Processo nº 979/2010(/) Data: 17.02.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “emprego ilegal”.
Erro notório na apreciação da prova.
Rejeição do recurso.
SUMÁRIO
1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
2. Constatando-se que no seu recurso limita-se o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando assim (manifestamente) o “princípio da livre apreciação das provas” plasmado no art. 114° do C.P.P.M., impõe-se a rejeição do recurso; (art. 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 979/2010(()
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença do Mm° Juiz do T.J.B. decidiu-se condenar A (A), com os sinais dos autos, como autor de 2 crimes de “emprego ilegal”, p. e p. pelos art°s 16°, n° 1 da Lei n° 6/2004, nas penas parcelares de 5 e 4 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 9 meses, na condição de pagar à R.A.E.M. a quantia de MOP$8,000.00; (cfr., fls. 84 a 85-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, traz o arguido o presente recurso concluindo nos termos seguintes:
“1. O recorrente dedica-se às obras de decoração em aço inoxidável, os trabalhos administrativos, incluindo a publicação de anúncio de recrutamento e a distribuição de salários, são da responsabilidade da mulher dele.
2. Habitualmente, as pessoas que procuram emprego, depois de lerem o anúncio de recrutamento publicado em jornais, telefonam primeiro para a loja, e depois, dirigem-se à loja para fazer entrevista, durante a qual, é a mulher do recorrente que procede a registo.
3. Na primeira vez em que B (B) dirigiu-se à loja para fazer a entrevista, a mulher do recorrente, por coincidência, não estava na loja, pelo que, o processo de registo foi feito pelo recorrente.
4. Na altura, B (B) mostrou-lhe um bilhete de identidade de residente de Macau, pelo que, o recorrente registou o número do documento de identificação de B (B) (vide fls. 61 dos autos).
5. Para o recorrente, é impossível aceitar que, foi B (B) que lhe mostrou o bilhete de identidade de residente de Macau e foi também o mesmo que fez a assinatura, o recorrente não contratou nenhum empregado ilegal, porquê é que B (B) disse o contrário depois da detenção.
6. Muito óbvio, B (B) esquivou-se da toda a responsabilidade ao recorrente.
7. A referida obra de construção da escada e demolição dos seus tapumes foi adjudicada pelo recorrente a B (B), pelo que, foi B (B) que contratou o empregado ilegal (C C).
8. Referiu-se na sentença que “(…) II. Factos provados: (…) a obra de decoração da referida loja foi adjudicada ao arguido A (A)”.
9. Contudo, o recorrente só se responsabilizou pela obra de aço inoxidável, construção da escada e demolição dos seus tapumes, em vez de empreitar toda a obra de decoração da referida loja.
10. Na sentença, (…) II. Factos provados: Em 5 de Junho de 2008, o arguido contratou B (B) e C (C) para executar alguns projectos da obra de decoração da referida loja, com a condição de pagar-lhes, de uma só vez, um montante de MOP$2.800,00.
11. De facto, o recorrente só subempreitou a obra a B (B), pelo preço de MOP$2.800,00, em vez de subempreitar a obra a B (B) e C (C) (vide fls. 62 dos autos).
12. O recorrente nunca viu nem contactou com C (C), mesmo não sabendo a existência deste, como é que o recorrente exigiu a C (C) mostrar o documento de identidade de residente de Macau?
13. O recorrente não constituiu nenhuma relação de trabalho com C (C).
14. A razão pela qual C (C) tem o número de telefone do recorrente é que no dia em que se iniciou a obra, ao chegar à loja situada no rés-do-chão do Edifício …… da Alameda Dr. Carlos d’Assumpção n.º …, C (C) verificou que a porta da referida loja estava fechada, pelo que, B (B) disse a C (C) o número de telefone do recorrente para que o recorrente chamasse alguém para abrir a porta. O facto é exactamente assim.
15. O recorrente chegou à loja situada no rés-do-chão do Edifício …… da Alameda Dr. Carlos d’Assumpção n.º … depois de ter sido contactado e informado por empreiteiro principal da referida obra, em vez de contactar com o recorrente através do número de telefone fornecido por C (C).
16. O recorrente dedica-se às obras de aço inoxidável há mais de 20 anos, porém, os trabalhos administrativos não são da responsabilidade do recorrente, por isso, como é que o recorrente tem rica experiência? O recorrente dedica-se à execução de obras, sendo apenas homem rústico, pelo que, nunca se pode dizer que o recorrente tem rica experiência nos trabalhos administrativos da loja, como tratamento de documentos, trabalhos de contabilidade e publicação de anúncio de recrutamento, mesmo o recorrente não sabe nada de informática e contabilidade.”; (cfr., fls. 91 a 96 e 127 a 137).
Pugna assim pela sua absolvição; (cfr., fls. 91 a 96 e 127 a 137).
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Em resposta, afirma o Exm° Magistrado do Ministério Público:
“O arguido A foi condenado neste juízo pela prática de (2) crimes de emprego ilegal, na pena única de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por um período de 1 ano e 9 meses, na condição de indemnizar a RAEM no valor de 8.000 no prazo de 2 meses a contar do trânsito em julgado desta sentença que agora impugna.
No decurso de audiência de julgamento não foram documentadas as declarações prestadas oralmente perante o Tribunal, pelo que não há lugar à renovação de prova por parte desse Tribunal.
