Processo nº 810/2010
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, natural da Roménia, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no artº 56º do C.P.M., e pugnando assim pela sua revogação; (cfr., fls. 70 a 79 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever manter a decisão recorrida; (cfr., fls. 81 a 81-v).
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Nesta Instância, e em douto Parecer, considera também o Exm° Representante do Ministério Público que se deve julgar improcedente o recurso; (cfr. fls. 121 a 122).
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Corridos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão deste T.S.I. de 29.07.2010, foi A, ora recorrente, condenado como autor de um crime de “passagem de moeda falsa” na pena de 2 anos de prisão;
– o mesmo recorrente deu entrada no E.P.C. como preso preventivamente em 21.02.2009, e em 20.06.2010, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 20.02.2011;
– durante a sua reclusão, manteve um comportamento isento de censura, e, uma vez em liberdade, irá regressar à Roménia, de onde é natural, voltando a residir com os pais e ajudando-os na gerência de um negócio familiar.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do artº 56º do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
Preceitua o citado artº 56º do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. nº 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 21.02.2009, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º.
Na verdade, e na esteira do decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, e, mais recentemente, os de 25.01.2007, Proc. nº 11/2007, de 08.02.2007, Proc. nº 17/2007, e o de 15.02.2007, Proc. nº 10/2007).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Vejamos.
O Tribunal a quo deu como verificado o pressuposto legal quanto ao “juízo de prognose favorável”, negando a concessão da liberdade condicional por entender que esta se revelava “incompatível com a defesa da ordem jurídica e paz social”.
Será de manter o assim entendido?
Cremos que de sentido afirmativo deve ser a resposta.
De facto, e como acertadamente salienta o Exm° Representante do Ministério Público no seu douto Parecer, “atentando na elevada gravidade do crime de passagem de moeda falsa por que o mesmo foi condenado, com a introdução na RAEM de cerca de 200 cartões de crédito falsos, com levantamentos vários nas máquinas de ATM com utilização daqueles, no evidente propósito de obter interesses de grande valor de forma ilegal, se tomam evidentes a grave perturbação da segurança e paz social, com grande impacto negativo nos níveis da confiança pública no sistema jurídico com a antecipação da libertação do recorrente, razões por que, imperativos de prevenção geral se oporão, decisivamente à almejada liberdade condicional.”; (cfr., fls. 121 a 122).
Na verdade, há que ter em conta o tipo e as circunstâncias de cometimento do crime pelo qual foi o recorrente condenado e a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “ Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
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Por fim, não sendo o recorrente residente da R.A.E.M., e, não preenchendo assim os condicionalismos previstos no art. 4° do D.L. n° 41/94/M, inviável é também a pretendida dispensa do pagamento de custas.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso, indeferindo-se o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de custas.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$900,00.
Macau, aos 18 de Novembro de 2010
José Maria Dias Azedo
(Relator)
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
Proc. 810/2010 Pág. 10
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