Recurso n. 995/2010
Data do acórdão: 24 de Fevereiro de 2011
Descritores: Arresto
Audiência da parte contrária
Prova nas providências
SUMÁRIO:
I- A norma do art. 330º, n.1, do CPC, por ser aplicável às providências cautelares comuns, não se aplica ao arresto – procedimento cautelar especificado -, para o qual há norma expressa a determinar que ele é decretado sem audiência da parte contrária (art.353º, n.1, CPC).
II- Nas providências colhe-se uma prova indiciária numa análise perfunctória que não implica o conhecimento total da verdadeira situação de facto e que não compromete irremediavelmente a real situação jurídica substantiva das partes.
III- A providência cautelar é provisória ou interina na medida em que visa evitar o perigo da demora, isto é, o risco de perecimento ou enfraquecimento do direito do requerente em virtude do decurso do tempo até à decisão definitiva na acção principal.
Processo de Recurso n. 995/2010
(Recurso Civil e Laboral).
Recorrente: A Macau, Limitada
Recorrida: B Companhia
Acordam no Tribunal de 2ª Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
B Companhia, com sede na Av. da XXX, XXX, edifício XXX, XX, Macau, requereu procedimento cautelar de arresto contra C Limited, com sede na Av. XX, XX, Centro Comercial XX, 16º andar, A a G, em Macau, pedindo o arresto de todos os bens móveis existentes no interior de três edifícios sitos na Doca dos Pescadores nos termos e fundamentos vertidos na petição inicial.
É da sentença que o decretou que C Limited - em português A Macau - interpõe o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. Ao marcar a inquirição de testemunhas sem justificar a dispensa da prévia audiência da Requerida, o despacho de fls. 129 violou o disposto nos art.os 3.º e 108.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPCM, e incorreu no vício de “falta de citação” gerador de nulidade nos termos dos preceitos conjugados nos art. os 140.º, n.º 1, alínea. a) e 141º, alínea. a) do CPCM, o que implica a nulidade de todo o processado depois do requerimento inicial.
B. Se de acordo com as passagens da gravação indicadas no corpo das alegações [29:31 a 31:31 e 55:21 a 57:51 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 14.52.13 (-RG61_-105511270 e 00:00 a 02:33 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 15.50.18 (-RG8GA9105511270)], a diferença entre o valor facturado (MOP$76.055.418) indicado no artigo 30.º da petição de arresto e o valor supostamente ameaçado (MOP$21.278.201,00) indicado no artigo 43.º da petição de arresto, se deveu ao facto de, durante um determinado período, o valor previsto nos contratos ter sido reduzido pela B para $281.00,00 ou ao facto de, em 2007, a C ter devolvido um dos Blocos à B - porque razão continuaria a B (até Novembro de 2009) a emitir mensalmente facturas desacertadas, que não correspondiam a importâncias devidas?
C. A resposta é simples: Não faz o menor sentido!
D. Por outro lado, existe uma flagrante contradição entre o alegado no artigo 33.º e 34.º da petição de arresto e os depoimentos das testemunhas da Requerente na parte relativa ao valor global da dívida da Requerida.
E. Esta contradição, só por si, revela que procede uma excepção peremptória de direito material no valor de MOP contra o valor supostamente facturado à C de MOP$76.055.418,00.
F. Excepção essa que apenas consente à Requerente pedir a tutela do valor de MOP$21.278.201,00. indicado no artigo 43.º da petição de arresto.
G. Ora, sem saber em que consiste esta excepção peremptória de direito material revelada pelas próprias testemunhas, e em que medida é que extinguiu, modificou ou impediu a constituição do direito de crédito da Requerente, mostra-se impossível considerar verificado o direito de crédito a que se referem as “debit notes” de fls. 31 a 119.
H. Ao dar como provado que a Requerente emitia mensalmente as notas de débito a pagar pela Requerida, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.os 437.º e 558.º, n.º 1, ambos do CPCM, com o que incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, dado o valor facturado de MOP$76.055.418,00 ser fictício porque não devido, conforme demonstrado pelas passagens dos depoimentos gravados das testemunhas D e E [29:31 a 31:31 e 55:21 a 57:51 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 14.52.13 (-RG6I_-105511270 e 00:00 a 02:33 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 15.50.18 (-RG8GA9105511270)], devendo, por conseguinte, nesta parte, ser a decisão ora recorrida ser alterada para “não provado”, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
I. Ao dar como provado que a Requerida apenas procedeu ao pagamento da quantia de MOP$3.268.132,74, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.os 437.º e 558.º, n.º 1, ambos do CPCM, com o que incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, dado que este valor de MOP$3.268.132,74 corresponde à dedução de 40% dos valores relativos aos meses de Agosto, Julho e Outubro de 2006 feita pela B (fls. 120 a 123), não consistindo em dívidas da C à B, pelo que a C não tinha obrigação de as pagar e por isso não as pagou, conforme resulta da passagem do depoimento da testemunha D ao minuto 29:31 a 31:31 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 14.52.13 (RG6I_-105511270).
J. Por conseguinte, deve a decisão recorrida ser alterada, nesta parte, para “não provado”, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
K. Ao dar como provado que a Requerida não exerce qualquer actividade em Macau, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.os 437.º e 558.º, n.º 1, ambos do CPCM, com o que incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, dado que o que o depoimento das testemunhas D [24:25 a 26:21 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 14.52.13 (-RG6I_-105511270)] e E [04:13 a 06:21 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 15.54.30 (-RG8L {!05511270)] prova é apenas que os restaurantes da C na Doca dos Pescadores já estão fechados agora.
L. Por conseguinte, deve a decisão recorrida ser alterada, nesta parte, para “não provado”, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
M. Ao dar como provado que a Requerida está desaparecida, não sendo possível contactá-la, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 558.º, n.º 1 do CPCM, com o que incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, dado que não se sabe quando, como e através de quem a B tentou a contactar a C, nem resulta dos autos que a Requerente tenha tentado contactado a Requerida na morada dos seus administradores.
N. Ao contrário, o que resulta é que resulta que a 2ª testemunha E alegou que encontrou o responsável da C seis semanas antes da audiência do arresto [04:53 a 05:54 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 15.54.30 (-RG8L{!105511270)],enquanto a lª testemunha D disse apenas que não conseguiu contactá-lo em Macau [35:30 a 35:51 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 14.52.13 (-RG6I_-105511270) ].
O. Por conseguinte, deve a decisão recorrida ser alterada, nesta parte, para “não provado”, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
P. Ao dar como provado que a Requerida diligenciou por proceder à venda dos bens que possui, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 558.º, n.º 1 do CPCM, com o que incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, dado que calcorreando os depoimentos gravados das duas testemunhas da Requerente [00:00 a 57:51 do Trans1ator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 14.52.13 (-RG6I_-105511270), 00:00 a 03:22 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 15.50.18 (-RG8GA9105511270) e 00:00 a 14:37 do Tranlator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 15.54.30 (-RG8L{!105511270)], bem como toda a prova documental dos autos, não foi possível encontrar qualquer referência ou indício, por mais ténue que fosse, de que a Requerida diligenciou por proceder à venda dos bens que possui.
