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Processo nº 416/2010(/) Data: 24.02.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : ”Condução durante o período de inibição da condução”.

SUMÁRIO

1. Devem-se evitar penas de prisão de curta duração.

2. Todavia, reparo não merece a pena de 3 meses de prisão aplicada pela prática de um crime de “condução durante o período de inibição da condução”, se em período de tempo anterior e inferior a dois meses, cometeu o mesmo arguido outros dois ilícitos, um por “excesso de velocidade”, pelo qual foi punido com a inibição da condução, e outro, também por “condução no período da inibição”, pelo qual foi punido com multa e cassação da carta de condução.

O relator,

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Processo nº 416/2010(()
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em processo sumário respondeu A, com os sinais dos autos, vindo a ser condenado como autor de 1 crime de “condução durante o período de inibição da condução”, p. e p. pelo art. 92°, n° 1 da Lei n° 3/2007 e art. 312°, n° 2, do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão e na cassação da sua carta de condução; (cfr., fls. 27-v a 28 que tal como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, vem o arguido recorrer para, em sede de motivação, produzir as seguintes conclusões:
“1º A pena ora aplicada ao Recorrente é excessiva.
2º O artº 44º, nº 1 do Código Penal impõe ao julgador que a pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade.
3º A regra plasmada no art. 44º do Código Penal vai ao encontro de uma outra regra geral que se insere no critério de escolha da penal constante do artigos 64º do Código Penal, onde expressamente se estipula que o Tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade.
4º Trata-se de um crime comum de perigo abstracto, o Recorrente não violou um bem jurídico, a gravidade do crime não é maior que o anteriormente praticado, não resultado quaisquer outras consequências além da violação de uma ordem cuja ratio se justifica por ditame de ordem preventiva.
5º A prática do crime de desobediência reflecte directamente um grau relativamente diminuto da ilicitude com poucas consequências negativas produzidas na sociedade.
6º O Recorrente apresenta um quadro psiquiátrico muito instável, motivado na morte do pai com recorrentes memórias do passado, razão que está na base dos seus actos.
7º O Recorrente nunca foi condenado em pena de prisão efectiva, nem mesmo suspensão na execução da pena, os factos ocorridos anteriormente (29.3.2010) não transitaram em julgado à data da decisão ora recorrida, pelo que, atento estes e os outros condicionalismos supra descritos, a pena de prisão efectiva é extremamente severa.
8º Ponderando bem, o Recorrente nunca antes foi condenado em pena suspensa, pelo que a simples censura do facto e a ameaça de prisão podem ainda realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não colocando em causa a confiança colectiva no sistema pena, conforme o disposto no artigo 48 º, nº 1 do Código Penal (Acrds. do TSI de 25/07/2003 e de 29/07/2005, procs. 150/2003 e 76/2005) .
9º Por último, o processo de socialização do Recorrente, aliado à sua total disponibilidade para se tratar ou corresponder ao que lhe for acessoriamente exigido, é um objectivo perfeitamente possível que o tribunal deve levar em consideração.
10º A finalidade da decisão deixa escapar argumentos eficazes que ficaram expostos neste recurso e, que utilizados como um meio para um fim permitiriam uma outra valoração na aplicação da medida condenatória, visando um tratamento mais favorável ao Recorrente.
11º É necessário concluir que há uma verdadeira questão de direito, relativamente à suspensão da pena, que a decisão recorrida não conheceu.
12º Com efeito, tendo em conta o disposto nas diversas alíneas constitutivas do artigo 65.º do Código Penal de Macau, constatar-se-á que o Tribunal recorrido não levou em linha de conta todo o disposito legal num esforço que seria recomendável para a assimilação da situação da conduta do Recorrente.
13º Em face do exposto, a não aplicação da interpretação dos artigos 48º e seguintes, e 65º, todos do Código Penal, torna manifestamente excessiva a medida da pena aplicada ao caso em concreto, que numa perspectiva de um esquema lógico, permitiria outra alternativa, que não a privação efectiva da liberdade, dizendo melhor, a sua suspensão satisfaria as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
14º Nos termos do artigo 400º, nº 1 do Código de Processo Penal, há uma questão de direito na parte da possibilidade da suspensão da pena que não terá sido plenamente avaliada e que a decisão recorrida podia ter conhecido.
15º Por tudo o que acima se deixa referido, há insuficiência da convicção e da motivação, bem como erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que efectivamente deve conduzir a uma suspensão da pena, com sujeição a uma multa mais adequada, ou em alternativa, à aplicação de medidas suplementares conforme exposto.”; (cfr., fls. 70 a 95).

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Em Resposta e no subsequente Parecer, é o Ministério Público de opinião que se deve confirmar a decisão recorrida; (cfr., fls. 107 a 112 e 166 a 168).

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Teve lugar a audiência de julgamento do recurso com integral respeito pelo formalismo processual.

