Recurso n. 469/2010
(Processo civil e laboral)
Data do acórdão: 17 de Fevereiro de 2011
Relator: Cândido de Pinho
Descritores: Providência cautelar de arresto
Recurso e oposição
Audiência da parte contrária
SUMÁRIO:
I- Tal como a utilização do recurso e da oposição por quem não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência não é cumulativa, mas alternativa (art. 333º, n.1, do CPC), assim também não pode um requerido (que não deduziu oposição) recorrer da sentença que decreta o arresto e mais tarde recorrer da sentença que decide a oposição formulada por outro dos requeridos.
II- O art. 330º, n. 1 do CPC é essencialmente aplicável aos procedimentos cautelares comuns (ver epígrafe do capítulo I, do título III, art. 326º, do CPC). Quanto aos procedimentos cautelares especificados, e sem prejuízo das regras que daqueles lhe sejam também aplicáveis, regem as disposições especialmente previstas (art. 337º, do CPC). E no que a este problema concerne, o art. 353º, n.1 do Código estatui a regra de que o arresto é decretado sem audiência da parte contrária.,
Processo n.º 469/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Recorrente: A, aliás A ou A
Recorrido: Companhia de Fomento Predial B, Lda.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A, requerido nos autos de arresto peticionado na 1ª instância no Proc. CV-09-0093-CAO-A pela “Companhia de Fomento Predial B, Lda”, inconformado com a sentença que o decretou, dela recorreu oportunamente.
Nas alegações respectivas, formulou as seguintes conclusões:
“A) O art. 330.º n.º 1 do CPC dispõe que “O Tribunal ouve o requerido antes do decretamento da providência, excepto quando a audiência puser em risco sério o respectivo fim ou eficácia”.
B) A Requerente não fez qualquer alegação específica nesse sentido, sendo impossível ao Meritíssimo Juiz ad quo justificar a mesma, como se constata do despacho proferido a fls. 1XX, em que não foi feita qualquer menção aos factos ou fundamentos da dispensa de audiência prévia dos Requeridos.
C) A preterição dessa formalidade essencial acarreta a nulidade do acto e de todo o processado ulterior.
D) De igual modo, não foram devidamente fundamentados os factos que indiciam receio de perda da garantia patrimonial, pois os factos constantes dos artigos 70.º e 71.º da petição são meras alegações genéricas, sem qualquer detalhe ou suporte fundamental em absoluta contradição com os documentos juntos – inclusivamente o prédio descrito sob o n.º ..... está sob aproveitamento estando a sua transmissão sujeita a autorização do Governo (sendo impossível a sua venda);
E) Pelo que o pressuposto material do decretamento da providência (receio de perda de garantia patrimonial) ficou naturalmente por preencher por não estar cabalmente alegado, provado, nem decidido;
F) Da documentação junta aos autos (em particular os documentos 6 e 7 da petição, resulta que o ora Recorrente não é parte, sendo apenas representante da sociedade Companhia de Fomento Predial C, Limitada, da qual era sócio e administrador;
G) Não consta desses documentos, nem tão-pouco do respectivo conteúdo consta alguma cláusula que imponha para o Recorrente qualquer obrigação: o contrato de 15 de Novembro de 1998 foi celebrado entre a D, Limitada e a C, Limitada;
H) Também não tem legitimidade o cônjuge do Recorrente, XXX, que nem sequer o assinou, sendo incompreensíveis todas as construções jurídicas e argumentos feitos a partir do pressuposto de que os requeridos são partes;
I) Não se concebendo a que título e em que termos a sentença decidira que o Recorrente celebrara um contrato com a D, Lda., que teria sido transmitido a outras entidades (no qual teria incorrido em incumprimento) -, transparece a ilegitimidade do Recorrente e o facto de a sentença proferida padecer irremediavelmente de vício que terá que ser rectificado;
J) É pressuposto do decretamento do arresto a existência prévia de um direito que, submetido a juízo, carece de protecção – o art. 326.º n.º 2 do CPC precisa mesmo que “o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor”.
L) Resulta dos autos que o Recorrente não foi parte em qualquer contrato como uma contra-parte a que tivesse sucedido a A. e Requerente. E não tendo sido parte em qualquer contrato, não se encontra obrigado pelo mesmo, pelo que reciprocamente também a Requerente não estava investida em qualquer direito sobre o ora Recorrente.