Q. Por conseguinte, deve a decisão recorrida ser alterada, nesta parte, para “não provado”, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
R. Ao dar como provado não serem conhecidos outros bens à Requerida para além do mobiliário no valor estimado de MOP$1.000.000, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 558.º, n.º 1 do CPCM, com o que incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, dado que, por um lado, não foi produzida prova sobre a existência dos bens da C sujeitos a registo nas conservatórias, conforme requerido na petição de arresto (cfr. fls. 29 dos autos) e, por outro, o direito de locação da empresa comercial previsto no art.º 1030.º do CCM e o valor da caução (referida no ponto 14 do Schedule a fls. 57 e na Cláusula Segunda da Secção IX a fls. 49 do “License to Use Agreement (F&B)” de fls. 27 a 62 da acção principal) fazem parte integrante do património da Requerida.
S. E, sem se saber quanto vale ao certo este direito de locação, afigura-se impossível concluir se o valor do património da Requerida é ou não bastante reduzido se comparado com o montante do crédito (MOP$21.278.201,00) de que se arroga a Requerente no artigo 43.º da petição de recurso, pelo que tal juízo de “facto” não pode relevar para efeitos da verificação do requisito do fundado receio da perda da garantia patrimonial.
T. Por conseguinte, deve a decisão recorrida ser alterada, nesta parte, para “não provado”, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
U. Do teor dos depoimentos transcritos das testemunhas D e E [29:31 a 31:31 e 55:21 a 57:51 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 14.52.13 (-RG6I_-I05511270 e 00:00 a 02:33 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 15.50.18 (-RG8GA9105511270)] não resulta a aparência do direito de crédito por banda do Requerente, no valor superior a 70 milhões de patacas, pelo que ao dar como verificada tal aparência, o Tribunal a quo violou o disposto nos art. os 437.º e 558.º, n.º 1, ambos do CPCM, com o que incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, devendo, por conseguinte, nesta parte, ser a sua decisão alterada para “não provado”, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, a) do CPCM.
V. Acresce que o Tribunal a quo não podia ter tomado em consideração os factos referenciados nos depoimentos das testemunhas D e E, dado estas não terem indicado a sua razão de ciência, nem as circunstâncias justificativas do seu conhecimento dos factos.
W. Por conseguinte, a decisão recorrida não cumpriu a exigência de explicitação das razões de ciência das testemunhas, nem estas a indicaram em violação do disposto no art.º 539.º, n.º 1 do CPCM, pelo que o seu depoimento inexiste, seja física, seja juridicamente, não relevando para nenhum efeito.
X. Independentemente deste vício, o certo é que não ficaram provados os factos alegados nos art.os 20.º,21.º,22.º,26.º,27.º,29.º,31.º e 34.º. da petição de arresto.
Y. Ora, não se tendo provado:
- que foram efectivamente prestados e assegurados os serviços de manutenção, promoção e abastecimento de electricidade e ar condicionados referidos no artigo 29.º da petição de arresto,
- nem que foram prestados e/ou assegurados os bens e serviços discriminados nas várias rubricas dos “debit notes” de fls. 31 a 119,
- nem que foi assegurado o gozo dos espaços indicados nos contratos de fls. 27 a 62 e 63 a 65 da acção principal, para o fim a que se destinavam,
- nem que foram enviados à C os “debit notes” referidos no artigo 20.º,
- nem que foram realizadas as interpelações referidas no artigo 21.º da petição de arresto,
então,
- Não fica demonstrada a existência dos factos que tomam provável a existência do crédito de MOP72,735,863.70 (indicado no artigo 34.º da petição de arresto) relativo à prestação das rubricas discriminadas nos “debit notes” de fIs. 31 a 119.
Z. Assim, o suposto crédito de MOP72,735,863.70 da Requerente, tal como foi por si configurado nos artigos 31.º a 34.º da petição de arresto, ou seja, como um crédito baseado na prestação efectiva das rubricas discriminadas nos “debit notes” de fIs. 31 a 119, apresenta-se como inexistente, face à inexistência da prova dessa prestação, pelo que se não verifica o requisito do fumus boni juris previsto no art.º 352.º, n.º 1, primeira parte, do CPCM.
AA. “Debit notes” esses que de resto, sempre representariam uma facturação falsa, porque irreconciliável com os depoimentos das testemunhas D e E [29:31 a 31:31 e 55:21 a 57:51 do Translator 2 - Recorded on l8-Mar-2010 at 14.52.13 (-RG6I_-105511270 e 00:00 a 02:33 do Translator 2 - Recorded on 18-Mar-2010 at 15.50.18 (-RG8GA910551l270)], logo insusceptível de constituir a Requerida na obrigação de pagar os valores nela indicados.
BB. Por outro lado, atenta a função meramente preventiva do arresto parece insuficiente basear a medida cautelar no simples facto de a Requerida não exercer a sua actividade na Doca dos Pescadores, já que tal circunstância não justifica o receio de insolvência, nem consiste num acto preparatório da venda, nem é equiparável à tentativa de ocultação ou alienação do património.
CC. Neste sentido concorre o facto de não terem ficado provados quaisquer factos susceptíveis de indiciar o receio de insolvência da Requerida (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas), ou do da ocultação, por parte desta, dos seus bens (se, por exemplo, ela tivesse começado a diligenciar nesse sentido, ou se costumasse fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas).
DD. Também não ficaram provados factos susceptíveis de indiciar o receio de que a Requerida vendesse os seus bens (como sucederia se se tivesse provado que estava a tentar fazê-lo ... ) ou de que os transferisse para o estrangeiro (como sucederia se, por exemplo, tivesse ameaçado fazê-lo, ou se já tivesse transferido alguns).
EE. Não ficaram provados, pois, quaisquer factos que denunciassem a disposição da Requerida de subtrair o património à acção da Requerente, pelo que não se verifica, o requisito do periculum in mora previsto no art.º 351.º, n.º 1 do CPCM.
Mais requer, ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1 do CPCM, seja extraída certidão (i) da petição de arresto, com os documentos de fls. 31 a 123 que a instruíram, (ii) da decisão que decretou o arresto, (iii) do documento de fls. 19 a 21 e dos contratos de fls. 27 a 62 e 63 a 66 da acção principal, e do (iv) do requerimento de interposição do recurso.
*
B contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
I. A Recorrente, Requerida nos autos de procedimento cautelar de arresto, não se conformando com o supra identificado Despacho do mesmo interpôs Recurso apontando-lhe os vícios de a) Nulidade por falta de audiência prévia da Requerida; b) Erro na apreciação da matéria de facto; c) Violação do artigo 539.º do CPCM; d) Não verificação dos requisitos legais da aparência do crédito (“fumus boni juris”) e do justo receio de perda de garantia patrimonial (“periculum in mora”).
II. O Despacho recorrido não merece qualquer censura, não padecendo de nenhum dos vícios que lhe são apontados pela Recorrente.
III. Quanto à alegada nulidade do despacho sub judice por falta de audiência prévia da requerida, ora recorrente, refere quanto a esta matéria a Recorrente que ao marcar a inquirição de testemunhas sem justificar a dispensa da prévia audiência da Requerida, o despacho de fls. 129 violou o disposto nos art.os 3.º e 108.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPCM, e incorreu no vício de “falta de citação” gerador de nulidade nos termos dos preceitos conjugados nos art.os 140.º, n.º 1, alínea a) e 141.º, alínea a) do CPCM, o que implica a nulidade de todo o processado depois do requerimento inicial”.
IV. O Procedimento Cautelar Especificado de Arresto, o qual é especialmente regulado pelos artigos 351.º e seguintes do C.P.C., e em tudo quanto não esteja especialmente prevenido nestes, pelo disposto nos artigos 326.º a 336.º do mesmo diploma legal.
V. Conforme alega da Recorrente, o artigo 330.º, n.º 1 do C.P.C. estabelece a regra geral da audição prévia do requerido, excepto quando a audiência puser em risco o fim ou a eficácia da providência.
