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Processo nº 720/2010(/) Data:03.03.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, “abandono de sinistrados” e “condução perigosa de veículo rodoviário”.
Erro notório na apreciação da prova.
Doença particularmente dolorosa ou permanente.
Dolo e negligência.
Concurso de crimes.


SUMÁRIO

1. A qualificação jurídico-penal da conduta do arguido com base na matéria de facto provada é uma “decisão de direito”, à mesma não se podendo imputar “erro notório na apreciação da prova” por ser este de um vício típico da “decisão da matéria de facto”.

2. Nos termos do art. 138°, al. c) do C.P.M., comete o crime de “ofensa grave à integridade física”, aquele que ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a “provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável”.

3. A “doença particularmente dolorosa”, é aquela que produz efeitos físicos e psíquicos penosos, (ou seja, dificilmente suportáveis) para uma pessoa com as características pessoais e da vida profissional da vítima, quer sejam de curta duração quer sejam de longa duração, e pode prender-se, v.g., com o “jogo dos tratamentos e medicamentos”. Se os tratamentos são penosos, difíceis e prolongados, será caso para concluir que suportou o ofendido “dores fortes”.
A “doença permanente”, é aquela que produz efeitos de média e longa duração, mesmo que não sejam particularmente dolorosos, (v.g., insuficiência hepática crónica e a diabetes crónica). Afere-se numa perspectiva temporal, e não tem que ser perpétua.
A “anomalia psíquica grave ou incurável”, consiste na diminuição da capacidade intelectual de discernimento (v.g., a epilepsia pós-traumática, a hemiplegia pós-traumática, o edema linfático pós-traumático de membro inferior), sendo a gravidade ou incurabilidade da anomalia psíquica determinada em função dos conhecimentos da ciência médica à data do julgamento.

4. Provado estando que em consequência do acidente sofreu a ofendida contusões em várias partes do corpo e uma fractura na rótula direita, que lhe demandaram 90 dias de convalescença, adequada não é a qualificação de tal ofensa como “grave”, nos termos do previsto no art. 138°, al. c) do C.P.M..
5. O facto de estar o agente “sob o efeito do álcool” não implica que se considere que tenha cometido o crime de “abandono de sinistrados” por negligência, especialmente se provado estiver que viu os ofendidos no chão, feridos, e mesmo assim, conduziu o veículo para fugir do local, no intuito de se furtar à responsabilidade civil e criminal, tendo agido livre e conscientemente.

6. Não existe concurso aparente de crimes se o crime de “condução perigosa de veículos rodoviário” apenas ocorrer quando consumado já estiver o crime de “ofensas à integridade física”.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo














Processo nº 720/2010(()
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A (A) como autor de:
“- 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência grosseira” p.p. pelo n.º 1 do art.º 142.º do Código Penal de Macau, pelo n.º 1 e alínea a) do n.º 3 do art.º 66.º do Código da Estrada, em consequência, é condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão;
- 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência grosseira” p.p. pelo n.º 3 do art.º 142.º do Código Penal de Macau, conjugado com a alínea c) do art.º 138.º do mesmo Código, e, pelo n.º 1 e alínea a) do n.º 3 do art.º 66.º do Código da Estrada, em consequência, é condenado na pena de 2 anos de prisão;
- 1 crime de “abandono de sinistrados” p.p. pelo n.º 1 do art.º 62.º do Código da Estrada (já absolveu 1 crime de fuga à responsabilidade p.p. pelo art.º 64.º do Código da Estrada), em consequência, é condenado na pena de 1 ano de prisão;
- 1 crime de “condução perigosa de veículo rodoviário” p.p. pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 279.º do Código Penal de Macau, em consequência, é condenado na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
- 1 infracção administrativa p.p. pela alínea (III) do n.º 2 do art.º 35.º da Lei do Trânsito Rodoviário, em consequência, é condenado na pena de multa em MOP$900,00;
- 1 infracção administrativa p.p. pela alínea a do n.º 3 do art.º 9.º do Regulamento do Código da Estrada e pela alínea c do n.º 16 do mesmo diploma (por força do art.º 3.º (n.º 2) do Regulamento Administrativo n.º 15/2007, altera-se o montante de multa aplicável à infracção administrativa que revele incompatível com o Regulamento do Código da Estrada), em consequência, é condenado na pena de multa em MOP$600,00;
- 1 infracção administrativa p.p. pelo n.º 1 do art.º 100.º da Lei do Trânsito Rodoviário, em consequência, é condenado na pena de multa em MOP$1.000,00;
Em cúmulo jurídico, é condenado na pena de 3 anos de prisão efectiva e na pena de multa em MOP$2.500,00;
Condenar o arguido nas duas suspensões da validade da licença de condução por, respectivamente, 4 meses (1.ª vítima) e 10 meses (2.ª vítima), em total, deve suspender a validade da licença de condução do arguido por 14 meses (alínea a do n.º 1 do art.º 73.º do Código da Estrada).
Para além disso, condenar a Companhia de Seguros ......, S.A. a pagar à 1.ª vítima B (MOP$24.173,00) e à 2.ª vítima C (MOP$111.863,00) uma indemnização pelos danos patrimonial e não patrimonial, com o valor total de MOP$136.036,00, acrescida de juro legal contado desde o trânsito em julgado do acórdão até o seu integral pagamento.”; (cfr., fls. 175 a 175-v e 295 a 298 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, em síntese, assacar à decisão recorrida o “vício de erro notório na apreciação da prova”, afirmando também que cometeu o crime de “abandono de sinistrados” com negligência, (e não com dolo), que há concurso aparente entre o crime de “condução perigosa” e o de “ofensa à integridade física”, e que houve erro na determinação da pena que lhe devia ser suspensa na sua execução; (cfr., fls. 212 a 232).

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Respondendo, conclui o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso”; (cfr., fls. 243 a 246).

