打印全文
Processo nº 323/2010
(Recurso Cível)

Data: 3/Março/2011

   Assuntos:

- Planta cadastral; título para identificação de um prédio

    
    SUMÁRIO :
    
    Uma planta provisória, emitida pelos Serviços Cadastrais, face ao disposto no artigo 14º do DL n.º 34/94, de 17 de Janeiro, não constitui título bastante para a identificação física de um dado prédio, cabendo aos interessados em verem reconhecido a sua propriedade proceder a uma correcta descrição e implantação do prédio possuído por si e ante-possuidores, alegando e provando o seu direito, demonstrando a sua integração no domínio da propriedade privada, delimitando-o do pertencente a terceiros.
     
O Relator,
 João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira





Processo n.º 323/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 3/Março/2011
   Recorrentes: A, Limitada.
           (A有限公司)
        B
        C

Recorridos: D
E
F
G
H
I
J
K
L
Ministério Público (檢察院)
Interessados incertos (不確定的利害關係人)

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
  
    A, Limitada,
B e seu marido,
C,
todos melhor identificados nos autos vieram propor acção declarativa com processo ordinário
contra
D e outros,
  
   também melhor identificados nos autos,
   pedindo que fossem os AA. declarados, para todos os efeitos da lei, únicos titulares do direito de propriedade do terreno proveniente da demolição do prédio nºs XX da Travessa dos XX e XX do Beco dos XX, com o número de cadastro XX.XX, e com as seguintes confrontações: -N- Trav. dos XX n.º XX (Desc. N.º XX); S- Rua de XX; E- Beco dos XX; W- Trav. dos XX -, descrito sob o n.º XX, a fls. XX do Livro B-XX, e também descrito sob o n.º XX, a fls. XX do Livro B-XX, e na sequência, se procedesse à eliminação de uma das descrições e a todos os actos de registo necessários para que o direito de propriedade sobre o mesmo fique registado a favor dos AA.
    A final foi proferida sentença, decidindo-se julgar a acção improcedente e não provada, e em consequência foram absolvidos os Réus do pedido.
    
    A, LIMITADA, B e C, AA. no processo à margem identificado, inconformados com essa decisão, vêm recorrer, alegando em síntese conclusiva:
    a) A Planta Cadastral Oficial junta como Doc. n.º 4 à Petição Inicial é prova e título bastante para a identificação física do prédio que os AA pretendem adquirir por usucapião;
    b) A Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro emitiu uma nova Planta Cadastral Oficial em 02-12-09, ou seja depois da data em que foi proferida a douta Sentença recorrida, confirmando a identificação física daquele prédio;
    c) A Planta Cadastral é título bastante para a identificação física, localização, áreas e confrontações dos prédios, nos termos do art. 14º do D.L. 3/94/M;
    d) O valor probatório da certidão da Planta Cadastral junta aos Autos como Doc. n.º 4 e a nova Planta Cadastral a apresentar, confirmatória da anterior, prevalece sobre o valor probatório de qualquer outro meio de prova;
    e) Dos Autos constavam elementos bastantes para que a Decisão recorrida tivesse sido em sentido oposto àquele que foi declarado.
    Nestes termos e com os fundamentos expostos
    Entendem dever ser dado provimento ao presente Recurso e, nos termos do art. 629º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, do CPC, deve considerar-se como provada, com base nas duas Plantas Cadastrais referenciadas, a identificação física, localização, áreas e confrontação do prédio referenciado nos autos, determinando-se, em consequência, que o processo seja reenviado ao Tribunal Judicial de Base para ser proferida decisão de mérito sobre o pedido de usucapião do referido imóvel, à luz da decisão deste Tribunal e dos restantes elementos dados como provados nos autos.
    Ou, alternativamente, deve-se determinar a renovação dos meios de prova nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal.

