Processo nº 966/2010 Data: 17.02.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “emprego ilegal”.
Suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração dado (nomeadamente) os seus efeitos estigmatizantes.
2. Todavia, se ao recorrente foi já concedida uma oportunidade, suspendendo-se a execução da pena por idêntico crime que voltou a cometer no período da dita suspensão, e nenhuma circunstância atenuante da sua conduta existindo, inviável é uma outra suspensão da pena de prisão aplicada.
O relator,
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Processo nº 966/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, respondeu perante o Colectivo do T.J.B., vindo a ser condenado pela prática em concurso real de 2 crimes de “emprego ilegal” p. e p. pelo art. 16°, n° 1 da Lei n° 6/2004, na pena de 7 meses de prisão cada, e, em cúmulo, na pena única de 9 meses de prisão; (cfr., fls. 190 a 192 e 235 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, traz o arguido o presente recurso, produzindo a final da sua motivação as conclusões seguintes:
“1. O acórdão recorrido padece de vício previsto no art.º 400º, n.ºs 1 e 2, al. c) do Código de Processo Penal, bem como violou os dispostos nos art.ºs 48º e 40º do Código Penal e art.º 18º da Lei n.º 6/2004, na aplicação da lei e na apreciação dos factos.
2. O recorrente não recrutou os 11 empregados encontrados no dia da ocorrência de factos, sobretudo “B” e “C”, uma vez que tinha já adjudicado a respectiva obra a “D”. Assim sendo, verifica-se que o acórdão a quo padece de erro notório na apreciação da prova.
3. Mais, nos termos do art.º 48º do Código Penal, “o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
4. O Tribunal a quo condenou o arguido na pena de prisão de 7 meses por cada crime de emprego ilegal praticado e, em cúmulo jurídico dos crimes, este foi condenado numa pena única de 9 meses de prisão, reunindo o requisito: a pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.
5. De facto, as inconveniências da pena curta de prisão foram tratadas genericamente na área académica, das quais abrangem o desemprego e a destruição da família devido ao cumprimento da pena de prisão, bem como as influências negativas provocadas à educação de filhos e à economia da família, além disso, causa também prejuízo à reputação e dignidade do criminoso. Independentemente de ter realizado ou não as finalidades da punição, após o cumprimento da pena, o condenado seria sujeito a diversas discriminações na sociedade, fazendo com que o mesmo perdesse confiança no futuro e, em consequência, desistisse de si próprio, ou até voltasse a cometer crime.
6. O recorrente, sendo principal agente económico da família, tem os pais, esposa e quatro filhos a seu cargo. Dos quatro filhos, três estão no Interior da China e um em Macau. O seu filho mais velho, que está em Macau, sofre de deficiência mental grave e precisa de lhe prestar cuidados especiais. Segundo a situação familiar acima mencionada, evidentemente, o recorrente não voltará a cometer crime, reunindo o requisito substancial do art.º 48º do Código Penal; além disso, o T.S.I. decretou várias vezes suspensão da execução da pena de prisão nos casos de que o agente voltar a praticar o crime do mesmo género no decurso da suspensão da execução da pena.
7. O recorrente vem requerer ao T.S.I. que atenda ao “princípio da diminuição da aplicação da pena curta de prisão”, mormente, tendo em conta que o recorrente tem um emprego e uma vida familiar ordinária que jamais praticar crime, por isso, deve decretar-se ao recorrente a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 3 anos.”; (cfr., fls. 205 a 210 e 237 a 248).
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Em resposta oportunamente apresentada assim conclui o Exm° Magistrado Ministério Público:
“1. O recorrente não apresentou provas durante o prazo legal.
2. O acórdão a quo não padece de “erro notório na apreciação da prova”.
3. Nos termos do art.º 114º do Código de Processo Penal, a livre convicção do tribunal é inquestionável.
4. A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão exige a compatibilidade dos elementos formal e substancial, conjugado com o atendimento às finalidades da prevenção criminal.
5. Sub judice, o recorrente foi condenado nas penas não superiores a 3 anos, sendo indubitavelmente compatível com o requisito formal.
