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Processo nº 387/2009
(Recurso Cível)

Data: 15/Julho/2010

Assuntos:

- Propriedade horizontal; representação do condomínio
  - Prestação de contas de condomínio
  - Contas da empresa comercial e da actividade de condomínio
  
SUMÁRIO :

    1. A Assembleia de Condóminos de um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal tem personalidade judiciária para ser parte no processo, por consistir num património autónomo semelhante, e tem também legitimidade para interpor acção especial de prestação de contas contra a administradora de facto do prédio em causa.
    
    2. À Assembleia geral de condóminos de um prédio constituído em propriedade horizontal compete a administração do condomínio, podendo esta nomear e encarregar a Administração de desenvolver essas funções e ainda a de a representar em juízo para tomar o exercício em lugar de uma anterior empresa encarregada de administrar o prédio.
    
    3. Nesses poderes devem-se ter por compreendidos os de pedir contas à Administração cessante.
    
    4. A administração tem legitimidade para agir em juízo contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando para tal autorizado pela Assembleia.
    
    5. Os factos integrantes de uma excepção dilatória de conhecimento oficioso devem ser articulados pelas partes.
    
    6. Não se devem confundir as contas da escrituração comercial de uma dada sociedade e as contas da administração de um condomínio desenvolvida por essa empresa.

                   Macau, 15 de Julho de 2010,
                   
                   João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 387/2009
(Recurso Civil e Laboral)


Data: 15/Julho/2010

RECORRENTE :
Recurso Final
A

Recurso Interlocutório
A

RECORRIDA :

Assembleia Geral de Condóminos do Edifício B


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, tendo sido demandado em acção de prestação de contas de condomínio em propriedade horizontal, vem interpor dois recursos.
    
2. 1. Em relação ao recurso interlocutório interposto do Saneador, alega em síntese conclusiva:
Os fundamentos invocados no despacho proferido pelo meritíssimo juiz do Tribunal a quo (fls. 85 e seguintes) violaram os art.ºs 39º, 40º, 43º e 413º, al. e) do CPC;
Violaram também o disposto nos art.º 1352º, n.º2 e 1359º do Código Civil;
Inadequado o procedimento processual e devido à ilegitimidade passiva do recorrente, assim o entendimento do despacho recorrido também violou o disposto no art.º 879º, 58º, 412º, n.º2 e 413º, al. h) do CPC;
Além disso, o entendimento do despacho recorrido também violou os art.ºs 39º, 40º e 43º do CPC, também o disposto nos art.º 1352º, n.º2 e 1359º do CC, e nos autos, a recorrida não tem personalidade jurídica e judiciária, nem legitimidade activa.

Face ao acima exposto, pede que seja julgada procedente o recurso, decidindo-se que:

a) a recorrida (requerente) não tem personalidade jurídica e judiciária, nem legitimidade activa.
b) É inadequado o procedimento processual levantado pelo recorrida (requerente) e a falta de interesse processual.
c) O recorrente (requerido) não tem legitimidade passiva.

2. 2. Contra-alega a A, aqui recorrida, em síntese:
    A Recorrida é parte legítima e tem personalidade e capacidade judiciárias.
    O processo especial de prestação de contas é o adequado, há interesse processual na demanda e o Recorrente é parte legítima na mesma.
    O Tribunal a quo não violou qualquer dispositivo legal com a decisão em crise, fazendo antes o adequado enquadramento legal ao considerar as excepções deduzidas pelo Recorrente improcedentes, razão pela qual deverá o presente recurso improceder, com as demais consequências legais.
    
3. 1. A, interpõe ainda recurso da sentença proferida a final, sustentando, no essencial:
A sentença do tribunal recorrido (fls. 276 e seguintes) violou o disposto nos art.ºs 571º, n.º1, al. d), 413º, al. d), 414º, 55º, 56º e 57º do Código de Processo Civil;
Violou também o art.º 1357º do Código Civil;
e os art.ºs 49º e 50º do Código Comercial;

  Face ao exposto, pede seja julgada procedente a motivação de recurso, decidindo-se:
  
- Nulidade da sentença do tribunal recorrido e, revogação da sentença do Tribunal recorrido.