M) A relação contratual constituiu-se entre a D Lda. e a Companhia de Fomento Predial C Lda. – de toda a factualidade provada não resulta em parte alguma que o ora Recorrente fosse parte em qualquer contrato com a D Lda, da mesma forma também não resulta que se tivesse estabelecido qualquer relação jurídica entre o Recorrente e a D Lda. para além da relação de mandato.
N) A interpretação que ficou consagrada na sentença proferida não tem qualquer correspondência quer com a prova apresentada pela Requerente nem tão-pouco com as disposições legais que regulam transacções desta natureza.
O) O bem imóvel em questão nunca foi alienado ou transmitido, continuando na titularidade do Recorrente face ao disposto no art. 866.º C. Civil quanto à forma exigível para a transmissão de bens imóveis (escritura pública nos termos do disposto no art. 94.º, n.º1 do Código do Notariado).
P) Os contratos assinados a 19 de Novembro e a 30 de Dezembro de 1998 não determinam qualquer dação em cumprimento, porque pura e simplesmente não foram outorgados pelo Recorrente – ainda que o tivessem sido, nunca os mesmos poderiam configurar qualquer dação em cumprimento, por vício de foram;
Q) Não se tendo verificado essa transmissão, nem existindo qualquer posição contratual face ao Recorrente são ininteligíveis os factos da petição que vieram a formar a sentença recorrida como factos provados e descrevem uma transmissão de posições;
R) Dos autos constam documentos que demonstram o contrário: que o Recorrente, enquanto mandante na procuração, não consentiu nos substabelecimentos efectuados à revelia”.
*
A “Companhia de Fomento Predial B, limitada”, por seu turno, também alegou, apresentando as seguintes conclusões:
“ I. A falta de audição prévia do requerido antes do decretamento do procedimento cautelar de arresto não constitui qualquer irregularidade processual ou preterição de formalidade essencial, impõe-se, nos termos do art. 353.º, n.º 1, do CPC, sendo que a sua audição prévia antes da produção da prova e decretamento do arresto é que constituiria irregularidade processual e poria, por natureza, em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
II. Foram alegados e provados factos suficientes para fundamentar o receio da perda da garantia patrimonial, assim o julgou o juiz “a quo” e razão não há para tal entendimento não ser subscrito pelo tribunal “ad quem”.
III. Da prova produzida, na sua maior parte documental, das declarações nesses documentos produzidas e dos actos praticados pelo recorrente e sua mulher, directamente ou indirectamente, através dos seus procuradores, pode-se extrair com toda a probabilidade – dir-se-ia com uma quase certeza – que os mesmos aceitaram transmitir a sua posição contratual no contrato de concessão por arrendamento celebrado com a Região Administrativa Especial de Macau que teve por objecto o terreno descrito sob o n.º ..... na Conservatória do Registo Predial de Macau, com fundamento num negócio de dação em cumprimento de obrigação / dívida da “C”.
IV. A lei não exige quer para o negócio de transmissão da posição contratual no referido contrato, quer para o negócio base de dação em cumprimento, qualquer forma especial, e assim as declarações negociais que o integram, podem ser expressas – quando feitas por palavras, escrito ou qualquer outro modo directo de manifestação de vontade – ou tácitas – quando se deduzem de factos que com toda a probabilidade a revelam, entendimento contrário violaria os art. s 211.º e 209.º do Código Civil”.
*
O processo prosseguiu, entretanto, tendo a esposa do ora recorrente, de nome XXX, deduzido oposição ao arresto, que foi julgada improcedente por decisão de 27/01/2010 e da qual por esta foi interposto recurso.
*
Com base no despacho de fls. 352, que considerou que o recurso interposto pelo marido contra a decisão do arresto também abrangeria a decisão da oposição, o recorrente A veio dizer nada ter a opor a que o seu recurso (do arresto) também se considere interposto da decisão da oposição (fls. 357). Na sequência desta declaração, o M.mo Juiz admitiu o recurso (v. fls. 396).
Subidos os autos de recurso a este TSI, foi proferido o despacho de fls. 260/261, aflorando oficiosamente a impossibilidade de conhecimento desta extensão impugnativa e dando às partes a possibilidade de sobre o assunto se pronunciarem, o que, a fls. 262 a 265, fizeram recorrente e recorrida, nos termos que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos legais.
*
Foi relegado para o presente acórdão final a decisão sobre a questão suscitada, o que se fará mais adiante no capítulo destinado ao direito aplicável.
