Processo nº 327/2010
(Recurso civil e laboral)
Data: 3 de Março de 2011
Assuntos: - Acidente do trabalho
- Nulidade processual
- Sanação da nulidade
- Tramitação normal
- Direito de defesa
SUMÁRIO
1. A omissão aplicação do nº 3 do artº 71º do CPT determina nulidade processual nos termos do nº 1 do artº 147º do CPC, que tem de ser arguida em tempo.
2. Enquanto nenhuma parte tinha invocada esta nulidade processual, teria a mesma considerada sanada, devendo os termos processuais mantinham os mesmos como estavam.
3. Sanada a nulidade por omissão na decisão imediata, ficando legal a tramitação normal como estava que não sofreu qualquer vício de nulidade ou irregularidade processual, não podendo portanto ser anulada.
4. A renovação do acto omitido cujo vício (com consequência da nulidade) ficou sanado provocou arbitrariamente a quebra da tramitação normal do processo que se corria em conformidade com a lei e se permitia a garantia da defesa do direito das partes, no qual a seguradora se teria legítima expectativa em ver apreciado e decidido o seu pedido do exame de junta médica.
O Relator,
Choi Mou Pan
Recurso nº 327/2010
Recorrente: Companhia de Seguros de A
(A保險有限公司)
Recorrida: B
A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
Nos presentes autos, corridos junto do Tribunal Judicial de Base registado sob n° CV3-08-0077-LAE, por sentença proferida pelo Mmª Juiz, decidiu-se julgar procedente o pedido deduzido pela Autora B, representada pelo Ministério Público, e em consequência condenar a Companhia de Seguros de A a pagar à autora no montante de MOP$49392.00, devido à Incapacidade Permanente Parcial (IPP) resultante do acidente de trabalho, acrescendo os juros a contar a partir do trânsito da sentença até ao pagamento integral.
Com esta sentença não conformou recorreu a Companhia de Seguros de A para esta instancia, alegando em síntese o seguinte:
I. No caso vertente, verifica-se a ocorrência de um erro na forma de processo.
II. A sentença de fls. 103, proferida logo após o encerramento da fase conciliatória, não aplicou, como deveria, o n.º 2 do artigo 71º do Código de Processo de Trabalho (CPT).
III. O Ministério Público, em representação da autora, actuou em concordância com este parâmetro ao apresentar a petição inicial, não tendo, então, recorrido daquela sentença, com base naquele normativo.
IV. Transitada em julgado a sentença de fls. 103 e apresentada a petição inicial pelo Ministério público, teve início a Fase Contenciosa prevista nos artigos 57º a 74º do mesmo Código.
V. A apresentação de petição inicial apenas pode ocorrer no âmbito de um processo principal, nos moldes previstos nos artigos 65º a 70º do CPT.
VI. Daí que a tramitação do processo haja prosseguido com a citação da recorrente para constituir advogado e contestar – apesar de bem se saber que apenas estava em discussão a exist6encia de Incapacidade Permanente para o Trabalho (IPP).
VII. Este erro na forma de processo que se verifica no caso vertente, dita a anulação do processo com excepções dos actos praticados que forem aproveitáveis.
VIII. A recorrente tinha contestado por intermédio de advogado, então requerendo a constituição de junta médica, para apurar se o autor sofria de algum IPP e, em caso afirmativo, em que grau.
IX. Deve este pedido ser aproveitado, não podendo ser rejeitado com base em questões processuais que não foram invocadas no momento apropriado, designadamente o incumprimento do n.º 2 do artigo 71º do CPT.
X. Aliás, no âmbito do Processo n.º CV3-08-0002-LAE, a correr termos precisamente por esse mesmo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi este o entendimento e respectiva decisão do Meritíssimo Juiz titular do processo, face a uma situação perfeitamente idêntica à dos presente autos.
XI. Naquele douto despacho, o Meritíssimo Juiz determinou a anulação de todo o processado com excepção do pedido de exame médico-legal da autora, para aferição da existência de IPP, por competente Junta médica, formulado pela Ré em sede de contestação.
XII. Já o douto Acórdão n.º 577/2009, do Tribunal de Segunda Instância, versou sobre situação não idêntica à que ora se discute.
XIII. É que no caso decidido por aquele douto acórdão, a seguradora não havia requerido a constituição de uma junta médica, nos moldes e com os objectivamente supra descritos, ao passo que no caso vertente, requereu, em sede de contestação.