    D e outros, Réus nos autos à margem referenciados, contra-alegam, em conclusão:
    I. O presente recurso vem da sentença exarada a fls. 551 e seguintes, na qual se decidiu não se poder identificar fisicamente o prédio que os AA. Pretendiam adquirir por usucapião, mais se julgando improcedente a acção e absolvendo, consequentemente, os ora Recorridos do pedido;
    II. A referida decisão não merece reparo algum, tendo andado bem o Tribunal a quo, ao dar como não provada a matéria de facto relativa à identificação física do referido prédio, fazendo um julgamento insindicável.
    III. Não cumprem o ónus de especificação prescrito no n.º 1 do artigo 599.° do CPC de Macau, os Recorrentes que não indicam os pontos concretos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, nem tão pouco indicam expressa e concretamente qual a decisão que, devendo ser diversa da proferida, devia ter sido dada;
    IV. Para que a reapreciação da prova pelo Tribunal de Segunda Instância possa ocorrer, indispensável se torna que os Recorrentes indiquem, por referência aos quesitos, a matéria de facto sobre a qual, segundo aqueles, houve erro de apreciação;
    V. Na ausência de qualquer indicação dos pontos concretos da matéria de facto, não pode considerar-se observada o procedimento processual a que se referem o artigo 599.° e, bem assim, a alínea a) do n.º 1 do artigo 629.°, ambos do CPC de Macau, o que faz desde logo precludir a possibilidade deste Tribunal Superior reapreciar a matéria de facto;
    VI. Não tendo os Recorrentes cumprido o que se dispõe no n.º 1 do artigo 599.° do CPC de Macau, impõe-se a rejeição do recurso;
    VII. Ao reponderar a decisão da matéria de facto não pode olvidar-se que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser informada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, os princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do julgador;
    VIII. Assim, só é lícito ao Tribunal de Segunda Instância alterar as respostas aos quesitos - nos casos previstos no n.º 1 do artigo 629.° do CPC de Macau -, se não tiver sido produzida oralmente prova perante o Tribunal Colectivo;
    IX. Um documento não pode considerar-se novo se não contém qualquer factualidade que constitua novidade para o Tribunal; ou seja, se dele não consta qualquer circunstância ou facto que não tenha sido já por este apreciado, que fôsse por este ignorado ou sequer recente;
    X. Os documentos supervenientes são aqueles de cuja existência a parte só tem conhecimento depois do julgamento e aqueles que a parte já conhecia mas não pôde obter até àquele momento;
    XI. Uma Planta Cadastral não é superveniente se, apesar da sua data ser posterior à da sentença, aquela não surge de forma inesperada, não era desconhecida dos Recorrentes, nem estes tiveram conhecimento da sua existência apenas após a audiência de discussão e julgamento;
    XII. As plantas cadastrais provisórias não têm força probatória plena especial, no sentido em que não são título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações, por contraposição às plantas definitivas;
    XIII. Ainda assim, como qualquer outro documento autêntico, a sua força probatória poderá sempre ser ilidida com base na sua falsidade, nos termos do disposto no artigo 366.° do Código Civil de Macau;
    XIV. Não tendo sido especificados os concretos pontos da matéria de facto que os Recorrentes consideram incorrectamente julgados, nem tão pouco estando verificado qualquer dos fundamentos constantes do n.º 1 do artigo 629.° do CPC de Macau, deverá o recurso ser rejeitado, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 599.° do CPC de Macau;
    XV. Atento o disposto no n.º 2 do artigo 630.° do e CPC de Macau, o presente Tribunal poderá conhecer das questões não conhecidas pelo Tribunal a quo, por as ter considerado prejudicadas pela questão da impossibilidade de identificação física do prédio que os ora Recorrentes pretendiam adquirir por usucapião no mesmo Acórdão, dado que a decisão sobre a matéria de facto constante dos autos permite que esse conhecimento possa ter lugar;
    XVI. Não se justifica a remessa dos autos à Primeira Instância para prolação de uma decisão, nem tão pouco um novo julgamento sobre a matéria de facto posta em crise, se a matéria de facto constante dos autos permite que esse conhecimento tenha lugar pelo Tribunal de Segunda Instância.
    Termos em que entendem que o recurso sub judice deverá ser julgado improcedente,
    Mais devendo as irregularidades constantes da planta cadastral provisória com o n.º XX, emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, ser comunicadas ao Director daqueles Serviços, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 18° do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    
    Factos assentes
    A). A sociedade 1ª A. é uma sociedade que adoptou o tipo de sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada que se encontra registada sob o n° XX (SO) na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau e que tem por objecto a compra, venda e construção de imóveis.