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão dados como provados os factos seguintes:
“No dia 31 de Março de 2010, pelas 04H40 da madrugada, na Avenida Dr. Sun Yat Sen junto do poste de iluminação n.º759A07, guardas policias interceptaram o veículo ligeiro de matrícula MD-XX-XX conduzido pelo arguido A, e quando guardas policiais lhe exigiram a exibição da carta de condução, não tendo, contudo, o arguido conseguido exibir carta de condução válida.
De acordo com as informações do CPSP, o arguido foi condenado pelo Tribunal Judicial de Base na pena de inibição de condução pelo período de sete meses, tendo o mesmo, através do seu mandatário advogado estagiário Dr. Ho Wai Chun, entregado a sua carta de condução ao Comissariado de Trânsito de Macau.
O arguido tinha perfeito conhecimento de que estava no período de inibição de conduzir qualquer veículo, tendo ainda conduzido para a sua conveniência pessoal.
O arguido agindo livre, voluntária e conscientemente ao praticar a conduta acima referida, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Ao mesmo tempo, ficou provada ainda a seguinte situação pessoal do arguido:
O arguido A ora estudante universitário no 3º ano (frequenta universidade em Londres), actualmente não tem receita e em Maio do corrente ano tem que voltar a Londres para continuar os seus estudos.
Não tem ninguém a seu cargo.”; (cfr., fls. 26-v e 127 a 128).

Do direito

3. Feito que está o relatório e transcrita que também ficou a matéria de facto pelo Tribunal a quo dada como provada, vejamos se o presente recurso merece provimento.

Pois bem, a final das conclusões pelo recorrente oferecidas em sede da sua motivação, afirma o mesmo que: “Por tudo o que acima se deixa referido, há insuficiência da convicção e da motivação, bem como erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que efectivamente deve conduzir a uma suspensão da pena, com sujeição a uma multa mais adequada, ou em alternativa, à aplicação de medidas suplementares conforme exposto”; (cfr., concl. 15ª).

— Perante isto, um esclarecimento se nos mostra desde já útil.

É que, percorrida toda a motivação e conclusões, (com excepção da 15ª acima transcrita), nenhuma referência se encontra aos vícios de “erro notório na apreciação da prova” e “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.

Aliás, em nossa opinião, de uma análise à peça processual pelo recorrente apresentada resulta claro que o seu inconformismo assenta unicamente com a “pena” que lhe foi imposta, sendo também certo que inexistem os mencionados vícios da matéria de facto – “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e “erro notório na apreciação da prova” – já que o Tribunal a quo não deixou de emitir pronúncia sobre toda a “matéria objecto do processo”, (não havendo assim qualquer “insuficiência”), não tendo também dado como provado ou não provado o que assim não estava, violando as regras sobre o valor da prova tarifada, as regras de experiência ou legis artis, (inexistindo, igualmente, desta forma, o alegado “erro”).

Nesta conformidade, e clarificada que assim cremos ficar a pretensão do recorrente, vejamos.

— Como se deixou consignado, não concorda o ora recorrente com a pena de 3 meses de prisão que lhe foi imposta pela prática de 1 crime de “condução durante o período de inibição”.

E, sem prejuízo do muito respeito por opinião em sentido diverso, cremos, como infra se passará a (tentar) demonstrar, que censura não merece o decidido.

Ora, o Tribunal a quo, após elencar a factualidade provada, consignou o que segue:
“De acordo com os factos provados acima referidos, o presente Tribunal entende que o arguido A cometeu “um crime de condução durante o período de inibição de condução”, previsto no n.º1 do art.º 92º da Lei do Trânsito Rodoviário de Macau, conjugado com o art.º 312º, n.º2 do Código Penal, é punido com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias, com cassação da carta de condução.
O Código Penal dispõe no seu art.º 64º que se ao crime forem aplicáveis,. Em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Dado que o arguido foi condenado no dia de 29 de Março de 2010 na pena de multa pela prática do crime do mesmo género, o presente Tribunal entende que a condenação do arguido na pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Assim sendo, o Tribunal determina preferencialmente aplicar a pena de prisão.
Quanto à determinação da medida da pena, nos termos dos art.º 40º e 65º do Código Penal, deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, também se deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Segundo o supracitado padrão na determinação da pena, tendo em consideração também as circunstâncias concretas e em conjugação com a situação pessoal do arguido (família e trabalho, etc.), o presente Tribunal entende que o arguido não é primário, embora tenha confessado voluntariamente os factos imputados, são graves as consequências do crime (ignorou a decisão judicial), o grau de ilicitude é regular mas o grau do dolo é elevado. Pelo que, o presente Tribunal considera adequada a condenação do arguido na pena de prisão de 3 meses.
Nos termos da segunda parte do n.º1 do art.º 44º do Código Penal, a fim de prevenir o cometimento de futuros crimes pelo arguido, não se determina a substituição da pena por multa.
Nos termos do art.º 48º do Código Penal, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, em particular, o mesmo ignorou a decisão judicial, conclui-se que a suspensão da execução da pena não dá para impedir o cometimento de crime ou atingir as finalidades da punição, pelo que, o presente Tribunal não autoriza a suspensão da execução da pena, deve a pena ser executada efectivamente.
Além disso, condena-se a cassação da carta de condução do arguido.
(…)”; (cfr., fls. 26-v a 27-v e 128 a 130).