VI. Esta regra geral é expressamente afastada pela regra especial que rege quanto a esta matéria o procedimento cautelar de Arresto, conforme determina o artigo 337.º do C.P.C., o qual estabelece uma relação de subsidiariedade entre as normas do capítulo em que se insere e as normas que regulam os procedimentos cautelares especificados, como é o caso do Arresto.
VII. Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 353.º do C.P.C.: “Produzidas as provas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.” (destacado e sublinhados nossos).
VIII. A regra geral da audiência prévia do requerido antes do decretamento da providência, é expressamente afastada no caso do procedimento cautelar de Arresto, o qual é decretado sem a audiência prévia do requerido.
IX. Uma vez que o nº 1 do artigo 353° do CPC determina expressamente a não audição prévia do requerido, o que necessariamente poria em causa o sucesso e efectividade da providência, resulta claro que a decisão recorrida não padece do vício de “falta de citação” gerador de nulidade, sendo tal invocação desprovida de sentido e fundamento legal.
X. Ainda que a invocada nulidade de falta de citação se verificasse, o que só por mero dever de patrocínio se concebe, a mesma estaria já sanada por efeito do disposto no artigo 142.º do e.p.e. que determina que “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.”. (destacado e sublinhados nossos).
XI. A nulidade por falta de citação, invocada pelo Recorrente, sana-se se, logo na primeira intervenção que tiverem, o Réu (ou Ministério Publico) não suscitarem essa questão.
XII. No acto que constitui a sua primeira intervenção que se deverá arguir a nulidade por falta de citação. Se a mesma não é arguida aquando da primeira intervenção é porque não há interesse nisso, e tal vício considera-se sanado, tal como sucedeu in casu.
XIII. A primeira intervenção da Recorrente no procedimento cautelar de arresto ocorreu no dia 26 de Agosto de 2010, para efeitos de junção da procuração forense a favor do seu Ilustre Mandatário, e no dia 30 desse mesmo mês apresentou o Requerimento de Interposição de Recurso, ora, nem na primeira, nem na segunda intervenção, em 26.08.2010 e 30.08.2010 respectivamente, a ora Recorrente mostrou qualquer interesse em arguir a nulidade por falta de citação.
XIV. Não tendo a Recorrente em qualquer destas intervenções invocado a alegada nulidade, a mesma, caso existisse, terá forçosamente que se considerar já sanada!
XV. Quanto alegado erro na apreciação da matéria de facto, invoca a Recorrente que a decisão em crise incorre em erro na apreciação da prova produzida em diversos pontos da matéria de facto, afirmando então que a mesma violou o disposto nos artigos 437.º e 558.º, n.º 1, ambos do C.P.C.
XVI. De acordo com o princípio da livre apreciação da prova cabe ao julgador apreciar livremente a prova não vinculada, decidindo segundo a sua convicção acerca de cada facto.
XVII. O Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
XVIII. No caso da avaliação dos depoimentos testemunhais prestados a tarefa que se impõe nada tem de linear, uma vez que exige ter em consideração não só o que a testemunha disse, mas também a forma como o disse, as hesitações, contradições, esquecimentos e lembranças inesperadas, exigindo-se do julgador uma verdadeira “arte de julgar”, adquirida ao longo de anos de experiência e com o auxílio de outras áreas do saber, como a psicologia e sociologia judiciárias, sendo certo que é o Tribunal de 1a Instância, atento a relação de imediatividade, que melhor se encontra em condições de apreciar.
XIX. Acresce que Recorrente parece ter-se olvidado que estamos no âmbito de um procedimento cautelar e, como tal, que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 329.º, n.º 1 do C.P.C., a Requerente, ora Recorrida, teria apenas que oferecer prova sumária do direito ameaçado, e que Tribunal deve decretar a providência desde que haja probabilidade séria da existência do direito (artigo 332.º, n.º 1 do C.P.C.), para além do preenchimento dos demais requisitos legais.
XX. Não é, com efeito, necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero “fumus boni iuris”, ou seja, e como acima ficou dito, que o direito se apresente como verosímil.
XXI. A própria jurisprudência tem considerado a verificação de periculum in mora, para efeitos de decretamento do arresto, em situações em que existe, nomeadamente, a tentativa do devedor de alienar bens imóveis; o risco de o devedor ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património; a demonstração de que o devedor se furta aos contactos e pretende vender o património conhecido; o acentuado défice entre o crédito exigido e o valor do património conhecido do devedor, juntamente com a circunstância de o mesmo ser facilmente ocultável; a descapitalização de empresas, através da transferência dos activos, ou a prática de actos de alienação gratuita a favor de terceiros ou actos simulados de alienação ou de oneração.
XXII. A decisão sub judice, no que respeita ao julgamento da matéria de facto: a) refere quais os factos que considerou indiciariamente demonstrados e os elementos de prova que considerou para chegar a tal conclusão - vide alíneas a) a f); b) analisa criticamente as provas produzidas “A convicção do tribunal relativamente aos factos indiciariamente demonstrados resulta dos documentos e depoimentos das testemunhas indicados relativamente a cada um deles.”; e c) especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador “No que aos depoimentos das testemunhas concerne estas referiram expressamente a matéria constante das alíneas dadas por assente com base nos mesmos, facto dos quais tinham conhecimento pessoal e directo.”
XXIII. O Tribunal deu como indiciariamente demonstrado que a Requerente emitia mensalmente as notas de Débito a pagar pela requerida conforme documentos de fls. 31 a 119 no montante global de MOP$76.055.418,00, facto relativamente ao qual se insurge a Recorrente.
XXIV. A Recorrente para além de se ter olvidado que estamos no âmbito de um procedimento cautelar e, portanto, a prova a produzir terá que ser meramente indiciária, parece também confundir a prova testemunhal, com a confissão da própria parte, já que afirma: “pelo facto confesso pelas testemunhas de o grosso das importâncias indicadas nessa facturação não serem devidas pelas C, logo pagáveis”.
XXV. A prova por confissão e a prova testemunhal, são dois meios de prova totalmente distintos que se encontram regulados em diferentes secções do Código Civil, e a sua força probatória, consoante as situações em que sejam produzidas, são também diversas.
XXVI. A Requerente, ora Recorrida, é clara ao afirmar, quer no procedimento cautelar, quer na acção principal relativamente à qual aquele corre por apenso, que o valor total do capital em dívida por parte da Requerida é de MOP$72,735,863.70, titulado pelas “Debit notes” juntas como doc. 1 na petição inicial de arresto.
XXVII. A Requerente apenas exigiu o pagamento de MOP$21,278,801.00, não especificando, nem tendo obrigação de especificar, o motivo pelo qual não pretende, na presente sede, o pagamento do montante em dívida por inteiro.
XXVIII. Um credor pode exigir judicialmente um valor menor do que o devido, sem renunciar ao valor total do crédito!! Tal circunstância não libera o devedor da obrigação de pagar.
XXIX. As razões da exigência parcial poderão passar, por exemplo pela redução dos custos com os processos judiciais, mormente em termos de custas.
XXX. A dívida da Recorrente nunca deixou de ser líquida, vencida e devida.
XXXI. Não obstante as testemunhas D e E, aquando questionadas sobre o motivo pelo qual a Requerente apenas peticionava o montante de MOP$21,278,801.00, terem referido que isso se prenderia com um desconto devido à entrega de um dos espaços objecto do contrato, a Recorrida bem o sabe, após a entrega do Bloco III do “Edifício XXXX I”, em Outubro de 2008, o valor que era devido pela ocupação de tal espaço foi devida e expressamente deduzido nas facturas emitidas em data posterior à entrega, conforme delas resulta e pode ser verificado através do confronto das mesmas, nomeadamente aquelas que constam de fls. 107 a 119 dos autos.