***
II- Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade extraída da petição inicial da providência (por razões práticas, manteremos a numeração dos artigos da petição ):
1- A A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada cujo objecto é a compra, venda e outras operações sobre imóveis, registada sob o n.º ..... (SO) na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau (Doc. n.º 1, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
2. O terreno com a área de 980 m2, sito na Travessa do Laboratório e R. Marginal do Canal dos Patos está descrito sob o n.º ....., a fls. 158, do Livro B-XX na Conservatória do Registo Predial de Macau (Doc. n.º 2, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
3.O referido terreno é propriedade da Região Administrativa Especial de Macau e foi objecto de concessão provisória por arrendamento ao R. A, casado com a R. XXX no regime supletivo da lei chinesa, que se define como um regime de comunhão de adquiridos, pelo prazo de vinte e cinco anos a contar de 06.03.1987, para construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, composto de rés-do-chão e quatro andares, para finalidade industrial, tendo o prazo do aproveitamento sido fixado em 18 meses a contar de 31.12.1986, nos termos do contrato de concessão, cujas condições foram fixadas pelo Despacho n.º 50/SAES/86, publicado no 6.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52 de 31.12.1986 (Doc. n.º 3 que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido), e formalizado por escritura de 06.03.1987, lavrada a fls. 134 do Livro de Notas para Escrituras Diversas da Direcção dos Serviços de Finanças, e conforme registo pela inscrição n.º ..... do Livro F-XX na Conservatória do Registo Predial de Macau (v. Doc. n.º2, fls 3).
4.O aproveitamento, i.e. a construção do edifício, em regime de propriedade horizontal, composto de rés-do-chão e quatro andares, para finalidade industrial, nunca foi iniciada, pelo que se encontra decorrido há longo tempo o prazo fixado para o aproveitamento.
5. Continuando assim a concessão do referido terreno a ter natureza provisória.
7. A “Sociedade de Investimento Imobiliário D, Limitada” é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com sede em Macau, Alameda Dr. Carlos D’ Assumpção n.º ….., Ed. ….., …..º andar, cujo objecto é o investimento no sector imobiliário, registada sob o n.º .....(SO) na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau, doravante aqui designada por “D, Limitada” (Doc. n.º 4, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
9. A “Companhia de Fomento Predial C, Limitada” era, no ano de 1998, uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com sede em Macau, Av. da Amizade, Ed. ….., Blocos ….. e ….., …..º andar, cujo objecto era a aquisição, construção e venda de imobiliário, registada sob o n.º .....(SO) na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau (Doc. n.º 5, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido [v. fls.1]), doravante aqui designada por “C, Limitada”.
10. O capital social da “C, Limitada”, no valor de MOP$300,000.00, era totalmente detido pelo R. A e pela “Companhia de Importação e Exportação E, Limitada”, igualmente controlada pelo R. A e seus filhos XXX e XXX, que também intervieram no contrato celebrado com a “D, Limitada”, na proporção de 25% e 75%, respectivamente (v. Doc. n.º 5, fls. 1).
11. Esta sociedade actualmente, já não existe, por haver sido dissolvida e extinta pelo encerramento da sua liquidação, havendo o seu registo sido cancelado na Conservatória do Registo Predial de Macau (v. Doc. n.º 5, fls. 4).
12.Em 15.11.1998 foi celebrado entre a “D, Limitada” e a “C, Limitada”, representada pelo R. A e ainda por seus filhos, XXXe XXX, um contrato (Doc. n.º 6, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
13. Nesse contrato, na presença do Grupo de Ligação Conjunto, a “C, Limitada” declarava dever à “D, Limitada” as quantias de HKD$30,000,000.00 (trinta milhões de dólares de Hong Kong), a título de capital, e de HKD$5,592,294.52 (cinco milhões quinhentos e noventa e dois mil duzentos e noventa e quatro dólares de Hong Kong e cinquenta e dois cêntimos), a título de juros vencidos (v. Doc. n.º 6)
14. Com causa num contrato de empréstimo que havia sido celebrado entre as duas sociedades (v. Doc. n.º 6).
15. Para pagamento do referido empréstimo os representantes da “C” haviam subscrito e entregue à “D, Limitada” diversos cheques, que se veio a revelar não terem provisão, pelo que se encontrava a correr contra os mesmos um processo crime sob o n.º 707/96 nos tribunais de Macau, conforme mencionado no contrato acima referenciado (v. Doc. n.º 6).