Está, assim fixada a matéria de facto.
Todos os factos constantes da acusação foram dados como provados, pelo que nos dispensamos de os reproduzir.
Inconformado com a sua condenação, vem o arguido interpor o presente recurso, entendendo que deve ser absolvido por que, de acordo com os suas alegações, não estabeleceu relação laboral com os trabalhadores ilegais.
Como se disse, a matéria factica está fixada, e de acordo com a mesma resulta inequivocamente que o arguido contratou dois trabalhadores que não possuíam a documentação necessária para trabalhar na RAEM, facto este que era do seu conhecimento.
Assente a matéria factica, resta saber se a douta sentença enferma de algum dos vícios elencados no art. 400° CPPM, nomeadamente de insuficiência para a decisão de matéria de facto provado, ou se ocorreu alguma eventual contradição insanável na fundamentação ou mesmo se se verificou qualquer erro notório de apreciação na prova.
Ora, salvo melhor opinião, entenderem que a douta sentença impugnada fez uma correcta apreciação de prova produzida em audiência de julgamento, fixando-o necessária e suficientemente.
Por outro lado não se detecta qualquer dos outros vícios enumerados que justifique uma alteração do decidido.
A douta sentença é pois equilibrada, tendo feita uma correcta apreciação dos factos bem como uma não menos correcta aplicação do direito.
Entendemos, pois, que não padecendo de qualquer vício, deverá a mesma ser confirmada na íntegra.”; (cfr., fls. 98 a 99).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou a Ilustre Procuradora-Adjunta douto Parecer pugnando pela rejeição do recurso; (cfr., fls. 143 a 143-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Vem dados como provados os factos seguintes:
“Em 11 de Junho de 2008, cerca das 16h00, quando patrulhavam pela loja situada no rés-do-chão do Edifício …… da Alameda Dr. Carlos d’Assumpção n.º …, guardas policiais do CPSP detectaram que se encontrava ali uma obra de decoração.
Os referidos guardas policiais entraram na loja para realizar uma investigação, tendo verificado dois homens, B (B) e C (C), um estava a remover os entulhos com uma pá de ferro e o outro estava a furar o chão com um berbequim eléctrico.
Na altura, B (B) e C (C) eram titulares dos passaportes da República Popular da China, permaneciam em Macau na qualidade de turista, com prazo válido para permanecer em Macau até 22 de Junho de 2008 e 17 de Agosto de 2007, respectivamente, e não possuíam qualquer documento legal que lhes permitiam trabalhar em Macau.
A obra de decoração da referida loja foi adjudicada ao arguido A (A).
Em 5 de Junho de 2008, o arguido contratou B (B) e C (C) para executar alguns projectos da obra de decoração da referida loja, com a condição de pagar-lhes, de uma só vez, um montante de MOP$2.800,00.
No processo de contratação, o arguido não exigiu a C (C) mostrar qualquer documento de identificação nem lhe perguntou se ele é residente de Macau, ignorando plenamente se ele possuía ou não condições legais para trabalhar em Macau.
Bem sabendo que tal contratação conduziria à consequência de contratar empregado ilegal, o arguido aceitou plenamente a ocorrência de tal facto.
O arguido, bem sabendo que B (B) é residente do interior da China e não era titular de algum dos documentos exigidos por lei que lhe permitia trabalhar em Macau, ainda o contratou. O arguido tinha contratado este operário para realizar outras obras de decoração.
O arguido agiu de forma voluntária, consciente e dolosa ao constituir relação de trabalho com os indivíduos que não possuem condições legais para trabalhar em Macau, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei de Macau.
O arguido é empreiteiro de obras de decoração (responsável pelas obras de decoração), auferindo mensalmente cerca de MOP$50.000,00 a 60.000,00.
É casado, não tendo ninguém a seu cargo.
Tem como habilitações académicas o 11.º ano de escolaridade.
O arguido negou os factos imputados.
Conforme o CRC, o arguido é primário.”; (cfr., fls. 81-v a 82 e 114 a 116).
Do direito
3. Colhe-se do que até aqui se deixou relatado que o inconformismo do recorrente assenta na “decisão da matéria de facto”, pois que assaca à decisão recorrida – e tanto quanto se alcança da motivação, e conclusões apresentadas – o vício de “erro notório na apreciação da prova”.
Pese embora o muito respeito devido a entendimentos em sentido diverso, e como em sede de exame preliminar se deixou consignado, temos para nós que é o presente recurso manifestamente improcedente, devendo, por isso, ser objecto de rejeição.
Vejamos.
Repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).
E, no caso – mais um, infelizmente – limita-se o recorrente a sindicar a livre convicção do Tribunal, tentando impor a sua versão dos factos, afrontando assim (manifestamente) o “princípio da livre apreciação das provas” plasmado no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.
Aliás, basta ler as claras e lógicas considerações pelo Mm° Juiz a quo expostas em sede de fundamentação da sua decisão quanto à matéria de facto, (cfr., fls. 82-v a 83) para se concluir que nenhuma razão tem o recorrente.
Daí, e ociosas sendo outras considerações, a rejeição do presente recurso.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art°s 409°, n° 2, al. a) e 410°, n° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 5 UCs, e, pela rejeição, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$900,00.
Macau, aos 17 de Fevereiro de 2011
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
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