    3.2. A ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS DO EDIFÍCIO B, responde, dizendo em conclusão:
    O Tribunal a quo andou bem ao condenar o Recorrente a prestar contas de todo o período em que prestou serviços de administração ao condomínio do Edifício B.
    O Recorrente confunde, abusivamente, as contas e os documentos do condomínio com as contas e os documentos de escrituração mercantil da sua empresa, os únicos que são abrangidos pelo disposto nos artigos 49º e 50º do Código Comercial e, consequentemente, os únicos que podem ser por ele destruídos ao final de 10 anos.
    Com efeito, as contas do condomínio, bem assim os respectivos documentos de suporte pertencem ao próprio condomínio e não ao Recorrente, que apenas o administra.
    É o que expressamente decorre do disposto no n.º 2 do artigo 1357º do Código Civil, "A Administração, no mês que precede o termo do exercício do seu mandato, deve prestar contas e fazer entrega de todos os documentos respeitantes ao condomínio que estejam confiados à sua guarda".
    O Tribunal a quo não violou, assim, os artigos 49º e 50º do Código Comercial, nem o disposto no artigo 1357.º do Código Civil.
    Por outro lado, não é verdade que a Administração não tenha sido devidamente autorizada pela Assembleia de Condóminos a propor a presente acção, conforme expressamente consta do ponto 4 da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada no dia 14 de Abril de 2007.
    Nessa Assembleia, foi unanimemente deliberado que, "caso a C Estate Management Company não aceitasse entregar a administração do Edifício, a nova Administração ficava desde logo mandatada para resolver esta questão judicialmente”.
    Ora, "entregar a administração" quer precisamente dizer apresentar as contas e entregar todos os documentos do condomínio à nova Administração- ainda de acordo com o prescrito no n.º 2 do artigo 1357.º do Código Civil.
    Ainda que assim se não entendesse, o que por mero dever de raciocínio se equaciona, sem conceder, o Tribunal a quo já decidiu no despacho saneador que não existem quaisquer outras excepções dilatórias que devam ser apreciadas oficiosamente pelo Tribunal, (na qual se inclui a excepção da falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter).
    O Recorrente conformou-se com este segmento decisório ao não recorrer dele, deixando essa decisão transitar em julgado e fazer caso julgado formal, conforme consta do n.º 2 do artigo 429º do CPC.
    O douto Tribunal a quo não violou qualquer dispositivo legal com a decisão em crise, fazendo antes o adequado enquadramento ao caso sub judíce, razão pela qual deverá o presente recurso improceder, com as demais consequências legais.