    B). A sociedade 1ª A. e a 2ª e 3° AA. são co-titulares do direito de propriedade sobre o prédio n°XX da Travessa dos XX, descrito sob o n°XX do Livro B-XX.
    C). Por o haverem adquirido, num primeiro momento, na proporção de um quarto para a sociedade 1ª A. e de um quarto para a 2ª e 3° AA., de M pelo preço de MOP$306,000.00 (trezentas e seis mil patacas) em acto de venda judicial por propostas em carta fechada nos autos de Execução n°113/98 do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Base de Macau, conforme registado pela inscrição n°XXX (Ap. 81 de 25.11.2003) da Conservatória do Registo Predial de Macau.
    D). E num segundo momento, na proporção de um quarto para a sociedade 1ª A. e de um quarto para a 2ª e 3° AA. de N e mulher O, casados no regime de comunhão de adquiridos, pelo preço de MOP$825,000.00 (oitocentas e vinte e cinco mil patacas) por compra formalizada pela escritura de 16.03.2005, lavrada a fls. 90 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n°XXX do Segundo Cartório Notarial de Macau, conforme registado pela inscrição n°XXX (Ap. 65 de 22.03.2005) da Conservatória do Registo Predial de Macau.
    E). O prédio acha-se omisso na Matriz Predial do Concelho de Macau, por a sua inscrição matricial sob o artigo n°XX, haver sido cancelada em 16 de Fevereiro de 2004 com fundamento em demolição .
    F). O prédio descrito sob o n°XX está registado na Conservatória do Registo Predial de Macau a favor dos RR, pela inscrição n°XX, a fls. XX do Livro XX, que teve por título certidão extraída dos autos de Inventário Facultativo n°66/89, do 2° Juízo do Tribunal de Macau, que correu termos por óbito de P, falecido em Macau, no dia 28 de Julho de 1986, e em que foram habilitados como seus únicos herdeiros,
    -sua viúva e cônjuge meeira, Q actualmente já decessa,
    e seus filhos,
    -D;
    -E;
    -F;
    -G;
    -H;
    -I;
    -J, e
    -L.
    na proporção de 35/56 (trinta e cinco cinquenta e seis avos) para a viúva, cônjuge meeira, e de 3/56 (três cinquenta e seis avos) para cada um dos restantes.
    G). Em 11 de Março de 1994, faleceu na Grécia, Q, e por seu óbito correu inventário para partilha dos seus bens por apenso ao inventário do seu cônjuge predefunto, P.
    H). Porque D cedeu a sua parte da herança aos restantes herdeiros habilitados da decessa, coube a cada um dos restantes seis herdeiros, a quota indivisa de 5/48 do identificado prédio.
    I). Esta aquisição de 5/48 (cinco quarenta e oito avos) a favor de cada um destes seis herdeiros- E, F, G, H, J, e L- encontra-se registada pela inscrição n°XXX na Conservatória do Registo Predial de Macau.
    J). Por sentença de 01.03.1991, transitada em julgado, proferida nos autos de Acção Declarativa Sumária n°31/90 do 2° Juízo do Tribunal de Macau foi reconhecido a R o direito de propriedade sobre o prédio n°XX da Travessa dos XX com fundamento em usucapião, de cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
    K). Em 9 de Outubro de 1991, por escritura lavrada a fls. XX do Livro de Notas para Escrituras Diversas n°XX do Cartório do Notário Privado Miguel Rosa, R, vendeu o prédio n°XX da Travessa dos XX, descrito sob o n°XX, pelo preço de MOP$500,000.00 (quinhentas mil patacas), a S, casado com T no regime da comunhão de adquiridos, e U, casado com V no regime da separação de bens, aquisição que ficou registada na Conservatória do Registo Predial de Macau sob a inscrição n°XX, a fls. XX do Livro XX.
    L). Em 10 de Dezembro de 1991, por escritura lavrada a fls. XX do Livro de Notas para Escrituras Diversas n°XX da Notária Privada Manuela António, S, sua mulher T e U, venderam o mesmo prédio, pelo preço de MOP$600,000.00 (seiscentas mil patacas) a W, solteiro, maior, aquisição que ficou registada na Conservatória do Registo Predial de Macau sob a inscrição n°XX, a fls. XX do Livro XX.
    M). Em 05 de Setembro de 1994, por escritura lavrada a fls. XX do Livro de Notas para Escrituras Diversas n°XX do Primeiro Cartório Notarial de Macau, W vendeu o referenciado prédio, pelo preço de MOP$900,000.00 (novecentas mil patacas), a N, casado com O no regime de comunhão de adquiridos, e M, casado com Y no regime de comunhão de adquiridos, aquisição que ficou registada na Conservatória do Registo Predial de Macau sob a inscrição n°XX, a fls. XX do Livro XX.
    N). A descrição n°XX, a fls. XX verso do Livro B-XX, datada de 1905, identifica fisicamente o imóvel como um prédio urbano com o n°XX, na Travessa dos XX, com as seguintes confrontações:
    -Norte: prédio com o n°XX (da mesma Travessa);
    -Sul: Rua da XX;
    -Oeste: Travessa dos XX, onde tem a porta;
    -Leste: prédio com o n°XX da Rua da XX.
    O). Conforme certidão judicial junta como Doc. 2 com a contestação, o prédio com o n°XX do Beco dos XX, encontra-se registada sob o n°XX, a fls. XX. do Livro B-XX, da qual consta um averbamento, datado de 14 de Maio de 1934, através do qual se exarou que <>.
    