XIV. Assim, não nos parece que aquele acórdão seja susceptível de vir em socorro da decisão recorrida.
Acresce que,
XV. A tentativa de conciliação não foi dirigida por um Magistrado do Ministério Público, como o prescreve o n.º 1 do artigo 47º do CPT, mas por um funcionário da secretaria do tribunal.
XVI. E, frustrada a conciliação quanto à questão da IPP, não foi a recorrente informada de que era obrigada a requerer por escrito, no prazo de dez dias, a constituição de junta médica, sob pena de ficar fixada a IPP mencionada no relatório médico-legal de fls. 84.
XVII. Quando, salvo melhor opinião, deveria a recorrente ter sido informada dos seus direitos e obrigações, por aplicação analógica do n.º 2 do artigo 181º do CPC, mormente
Disposição violadas: Artigos 71º e 47º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho; Artigos 4º, 145º, n.º 1 e 185º, n.º 2 do Código de Processo Civil, este Último, analogicamente aplicável.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser revogada a douta sentença recorrida, determinando-se que o processo siga a forma correcta e respectiva tramitação, com o aproveitamento do pedido de constituição de junta médica formulado pela ora recorrente em sede de contestação.
A autora respondeu ao recurso,alegando nos seus precisos termos da sua resposta constante dos autos (fls. 171 a 173).1
Foram colhidos vistos legais.
Cumpre conhecer.
Foram consignados os factos por assentes constantes da sentença (fl. 133 a 134).2
Como resulta dos autos, as partes realizaram a tentativa de conciliação e só há discordância na parte da incapacidade parcial permanente (IPP), porém, nenhuma das partes usou a faculdade prevista no nº 2 do artº 71º do CPT, i. e., requereu, dentro do prazo legal, a intervenção da junta médica.
O sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público também não requereu que fosse proferida a sentença ao abrigo do n° 3 do citado artigo 71°. Em vez disso, seguiu a tramitação normal da fase contenciosa, requerendo a citação da ré para contestar.
Foi a seguradora citada regularmente e na sua contestação pediu a constituição da junta médica para aferir se efectivamente padece de qualquer incapacidade e, se sim, em que grau.
Impugnada pelo Ministério Público à constituição da junta médica por ter sido requerida extemporaneamente.
Sem ter sido proferida qualquer decisão sobre a questão em causa, foi tomada directamente a decisão julgando o objecto da acção ao abrigo do disposto do n° 3 do citado artigo 71°.
No presente recurso a recorrente levantou as seguintes questões:
- A omissão da aplicação do nº 2 do artº 71º do CPT, com informação errada no termo da citação, o que incorreu no erro de forma processual e conduziu à anulação de todos os processados excepto os termos aproveitáveis;
- O vício da realização da tentativa de conciliação, no que não tinha sido presidida por Magistrado de Ministério Público, e a recorrente, sem ter sido acompanhada por advogado, não foi informado verbal nem por escrito de que teria 10 dias para o requerimento de constituição da junta médica com a devida cominação legal.
Quanto à segunda questão, é de referir tanto que esta fase processual não seria sede própria e tempestivo para a apreciação do eventual vício ocorrido na realização da tentativa de conciliação judicial presidido pelo Ministério Público, como que não pode ser procedente o sindicado vício, por um lado, consta claramente da acta de (não) conciliação de fl. 97 e verso que estava presente a Digna Magistrada do Ministério Público, por outro, não se exige a assistência obrigatório do advogado a segurados na diligência da tentativa de conciliação.
Pelo que neste recurso não será apreciada esta questão nem irá tirar consequência necessária da mesma, nomeadamente para a questão que se aprecia a seguinte.
Dispõe o artigo 71° do CPT que:
“1. A parte que não se conformar com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, pode requerer, na petição inicial ou na contestação, a realização de exame por junta médica.
2. Se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de exame por junta médica é deduzido no prazo de 10 dias a contar da data da em que a mesma se realizou, em simples requerimento, que é fundamentado se não for acompanhado de quesitos.
3. Não sendo apresentado o requerimento a que se refere o número anterior, o juiz considera assentes a natureza e o grau de desvalorização e profere imediatamente a sentença; se o requerimento tiver sido apresentado mas não estiver devidamente instruído, pode o juiz mandar corrigi-lo.”