6. Quanto ao requisito substancial, pela falta da manifestação do arrependimento pelo recorrente e pelos antecedentes criminais do mesmo, mostra-se que a mera ameaça da prisão não consegue conduzi-lo a assegurar o seu comportamento disciplinador nem realiza de forma suficiente as finalidades da punição;
7. Com base na exigência da prevenção geral e da prevenção especial, verifica-se a necessidade da execução da pena de prisão;
8. O acórdão dos Juízes a quo não violou os dispostos nos art.ºs 40º e 48º, n.º 1 do Código Penal.”
Pugna pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 215 a 217 e 249 a 256).
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Remetidos os autos a esta Instância, e em sede de vista, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:
“Começa o recorrente por esgrimir com erro notório na apreciação da prova, sustentando não ter, de facto, recrutado os dois trabalhadores ilegais detectados na obra em questão, já que a mesma havia previamente sido adjudicada a uma outra firma, "D", pelo que lhe não caberia responsabilidade na produção dos factos ilícitos por que foi condenado.
Sucede, porém, que não foi essa matéria a que foi dada como provada em audiência de julgamento, colhendo-se claramente do douto aresto em crise ter-se comprovado que " ... em 14 de Maio de 2006, A recrutou B para efectuar a referida obra, dando-lhe o salário de MOP $220,00", que, "Em 23 de Maio de 2006, o arguido recrutou C para efectuar a mesma obra, oferecendo-lhe o salário diário de MOP $200,00", ao que acresce que "O arguido constituiu, livre, voluntária, consciente e deliberadamente relação de trabalho com B e C, mesmo que soubesse perfeitamente que estes eram residentes do Interior da China e não possuíam qualquer documento que lhes permitia a trabalharem em Macau"
Perante tal matéria, como pretende, pois, a recorrente o registo efectivo do que agora aduz ?
Vê-se, pois, bem que com a sua alegação pretende o mesmo manifestar a sua discordância com a matéria de facto dada assente pelo tribunal, no que tange à sua própria responsabilidade, limitando-se, em boa verdade, tão só a expressar uma visão pessoalíssima" àcerca da apreciação da prova, sem qualquer apoio relevante em termos do invocado, não se vendo que, do teor do texto da decisão em crise, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte patente, evidente, ostensivo que o julgador errou ao apreciar como apreciou, não se tendo o mesmo a expressar, concreta e especificamente a sua valoração da prova produzida e dos motivos que o levaram às conclusões que formulou, ali avultando a "memória futura" prestada por ambos os trabalhadores ilegais detectados, não se divisando que tenham sido dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que se tenham retirado de tais factos conclusões logicamente inaceitáveis, não competindo a este Tribunal censurar o julgador por ter formado a sua convicção neste ou naquele sentido, quando na decisão recorrida, confirmado pelo senso comum, nada contraria as conclusões alcançadas.
Acresce que, nos termos do art° 114° C.P.P.M., "Salvo disposição legal em contrário, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente", sendo que, analisada a decisão recorrida na sua globalidade, se constata ser a mesma lógica e coerente, não tendo o Tribunal decidido em contrário ao que ficou provado ou não provado, contra as regras da experiência ou em desrespeito dos ditames sobre o valor da prova vinculada ou das "legis artis ", não passando a invocação do recorrente de uma mera manifestação de discordância no quadro do julgamento da matéria de facto, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, insindicável em reexame de direito.
Por outra banda, para além da ocorrência do mero pressuposto formal, contemplado no n° 1 do art° 48°, CPM, atinente à circunstância de o recorrente ter sido condenado em pena de prisão inferior a 3 anos, não divisamos que outras, relevantes, possam depor a seu favor, no encalce da almejada suspensão da execução da pena, já que o mesmo não é primário, praticou os factos no decurso de suspensão de pena anteriormente aplicada em crime da mesma natureza, o que, claramente, não pode apontar no sentido da contrição, constatando-se, assim, à saciedade, que a simples censura dos factos e a ameaça de prisão não realizaram e, com alto grau de probabilidade, não realizarão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Assim sendo, por que, por um lado, se mostra desfavorável o prognóstico individual relativo ao recorrente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão e atenta, por outro, a premente necessidade de reprovação e prevenção deste tipo de crimes, com cada vez maior incidência na Região, arredada se mostra, e bem, a almej ada suspensão de execução da pena.