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Nesta Instância, juntou o Ilustre Procurador-Adjunto douto Parecer, opinando no sentido da parcial procedência do recurso, no que toca à qualificação do crime de “ofensa grave à integridade física por negligência grosseira”; (cfr., fls. 300 a 304).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:
   “Por volta das 23H00 de 10 de Abril de 2007, o arguido A conduzia o automóvel ligeiro (de matrícula registada MF-XX-XX) ao longo da Estrada da Bela Vista, na direcção do Central Térmica Macau à Rampa dos Cavaleiros.
Ao mesmo tempo, havia na Rampa dos Cavaleiros um motociclo (de matrícula registada MF-XX-XX) circulava, na direcção da Escola São Paulo ao Jardim Municipal da Montanha Russa. O motorista era B (B), e o passageiro era C (C).
Enquanto o arguido conduzia o automóvel supra referido até à intersecção da Estrada da Bela Vista e Rampa dos Cavaleiros, o arguido viu claramente o sinal de perigo: “Estrada com prioridade” na via em que ele conduzia (vd. a foto constante de fls. 5).
No entanto, o arguido não cedeu o motociclo de matrícula MF-XX-XX, que na altura circulava ao longo da Rampa dos Cavaleiros, a passar a aludida intersecção, mas conduziu o automóvel na intersecção e continuou a avançar na direcção da Escola São Paulo.
A acção de condução do arguido supramencionada causou embate ao seu automóvel com o motociclo de matrícula MF-XX-XX, fazendo com que o motorista B e o passageiro C, junto com aquele motociclo, caíssem no chão, encontraram-se feridas expostas óbvias em B e C bem como sangue no chão.
Do embate acima referido resultaram a B, directa e inevitavelmente, contusões e lacerações na pele do temporal esquerdo (1.5 cm), contusões de tecido mole em várias partes, tais como no antebraço esquerdo, na palma directa e no joelho directo (vd. o parecer pericial do médico-legal clínico constante das fls. 48 dos autos para a descrição detalhada de feridas).
B ficou com 7 dias de convalescença.
Para além disso, o embate acima referido também causou, directa e inevitavelmente, a C, contusões de tecido mole nas palmas e nos pulsos dos ambos lados, nos joelhos dos ambos lados, no tornozelo directo e no esquerdo dedo mínimo de pé, assim como fractura na rótula directa; em fim, causando-lhe ofensa grave à integridade física (vd. o parecer pericial do médico-legal clínico constante das fls. 49 dos autos para a descrição detalhada de feridas).
C ficou com 90 dias de convalescença.
Após o embate, o arguido não ficou no local para tratar o acidente e chamar ambulância para os feridos, pelo contrário, acelerou imediatamente a velocidade do automóvel e fugir-se.
O arguido sabia bem que, sob a influência de álcool, violou o dever de condução prudente e causou, em consequência, a ocorrência do acidente, além disso, o mesmo apercebeu-se de que as duas vítimas ficaram feridas por causa do acidente, todavia, fugiu-se pelo automóvel e abandonou voluntariamente as vítimas no intuito de se furtar à responsabilidade civil e criminal que eventualmente teria incorrido.
Os investigadores XXX (XXX), XXX (XXX) da Polícia Judiciária que estavam a fazer rondas, e, o guarda do CPSP XXX (XXX) (guarda n.º 138XXX) que se encontrava de folga, presenciaram o inteiro decurso da colisão entre o motociclo e o automóvel bem como a fuga do arguido conduzindo o automóvel.
Nesse sentido, os dois investigadores da Polícia Judiciária conduziram o carro de patrulha de matrícula MC-XX-XX, buzinando, para perseguir e interceptar o automóvel do arguido, todavia, o arguido não parou mas pelo contrário acelerou a velocidade para fugir-se.
O arguido conduziu o carro com grande velocidade e fugiu-se ao longo da Rampa dos Cavaleiros, passou pela Estrada da Areia Preta, Estrada do Arco, Avenida do Conselheiro Borja e Avenida da Concórdia, nesse decurso, o arguido cruzou constantemente as linhas contínuas para ultrapassar os outros veículos. Quando chegou à intersecção da Avenida da Concórdia e Avenida do Conselheiro Borja, o arguido viu claramente o sinal de perigo: “Sentido proibido” na faixa de rodagem da Rua do Conselheiro Borja.
Entretanto, o arguido não obedeceu o sinal de perigo supramencionado e entrou na Avenida do Conselheiro Borja, chegou depois à Rua Norte do Patane, foi finalmente interceptado pela barricada instalada pelo CPSP na Rua Norte do Patane.
Posteriormente, in loco, o guarda realizou o exame de pesquisa de álcool no ar expirado ao arguido, o resultado foi de 1,57 gramas por litro.
Sob influência de álcool, o arguido não cedeu a passagem de veículo que circulava na estrada com prioridade na intersecção da via, causando assim a ocorrência do aludido acidente, fazendo com que ficassem feridos os outros.
Após o acidente, o arguido viu claramente que as duas vítimas caíram no chão e ficaram feridas, estavam com feridas pelo corpo, todavia, o arguido abandonou ainda, voluntariamente, as vítimas, e conduziu o automóvel para fugir-se do local, no intuito de se furtar à responsabilidade civil e criminal que eventualmente teria incorrido.
O arguido estava em estado de embriaguez, não possuía condição de condução segura, conduziu o veículo com grande velocidade para fugir-se, violou obviamente, por muitas vezes, as regras da circulação rodoviária, causando ofensas graves à vida, à integridade física ou ao bens alheios de valor elevado.
O arguido praticou os actos supra referidos de forma voluntária e consciente, bem sabia que os tais actos eram proibidos por lei.
O arguido exerce função de mecânico de aparelho electrónico, auferindo mensalmente MOP$10.000,00.
O arguido é casado, tendo no seu encargo a sua mãe, esposa e um filho.
O arguido não admitiu os respectivos factos, não é delinquente primário.
Do dito acidente de trânsito causou à 1.ª vítima B dano económico: as despesas para o tratamento médico no valor de MOP$1.370,00, custas de reparação do motociclo e despesas de reboque no valor de MOP$13.440,00, a perda de salário (faltou ao trabalho por 9 dias) no valor de MOP$4.363,00, com a perda total de MOP$19.173,00.
Do dito acidente de trânsito causou à 2.ª vítima C dano económico: as despesas para o tratamento médico no valor de MOP$16.486,00, despesas de transporte no valor de MOP$615,00, a perda de salário (faltou ao trabalho por 34 dias) no valor de MOP$14.762,00, com a perda total de MOP$31.863,00.
Factos escritos no nº 31 do pedido cível que está constante das fls. 79 a 87 dos autos.
As duas vítimas requerem apoios judiciários para que sejam isentas das custas processuais e dos preparos.
Nos termos do n.º 1 do art.º 1.º e alínea f) do n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 41/94/M, o Colectivo entende verdadeira a dificuldade de situação económica dos requerentes, pelo que lhes concede os respectivos apoios judiciários.
Factos não provados: outros factos importantes que não correspondam aos factos provados e que estão constantes do pedido cível e da contestação, sobretudo:
Os factos escritos no n.º 34 do pedido cível que está constante das fls. 79 a 87 dos autos.”; (cfr., fls. 170 a 171-v e 281 a 285).