XXXII. Documentalmente, na sequência da referida entrega do Bloco III do “Edifício XXXX I”, em Outubro de 2008, teria título a Recorrida para peticionar o valor deles constante.
XXXIII. Foi de livre iniciativa e de boa fé reduzido o valor das “license fees”, interpretando dessa forma a vontade das partes decorrente da entrega do referido imóvel.
XXXIV. Os descontos efectuados pela Recorrida à Recorrente se encontram devidamente documentados nos documentos de fls. 121 a 123 dos autos.
XXXV. Não obstante terem mencionado a existência desse desconto, as testemunhas não hesitaram em afirmar que: (Testemunhas D e E) era de 70 e tal milhões o montante actual da divida que a CMC tem para com a B.
XXXVI. Resulta claro quer da prova testemunhal, quer da prova documental junta aos autos que o crédito da Recorrida ultrapassa os setenta milhões de patacas.
XXXVII. Bem andou o douto Tribunal a quo, após ter procedido ao exame das provas documentais e testemunhais produzidas, ao dar como indiciariamente demonstrado o facto no caso dos autos face à prova indiciária produzida resulta a aparência do direito de crédito por banda da requerente, no valor superior a 70 milhões de patacas, dos quais a Recorrida apenas exige na acção principal o pagamento de MOP$21.278.801.00.
XXXVII. Existirá um lapso manifesto na decisão recorrida ao mencionar que os documentos que respeitam ao facto dado como indiciariamente como provado na alínea C) ora em apreço se encontram a fls. 121/123, uma vez que, o documento de fls. 120 “Credit Note n.º 2006-00245”, de 23 de Agosto de 2006 titula o valor a favor da Recorrente de MOP$3,037,488.54.
XXXIX. Quanto aos documentos de fls. 120 a 123, a Recorrida não discorda que os mesmos respeitam a descontos concedidos à Recorrente no valor global de MOP$3.268.132,7 4, conforme aliás refere nos artigos 32.º e 33.º da sua petição inicial de arresto.
XL. Ao valor total da dívida da Recorrente, a Recorrida deduziu contabilisticamente o valor titulado pelas referidas notas de crédito, irrelevando, quer em sede do presente recurso, quer em sede da decisão sub judice, a proveniência/natureza, desconto ou pagamento, das MOP$3.268.132,74 uma vez que foram devidamente deduzidas pela Recorrida ao valor global da dívida da Recorrente.
XLI. Quanto ao não exercício de actividade em Macau por parte da Recorrente, uma vez mais não assiste razão à Recorrente.
XLII. De acordo com a prova testemunhal produzida em sede de audiência, bem andou o Tribunal a quo ao dar como indiciariamente demonstrado que a “Recorrente não exerce qualquer actividade”, uma vez que as testemunhas foram unânimes em referir que (D (translator 2, registado em 18/03/2010 - RG61 -105511270) «[...]Já pararam tudo. Deixaram de existir» «Sim já, já não vejo ninguém ali» «Sim não vejo pessoal a trabalhar lá, voltar ao serviço e a trabalhar lá.[...]» e (E) «[...]não vejo empregados deles a trabalhar lá...sim tinha um gerente estrangeiro, se não estou em erro de nacionalidade inglesa. Ele de vez em quando...uma semana vinha uma vez aparecia meia hora ... ligava a luz ligava os computadores mas depois de uma hora ia-se embora, mas não explorava nada, não tem nenhuma actividade...» «[...]: Eu também cheguei a ver um documento emitido pela MGT, portanto turismo, se não estou em erro foi em Fevereiro do corrente ano que enviou uma copia para a nossa companhia doca dos pescadores, e nesse documento dizia que a CMC requereu uma licença e que não esta terminado, a minha tradução que ficou extinto este requerimento eu até fiquei muito admirado ao ver esse documento, porque extinto para mim é uma coisa que já não, quer dizer que já deixou de querer. Porque era para requerer licença para um restaurante... [...]»
XLIII. Assim se provou, ainda que indiciariamente, que a Recorrente deixou de exercer a sua actividade comercial, sendo certo que, até hoje todos os estabelecimentos comerciais que explorava na Doca dos Pescadores estão encerrados e que por inércia sua, deixou que se extinguisse o procedimento administrativo relativo à obtenção de uma licença de exploração para um restaurante que pretendia explorar num dos espaços que ocupava na Doca dos Pescadores.
XLIV. O Tribunal a quo não se bastou com a prova testemunhal encontrando-se junto aos autos prova documental bastante, designadamente a notificação datada de 25 de Fevereiro de 2010, pela qual a Recorrida recebeu da Direcção dos Serviços de Turismo de Macau, relativa ao processo administrativo n.º 06.83-05/B, cuja cópia foi junta como DOC. 4 do requerimento inicial.
XLV. As testemunhas não possuíam conhecimento de outros bens que a Recorrente tivesse em Macau, o que leva necessariamente que desconheçam se têm outra actividade em Macau e demonstra o receio de perda da garantia patrimonial.
XLVI. A impugnação deste específico ponto da matéria de facto dada como indiciariamente provada é tão ou mais destituída de sentido, quanto, no seu próprio Recurso, a Recorrida reconhece expressamente que não tem já qualquer actividade em Macau! - vide ponto 86. das alegações de recurso.
XLVII. Não merece censura nem reparo a decisão do douto Tribunal a quo no que respeita a este específico ponto (primeira parte da alínea d)) da matéria de facto dada como indiciariamente demonstrada.
XLVIII. Quanto à impossibilidade de contactar a Requerida, não assiste razão à Recorrente sendo perfeitamente abusivo e destituído de qualquer fundamento legal que a Recorrente, uma empresa comercial com personalidade jurídica, venha afirmar que os seus credores ou parceiros comerciais estão obrigados a contactar os seus administradores nas suas moradas pessoais!!
XLIX. A sede das sociedades comerciais é um facto sujeito a registo, e como tal publicitado através das respectivas inscrições e averbamentos na Conservatória do Registo Comercial, e trata-se, ou deveria tratar-se, de um endereço real e efectivo ao qual quem as pretenda contactar possa, com sucesso, dirigir-se.
L. Resulta dos documentos n.º 9 e 10 juntos com a petição inicial apresentada em sede de acção principal, e para os quais se remeteu na petição de arresto, que pelo menos uma das comunicações escritas enviadas para a sede da Recorrente não foi reclamada!
LI. São tão óbvias as dificuldades da Recorrida em contactar a Recorrente que, quer na acção principal, quer no procedimento cautelar de arresto, o próprio Tribunal a quo apenas a conseguiu chamar à demanda através da sua citação edital.
LII. Foi documentalmente provado que até à data da apresentação da providência nem o próprio Tribunal logrou citar a Ré, ora Recorrente, conforme certidão negativa de citação também junta como documento nº 3 do mesmo requerimento inicial.
LIII. A citação edital é a última via da citação das pessoas colectivas que só é realizada quando se frustre a citação na sua sede e na morada dos seus legais representantes.
LIV. A testemunha D providenciou um claro depoimento, devidamente valorado pelo douto tribunal a quo, tendo afirmando «Agora em Macau não consegue localiza-los.»