Como bem acentua a Exma Colega junto da 1ª instância, "Além de proteger os bens jurídicos, a prevenção geral tem, também, a finalidade de difundir mensagens à sociedade, fazer lembrar às pessoas a consciência jurídica, certificar o rigor da lei, e garantir a eficácia da norma violada, através da execução da pena nos casos em que tal se impõe".
Razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, somos a entender não merecer provimento o presente recurso.”; (cfr., fls. 258 a 261).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Vem dada como provada a factualidade seguinte:
“A (arguido), sendo responsável da “XX Marble Granite Engineering & Decoration Co.”, tomou de empreitada a obra de mármore realizada na fracção, sita na Estrada de XX, n.º XX.
Deste modo, em 14 de Maio de 2006, A recrutou B para efectuar a referida obra, dando-lhe o salário diário de MOP$220,00.
Em 23 de Maio de 2006, o arguido recrutou C para efectuar a mesma obra, oferecendo-lhe o salário diário de MOP$200,00.
Em 25 de Maio de 2006, cerca das 10H15, guardas da C.P.S.P. deslocaram-se à aludida fracção, onde foram encontrados B e C que estavam a remover as caliças e terras.
O arguido constituiu, livre, voluntária, consciente e deliberadamente, relação de trabalho com B e C, mesmo que soubesse perfeitamente que estes eram residentes do Interior da China e não possuíam qualquer documento que lhes permitia a trabalharem em Macau.
O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
Em conformidade com o registo criminal, o arguido não é primário (vide fls. 173 a 183 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).”; (cfr., fls. 190 a 192 e 230 a 231).
Do direito
3. Colhe-se das conclusões pelo arguido ora recorrente produzidas que é o mesmo de opinião que o Acórdão objecto de seu recurso padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo também a suspensão da execução da pena em que foi condenado.
É porém manifesto que nenhuma razão lhe assiste, sendo, como se consignou em sede de exame preliminar, de rejeitar o recurso.
Vejamos.
— Quanto ao alegado “erro notório na apreciação da prova”.
Diz o recorrente que “não recrutou os 11 empregados encontrados no dia da ocorrência de factos, sobretudo “B” e “C”, uma vez que tinha já adjudicado a respectiva obra a “D”. Assim sendo, verifica-se que o acórdão a quo padece de erro notório na apreciação da prova.”; (cfr., concl. 2.°).
Ora, no que toca ao vício em questão, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”; (cfr., v.g., Ac. de 14.06.2001, Proc. n° 32/2001, do ora relator).
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 20.09.2001, Proc. n° 141/2001, do ora relator).
Sendo este o caso, pois que mais não faz o recorrente que tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o princípio de livre convicção do Tribunal, nada mais se nos mostra de acrescentar.
— Quanto à pretendida “suspensão da execução da pena”.
Para justificar o seu pedido, alega o recorrente que a pena em questão é de “curta duração”, salientando os “inconvenientes” de uma privação da liberdade por curto período de tempo, invocando também a sua situação familiar, com pais, esposa e 4 filhos a seu cargo.
Pois bem, reconhece-se que se deve evitar penas de prisão de curta duração. Aliás, esta foi a expressa intenção do legislador local; (vd., o Preâmbulo do D.L. n° 58/95/M de 14.11 que aprovou o C.P.M.).
Todavia, no caso dos autos, cremos que é tal pena “inevitável”.
Com efeito, o ora recorrente tem antecedentes criminais, (cfr., fls. 174 a 183), pois que já foi (nomeadamente) condenado pelo mesmo crime de “emprego ilegal”, e o cometimento dos 2 crimes de “emprego ilegal” no âmbito do presente processo ocorreram no período de suspensão da pena antes aplicada pelo mesmo crime.
Ora, como temos vindo a entender:
“1. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando :
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., Ac. recente de 27.01.2011, Proc. n° 781/2009, do ora relator).
Sendo de manter o assim entendido, e ponderando nos antecedentes criminais do ora recorrente e na personalidade pelo mesmo revelada, evidente é que não se pode concluir que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.
Dest’arte, e manifestamente improcedentes sendo as questões pelo recorrente colocadas, rejeita-se o recurso.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1,500,00.
Macau, aos 17 de Fevereiro de 2011
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José Maria Dias Azedo
(Relator)
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)
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