Processo n.º 6/2011 Data do acórdão: 2011-02-24
(Recurso extraordinário de revisão da sentença)
Assuntos:
– art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Penal
– recurso extraordinário de revisão da sentença
– repetida condenação de conhecimento superveniente
– facto processual novo
S U M Á R I O
1. Segundo o disposto no art.º 431.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal de Macau (CPP), a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
2. Distinguem-se duas fases da revisão: o judicium rescindens e o judicium rescissorium.
3. Na primeira fase, a de judicium rescindens (juízo rescindente), só cabe julgar se procede o fundamento da revisão da sentença (cfr. maxime o art.º 437.º, n.° 3, do CPP).
4. E se sim, entrar-se-á na fase subsequente, a de judicium rescissorium (juízo rescissório), em que haverá que proferir nova sentença, depois de se efectuarem as diligências absolutamente indispensáveis e efectuado novo julgamento (cfr. os art.os 439.°, 441.° e 442.° do CPP).
5. Daí se retira que apesar da admissão da revisão, o recurso pode deixar de obter o provimento a final (cfr. os art.ºs 443.° e 445.° do CPP, confrontadamente).
6. No caso dos autos, tendo a sentença condenatória ora em questão transitado já em julgado, o que afasta ao arguido condenado a possibilidade de recurso ordinário da mesma com vista a pedir a sua revogação com fundamento na violação do princípio de ne bis in idem, afigura-se-lhe processualmente também plausível recorrer ao instituto de revisão da sentença para fazer corrigir a injustiça da dita “repetida” condenação.
7. Assim sendo, é mesmo de admitir a pretendida revisão daquela “segunda” sentença condenatória, por força da decorrência lógica do princípio de ne bis in idem, princípio importante esse cuja violação só veio a ser sabida supervenientemente à data da emissão dessa sentença, o que configura um “facto processual novo” relevante para os efeitos da alínea d) do n.o 1 do art.o 431.o do CPP, interpretada extensivamente.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 6/2011
(Autos de recurso extraordinário de revisão da sentença)
Requerente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
No âmbito do processo contravencional n.o CR3-09-0677-PCT do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, A, aí já melhor identificado, foi condenado, por decisão já transitada em julgado, na pena de oito mil patacas de multa, convertível em dezoito dias de prisão, e na inibição de condução pelo período de quatro meses, pela prática, em 30 de Junho de 2009, às quatro horas e dois minutos, de uma contravenção ao art.o 96.o, n.o 3, da Lei do Trânsito Rodoviário (cfr. o teor da decisão a fls. 8v a 9v desses autos).
Veio agora o condenado pedir a revisão dessa decisão nos termos do art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Penal de Macau (CPP), alegando, para o efeito, e em síntese, que essa condenação violou o princípio de ne bis in idem, porquanto ele já tinha sido condenado por uma outra sentença já transitada em julgado pela prática dos mesmos factos ilícitos (cfr. o teor do requerimento de revisão a fls. 2 a 4 do presente processado).
Sobre este pedido de revisão, a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal Judicial de Base pronunciou-se (a fls. 6 a 7v) no sentido de procedência.
Subsequentemente, foi emitida, a fls. 27 a 27v, informação judicial à luz do art.o 436.o do CPP, materialmente no sentido de provimento do pedido de revisão.
Subido o processado para este Tribunal de Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 34 a 34v, opinando, a título principal, que a situação concreta do requerente não poderia constituir motivo para formular o pedido de revisão, pois na ora situação do requerente, e atento o disposto nos art.os 580.o, n.o 1, e 569.o do Código de Processo Civil de Macau, aplicável também ao caso por força do art.o 416.o desse mesmo Código, caberia ao próprio requerente ou ao Ministério Público pedir ao Tribunal autor da segunda sentença condenatória em questão (ou cumpriria ainda a esse Tribunal mesmo oficiosamente) declarar a nulidade da decisão por ofensa manifesta ao princípio de ne bis in idem, embora, a título subsidiário, tenha defendido a mesma Digna Procuradora-Adjunta a procedência do pedido de revisão da sentença.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir do presente pedido de revisão.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O ora requerente A chegou a ser condenado (na sua ausência) por sentença de 29 de Janeiro de 2010 do processo contravencional n.o CR2-09-0709-PCT do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, já transitada em julgado em 8 de Fevereiro de 2010, na multa de seis mil e quinhentas patacas, convertível em quarenta e três dias de prisão, e na inibição de condução pelo período de dois meses, pela prática de uma contravenção ao art.o 96.o, n.o 3, da Lei do Trânsito Rodoviário, por ter sido descoberto, em 30 de Junho de 2009, às quatro horas e dois minutos, como condutor do ciclomotor com chapa de matrícula n.o CM-XXXXX, sob influência de álcool, com 0,97 grama por litro de taxa de álcool no sangue, tendo ele começado a pagar, em 15 de Maio de 2010, a multa em quatro prestações (cfr. o teor de fls. 20 a 23 do presente processado recursório).