    De Base Instrutória
    1. A descrição n.º XX refere-se ao prédio n.º XX do Beco dos XX.
    2. Em 1880 existia na Península de Macau uma via com o nome de Travessa dos XX, que encontrava com a “Rua da XX”.
    3. Junto à qual existia um prédio ao qual fôra atribuído já, como número de polícia n.º XX.
    4. A descrição n°XX, a fls. XX verso do Livro B-XX, datada de Maio de 1926 e respeitante ao imóvel como prédio com o n°XX no Beco dos XX tem as seguintes confrontações:
    - Norte: prédio com o n°XX do mesmo Beco;
    - Sul: Beco dos XX;
    - Oeste: Beco dos XX;
    - Leste: Beco dos XX.
    5. Em 1926, existia na Península de Macau uma outra via com o nome de Beco dos XX, que estava outrossim situada nas imediações da Rua de XX e da Rua do XX.
    6. O “Beco dos XX” e a “Travessa dos XX” sempre existiam.
    7. Em 1955 e a requerimento do então proprietário do n.º XX do Beco dos XX, o Leal Senado de Macau viria a atribuir às traseiras deste prédio um outro número de polícia que foi o n.º XX do Travessa dos XX.
    8. Em Julho de 1964, a requerimento de P, Pai dos RR. foi anexado ao prédio com o n°XX do Beco dos XX numa parcela de terreno adjacente, visando o alinhamento daquele prédio com a Rua de XX.
    9. A dita parcela de terreno a anexar ao prédio com o n°XX tinha como confrontações:
    a) a Norte-o referido prédio;
    b) a Leste-o Beco dos XX;
    c) a Sul-a Rua de XX;
    d) a Oeste-a Travessa dos XX.
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se o documento que se traduz na Planta Cadastral Oficial junta como Doc. n.º 4 à petição inicial é prova e título bastante para a identificação física do prédio que os AA pretendem adquirir por usucapião e se com base nesse documento é possível pôr em crise as respostas dadas à matéria de facto.
    