    Foram colhidos os vistos legais.
    II - Extractos das decisões recorridas
    1. Extracta-se o seguinte segmento da decisão proferida e que foi objecto do recurso interlocutório:
    “(...)
    Personalidade e capacidade juridiciária e ilegitimidade da requerente.
    Na contestação apresentada vem o requerido arguir a falta de personalidade e capacidade judiciárias e a ilegitimidade activa por parte da requerente.
    Alega o requerido que a requerente, enquanto mero órgão deliberativo, não tem a necessária personalidade e capacidade judiciária e como tal capacidade judiciária e legitimidade activa.
    Como se vê do acima exposto, a questão suscitada é meramente respeitante à personalidade e capacidade judiciárias visto que a questão da legitimidade é regida pelo art. 58º e seguintes do CPC.
    Nos termos do art. 40º do CPC, "A herança cujo titular ainda não esteja determinado e os patrimónios autónomos semelhantes destituídos de personalidade jurídica têm personalidade judiciária."
    Desse preceito vê-se que a lei dispõe de grande abertura para acomodar situações em que a personalidade judiciária das partes não tem por base o art. 39º do CPC mas que reclamam um tratamento especial face aos interesses envolvidos.
    Com efeito, seguindo os ensinamentos de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Revista e Actualizada, pg. 111, as excepções ao princípio de coincidência prevista no art. 39º do CPC são "uma forma expedita de acautelar a defesa judiciária de legítimos interesses em crise, nos casos em que haja qualquer situação de carência em relação à titularidade dos respectivos direitos (ou dos deveres correlativos) dos quais se destaca o caso da assembleia dos condóminos.
    Aliás, tem sido assim decidido pelos nossos tribunais designadamente no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11 de Março de 2004, processo n° 189/2001.
    De facto, do regime da propriedade horizontal, vê-se claramente que não pode deixar-se de entender dessa maneira. Nos termos do art. 1327º do CC, à assembleia geral dos condóminos incumbe "promover e disciplinar o uso, a fruição, a conservação e o melhoramento das partes comuns do prédio, bem como os demais actos que ... caibam nas atribuições dos órgãos do condomínio. Para esse efeito, há que lhe permitir apresentar em juízo as suas pretensões relacionadas com essa actividade quando tentativas de solução extrajudicial fracassarem. Nem se diga que nos termos do art. 1359°, n.° 1, do CC que a administração tem legitimidade para agir em juízo. É que, esta norma destina-se apenas a fixar essa possibilidade. Nada exclui a possibilidade de a assembleia geral dos condóminos agir também em juízo. A assembleia geral dos condóminos é o órgão máximo da estrutura legal do regime da propriedade horizontal. É a entidade legitimada para eleger e exonerar o outro órgão do condomínio - a própria administração (art. 1355°, n° 1, do CC). Se assim for, não se vislumbra qualquer lógica em impedir que a assembleia se apresente ela própria em juízo quando um órgão inferior tenha essa faculdade.
    No que se refere à capacidade judiciária, como foi já referido, ao abrigo do disposto no art. 1359º do CC compete à administração representar o requerente como está provada pela procuração junta a fls. 58 a 59v.
    Nestes termos, julgo improcedente a excepção deduzida.
*
    Forma inadequada de processo e falta de interesse processual
    Com fundamento no facto de o requerido desempenhar o papel de prestador de serviço e não administrador de facto, veio o mesmo arguir a excepção acima referida.
    Como é bom de ver, não se trata de qualquer fundamento para excepcionar a pretensão da requerente mas sim de fundamentos para impugnar a obrigação de prestação de contas requerida nestes autos.
    Nestes termos, julgo improcedente a excepção arguida.
*
    Ilegitimidade passiva
    Com o mesmo fundamento referido imediatamente acima, veio o requerido invocar a sua ilegitimidade passiva.
    Novamente, o facto invocado só pode servir para impugnar a pretensão da requerente e não excepcioná-la visto que a relação material controvertida configurada por esta toma o requerido parte legítima – art. 58º do CPC.
    Nestes termos, também improcede esta excepção.
*
   O Tribunal é o competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente.
   Não há nulidades que enferma todo o processo.
   As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