16.Para extinguir pelo pagamento a referida dívida da quantia de HKD$35,592,294.52 (trinta e cinco milhões quinhentos e noventa e dois mil duzentos e noventa e quatro dólares de Hong Kong e cinquenta e dois cêntimos) foi acordado transmitir para a “D, Limitada” “todos os direitos e interesses” de dois prédios, respectivamente descritos sob os n.º s ....., a fls. 5v do Livro B-XX (Doc. n.º 7, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido) e ....., a fls. 158, do Livro B-XX (melhor identificado no artigo 2.º da p.i. [v. Doc. n.’6]).
17.Mais foi acordado que a transmissão definitiva seria feita no prazo de 15 dias após a celebração do contrato, que na data da transmissão a “D, Limitada” entregaria à “C, Limitada” o contrato de empréstimo e retiraria a queixa crime apresentada (v. Doc. n.º 6), e que,
18. Os prédios deveriam ser transmitidos livres de quaisquer encargos ou hipotecas e devolutos (v. Doc. n.º 6).
19.O prédio descrito sob o n.º ..... na Conservatória do Registo Predial de Macau, era um terreno sito na Taipa, no tardoz dos prédios n.º s 1 a 5 da R. Direito de XXX Eugénio, cujo direito de propriedade se encontrava nessa data (15.11.1998) definitivamente registado a favor da “C, Limitada” (v. Doc. n.º 8, fls. 4)
20.O prédio descrito sob o n.º ....., acima melhor identificado, tinha o direito de concessão por arrendamento, provisória, registado a favor do R. A e sua mulher XXX.
21.Tal contrato tornou a ser formalizado por escrito, e foi assinado pelo R. A e ainda por seus filhos, XXX e XXX, perante o advogado, Sérgio de Almeida Correia, que testemunhou a sua assinatura (Doc. n.º 7, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
22.Os RR., nos termos do referido contrato, deram-lhe execução nos termos aí prescritos, e, assim,
23.Por procuração outorgada em 15 de Janeiro de 1999 perante o Notário Privado Sérgio de Almeida Correia, os RR. A e sua mulher XXX constituíram sua procuradora a “D, Limitada”, a quem, relativamente ao prédio (terreno) descrito sob o n.º ....., conferiram poderes para em nome dos mandantes: a) administrar, arrendar, hipotecar, vender ou por qualquer forma onerar ou alienar, nas condições e preço que melhor entendesse o identificado terreno ou as construções e imóveis resultantes do seu aproveitamento; b) constituir a propriedade horizontal e negociar a venda das fracções autónomas pelo preço, a quem e nas condições que entender; c) receber quaisquer quantias, incluindo sinais, dando quitação das importâncias recebidas; d) assinar e outorgar todos os contratos particulares e escrituras públicas que julgue necessários ou convenientes, incluindo contratos – promessa, acordando quaisquer clausulas com os promitentes compradores; e) representar os mandantes junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, e ali requerer demolições e construções, apresentando plantas e projectos, e requerendo qualquer tipo de licença; f) representar os mandantes perante todas as entidades públicas ou privadas em tudo o que respeitar ao imóvel ou aos direitos que sobre ele detenham; g) receber avisos, intimações, notificações, assinar requerimentos, petições ou outros documentos relativos ao imóvel; h) contrair empréstimos de quaisquer quantias, com os juros e condições que ajustar, junto de quaisquer bancos, receber as quantias mutuadas e delas confessar-se devedor, hipotecando para garantia dos empréstimos e obrigações o imóvel ou direitos ao mesmo relativos e, bem assim, as construções ou edificações aí construídas; i) requerer o registo de quaisquer actos na Conservatória do Registo Predial de Macau, incluindo cancelamentos e novas descrições de imóveis edificados no local de imóvel supra referenciado; j) fazer junto das repartições de Finanças manifestos direitos, alterações e cancelamentos, reclamar contra o lançamento de colectas indevidas ou excessivas, recebendo os títulos de anulação e as importâncias destes; e ainda, representar os mandantes em todos os processos cíveis, fiscais e administrativos em que forem autores, réus ou assistentes, ou por qualquer modo interessados, seguindo os seus termos e os de quaisquer incidentes ou recursos até final, praticando tudo o necessário ou conveniente aos fins supra indicados (Doc. n.º 9, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido, fls. 1 e 2).
24.Devido ao negócio de transmissão que se encontrava por detrás da outorga da procuração, os RR., então mandantes, declararam ainda que a procuradora se podia servir da procuração para fazer negócio “consigo mesmo”, substabelecer os poderes conferidos e que, a procuração era também conferida no benefício da mandatária, nos termos do art. 265.º, n.º3, e 1175.º do Código Civil, pelo que não poderá ser revogada sem o consentimento da interessada (v. Doc. n.º 9).