    2. A Mma Juiz recorrida entendeu, face às provas produzidas, que não havia elementos bastantes para concluir no sentido da exacta identificação do prédio a que os AA. se arrogavam na acção e julgou a acção improcedente.
    Podemos observar que o cerne da questão passava pela resposta a dar ao quesito 20º que mais não era do que o conteúdo da certificação daquele documento e onde se pretendia saber se
    A descrição n.º XX, a fls XX verso do Livro B-XX, datada de Maio de 1926 e respeitante ao imóvel como prédio com o n.º XX no Beco dos XX tem as seguintes confrontações:
    - Norte: prédio com o n.º XX do mesmo Beco;
    - Sul: Beco dos XX;
    - Oeste: Beco dos XX;
    - Leste: Beco dos XX.
    
    3. Desde logo há uma questão que convém esclarecer e se pretende com um pretenso reforço da autenticidade desse documento, referindo os recorrentes que houve uma certificação autêntica do comprovado pelo documento n.º 4 junto com a p.i., a fls 73, por via da junção do documento de fls 576, junto na sequência e já depois das alegações de recurso, em 4/2/2010.
    Não interessa discutir da superveniência desse documento, em que se perdem as partes nas suas alegações, não se deixando de referir que se há aí alguma superveniência ela reside apenas na junção inoportuna de um documento que não é novo, desde sempre a parte o podia ter junto em termos de oportunidade processual, mais não sendo do que a duplicação do documento que fora já junto com a p.i.
    Não vamos, pois, perder tempo com essa falsa questão.
    
    4. Como não interessa discutir aqui da autenticidade ou falsidade do documento.
    Os recorridos, quando confrontados com o documento, perdem-se numa inútil divagação sobre uma pretensa falsidade do documento, confundindo os conceitos, e anunciando que vão fazer isto e aquilo e requerem procedimentos e actuações de forma a infirmarem o conteúdo do documento, sendo certo que nunca o incidente da falsidade foi desencadeado ou decidido de forma a poder dizer-se que aquele documento exarado pela entidade competente o não foi.
    No fundo o que importa saber é se aquilo que aquela planta cadastral documenta é conforme à realidade ou não e aqui estamos a entrar no valor probatório que esse documento encerra.
    Sobre esta questão, têm razão os recorridos, quando dizem que se trata de uma planta provisória, tal como atestado nesse documento, e o certo é que o artigo 14º do DL n.º 34/94, de 17 de Janeiro, determina que só as plantas definitivas constituem título bastante para a identificação física dos prédios, tal como resulta do aí preceituado:
    1. A planta cadastral definitiva é título bastante para a identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações.
    2. A planta cadastral definitiva é igualmente título bastante para efeito de actualização e rectificação de descrições prediais, no que se refere aos elementos de identificação física mencionados no número anterior.
    3. Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo predial, a identificação física dos prédios não pode ser feita em contradição ou desarmonia com a planta cadastral definitiva no que se refere aos elementos mencionados no n.º 1.
    Tanto basta para cair por terra a argumentação dos recorrentes no sentido de fazer inverter a matéria de facto que foi fixada e uma inconcludência quanto à identificação física do prédio que os AA. ora recorrentes pretendem ver reconhecido.
    
    5. Compreende-se que a delimitação daquilo que é seu, de sua propriedade, se traduz num problema, não se duvidando que os AA., ora recorrentes, ali possuem algo em termos de propriedade privada. Só que esse reconhecimento não pode ser feito à custa de propriedade alheia, cabendo-lhes o ónus de alegarem e provarem a posse correspondente a um determinado prédio, devidamente localizado, situado, delimitado e implantado, com referência a uma área concreta.
    Ora acontece que isso não foi feito nos autos.
    6. Pretendem fundamentar o seu desiderato apenas com base num documento que não tem a virtualidade de identificar com força autêntica e definitiva o prédio em causa.
    E mesmo que o tivesse dele não resulta
    - que a área desse prédio é a do prédio possuído pelos AA.;
    - a parcela A e B, sendo ambas parte da descrição n.º XX, correspondem à totalidade do prédio descrito sob o n.º XX;
    - o prédio descrito sob o n.º XX do Liv. B-XX, alegadamente o prédio dos AA., corresponde às parcelas A e B do prédio ali referido;
    - haja uma duplicação total entre a descrição n.º XX e a n.º XX, antes resultando que a parcela B corresponde a parte do n.º XX e esta, ao contrário do que acontece com a parcela A, não está incluída na descrição n. XX;
    - que na confrontação a Norte o prédio pegue com a Travessa dos XX, contrariamente ao aí declarado, sendo manifesto que pega ainda com um outro prédio contíguo a Norte ainda antes da referida travessa sita a Norte.
    Perante isto é por demais evidente que o documento em causa não se mostra definitivo e não pode inverter as conclusões em termos de resposta à matéria de facto a que o Tribunal chegou.
    