   Acham-se regulannente representadas.
   O processo é o próprio.
   Não há outras nulidades, excepções dilatórias e pré questões de que cumpre conhecer e que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

    (...)”
    
    2. Com pertinência, extracta-se o seguinte segmento da sentença recorrida:

“(...)
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:

Da Matéria de Facto Assente:
- A empresa comercial (C物業管理公司), em inglês, “C Estate Management”, com sede em Macau, na Avenida do Conselheiro Borja, n.º515, Edifício Mayfair Garden, fase II, Xº andar, tem como proprietário o requerido, A (alínea A da Especificação).
- O promotor e construtor do Edifício B sugeriu e colocou a empresa do requerido para prestar serviços de administração no edifício em questão (alínea B da Especificação).
- Desde, pelo menos 1991, até ao dia 14 de Abril de 2007, foi a empresa do requerido que contactou com os condóminos e deles cobrou, todos os meses, importâncias que se destinavam a assegurar a tarefa da administração do condomínios (alínea C da Especificação).
- O Edifício B é composto por 205 fracções habitacionais, das quais 42 fracções são destinadas ao comércio (alínea D da Especificação).
- O requerido, através da sua empresa (C物業管理公司) , cobrou de cada um dos proprietários das diversas fracções mensalidades que variavam entre 1000 a 1500 patacas (loja), 279-390 patacas (fracções habitacionais) e 87 patacas (parques de estacionamento) (alínea E da Especificação)
O requerido nunca elaborou ou apresentou o “orçamento das receitas e das despesas relativas a cada ano”, apesar de ter sido repetidamente pedido (alínea F da Especificação)
* * *
Da Base Instrutória
- A Administração do Edifício B foi eleita na primeira reunião da assembleia geral de condóminos realizada no dia 14 de Abril de 2007 (Resposta ao quesito 1º)
* * *
III – FUNDAMENTAÇÃO:
Cumpre analisar os factos, a matéria que vem alegada e aplicar o direito.
O artigo 879º do CPCM dispõe:
“A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.”
Desde modo, ainda que o Réu não seja “Administrador” no sentido técnico-jurídico, o facto é que prestou serviços de administração de partes comuns do edifício e que, tendo em conta o seu âmbito e natureza, e por se identificarem com as funções próprias do órgão “Administração”, o tornam “Administrador de facto” do condomínio.
E basta que o Réu administre ou tenha administrado bens alheiros para que tenha a obrigação de prestar contas, conforme decorre directamente da lei, do negócio jurídico ou mesmo do princípio geral da boa fé.
Com efeito, o Tribunal de Segunda Instância, no Acórdão n.º189/2001, proferido em 2004/03/11, entendeu que “qualquer entidade que presta de facto funções próprias da administração de um edifício, mesmo que não tenha sido prévia e legalmente nomeada como administradora desse edifício pela respectiva assembleia dos condóminos, tem obrigação de prestar contas dessa administração perante a assembleia, porquanto o que importa decisivamente na obrigação de prestação de contas é o facto da administração de bens exclusivamente alheios ou também alheios, seja qual for a sua fonte”.
Ainda a título de direito comparado, no Ac. da Relação de Lisboa, de Portugal, com o n.º0064306, de 15 de Dezembro de 1993, doc. n.ºRL 199312150064306, foi referido que “Sempre que alguém trate de negócios alheios ou de negócios, concomitantemente, alheios e próprios, tem de prestar contas; o que importa é o facto da administração de bens alheiros, seja qual for a sua fonte. Não interessa a intenção do administrador, mas sim o facto da administração”.
Pelo que, não resta dúvida que o Réu tem o dever de prestar contas.
Depois, o artigo 881º do CPCM estipula:
“1. Se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto no art.º 246º; se, porem, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser logo decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor da causa.
2. Decidindo-se que o réu está obrigado a prestar contas, é notificado para as apresentar dentro de 20 dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que o autor apresente.
3. Da decisão proferida sobre a obrigação de prestar contas cabe recurso ordinário, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.”
Pelo que, o Réu tem a obrigação de apresentar as contas no prazo legalmente fixado, é assim que se deve condenar.
Pelo exposto, é de julgar procedente o pedido da Autora.
(...)”