In casu, resultou da tentativa de conciliação que a seguradora só discordou com a incapacidade parcial permanente e o seu grau de 7%, qualificados pelo médico-legal no seu exame de medicina-legal. Assim sendo, as partes, nomeadamente a discordante seguradora, teriam um prazo de 10 dias para requerer o exame por junta médica.
Decorrido o prazo, nenhuma das partes tinha usado essa faculdade, nesta conformidade, como regra geral, e por força do disposto do nº 3 do citado preceito legal, deve considerar-se assente a natureza e o grau de desvalorização e proferir-se imediatamente a sentença.
No entanto, não foi seguida esta tramitação processual, em vez disso, seguiu-se a tramitação normal da fase contenciosa.
Releva aqui a consequência jurídica desta omissão (de proferir sentença imediatamente). Porém, o próprio Código de Processo do Trabalho não prevê solução directa para o efeito.
A recorrente entendeu que se tratava isso de um erro de forma do processo nos termos do artigo 145° do Código de Processo Civil ex vi o artigo 1° do Código de Processo do Trabalho.
A recente jurisprudência deste Tribunal tirada no acórdão de 24 de Fevereiro de 2011 no processo n° 1014/2009 considerou que tal omissão incorreu-se na nulidade processual, que teria ficar sanada sem ter sido arguida em tempo, nos termos do artigo 151° n° 1 do Código de Processo Civil ex vi o artigo 1° do Código de Processo do Trabalho, por não se tratar da nulidade referidas no n° 2 do artigo 150° do mesmo Código Adjectivo, que pode ser arguida em qualquer estado do processo.
Somos de colher este entendimento.
Enquanto nenhuma parte tinha invocada esta nulidade processual, teria a mesma considerada sanada, devendo os termos processuais mantinham os mesmos como estavam.
Porém, a Mmª Juiz titular do processo viu a excepção de extemporaneidade do requerimento da junta médica, renovou o termo processual omisso oficiosamente.
A nosso ver, não foi correctamente procedido.
Sanada a nulidade por omissão na decisão imediata, ficando legal a tramitação normal como estava que não sofreu qualquer vício de nulidade ou irregularidade processual, não podendo portanto ser anulada.
Como ensinava o Professor Alberto dos Reis, “... a observância de formas determinadas é uma garantia da defesa do direito; abolir as formas é cria a desordem, a confusão e a arbitrariedade. O que importa é que o fundo se não sacrifique à forma.”3
Na contestação, a seguradora pediu precisamente o exame de junta médica, discordando a natureza e a qualificação da incapacidade feita pelo médico de medicina-legal. Este pedido cuja autorização teria influência no exame da prova e na decisão da causa devia ser apreciado e do mesmo decidiu nos termos da lei, tanto adjectiva como substancial.
A renovação do acto omitido cujo vício (com consequência da nulidade) ficou sanado provocou arbitrariamente a quebra da tramitação normal do processo que se corria em conformidade com a lei e se permitia a garantia da defesa do direito das partes, no qual a seguradora se teria legítima expectativa em ver apreciado e decidido o seu pedido do exame de junta médica.
Só com o decurso de todos estes termos processuais normais é que poderia arrumar o obstáculo processual e garantir a defesa do direito das partes.
O que impõe à revogação da sentença e a anulação da tramitação posteriores, devendo o Tribunal a quo proceder todos os termos processuais normais nos termos das leis adjectivas.
Ponderado resta decidir.
Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instancia em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e anulando os termos processuais posteriores devendo o Tribunal a quo proceder a tramitação normal processual nos termos legais.
Custas nesta instância pela autora.
RAEM, aos 3 de Março de 2011.