    7. Seria até algo presunçoso dilucidar toda a problemática bem retratada no próprio relatório elaborado pelos Serviços cadastrais, (cfr. fls 472 a 541) a partir da referida planta e sanar as dúvidas que a própria DSCC (Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro) suscita, sendo bem esclarecedora a planta de fls 490 e onde se insere uma parcela, a tracejado, como sendo objecto de litígio.
    Planta essa, aliás, algo desconforme com as confrontações da planta que se pretende erigir como a chave do problema.
    
    8. Não deixará de ser pertinente atentar nas operações de raciocínio expendidas na douta sentença recorrida, para manter a dúvida que conduziu à improcedência do pedido, enquanto se registou:
  
    “Dos factos provados, não nos permitem identificar fisicamente o prédio descrito sob o n.º XX, nem nos permitam chegar a conclusão de que é duplamente descrito sob o n.º XX.
    Vejamos:
    A descrição n.º XX refere-se ao prédio n.º XX do Beco dos XX.
    Essa descrição n°XX, a fls. XX do Livro B-XX, datada de Maio de 1926 e respeitante ao imóvel como prédio com o n°XX no Beco dos XX tem as seguintes confrontações:
    - Norte: prédio com o n°XX do mesmo Beco;
    - Sul: Beco dos XX;
    - Oeste: Beco dos XX;
    - Leste: Beco dos XX.
    A este prédio n°XX do Beco dos XX, em Julho de 1964, foi anexado uma parcela de terreno adjacente, visando o alinhamento daquele prédio com a Rua de XX.
    A dita parcela de terreno a anexar ao prédio com o n°XX tinha como confrontações:
    a) a Norte-o referido prédio;
     b) a Leste-o Beco dos XX;
    c) a Sul-a Rua de XX;
    d) a Oeste-a Travessa dos XX.
    A descrição n°XX, a fls. XX do Livro B-XX, datada de 1905, identifica fisicamente o imóvel como um prédio urbano com o n°XX, na Travessa dos XX, com as seguintes confrontações:
    -Norte: prédio com o n°XX (da mesma Travessa);
    -Sul: Rua da XX;
    -Oeste: Travessa dos XX, onde tem a porta;
    -Leste: prédio com o n°XX da Rua da XX.
    A descrição n.º XX foi efectuado em primeiro lugar, e a descrição n.º XXº foi efectuado em momento posterior.
    De facto, em 1955 e a requerimento do então proprietário do n.º XX do Beco dos XX, o Leal Senado de Macau viria a atribuir às traseiras deste prédio um outro número de polícia que foi o n.º XX do Travessa dos XX.
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    
    Mas a atribuição de um número policial a um prédio, não determina a alteração da descrição do mesmo.
    Mais, conforme as plantas cadastrais a fls. 73 e 490, elaboradas pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro e os elementos recolhidos nesta acção relacionados a evolução da urbanização, não nos permitam identificar fisicamente o prédio descrito sob o n°XX, uma vez que os respectivos confrontações:
    -Norte: prédio com o n°XX (da mesma Travessa);
    -Sul: Rua da XX;
    -Oeste: Travessa dos XX, onde tem a porta;
    -Leste: prédio com o n°XX da Rua da XX.
    situam-se em lados diferentes, melhor se vê na planta a fls. 490, a seguir reproduzimos:

    9. Donde se conclui não merecer censura a sentença proferida, não sem que se tenha consciência de que neste caso a incerteza quanto ao direito dos AA. permanecerá.
    Caber-lhes-á ou ter-lhes-ia cabido terem procedido a uma correcta descrição e implantação do prédio possuído por si e ante-possuidores, alegando e provando o seu direito, demonstrando a sua integração no domínio da propriedade privada, delimitando-o do pertencente a terceiros.
    Não o tendo feito, terão de arrostar com a permanência na indefinição do seu direito.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelos recorrentes.
Macau, 3 de Março de 2011,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
323/2010 1/23