    III – FUNDAMENTOS
    A - Recurso Interlocutório
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
     - DA FALTA DE PERSONALIDADE JURÍDICA, DE CAPACIDADE JUDICIÁRIA E DE LEGITIMIDADE ACTIVA
     - DA FORMA INADEOUADA DO PROCESSO, DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL
     - DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA REQUERIDA
    
    2. Sobre as diferentes questões foram elas apreciadas pela Mma Juiz a quo pouco mais havendo a referir do que aquilo que foi consignado aquando da prolação do Saneador, o que bastaria para nos ficarmos para uma simples remissão em relação à fundamentação adoptada.
    Não deixaremos, contudo, de reforçar a argumentação expendida.
    
    3. DA FALTA DE PERSONALIDADE JURÍDICA, DE CAPACIDADE JUDICIÁRIA E DE LEGITIMIDADE ACTIVA
    Ao contrário do que tenta defender o Recorrente, o facto é que a Recorrida é parte legítima, tem personalidade e capacidade judiciárias.
    De acordo com o artigo 39º do CPC, "a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte e quem tiver personalidade jurídica tem personalidade judiciária".
    No entanto, esta norma apenas prevê que quem tiver personalidade jurídica terá necessariamente personalidade para ser parte no processo.
    Todavia, o contrário já não se verifica, sendo legalmente possível entidades sem personalidade jurídica gozarem de personalidade judiciária, como é o caso de heranças jacentes, patrimónios autónomos semelhantes, sucursais, agências filiais, conforme previsto nos artigos 40º e 41º do CPC.
Na propriedade horizontal, a administração das partes comuns do prédio cabe, em conjunto, a dois órgãos – a assembleia dos condóminos e a administração (administrador) - (art. 1329º, n.º 1 do CC ).
A assembleia dos condóminos é o órgão deliberativo composto por todos os condóminos, competindo-lhe decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a actividade deste. O administrador é o órgão executivo da administração, cabendo-lhe desempenhar as funções referidas no art. 1357º, próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais.
No que diz especificamente respeito ao administrador – e por forma a tornar efectivo o exercício dos poderes processuais do condomínio, contornando os obstáculos decorrentes da falta de personalidade e de capacidade jurídicas deste – o art. 54º do CPC e o art. 1357º do CC atribuem-lhe a função de representação processual do condomínio. Fazem-no, todavia, em apertados limites: apenas «relativamente às acções que se inserem no âmbito do poder do art. 1357º, n.º1, al. i) ou «para agir em juízo (...) na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia» (n.º 1 do art. 1359º), podendo ainda ser demandado «nas acções respeitantes às partes comuns do edifício», ou seja, quando estejam em causa actos de conservação e de fruição das coisas comuns, actos conservatórios dos respectivos direitos ou a prestação de serviços comuns.
Quer dizer:
O CPC ficciona, por razões de ordem prática, a personalidade judiciária do condomínio: atribui personalidade judiciária a quem, no rigor dos princípios, a não teria, porque carece de personalidade jurídica. Mas limita a amplitude da atribuição às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador; e, por isso, por força do do mesmo Código, essa capacidade judiciária – ou seja, a susceptibilidade de estar, por si, em juízo, e que tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos (art. 43º do CPC)g – é assegurada pelo administrador, em representação do condomínio.
Como está bem de ver, em todas as situações não previstas para a representação do condomínio pela Administração caberá essa representação no outro órgão administrador, ou seja, a Assembleia Geral dos Condóminos ou quem elas indiquem como seu representante.
Fora dos casos acima aludidos, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei – antes envolve os próprios condóminos, enquanto membros do órgão deliberativo que é a dita assembleia dos condóminos, à qual cabe, em primeira linha, a administração das partes comuns do edifício, e cujas deliberações, uma vez aprovadas e exaradas em acta, representam a vontade colegial e são vinculativas para todos eles, mesmo para os que na reunião não hajam participado, ou para os que, tendo participado, se hajam abstido na votação ou votado contra.
Assim, segundo o artigo 1359º do CC, a administração tem legitimidade para agir em juízo contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando para tal autorizado pela Assembleia.
    E de acordo com o n.º 2 do artigo 1352.º do mesmo Código, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas acções de impugnação compete à administração salvo se ela for o autor, ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
    Ora, se a Assembleia (ou o administrador por si autorizado) tem, por virtude de lei expressa, legitimidade para ser parte na presente acção, também terá, necessariamente, personalidade judiciária, dado que a personalidade judiciária é um pressuposto processual logicamente prévio ao da legitimidade.
    Deste modo, é na Assembleia que reside a fonte da legitimidade para intentar a acção.
    Não colhe defender ser a cada um dos condóminos que caberia a legitimidade para intentar esta acção (o que implicaria a intervenção em litisconsórcio necessário de todos eles), dada a natureza representativa que esse órgão assume nos termos acima vistos.
    Assim, a Assembleia de Condóminos tem legalmente personalidade judiciária e, consequentemente, é parte legitima na presente acção.
    Neste sentido a Jurisprudência deste Tribunal1, enquanto se decidiu que "a Assembleia de Condóminos de um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal tem personalidade judiciária para ser parte no processo, por consistir num património autónomo semelhante, e tem também legitimidade para interpor acção especial de prestação de contas contra a administradora de facto do prédio em causa."
    Por outro lado, vem o Recorrente ainda contestar a legitimidade da Recorrida enquanto Administração do condomínio, nos artigos 45° e 46° da contestação, ao pôr em causa a legalidade da deliberação que a elegeu.
    Ora, não pode vir o Recorrente pôr em causa a legitimidade da Recorrida enquanto legítima Administradora do condomínio, uma vez que, pura e simplesmente essa faculdade lhe está legalmente vedada.
    De acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 1351º do CC, “As irregularidades da convocação e em geral as irregularidades procedimentais que determinem a invalidade da deliberação não podem ser invocadas senão pelas pessoas com direito de voto”.
    Face ao exposto não poderá proceder o recurso nesta parte e, em consequência, deverá ser mantido o douto despacho saneador na parte em que considerou improcedente a respectiva excepção de ilegitimidade deduzida pelo Recorrente.
    