25.O terreno descrito sob o n.º ..... foi então entregue pelo R. A à “D, Limitada”.
29.A “D, Limitada” substabeleceu sem reserva a totalidade dos referidos poderes à “F International Limited”, doravante designada por “F Limited”, sociedade com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, P.O. Box ….. Offshore XXX Centre, Road ………., por instrumento de 07.09.2004 outorgado perante o Notário Privado Zhao Luo (v. Doc. n.º 9, fls. 3 a 5).
31.Em 14.06.2005 a “F Limited” e a A. celebraram um contrato de transmissão de direitos sobre o terreno descrito sob o n.º ....., pelo qual a A, os adquiria pelo preço total de HKD$12,000,000.00 (doze milhões de dólares de Hong Kong) a pagar à “D, Limitada” (Doc. n.º 10, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
32.No mesmo dia a A. entregou à “F Limited” cheque datado de 14.06.2005 a favor da “D, Limitada” no valor de HKD$12,000,000.00 para pagamento do preço (Doc. n.º 11, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido),
33. Havendo a “F Limited” emitido em 15.06.2005 recibo do mencionado preço (Doc. n.º 12, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
34.A A. pagou metade dos honorários de advogado devidos pela celebração do referido contrato no valor de MOP$1,287.00 (mil duzentas e oitenta e sete patacas) (Doc. n.º 13, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
35. Em 23.06.2005 por instrumento outorgado perante o Notário Privado, Zhao Lu, e aí arquivado (como imposto pelo art. 115.º, n.º 2, do Código do Notariado, que obriga a arquivar as procurações e os substabelecimentos mencionados no art. 128.º do mesmo Código, i.e. as conferidas no interesse do procurador ou de terceiro e as que confiram poderes para celebrar negócio consigo mesmo), a “F Limited” substabeleceu, sem reserva, os poderes conferidos conferidos pelos RR, pela acima mencionada procuração de 15.01.1999 (v. Doc. n.º 9, fls. 7 e 8).
36.A sociedade A. sucedeu assim na posição contratual detida pela “D, Limitada” no contrato celebrado com os RR., pelo qual, estes lhe haviam transmitido a posição contratual ou, como mencionado na lei, todas as situações decorrentes do contrato de concessão por arrendamento do terreno descrito sob o n.º ....., para pagamento da acima referenciada dívida.
37.Após a outorga da procuração a sociedade A. tomou conta do terreno e iniciou diligências para a revisão dos termos do contrato de concessão por arrendamento e aceitação pela R.A.E.M. da transmissão a seu favor das situações decorrentes da concessão.
38.Assim, em 26.10.2005, a A. dirigiu ao Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, em seu nome e em representação do R. A, requerimento no qual declarava que por procuração e substabelecimentos que juntava, havia sucedido na posição do original arrendatário e estava “disposta a aproveitar o referido terreno e desenvolver ali as suas actividades imobiliárias” (Doc. n.º 14, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
39.Nesse requerimento, em representação dos RR., expressou a renúncia “à concessão descrita no artigo 1.º, transferindo a favor da Companhia 2.ª requerente todos e quaisquer direitos ou benefícios que, eventualmente sejam titulares em virtude de ter sido concessionário do terreno e ter liquidado encargos correspondentes ao terreno, ao abrigo do Contrato de concessão, ora em vigor” (v. Doc. n.º 14).
40.Nesse requerimento manifestou ainda a vontade de, no terreno, construir um edifício com 20 andares, para comércio e habitação, com a área bruta de construção de cerca de 220.000 pés quadrados (v. Doc. n.º 14).
41. E, na sequência, requereu ao Exmo. Senhor Chefe do Executivo, se dignasse “mandar conceder por arrendamento, nos termos da Lei de Terras em vigor, mormente do seu artigo 41.º, al. l), à 2.ª Requerente [a ora A.], o terreno rústico situado em Macau, com a área de 980 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..... do livro BXX a fls. 185V. destinando-se o terreno em causa à construção de um edifício de 20 andares e que poderá ser reformulado de forma a corresponder às condições que se entenderem por mais convenientes” (v. Doc. n.º 14).