LV. Da lista dos factos que o douto Tribunal a quo deu como indiciariamente demonstrados não resulta qualquer facto respeitante à tentativa por parte da Recorrente em proceder à venda dos seus bens, não obstante a afirmação de tal facto na parte da fundamentação da decisão recorrida resulta da convicção formada pelo douto Tribunal a quo após ouvir o depoimento das testemunhas, analisar os documentos dos autos e se basear nas regras da experiência e da lógica.
LVI. Não se torna necessário provar que o devedor andou tentar proceder à venda de bens para que seja decretado o arresto, não sendo a “tentativa de proceder à venda dos bens” um requisito da providência cautelar.
LVII. A Lei impõe, no artigo 351º do Código Processo Civil é que “o credor tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito” e tal receio existe, necessariamente, quando não se conheçam bens suficientes no património do devedor susceptíveis de garantir o crédito, e o devedor não exerça qualquer actividade comercial ou outra que seja rentável.
LVIII. Ora, in casu, provou-se, ainda que indiciariamente, que (i) os bens do Requerido reduzem-se a imobiliário existente no interior dos edifícios de reduzido valor quando comparado com o crédito, e que (ii) o Requerido não desenvolve qualquer actividade em Macau,
L1X. As testemunhas quanto a esta matéria referiram: D: «Do meu conhecimento eles têm outros credores.» «Do meu conhecimento são salários dos trabalhadores, decorações, obras, os tais vendedores de carne e de peixe, esses também a CMC devem dinheiro.» «Com a excepção daqueles tais estabelecimentos comerciais, alias, aqueles bens que têm la nos estabelecimentos comerciais, do resto não tenho conhecimento.» «Sem contar com a decoração menos de 1 Milhao, aqueles objectos» «Mais de 20 milhoes em dívidas a fornecedores.» «Tudo fechado nós não temos chaves.» e E: «Eu não tenho conhecimento se a CMC tem alguns bens em Macau mas só cheguei a conhecer que eles chegaram a tomar de arrendamento o nosso local e tinha equipamentos apetrechos no interior, computador por exemplo, isto entendo que são coisas que ainda existem são esses bens, o resto nada sei, não tenho conhecimento de mais nada»
LX. Recorrendo a tudo quanto supra ficou dito quanto ao princípio da livre apreciação da prova, do imediatismo e da oralidade, a convicção do douto Tribunal a quo quanto a este facto dificilmente poderá ser atacado.
LXI. Dispõe o artigo 352.º, n.º 1 do C.P.C. que “O requerente do arresto deduz os factos que tomam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devam se apreendidos, com toda as indicações necessárias à realização da diligência.”
LXII. A ora Recorrida na petição de arresto que apresentou, requereu que fossem arrestados os bens da Recorrente que conhecia, tendo ademais requerido que o referido arresto recaísse ainda sobre eventuais contas bancárias e demais bens imóveis e móveis, sujeitos a registo,” que se viesse apurar pertencerem à Recorrente, tendo por conseguinte cumprido integralmente com o disposto na supra identificada disposição legal, informando ao Tribunal os únicos bens que conhecia pertencerem à Recorrente.
LXIII. Não impende sobre o douto Tribunal a quo qualquer obrigação de, antes de proceder ao decretamento do arresto, providenciar no sentido de aferir se a requerida dispõe de mais bens para além dos identificados na petição inicial de arresto, até porque, a realização de tal diligências, nomeadamente as buscas junto das Conservatórias de Macau, impediria que o douto Tribunal a quo desse efectivo cumprimento ao disposto no artigo 327.º, n.º 2 do C.P.C..
LXIV. A locação da empresa comercial vem necessariamente agarrada à cessão de exploração de um estabelecimento comercial explorado por essa mesma empresa, pelo que não tendo a Recorrida qualquer actividade em Macau, conforme reconhece, é perfeitamente destituída de coerência invocar um qualquer direito de locação da empresa que integre o seu património.
LXV. Ademais, tanto os sobreditos fundamentos apresentados pela Recorrente nas suas alegações de Recurso no que a este facto respeitam, como a invocação da existência de caução no valor de HK$4,078,056.00, salvo devido respeito constituem matéria para Oposição, que a Recorrente escolheu não apresentar.
LXVI. Resulta inglório o esforço da Recorrente em querer ver à força reduzido o valor da sua dívida para o montante de MOP$ 21.278.201,00, acrescido de juros, uma vez que quer dos documentos juntos, quer da prova testemunhal produzida, tal facto resulta inequívoco.
LXVII. Da decisão recorrida invoca especificamente que as testemunhas referiram expressamente a matéria constante das alíneas dadas por assente, factos dos quais tinham conhecimento pessoal e directo.
LXVIII. Quanto à sua razão de ciência a testemunhas D afirmou o seguinte «Desde que eu ingressei na nossa companhia a minha responsabilidade, o meu cargo, não só tenho responsabilidade de ser o director das finanças da minha companhia, mas também o director das finanças de B, que foi desde Abril de 2007 até Janeiro deste ano.»« Quando nós negociamos com a outra parte para ajudar a continuar com a nossa colaboração ele mostrou-me estava a negociar como cooperar com eles, ele deixou-me ver.» «2007 Maio, eu comecei a ter contactos com a CMC, negociação, quer dizer a partir de Maio comecei a negociar com a CMC para ver se há possibilidade de colaboração, continuar com essa colaboração.»
LXIX. Já a testemunha E referiu «Trabalho para a B, no departamento de arrendamento.» e demonstrou sempre um conhecimento directo dos factos sobre os quais testemunhou, utilizando sempre expressões que peremptoriamente demonstram tal conhecimento
LXX. Perante tais depoimentos, que devidamente valorou, o douto Tribunal a quo concluiu que as mesmas tinham conhecimento directo dos factos sobre os quais depuseram, dando assim integral cumprimento ao disposto no artigo 539.º do C.P.C.
LXXI. O arresto e o arrolamento são providências cautelares cuja finalidade específica é garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua execução. O arresto pode ser requerido pelo credor que demonstre a probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua garantia patrimonial. O arresto consiste na apreensão judicial de bens do devedor ou de bens transmitidos pelo devedor a um terceiro.
LXXII. O douto Tribunal a quo deu como provada a aparência da existência do crédito por parte da Recorrida sobre” a Recorrente, em valor superior a 70 milhões de patacas, das quais a Requerente, ora Recorrida apenas exige na acção principal o pagamento de MOP$ 21.278.201,00, com base nos documentos de fls. 31 a 119 dos autos.
LXXIII. O douto Tribunal a quo valorou devidamente o depoimento das testemunhas no que a este aspecto respeita já que as mesmas claramente afirmaram no seu depoimento que o valor do crédito da Recorrente sobre a Recorrida é de cerca de 70 milhões de patacas:
LXXIV. O facto de as testemunhas terem mencionado que a diferença entre o valor desses 70 milhões e o valor peticionado em sede de acção principal cerca de 21 milhões, se ficou a dever a um desconto decorrente da entrega de um dos espaços comerciais não teve qualquer relevância já que, esse desconto encontra-se devidamente plasmado nas facturas emitidas em data posterior à devolução de tal espaço comercial, cfr. 121 a 123 dos autos.
LXXV. Não existe qualquer excepção peremptória de direito material que proceda contra o valor titulado pelas facturas juntas pela ora Recorrida para efeitos de prova, ainda que indiciária, da existência do seu crédito.