    4. DA FORMA INADEOUADA DO PROCESSO, DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL E DA ILEGITIMIDADE PASSIVA
    O Recorrente vem, ainda, alegar não ter qualquer obrigação de prestar contas à Recorrida, nem esta o direito de lhas pedir, concluindo pela falta de legitimidade passiva nesta acção e falta de interesse processual,
    Seria uma mera prestadora de serviços de administração e não a Administradora, mais dizendo que todas as importâncias que recebeu dos condóminos ao longo dos 16 anos em que prestou os serviços de administração se destinavam única e exclusivamente a pagar esses serviços.
    Trata-se de questão, como já decidido, que se confunde com a própria obrigação de prestação de contas, sendo claro que na configuração da situação controvertida por parte da A. É a demandada que deve prestar contas e oportunamente se verá se assim é e quais as contas.
    Muito embora não tenha sido formal e legalmente eleita a "Administração do Condomínio do Edifício B", o certo é que durante 16 anos o Recorrente prestou serviços de administração ao condomínio, nomeadamente, cobrando alegadas despesas relativas às partes comuns, como a água e a electricidade, a conservação e limpeza destas, a segurança do edifício e a assistência e manutenção dos elevadores e dos demais serviços comuns, sendo nessa qualidade que vem demandada, pelo que se mostra preenchida a previsão do art. 58º do CPC.
    Essa actividade, de administração de bens alheios, desenvolvida no interesse do condomínio em presença, preenche claramente a previsão do art. 879º do CPC.
    Dessa qualidade em que foi demandada resulta à partida, face à relação controvertida, interesse para ambas as partes na dilucidação e esclarecimento das contas resultante dessa actividade.
    Donde ser não só adequado o processo especial de prestação de contas, como haver interesse processual na demanda e ser o recorrente parte legítima na mesma.
    Improcede, pois, o recurso interlocutório interposto.
    
    B - RECURSO FINAL
     1. As questões que cumpre conhecer são as seguintes:
     - Não conhecimento da excepção relativa à autorização da Administração do referido condomínio para interpor a presente acção;
    - Nulidade da sentença por não ter determinado o período de prestação das contas, não ter levado em linha de conta determinadas disposições do C. Comercial que permitem a destruição dos documentos da escrituração comercial após o período de dez anos e que terá violado o disposto na alínea d) do artigo 413.°, 414.°, 55.°, 56.° e 57.°, todos do CPC.
     