Diz porém o recorrente que “a pena aplicada é excessiva”, (referindo-se à pena principal de 3 meses de prisão), apresentando, em síntese, os argumentos seguintes:
– “O Recorrente apresenta um quadro psiquiátrico muito instável, motivado na morte do pai com recorrentes memórias do passado, razão que está na base dos seus actos”;
– “O Recorrente nunca foi condenado em pena de prisão efectiva, nem mesmo suspensão na execução da pena, os factos ocorridos anteriormente (29.3.2010) não transitaram em julgado à data da decisão ora recorrida, pelo que, atento estes e os outros condicionalismos supra descritos, a pena de prisão efectiva é extremamente severa”, e concluindo que:
– “Em face do exposto, a não aplicação da interpretação dos artigos 48º e seguintes, e 65º, todos do Código Penal, torna manifestamente excessiva a medida da pena aplicada ao caso em concreto, que numa perspectiva de um esquema lógico, permitiria outra alternativa, que não a privação efectiva da liberdade, dizendo melhor, a sua suspensão satisfaria as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.”

Aqui chegados, vejamos.

— Quanto ao “quadro psiquiátrico muito instável”, há que dizer que na sentença recorrida inexiste qualquer referência ao mesmo.

É verdade que nos autos consta um “relatório médico” datado de 12.04.2010, e cuja junção apenas ocorreu após a prolação da sentença recorrida; (cfr., fls. 96 a 99-v).

Porém, para além de o mesmo não se nos apresentar totalmente inequívoco quanto à “situação emocional do recorrente”, em especial, quanto ao seu reflexo na sua conduta criminal, não se pode também olvidar que o mesmo recorrente foi julgado presencialmente, valendo aqui os princípios da oralidade e imediação próprios de um julgamento com tal característica.

Cremos, assim – e sempre ressalvado o devido respeito por opinião em sentido diverso – que não se pode atribuir relevância ao dito relatório, até mesmo porque provado está que “tinha perfeito conhecimento de que estava no período de inibição de conduzir qualquer veículo, tendo ainda conduzido para a sua conveniência pessoal”, e que agiu “livre, voluntária e conscientemente ao praticar a conduta acima referida, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

— Vejamos agora se motivos existem para se optar por uma “pena não privativa da liberdade”.

Ao crime em questão cabe, como se viu, pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias; (cfr., art. 312°, n° 2 do C.P.M.).

Atento o assim preceituado e ponderando no disposto no art. 64° do C.P.M., entendeu o Tribunal a quo que adequada era uma pena de prisão.

Temos como correcto o assim decidido.

De facto, o ora recorrente, (como o próprio reconhece), em 05.02.2010 foi condenado com a pena de inibição de condução pelo prazo de 7 meses, (por condução com velocidade acima do limite legal).

Posteriormente, em 29.03.2010, e não obstante tal condenação, foi surpreendido a conduzir, vindo a ser condenado numa pena de multa e na cassação da sua carta de condução.

E, mesmo assim, dois dias depois de tal condenação, (em 31.03.2010), volta a cometer o crime matéria dos presentes autos.

Será ainda assim possível concluir que a pena não privativa da liberdade realiza, “de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”, (que como se sabe vem previstas no art. 40° do C.P.M.)?

Afigura-se-nos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, o ora recorrente já tinha comparecido duas vezes em Tribunal num espaço de tempo inferior a 2 meses, tendo-lhe sido dada a oportunidade de rever e corrigir a sua conduta, e, mesmo assim – atente-se – dois dias depois da última presença em juízo, “volta à carga”, como se nada se tivesse passado, arriscando e desafiando a sua sorte?

Não nos parece assim possível o necessário “juízo de prognose favorável” para se accionar o mecanismo do art. 64° do C.P.M., sendo igualmente de notar que censura também não merece a pena em questão, fixada em 3 meses, apenas 2 meses acima do limite mínimo, (cfr., art. 41°), certo sendo que se mostra muito aquém do limite máximo de 2 anos.

Por sua vez, afastada se nos apresenta igualmente a “válvula” do art. 44° do referido código, pois que, como se viu, inviável é o mencionado juízo de prognose favorável.

Por último, não se pode também descurar aqui a prevenção geral, havendo que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma jurídica violada através do restabelecimento da paz jurídica abalada, (cfr., F. Dias in “Temas Básicas da Doutrina Penal”, pág. 106), o que, não deixa também de inviabilizar a pretendida suspensão da execução da dita pena ao abrigo do art. 48° do C.P.M..

Não se deixa de reconhecer que se deve evitar penas de prisão de curta duração; (cfr., Preâmbulo do D.L. n° 58/95/M de 14.11 que aprovou o C.P.M.).

Todavia, perante a “insistência” do ora recorrente em levar uma vida desrespeitadora do direito e das decisões judiciais, outra solução não se nos mostra viável.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Macau, aos 24 de Fevereiro de 2011


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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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Proc. 416/2010 Pág. 18

Proc. 416/2010 Pág. 1