LXXVI. As facturas juntas como docs. 31 a 119 dos presentes autos não padecem de qualquer vício, antes reflectindo de forma clara e correcta os montantes em dívida por parte da Recorrente à Recorrida, nas mesmas estando aliás já contido o valor do desconto/redução efectuado por força da entrega em Outubro de 2008 do Bloco III do Edifício “XXXX”.
LXXVII. Ora, os factos mencionados nos artigos 20.º, 21-º, 22.º, 26.º, 27.º, 29.º, 31.º e 34 do requerimento inicial que a Recorrente considera que não foram provados e por isso inviabilizam que esteja preenchido o requisito da aparência de existência de crédito, dizem por um lado respeito à cedência do uso dos espaços objecto dos contratos celebrados e aos serviços prestados pela Recorrida à Recorrente e que justificam a existência da dívida por parte desta última, e por outro, tais factos respeitam ao envio mensal das “debit notes” e às interpelações realizadas pela Recorrida à Recorrente para efeitos de pagamento das quantias em dívida.
LXXVIII. Uma vez mais que parece que a Recorrente se esquece que estamos perante um procedimento cautelar onde a prova a produzir quanto à verificação dos requisitos legais que levam ao decretamento da providência se tratam de provas meramente indiciárias.
LXXIX. A efectiva existência e montante do crédito é um facto que deverá ser cabalmente provado em sede de acção principal, bastando-se a lei que no âmbito do procedimento cautelar se face apenas uma prova sumária que indique indiciariamente a sua verificação.
LXXX. Ora, para efeitos da existência da aparência do crédito, conforme supra já se demonstrou à exaustão, o douto Tribunal a quo considerou a existência do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, ou seja, a fonte do direito de crédito, (alínea a) dos factos dados como indiciariamente demonstrados), as facturas e das notas de crédito de fls. 31 a 123 dos autos e o depoimento das testemunhas.
LXXXI. Resulta manifestamente infundada a alegação da Recorrente no que respeita à não verificação do requisito legal previsto no art.º 352.º, n.º 1, primeira parte do C.P.C., tendo o douto Tribunal a quo de acordo com a prova produzida julgado correctamente a verificação da aparência da existência do crédito da Recorrida sobre a Recorrente.
LXXXII. Relativamente ao receio de perda da garantia patrimonial foi igualmente indiciariamente demonstrado que o Requerente está desaparecido não sendo possível contactá-lo e que diligenciou por proceder à venda dos bens que possui.
LXXXIII. Da prova produzida resulta que a requerida possui apenas o mobiliário existente no interior dos edifícios de valor bastante reduzido se comparado com o montante do crédito da Requerente e que não exerce qualquer actividade em Macau.
LXXXIV. À míngua da existência de outros bens conhecidos ao devedor aqui requerida, a venda dos indicados bens poderá impedir a satisfação, coerciva, do crédito da Requerente.
LXXXV. O douto Tribunal a quo de forma fundamentada justificou o motivo pelo qual considerou preenchido o requisito legal do receio da perda da garantia patrimonial, tendo-o feito com base na prova indiciariamente produzida pela ora Recorrida.
LXXXVI. O douto tribunal a quo, com base no desaparecimento da Recorrente, na falta de exercício de qualquer actividade em Macau, na desproporção entre o valor dos seus bens conhecidos e o valor do crédito da Recorrida, na demonstrada falta de cumprimento e de intenção de cumprimento por parte da Recorrente das obrigações assumidas por força do contrato celebrado, bem como a existência de outras dívidas perante outros credores, decidiu bem ao considerar demonstrado tal receio.
LXXXVII. Conclui-se assim que, o contrário do alegado pela Recorrente quanto a esta matéria, não é necessário que exista certeza de que a perda da garantia se vai tomar efectiva com a demora, bastando que se verifique um justo receio de tal perda vir a concretizar-se.
LXXXVIII. Importa salientar que a mais segura razão para o receio justificado da perda da garantia patrimonial haverá se a dissipação, ou mera tentativa, estiver conexa com a exiguidade do património do devedor em face do montante da dívida e com o facto de aquele se furtar ao contacto com o credor ou, de qualquer modo, denotar pretender eximir-se ao cumprimento da obrigação, o que, claramente se verifica nos presentes autos.
LXXXIX. As testemunhas foram peremptórias em afirmar que do seu conhecimento a ora Recorrente tem outros créditos, nomeadamente trabalhadores, decorações, obras e fornecedores e que com excepção dos bens que se encontram no estabelecimentos comerciais não existem outros, bens que não deverão valer mais de MOP$1.000.000.00 valor consideravelmente diminuto se atentarmos ao crédito inicialmente peticionado pela Recorrida, a que acresce o facto de não ser possível contactar a Recorrente.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) Com inicio em 1 de Janeiro de 2006 entre a Requerente e a Requerida foram celebrados os contratos cujas cópias constam de folhas 28 a 62 e 64 a 65 os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, de acordo com os quais a Requerente cedia a licença de uso à Requerida dos Edifícios XXXX I, II e III e XX Square bem como o XX Deck, ali melhor identificados, mediante o pagamento das quantias ali referidas por banda da Requerida à Requerente,
b) A Requerente emitia mensalmente as notas de Débito a pagar pela requerida conforme documentos de fls. 31 a 119 no montante global de MOP$76.055.418,00
c) A Requerida apenas procedeu ao pagamento da quantia de MOP$3.268.132,74 - cf. fls. 121/123 -;
d) A Requerida não exerce qualquer actividade não sendo possível contactá-la - cf. Depoimento das testemunhas -;
e) Os edifícios e espaços objecto dos contratos referidos em a) estão encerrados não exercendo a requerida neles qualquer actividade - cf. Depoimento das testemunhas - ;
f) Não são conhecidos outros bens à Requerida para além do mobiliário que se encontra no interior daqueles edifícios no valor estimado de MOP$1.000.000 - cf. Depoimento das testemunhas -.
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III- O Direito
Face à factualidade acima transcrita, a sentença decretou a providência, por entender que estavam reunidos os requisitos para o efeito: a aparente existência do crédito do requerente no valor superior a 70 milhões, receio de dissipação patrimonial por banda do devedor (desaparecido e incontactável) com a consequente perda de garantia na satisfação do crédito.
A recorrente defende que a marcação da inquirição de testemunhas sem ser previamente ouvida, contra o disposto na regra do art. 330º, n.1, do CPC, e sem fundamentação a respeito do não cumprimento da referida regra, viola os arts. 3º e 108º, ns. 1 e 2 do mesmo código.
É verdade que tal disposição impõe o dever de ouvir o requerido antes do decretamento da providência. Contudo, trata-se de normativo essencialmente aplicável aos procedimentos cautelares comuns (ver epígrafe do capítulo I, do título III, art. 326º, do CPC). Quanto aos procedimentos cautelares especificados, e sem prejuízo das regras que daqueles lhe sejam também aplicáveis, regem as disposições especialmente previstas (art. 337º, do CPC). Ora, no que a este problema concerne, o art. 353º, n.1 do Código estatui que o arresto, procedimento cautelar especificado, é decretado sem audiência da parte contrária. É esta a regra aplicável ao caso. Claro está que o decretamento depende da verificação dos requisitos legais (cit. norma). Mas isso tem já que ver com os dados de facto que o julgador ache obtidos, capazes de preencherem os elementos normativos típicos com vista à satisfação do pedido. O facto de o tribunal não ter ouvido o recorrente está, portanto, de acordo com a previsão legal, feita regra própria para esta providência especial e, assim, aceitando o juiz como verosímeis os fundamentos aduzidos pelo requerente na sua petição, nenhum dever especial tinha de fundamentar ou explicar as razões da imediata marcação da produção da prova, dever que é somente imposto nos procedimentos cautelares comuns.