     2. Sobre a primeira daquelas questões não lhe assiste razão e não importa desenvolver muito para explicar aquilo que é claro e não oferece dúvidas.
    Invoca o não conhecimento de uma excepção dilatória - artigo 413º, al. d) do CPC, importando reter que a A. não é a Administração mas a Assembleia de Condóminos e nesta radica o poder de agir ou não judicialmente contra terceiro, conforme supra visto -, concretamente, "a falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter", a qual, no seu entender, deveria ter sido conhecida oficiosamente na sentença ora recorrida.
    Desde logo se dirá que de certa forma esta questão já foi indirectamente apreciada a propósito do recurso subordinado, quando o Tribunal teve de conhecer da personalidade judiciária, legitimidade e interesse em agir da A., aí se tendo visto que a Administração interveio dentro dos poderes próprios das suas atribuições.
    Trata-se de uma excepção que não foi deduzida enquanto tal pela Ré, ora recorrente e aquando da prolação do Saneador, onde se decidiu não existirem outras excepções a parte conformou-se com essa decisão e não reagiu oportunamente.
    No entanto, para o caso de se entender, como o faz certa Jurisprudência, que uma declaração genérica sobre a inexistência de excepções não constitui caso julgado, não se deixará de referir que não é verdade que a Administração não tenha sido devidamente autorizada pelos condóminos a intentar a presente acção de prestação de contas, conforme expressamente consta da pública-forma da acta da Assembleia Geral de Condóminos realizada no dia 14 de Abril de 2007, junta como doc. n.º 1 com a petição inicial.
    Na verdade, os condóminos deliberaram, por unanimidade, que caso a C Estate Managemente Company não aceitasse entregar a administração do Edifício , a nova Administração ficava desde logo mandatada para resolver esta questão judicialmente.
    Ora, dentro desse mandato não pode deixar de se incluir dentro dos poderes de um bom administrador os de pedir contas à Administração cessante, como, aliás, decorre do n.º 2 do artigo 1357.º do Código Civil, acima transcrito.
    Deste modo entende-se que a Administração obteve legitima e legalmente a devida autorização para intentar a presente acção, verificando-se, por conseguinte, não existir a excepção dilatória que aquele invoca.
    Acresce que esta questão já foi objecto de decisão da Mma juiz que indeferiu um aditamento de matéria fáctica ao questionário, no sentido de saber se na Assembleia Geral em causa a nova Administração foi autorizada a propor a presente acção.
    A referida reclamação mereceu um despacho de indeferimento, visto que, nos termos do princípio do dispositivo, a Autora não tinha alegado qualquer excepção nesse sentido, nem invocado factos que a consubstanciassem de modo a poder ser incluído o quesito pretendido.
    O artigo 429.º do CPC prescreve na respectiva alínea a) do n.º 1, que o despacho saneador se destina a "Conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que tenham sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente".
    Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que "No caso previsto na alínea a) do número anterior, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.”
    Já o artigo 430.º, n.º 1, estabelece que no próprio despacho saneador, o juiz indica os factos que considera assentes e os factos que, por serem controvertidos integram a base instrutória.
    Dentro deste quadro importa não confundir as questões. Em princípio, as excepções dilatórias são conhecidas oficiosamente pelo Tribunal, mas este não se pode substituir à alegação da factualidade pertinente.
    E o que é certo é que a Ré não alegou essa factualidade. Tanto assim que, tendo acordado tardiamente, pretendeu ver quesitada matéria que não fora alegada. E bem andou a Mma juiz ao desatender essa pretensão.
    Improcede, pois, em toda a linha esta argumentação da recorrente.
     3. Cabe agora apreciar da apontada nulidade de sentença.
    O Recorrente vem alegar, neste recurso, que a sentença em crise é nula - nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 571.º do CPC - porquanto, no seu entender, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar acerca do período sobre o qual deveria incidir a prestação de contas a que aquele foi condenado.
    E baseia esse suposto dever do Tribunal a quo em restringir o período de prestação de contas, com o facto de o Recorrente, na qualidade de empresário comercial, apenas ter obrigação de conservar "as contas" no prazo de 10 anos, conforme aquilo que entende decorrer dos artigos 49.º e 50.º do Código Comercial.
    Não lhe assiste ainda aqui qualquer razão.
    É certo que de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 49.º do Código Comercial, "O empresário comercial deve conservar os livros, correspondência, documentação e justificativos referentes ao exercício da sua empresa, devidamente ordenados, durante 10 anos, a partir do último assento realizado nos livros, salvo o disposto em disposições especiais".
    E segundo o n.º 1 do artigo 50.º do Código Comercial, "Decorrido o prazo indicado no n.º 1 do artigo anterior, os documentos podem ser inutilizados", prescrevendo o n.º 2 do mesmo artigo, "A inutilização dos documentos é efectuada por forma a não possibilitar a sua ulterior leitura ou reconstituição."
    O recorrente incorre numa confusão entre contabilidade da sociedade e contabilidade do condomínio. Trata-se de coisas diferentes como está bem de ver. O que a lei comercial visa é flexibilizar as estruturas comerciais, até pelo controle a que as sociedades estão sujeitas, não devendo estar sujeitas a um prazo mais alargado de guarda da documentação da sua escrituração. Mas isso é diferente da documentação relativa aos actos por si praticados por conta e em benefício de terceiros. As contas da sociedade são prestadas internamente aos sócios, órgãos da sociedade e entidades oficiais competentes; as contas da administração de um prédio são prestadas aos condóminos.
    Aqui trata-se das contas e respectivos documentos de suporte do condomínio que administra: ali, da contabilidade, dos livros, correspondência e documentação, justificativos da escrituração comercial referente ao exercício da sua empresa.
    Os artigos 49.º e 50.º do Código Comercial dizem respeito única e exclusivamente à escrituração comercial da empresa do Recorrente reflectida nos "livros, correspondência e documentação e justificativos" e não aos documentos de suporte relativos às contas do condomínio.
    As contas do condomínio e os documentos de suporte relativos à sua administração pertencem ao próprio condomínio e não ao recorrente ou à sua empresa, que apenas os guarda para poder administrar o condomínio convenientemente.
    Aliás, é o que expressamente resulta do n.º 2 do artigo 1357º do Código Civil, ao prescrever que "A Administração, no mês que precede o termo do exercício do seu mandato, deve prestar contas e fazer entrega de todos os documentos respeitantes ao condomínio que esteiam confiados à sua guarda" .
    Assim sendo, não se vê que tenha sido violado o disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 571.º do CPC, nem os artigos 49.º e 50.º do Código Comercial.
    Improcede pois também este recurso interposto da decisão final.
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento aos recursos, confirmando as decisões recorridas.
    Custas pelo recorrente em ambos os recursos.
              Macau, 15 de Julho de 2010,
              João A. G. Gil de Oliveira
              Tam Hio Wa
              Lai Kin Hong
1 - Ac. do TSI com o n.º 189/2001, de 2004/03/11
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387/2009 1/30