Do direito

3. Tendo em conta as questões pelo recorrente colocadas, e certo sendo que faz o mesmo uma referência à “renovação da prova”, começa-se por dizer que a mesma se nos apresenta “manifestamente improcedente”, pois que observados não estão os pressupostos do art. 415° do C.P.P.M., sendo aqui de subscrever, na íntegra, as doutas considerações pelo Ilustre Procurador-Adjunto expostas no seu Parecer.

— Quanto ao assacado “erro notório”.

Diz o recorrente que incorreu o Colectivo a quo no dito vício, dado que qualifica como “grave” uma das “ofensas à integridade física” pelo mesmo cometida, não obstante constar do relatório médico, (cfr., fls. 49), que o ofendido “careceu de 90 dias para a recuperação”.

Ora, como se vê, em causa não está assim um “vício da matéria de facto”, como é o imputado “erro notório”, mas sim uma “questão de direito”.

E em relação à mesma, cremos que tem o recorrente razão.

Com efeito, considerou-se na decisão recorrida que a conduta do ora recorrente integrava a norma da al. c) do art. 138° do C.P.M., onde se prescreve que comete o crime de “ofensa grave à integridade física”, quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a “provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável”.

Ora, mostra-se de considerar que:
–– A “doença particularmente dolorosa”, é aquela que produz efeitos físicos e psíquicos penosos (ou seja, dificilmente suportáveis) para uma pessoa com as características pessoais e da vida profissional da vítima, quer sejam de curta duração quer sejam de longa duração, e pode prender-se, v.g., com o “jogo dos tratamentos e medicamentos”. Se os tratamentos são penosos, difíceis e prolongados, será caso para concluir que suportou o ofendido dores fortes.
A “doença permanente”, é aquela que produz efeitos de média e longa duração, mesmo que não sejam particularmente dolorosos (v.g., insuficiência hepática crónica e a diabetes crónica). Afere-se numa perspectiva temporal, e não tem que ser perpétua; e,
A “anomalia psíquica grave ou incurável”, consiste na diminuição da capacidade intelectual de discernimento (v.g., a epilepsia pós-traumática, a hemiplegia pós-traumática, o edema linfático pós-traumático de membro inferior). A gravidade ou incurabilidade da anomalia psíquica determina-se em função dos conhecimentos da ciência médica à data do julgamento. A inclusão da expressão incurável visou precisamente eliminar do âmbito do tipo as anomalias de origem tóxica, como a embriaguez, que são graves, mas passam rapidamente. São, no fundo, enfermidades constitutivas de doenças a se, cuja medida há de aferir-se, dum lado, por critérios médicos de acordo com a intensidade do mal causado, e cujo, carácter doutro lado, coloca a medicina perante a impossibilidade de com eficácia a tratar ou de eliminar os seus efeitos nocivos; (neste sentido, cfr., v.g., P. Pinto de Albuquerque in “Comentário ao C.P.”, páginas 389 e 390; V. Sá Pereira e A. Lafayete in “C.P. Anot. e Comentado” e L. Henriques e S. Santos, in C.P.M., página 376).