Por outro lado, a norma em causa não ofende o princípio do contraditório (cfr. 3º do CPC), uma vez que ela está pensada precisamente para evitar que, com o conhecimento da providência por parte do requerido, se não ponha em perigo ou se aumente o risco de perda da garantia que ela visa precisamente acautelar. De resto, após a primeira decisão, o requerido sempre terá todas as possibilidades de defesa acerca da pretensão do aparente credor, recorrendo ou deduzindo oposição, tal como o prescreve o art. 333º, do CPC. O que significa que o contraditório é assegurado em diferido ou, como também já lemos, garantido supervenientemente, de maneira a permitir que o requerido deduza a defesa que não tiver podido apresentar anteriormente.
E se isto é assim, perde todo o sentido a invocação do vício de “falta de citação”, que a omissão do contraditório poderia, para o recorrente, significar.
Improcede, pois, a conclusão A (pontos 1 a 5 das alegações).
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Nos pontos 6 a 13 das alegações a recorrente insurge-se contra o valor mencionado na matéria de facto (alínea b), defendendo ter havido erro na apreciação da prova.
Vejamos. Aquela alínea diz que a requerente emitiu documentos no valor superior a 76 milhões. Na generalidade, alguma prova testemunhal sugere que a dívida é menor (de cerca de vinte ou vinte e cinco milhões). Todavia, isso não inviabiliza os documentos com base nos quais a sentença menciona o valor de cerca de 76 milhões, porque se trata de um valor que é reportado às notas de débito emitidas e não propriamente à dívida. Na verdade, a emissão de facturas ou notas de débito com este montante total não significa necessariamente que esse seja o valor da dívida, pois pode acontecer ter já sido paga uma parte dela ou até mesmo haver erro na emissão de alguma delas. Mas essa é já questão substantiva que a acção principal terá que deslindar a seu tempo. Do que não há dúvida é que houve contratos de arrendamento referentes a três prédios da Doca dos Pescadores, pelos quais a recorrente haveria de cobrar uma renda, mas de que a recorrida apenas pagou uma parte. E saber se a dívida é de 76, 20-25 milhões, ou nem tanto, é, neste momento assunto de menor importância. Relevante é que a dívida aparentemente existe, que é elevado o seu valor e que apenas alguns bens móveis existentes no interior de pelos menos dois desses edifícios podem ser arrestados.
Por conseguinte, sendo certo que a prova documental indica o valor acima referido – nesse sentido o facto da alínea b) condiz com a substância dos documentos -, eventual divergência destes com a realidade não será de molde a enfraquecer a solução da sentença impugnada, até porque neste domínio o que vale é a aparência do crédito, mais do que a sua verdadeira grandeza, que, de qualquer modo, é sempre inquestionavelmente elevada.
Improcedem, pois, as conclusões B a H.
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Nos pontos 14 a 21 das alegações (conclusões I e J) , a recorrente insiste na violação dos arts. 437º e 558º, n. 1, do CPC, com base em erro na apreciação da matéria de facto dada por assente na alínea c), segundo a qual a requerida teria procedido ao pagamento de apenas três milhões aproximadamente, de acordo com o documento de fls. 121/123.
Tem, efectivamente, razão nesta parte. Com efeito, os documentos de fls. 120 a 123 dos autos (no presente recurso, fls. 149 a 153) não transmitem a existência de dívidas da ora recorrente, não apenas por não serem facturas, mas por serem notas de crédito, tal como textual e expressamente deles resulta (“credit notes”). E o de fls. 120 é um documento “Revised” tendente, aparentemente, a rever notas de débito anteriores, concernentes, nomeadamente, a “licence fee” de Abril a Junho de 2006 (documentos preexistentes a fls. 62 e 65-67 do presente recurso.
Assim sendo, vingando as conclusões citadas, nos termos do art. 629º, n.1, al. a), do CPC, procederemos a final à alteração da matéria de facto nesta parte, fazendo consignar nessa alínea c) a redacção seguinte: “B”emitiu a favor da C Limited notas de crédito no valor de Mop$ 3.268.132.74.
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Os pontos 22 a 32 das alegações (conclusões K e L) têm como objectivo destruir a prova do facto contido na alínea d) (1ª parte), segundo a qual “A Requerida não exerce qualquer actividade…”.
Segundo a recorrente, a prova testemunhal obtida não permite retirar tal conclusão, mas apenas que ela não exerce qualquer actividade na Doca dos Pescadores.
É isso o que as testemunhas D e E dizem, sim. Realmente, tal como resulta das transcrições feitas pela recorrente, e que a recorrida aceita como boas, a C, nos três prédios tomados de arrendamento, deixou de exercer qualquer actividade.
Haverá necessidade de alterar a matéria de facto nessa parte? Pensamos que seria bem pequena a utilidade da alteração. Em primeiro lugar, porque é mais do que evidente que a referida alínea já tem por implícita a circunstância invocada pela recorrente. Ou seja, quando a alínea dá por assente que a C não exerce qualquer actividade está, obviamente, a referir-se à actividade na Doca dos Pescadores, a única que aqui está em discussão. Em segundo lugar, porque a introdução desse preciosismo factual em nada iria alterar a substância da decisão. Repare-se nisto: mesmo que o julgador estivesse a pensar que a C não exercia nenhuma actividade, em Macau ou noutro lado qualquer (o todo), obviamente nessa afirmação também tinha que caber a ideia de que ela não exercia qualquer actividade na Doca dos Pescadores (a parte).
De resto, ainda supondo que a sentença deu por provada tal matéria numa dimensão maior do que a devida – e não nos parece que seja possível admiti-lo com facilidade – mesmo assim ela até está de acordo com o que a própria recorrente afirma no art. 86 das suas alegações, quando é peremptória a dizer que ”…a Requerida não exerce qualquer actividade em Macau”(ver fls. 302). Circunstância que, assim sendo, condiz totalmente com o teor da alínea e) da matéria de facto.
Sendo assim, improcedem as conclusões nesta parte.
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Nas alegações 33 a 47 (Conclusões M, N e O) a recorrente defende que não deveria ter sido dado como provado na alínea d) (2ª parte) que era “…impossível contactá-la”(sic).
Mas também aqui não tem razão. Os contactos para uma pessoa colectiva fazem-se para o local da sede, geralmente, não para a morada de cada um dos seus administradores. Assim, mesmo que a recorrida soubesse dessas moradas, nenhuma correspondência haveria de vincular os destinatários.
De resto, foi a convicção do tribunal que levou àquela conclusão, a qual, de resto, tem correspondência não só com a afirmação da testemunha D (de que agora não conseguia localizar os representantes da CMC), como até mesmo com a circunstância de a ora recorrente ter sido citada editalmente, tanto na acção principal, como no arresto.
Portanto, a matéria da referida alínea é, nesta parte, incensurável.
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A seguir (conclusões P e Q), a recorrente defende que nada nos autos deveria ter permitido ao julgador dar por provado que a ora recorrente (na sentença é dito o “requerente”: ver fls. 141 verso, penúltimo parágrafo) diligenciou proceder à venda dos bens que possui.
