectivas relações de trabalho, ou nos locais onde o trabalho é prestado.
Isto porque, como se disse, já não se trata de conduta e actuação no local de trabalho e exercício de funções.
Tal é a situação dos autos, em que se mostra cessada a relação laboral e assim se tem entendido em termos de Jurisprudência comparada.4
13. Quanto à natureza e validade da declaração.
Afastando-se, como se viu, a aplicabilidade do RJRL em relação à proibição de tal estipulação, importa atentar na natureza que assume a declaração emitida pelo trabalhador aquando da cessação da relação laboral.
Em termos gerais, a remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o documento em causa constitui realmente um contrato de remissão. Pode-se entender que a referida declaração não configura um contrato de remissão, pois que tal implicaria uma identificação e reconhecimento de créditos de que prescindiria.
Mas, o certo é que tal documento contém, pelo menos, uma declaração de quitação que, dada a sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação.
A remissão é uma das causas de extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte5, revestindo, por isso, a forma de contrato, como claramente se diz no art.º 854º, n.º 1, do C.C.: "O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor."
14. O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.6
O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido7
Pode dizer-se, num certo sentido que, hoje, na remissão, - artigo 854ºdo Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.
15. Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.
Como diz Leal Amado8., uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.
Perante isto, em vez de se perguntar se o autor renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seriam devidas em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data.
16. Poder-se-á ainda dizer que a extinção da relação laboral acordada, tornou impossível o cumprimento da obrigação de pagamento ao Autor do que foi por ele solicitado. Daí que ele passasse a ser titular de um outro direito; tal como já se assinalou, o crédito peticionado é o crédito à indemnização devida pelo incumprimento das obrigações que decorreram para a entidade patronal de lhe garantir os aludidos repousos enquanto para ele trabalhou.
Esta perspectiva afigura-se particularmente relevante.
É que não se trata da disponibilidade de direitos, mas sim da compensação pela sua não satisfação.
Pelo contrato havido e comprovado, no âmbito do qual foi emitida aquela declaração, as partes acordaram sobre o montante de indemnização ou "compensação" devida ao Autor e, com o recebimento dessa quantia, a correspondente obrigação da Ré, surgida em substituição da obrigação inicial, extinguiu-se pelo pagamento de que o A. deu total quitação, sendo legítima a transacção extrajudicial sobre o conteúdo ou extensão de obrigação da Ré nos termos do artigo 1172º do CC, não abrangida já por qualquer indisponibilidade.
17. Somos assim, face à caracterização jurídica do acordo celebrado, em considerar que a alegação sobre a vaguidade da declaração de reconhecimento de cumprimento e extinção de toda e qualquer prestação que fosse porventura devida não colhe, face à sua admissibilidade.
Para além de que não se deixaram de concretizar a que título ocorreu o acerto final, quais as compensações a que se procedia, dando-se quitação de todas e eventuais prestações não abrangidas por aquele recebimento.
18. Sobre a eventual situação de inferioridade e dependência ao assinar o recibo, pelo que, não manifestando qualquer vontade negocial, não tomou uma opção livre e consciente, uma escolha livre no tocante à assinatura da referida declaração, estaríamos perante uma situação de erro vício previsto no artigo 240º do CC, face à indução da conduta pela entidade pública tutelar e viciação da vontade, por temor, face à continuação numa sociedade subsidiária da primeira empregadora.
Ou, noutra perspectiva numa situação de coacção moral ou de negócio usurário contemplados nos artigos 240º e 275º do CC.
Trata-se de matéria não comprovada.
Valem aqui, para além do que vem dito, as razões aduzidas na douta sentença recorrida.
Assim se conclui pela não existência dos apontados vícios, sendo de manter a douta decisão proferida.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, nos termos e fundamentos expostos, acordam em negar provimento aos recurso interpostos, acima identificados, confirmando as decisões recorridas.
Custas pelo recorrente em ambos os recursos.
Macau, 14 de Abril de 2011,
João A.G. Gil de Oliveira (Relator)
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 [Art. 8º, n.º 3 do CCM]
2 - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 118.
3 - Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, pág. 219.
4 - Acs. STJ de 20/11/03, proc. 01S4270, de 12/12/01, proc. 01S2271, de 9/10/02, proc. 3661/02
5 - A. Varela, Das obrigações em geral, Coimbra Editora, 2.ª ed., vol. II, pag. 203
6 - A. Varela - Ob. cit., pág. 204
7 - Professor Vaz Serra, BMJ 43, 57.
8 - A Protecção do Salário, pag. 225, eparata do volume XXXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
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54/2009 1/3