E, como acertadamente salienta o Ilustre Procurador-Adjunto, “os elementos constantes dos autos – nomeadamente o parecer de fls. 49 – não apontam, (…), para o carácter particularmente doloroso da doença em causa”.

Nesta conformidade, (não se podendo também concluir que em resultado do acidente ficou a ofendida a sofrer de doença permanente (ou crónica), ou de anomalia psíquica grave ou incurável), e não sendo assim de considerar a ofensa em questão como “grave”, e atenta a moldura penal então aplicável ao crime, (de “ofensa à integridade física por negligência grosseira”), cremos que adequada se nos mostra a pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
— Quanto ao crime de “abandono de sinistrados”.

No fundo, diz o recorrente que como estava sob o efeito do álcool, não devia ser condenado quanto ao crime em questão a título do dolo, mas sim, negligência.

Cremos porém que sem razão.

Com efeito provado está que o recorrente viu os ofendidos no chão, feridos, e, não obstante isso, conduziu o seu veículo para fugir do local, no intuito de se furtar à responsabilidade civil e criminal, tendo agido livre e conscientemente.
Improcede, assim, o recurso na parte em questão,

— Quanto ao alegado concurso aparente entre os crimes de “condução perigosa” e os de “ofensa à integridade física”.

Também aqui não tem o recorrente razão.

Basta pois lembrar que o crime de “condução perigosa” de veículo rodoviário foi perpetrado após a prática dos crimes de “ofensas”, o que, desde logo, afasta o entendimento pelo recorrente assumido.

— Por fim, quanto à pena.

Diz o recorrente que o Tribunal a quo errou ao considerar que não era “primário”.

É verdade, pois que assim consta no Acórdão recorrido.

Porém, não se pode olvidar que nas declarações que prestou declarou o recorrente que em 2003 e 2004, havia sido condenado por condução sob influência do álcool e na pena de inibição de condução.

E, não sendo a expressão “primário” um conceito “normativamente definido”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 12.10.2006, Proc. n° 160/2006), não se considera de censurar o Colectivo a quo.

No que toca a suspensão da execução da pena, vejamos.

Em causa estão agora as penas seguintes:
– 1 ano e 4 meses de prisão (“ofensa…”);
– 1 ano e 6 meses de prisão (“ofensa…”);
– 1 ano de prisão (“abandono de sinistrados”); e,
– 1 ano e 3 meses de prisão (“condução perigosa”).

Em cúmulo, confrontamo-nos assim com uma moldura penal com um limite mínimo de 1 ano e 6 meses de prisão, e, com limite máximo de 5 anos e 1 mês de prisão.

Atento os critérios do art. 71°, n° 1 – isto é, ponderando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – crê-se que adequada é a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.

Dispõe o art. 48° do C.P.M. que:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”

Atento o assim estatuído, e ainda que esteja a dita pena única em questão abaixo do limite dos 3 anos, cremos que atenta a factualidade dada como provada, e ponderando na personalidade que o recorrente revela possuir, não se mostra de concluir como viável um juízo de prognose favorável, sendo também de considerar que as necessidades de prevenção especial e geral impedem a pretendida suspensão da execução da pena.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.

Custas, pelo decaimento, com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Honorários ao Exmo Patrono dos demandantes no montante de MOP$1,300.00.

Macau, aos 03 de Março de 2011

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (vencido parcialmente, porque entendo que em face da matéria de facto já dada por provada na decisão recorrida, deve ser mantida a condenação do arguido pela prática, inclusivamente, de em crime de ofensa grave à integridade física (embora a norma incriminadora deste delito no caso em concreto deva ser a alínea b), (primeira parte) do art.º 138.º do Código Penal de Macau, e já não a alínea c) desse artigo) por negligência grosseira).
) Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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