Mas a recorrente está equivocada. Com efeito, nenhuma das alíneas constantes da matéria de facto inclui a afirmação de que a ora recorrente andava a tentar vender os bens que possuía. É certo que a podemos ler no texto da sentença, (ver fls. 10, penúltimo parágrafo). E não custa reconhecer que se trata de uma afirmação temerária levada pelo juiz ao conteúdo fundamentativo da sentença. Contudo, sem embargo disso, ela apenas faz parte dos argumentos utilizados, não da matéria provada. Ora, como se sabe, os fundamentos errados da sentença só serão avaliados negativamente em recurso se eles trouxerem repercussão ao plano decisório. Isto é, se o juiz se engana num fundamento e com base nele produz uma decisão insustentável, parece lógico que essa decisão mereça ser revogada, porque viciada. Mas o erro do fundamento será irrelevante se, apesar dele, a decisão tiver sido tomada com acerto.
Ora, no caso em apreço, a matéria de facto dada por assente, não permite inferir que a recorrente tentou proceder à venda dos bens. Mas, em qualquer caso, também não se deveu a essa causa o arresto decretado, mas sim ao facto de haver um crédito avultado em favor da recorrida, de a recorrente não ter qualquer actividade (pelo menos na Doca dos Pescadores), de estar incontactável e de apenas possuir alguns bens no interior dos edifícios cedidos. E foi para salvaguardar a recuperação de parte da dívida que a sentença decretou o arresto desses bens. A decisão assim tomada é coerente e respeita os requisitos de que depende a concessão da providência (cfr. art. 351º do CPC).
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A respeito da alínea f) da matéria de facto, a recorrente nas conclusões R, S e T não aceita que a sentença tenha dito que ela não tem outros bens ou outros valores, como é o caso do direito de locação a seu favor ou o montante da caução do contrato prestada à recorrida.
Mas também aqui não se pode dar razão à recorrente, pois a alínea em causa tem que ser interpretada como aludindo a bens móveis de expressão física e não a direitos. A sentença operou com os elementos de prova disponíveis e, portanto, não merece censura. O facto agora trazido pela recorrente, sobre a caução, por exemplo, podia ter sido esgrimido na oposição, espaço privilegiado para alegação de novos factos e para a utilização de meios de prova com força suficiente para destruir a providência ou para reduzir o seu alcance (art. 333º, al. b), do CPC)1. E isso não o fez a recorrente.
Improcedem, pois, as referidas conclusões.
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Nas conclusões T a Z a recorrente volta a esgrimir razões que em sua óptica não poderiam levar a sentença a dar como provada a existência do crédito de 76 milhões a favor da recorrida, além do mais face à falta de explicitação da razão de ciência das testemunhas.
Nada de mais inverídico. Sobre o valor da dívida, mesmo sem esquecer que as testemunhas D e E se referiam a um valor por pagar superior a 70 milhões, já acima a ela fizemos referência e não vale a pena perder mais tempo com o assunto (para lá remetemos a recorrente, sem prejuízo do que mais adiante ainda seremos forçados a dizer).
Quanto ao resto, basta ler as transcrições do depoimento das testemunhas para logo se aquilatar da razão de ciência que forneceram a cada passo nas respostas que iam dando. E quanto ao vazamento da convicção do julgador sobre a matéria factual, a sentença é clara quando refere a fls. 5 que “A convicção do tribunal relativamente aos factos indiciariamente demonstrados resultou dos documentos e depoimentos das testemunhas indicados relativamente a cada um deles”. E especificamente quanto à prova testemunhal, diz ainda “ No que aos depoimentos das testemunhas concerne estas referiam expressamente a matéria constante das alíneas dadas por assente com base nos mesmos, factos dos quais tinham conhecimento pessoal e directo”(loc. cit.).
Significa isto que foi cumprido o art. 539º, n.1, do CPC.
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Nas conclusões finais AA a EE a recorrente considera inexistir fundamento para a concessão da providência, nomeadamente a respeito do periculum in mora.
Mas sem razão, quanto a nós. Convém sublinhar a ideia que, de algum modo, vem espelhada nas páginas deste aresto: a de que na providência o que se colhe é uma prova indiciária e o que exige é uma análise não mais do que perfunctória e que, por isso, não implica o conhecimento total da verdadeira situação de facto, o mesmo é dizer, que não compromete irremediavelmente a real posição jurídica substantiva das partes.
Ora, o “perigo na demora”, isto é, o risco do perecimento ou do enfraquecimento do direito em virtude do decurso do tempo – que se poderia perder antes da decisão definitiva na acção principal – é o que a providência se propõe evitar. Por isso ela se diz que ela é provisória ou interina2
Por outras palavras, as providências cautelares são essencialmente medidas que se destinam “a garantir quem invoca a titularidade de um direito contra uma ameaça ou um risco que sobre ele paira, e que é tão iminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo declarativo ou a efectivação de um interesse juridicamente relevante através de um processo executivo, se for caso instaurá-lo”3. E uma das características das providências é precisamente a sua instrumentalidade, visando a antecipação de um objectivo, assente em requisitos de “periculum in mora”, caracterizado pela iminência de grave prejuízo causado pela demora da decisão definitiva e que ponha em risco o direito a acautelar, e de “fumus boni juris”, ou a aparência da realidade do direito invocado, a conhecer através de um exame e instrução indiciários (a “summaria cognitio”). Nesse sentido, o tribunal colhe da matéria alegada pelo requerente os elementos essenciais ao despiste da provável situação de facto e de direito favorável à esfera deste.
Toda a jurisprudência4 e doutrina5 conhecidas, aliás, reproduzem esta ideia, quaisquer que sejam as palavras que utilizem para expressá-la. Ideia que, no caso que nos ocupa, encontramos vertida na fundamentação da sentença impugnada em termos que não nos merecem reparo. Com efeito, a valoração da prova obtida, mesmo sem a demonstração de que a recorrente andaria a tentar vender os seus bens, mostra-se ajustada ao preenchimento da noção de que, perante a elevada dívida e a ausência de actividade, se mostrariam verificados os requisitos do direito de crédito e do perigo de insatisfação desse direito. E se a isso adicionarmos o facto de que não tem sido possível contactá-la e o de que outros bens não lhe são conhecidos, então pensamos estar ante um conjunto de factos objectivos que se revelam suficientes à formação da convicção que levou o julgador da 1ª instância a decretar o arresto.
Eis a razão pela qual não vemos motivo para divergir da sentença recorrida.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1- Ao abrigo do 629º, n.1, al. a), do CPC, alterar o conteúdo da alínea c) da matéria de facto fixada na sentença impugnada, que passará a ter o seguinte teor “B” emitiu a favor de “C Limited” notas de crédito no valor de Mop$ 3.268.132.74”;
2- Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 24 de Fevereiro de 2011
José Cândido de Pinho (Relator)
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 “O tribunal que julga a oposição à providência cautelar pode reapreciar as provas produzidas na audiência que a decretou e deve assim proceder sempre que se mostre necessário. No julgamento da oposição, se ficarem provados factos contraditórios aos provados na audiência que decretou a providência, o tribunal deve proceder ao exame crítico dos elementos probatórios das duas audiências de modo a reformular o acervo de factos provados e não provados e proferir a decisão final com base nesta matéria de facto definitivamente fixada”, apud, Ac. do T.U.I. de 30/05/2008, Proc. n. 22/2007.
2 Alberto dos Reis, in CPC anot, I vol., pag. 623 e sgs.
3 Prof. Adelino da Palma Carlos, in “Procedimentos Cautelares Antecipadores”, “O Direito”, 105, 236.
4 V.g. Ac. do TSI, de 22/04/2010, Proc. 11/2010.
5 Carla Amado Gomes, in Contributo para o Estudo das Operações Materiais da Administração Pública e seu Controlo Jurisdicional, 1999, pag. 440 e sgs.
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