Ulteriormente, o ora requerente, pelos mesmos factos, veio a ser julgado (também na sua ausência, apesar de ter sido notificado pessoalmente para o efeito) no processo contravencional n.o CR3-09-0677-PCT do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, subjacente à presente lide recursória, e a final condenado nos mesmos termos jurídicos por sentença de 9 de Abril de 2010, já transitada em julgado em 19 de Abril de 2010, na multa de oito mil patacas, convertível em dezoito dias de prisão, e na inibição de condução por quatro meses (cfr. o teor de fls. 8v a 10 do processo principal), punição essa que ainda não chegou a ser executada.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Pois bem, o arguido condenado A pede agora a revisão da decisão condenatória de 9 de Abril de 2010 acima referida, exclusivamente com base no disposto no art.º 431.º, n.º 1, alínea d), do CPP, segundo o qual a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Como se sabe, distinguem-se duas fases da revisão, a saber: o judicium rescindens e o judicium rescissorium.
Na primeira fase, a de judicium rescindens (juízo rescindente), só cabe julgar se procede o fundamento da revisão da sentença (cfr. maxime o art.º 437.º, n.° 3, do CPP).
E se sim, entrar-se-á na fase subsequente, a de judicium rescissorium (juízo rescissório), em que haverá que proferir nova sentença, depois de se efectuarem as diligências absolutamente indispensáveis e efectuado novo julgamento (cfr. os art.os 439.°, 441.° e 442.° do CPP).
Daí se retira que apesar da admissão da revisão, o recurso pode deixar de obter o provimento a final (cfr. os art.ºs 443.° e 445.° do CPP, confrontadamente).
No caso concreto em análise, tendo a atrás identificada “segunda” sentença condenatória ora em questão transitado já em julgado, o que afasta ao arguido condenado a possibilidade de recurso ordinário da mesma decisão com vista a pedir a sua revogação com fundamento na violação do princípio de ne bis in idem, afigura-se-lhe processualmente também plausível recorrer ao instituto de revisão da sentença para fazer corrigir a injustiça da dita “segunda” ou “repetida” condenação.
Assim sendo, é mesmo de admitir a pretendida revisão daquela “segunda” sentença condenatória proferida em 9 de Abril de 2010 no processo principal, por força da decorrência lógica do princípio de ne bis in idem, princípio importante esse cuja violação só veio a ser sabida supervenientemente à data da emissão dessa sentença, o que configura um “facto processual novo” relevante para os efeitos da alínea d) do n.o 1 do art.o 431.o do CPP, aqui interpretada extensivamente.
IV - DECISÃO
Por todo o expendido, acordam em autorizar a revisão pretendida pelo condenado A, reenviando, por conseguinte, o processo contravencional n.o CR3-09-0677-PCT ao 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, para este efectuar novo julgamento por outro Juiz.
Sem custas.
Fixam em mil patacas os honorários do Ilustre Defensor Oficioso do requerente, a pagar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 24 de Fevereiro de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo (Vencido seguir declaração de voto)
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo nº 6/2011
(Recurso extraordinário de revisão de sentença)
Declaração de voto
Vencido, pois que não subscrevo o douto Acórdão que antecede com o qual se autorizou a peticionada revisão da sentença proferida no processo contravencional n° CR3-09-0677-8 que condenou o arguido A pelos mesmos factos pelos quais já tinha sido condenado por sentença proferida no processo n° CR2-09-0709.
Com efeito, sou de opinião que os fundamentos no art. 431° do C.P.P.M. previstos para o “recurso extraordinário de revisão” tem enumeração taxativa, não me parecendo que a situação dos presentes autos se enquadre na alínea d) do n° 1 do mencionado preceito.
Nesta conformidade, afigurando-se-nos igualmente que inviável é a propugnada “ interpretação extensiva” de tal comando legal, (pois que importa também não olvidar que se está em sede de um “recurso extraordinário”), creio que a solução deve ser encontrada no preceituado no art. 580° do C.P.C.M., (aqui, subsidiariamente aplicável, por força do art. 4° do C.P.P.M.), onde se estatui que:
“1.Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que transitou em julgado em primeiro lugar.
2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”
De facto, as duas sentenças que condenaram o arguido pelos mesmo factos, não deixam de ser, pelo menos formalmente contraditórias, (contradição por coincidência, em função da regra ne bis in indem), e, assim, dever-se-ia negar a pretendida revisão, solucionando-se a dupla condenação do arguido com recurso ao estatuído no art. 580° do C.P.C.M., isto é, cumprindo-se apenas a sentença que em primeiro lugar transitou em julgado; (cfr., neste sentido, o Acórdão do T.S.J.M. de 17.06.1998, Proc. n° 837, e do S.T.J. de 03.05.1995, Proc. n° 46654, e de 01.06.2006, Proc. n° 06P1936).
Macau, aos 24 de Fevereiro de 2011
José Maria Dias Azedo
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