Choi Mou Pan (Relator)
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 A resposta tem a seguinte versão em chinês:
1. 《勞動訴訟法典》第71條第2款所規定,請求會診委員會進行檢查的期間,屬於行為期間,一旦屆滿,則作出行為之權利即消滅。
2. 早在原告提交起訴狀以前,被告提出進行醫學會診之權利已經消滅,法庭應即時作出判決。
3. 雖然隨後原告提交了起訴狀,以及被告作出了答辯,但是,正如上訴人所言,這些訴訟行為都是錯誤地作出,應予以撤銷,但保留未受瑕疵行為影響的部份,即確認試行調解內容的批示。儘管原審法庭接受了原告提交的起訴狀,以及傳喚了被告答辯,但是,此時仍處於聽取與訟當事人聲明的階段,原審法庭尚未就訴訟形式的問題作出決定。最後,原審法庭立即作出判決,沒有繼續作出清理批示,明顯就是不同認同該錯誤的訴訟程序。
4. 基此,原審法庭根據《勞動訴訟法典》第71條第3款的規定,立即作出判決,並無不妥。
5. 根據《勞動訴訟法典》第57條規定,在工作意外及職業病的訴訟程序中爭訟階段不是必然出現的階段,其開展取決於當事人提交起訴狀或該法典第71條第2款所規定的聲請書。換言之,只有具正當性的當事人以具體行動,提交相關書狀,表明欲行使其權利時,才開始爭訟階段。
6. 與此不同的是,提交答辯狀時,訴訟程序已由他方方當事人提起了,而被傳喚者是首次獲悉訴訟的存在。因此,上述起訴書/聲請書的性質及其在整個訴訟程序所處的位置,明顯與答辯狀的不相同,兩者不能相題並論。
7. 另一方面,《民事訴訟法典》第175條就「傳喚」及「通知」作出了規定,換言之,該法典第181條第2款關於「傳喚」時須遵守之規定,並不能適用於其後的「通知」,更不可能用於告誡某人須提起爭訟。
8. 與此相同,《民事訴訟法典》第144條第3款亦是就「傳喚」時出現的不當情事作出規定,其與本卷宗需要解決的訴訟階段並不相同,因此,不能適用。此外,該不當情事之規定屬於例外情況,不能作類推適用於其他情況。
9. 除了程序規定所構成的障礙使「傳喚」之規定不能類推適用於本個案外,倘對實體權利加以考慮,亦會得出相同的結論,理由是當出現該法典第144條第3款之不當情事,僅是在防禦上給予了較長之期間,但是,與之不同的是,在本個案並不是作出防禦的期間,而是提起爭訟的期間,對於因不適時行使而消滅的權利,任何情況下也不可能復活。
10. 基此,「傳喚」的規定不能類推適用於本個案。
基此,上訴人應理由不成立,原審法庭之判決應予維持。
2 Os factos são seguintes:
1. C澳門股份有限公司將位於氹仔望德聖母灣地盤的工程判給D建築工程有限公司,並由該公司將上述工程分判給E工程有限公司。
2. 從2007年1月起,原告受聘於上述E工程有限公司,任職地盤雜工。
3. 日薪為澳門幣280.00圓。
4. 接受E工程有限公司負責人的工作指令、指揮及領導,依從該公司負責人的指示及引導下工作。
5. 於2007年11月10日約下午一時半,原告按照僱主E工程有限公司負責人的指示,在位於氹仔望德聖母灣威尼斯人建築工地內的T5與T6建築物之間工作。
6. 當時原告欲折除水泵之電制,不慎滑倒在地上,左手先着地,導致左手骨折。
7. 意外發生後,原告即時被送往鏡湖醫院接受治療。
8. 根據臨床法醫學鑑定診斷為:左側橈骨遠端骨析。
9. 按照臨床法醫學意見書,原告的傷殘率“長期部份無能力評定為7%,而暫時絕對無能力則自2007年11月11日至2008年12月23日,共409日(見臨床法醫學意見書)。
10. 該損害是由於上述工作時發生的意外所造成。
11. 上述409日暫時絕對無能力賠償,合共澳門幣76,346.66圓,原告已收取。
12. 是次工作意外而引致之醫學費用,合共澳門幣47,771.00圓,原告已收取。
13. 意外發生日,原告57歲。
14. 原告有權收取的長期部份無能力損害賠償金額為澳門幣49,392.00圓。
15. 透過001100001CXX號保單,僱主將該項工作意外所引致之賠償責任轉移予被告。
16. 於2009年3月16日,在檢察院進行的試行調解會議,被告接受此為一宗工作意外,認同意外與損害之間存在因果關係及認同法醫報告中評定的409日暫時絕對無能力,但不接受由法醫所評定的7%長期部份無能力(IPP)的減值。
17. 直至現在,被告仍未向原告支付長期部份無能力損害賠償。
3 In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2, 1945 Coimbra, p. 347.
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