42. Para a formulação do referido requerimento a A. pagou de honorários de advogado e despesas com documentos a quantia de MOP$3,334.00 (três mil trezentas e trinta e quatro patacas) (Docs. N.º s 15 e 16, que aqui se juntam e se têm por integralmente reproduzidos)
43.E, em 03.04.2006, a A. dirigiu novo requerimento ao Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, apenas em seu nome, alterando a proposta finalidade, pois pretendia ora “construir um edifício com 25 andares, para comércio e habitação, com a área bruta de construção de cerca de 220.000 pés quadrados”, mais reiterava pretender fosse autorizada a transmissão da concessão para a requerente do mesmo terreno, quando da revisão do contrato de concessão (Doc. n.º 17, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
44.Na sequência destes requerimentos, pelo Ofício n.º 319/150.02/DSODEP/2006 de 26.05.2006 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, doravante designada por DSSOPT, foi a A convocada para uma reunião a realizar na DSSOPT no dia 05.06.2006, para clarificar a situação criada pelos vários pedidos de alteração de finalidade apresentados (Doc. n.º 18, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido),
45.O que a A. devidamente fez.
46.Em 18.09.2006 a A. celebrou com o Arquitecto XXX um contrato de prestação de serviços, tendo por objecto o estudo de aproveitamento do terreno, concepção, elaboração e apresentação à DSSOPT de projectos de arquitectura e construção, assistência técnica, incluindo no processo de revisão do contrato de concessão, até à emissão da licença de utilização relativa ao edifício a erigir no terreno, pelo preço de HKD$568,000.00 (quinhentos e sessenta e oito mil dólares de Hong Kong) (Doc. n.º 19, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
47.E, pelos serviços pelo mesmo prestados foi-lhe pagando as diversas prestações do preço, nos termos acordados, havendo já pago, no total, a quantia de HKD$369,200.00, da seguinte forma:
-Pelo cheque n.º 131892 do Banco XXX de 12.10.2006 a quantia de HKD$142,000.00 (cento e quarenta e dois mil dólares de Hong Kong), equivalente a 25% do preço total do contrato (Doc. n.º s 20 e 21, que aqui se juntam e se têm por integralmente reproduzidos);
-Pelo cheque n.º 131897 do Banco XXX de 03.05.2007 a quantia de HKD$85,200.00 (oitenta e cinco mil e duzentos dólares de Hong Kong), equivalente a 15% do preço total do contrato (Doc. n.º s 22, 23 e 24, que aqui se juntam e se têm por integralmente reproduzidos);
-Pelo cheque n.º 131898 do Banco XXX de 03.07.2007 a quantia de HKD$142,000.00 (cento e quarenta e dois mil dólares de Hong Kong), equivalente a 25% do preço total do contrato (Doc. n.º s 25 e 26, que aqui se juntam e se têm por integralmente reproduzidos).
48.O processo foi seguindo os trâmites e pelo Ofício n.º 1794/DURDEP/2007 de 09.02.2007 da DSSOPT esta deu conhecimento que havia emitido parecer favorável ao estudo prévio apresentado (Doc. n.º 27, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
49.Apresentado o projecto relativo à construção, pelo Ofício n.º 16037/DURDEP/2007 de 29.10.2007 foi considerado o projecto de arquitectura apresentado passível de aprovação (Doc. n.º 28, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
50.A A. pagou todas as rendas relativas ao terreno dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, que somam a quantia de MOP$24,500.00 (vinte e quatro mil e quinhentas patacas) (Docs. n.º s 29,30,31,32 e 33, que aqui se juntam e se têm por integralmente reproduzidos).
51.Considerando que o terreno descrito sob o n.º ..... tem uma área de 689 m2, e que nos termos do projecto apresentado, considerado susceptível de aprovação, é nele possível construir um prédio de 21 andares, da classe MA, com 60 metros de altura, uma área bruta de construção de 9,034.1 m2 e uma área útil de construção de 5,629.86 m2, o terreno tem um valor de mercado de HKD$40,000,000.00 (quarenta milhões de dólares de Hong Kong) (Doc. n.º 34, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
52. O R. A em 27.04.2006 outorgou procuração sobre o mesmo terreno a favor de “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento G, Limitada”, doravante designada por “G, Limitada”, em que confere poderes sobre o terreno que lhe havia sido concedido por arrendamento, com 980m2 situado entre a Travessa do Laboratório e a Rua Marginal do Canal dos Patos, o terreno na posse da A., e confirmou as declarações contidas no mesmo documento por termo de autenticação de 28.04.2006 perante o Notário Privado Porfírio Azevedo Gomes (Doc. n.º 35, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
53.E mandou publicar declaração de 28.06.2006 em jornal de língua chinesa de Macau, de que havia cancelado a procuração que em 15.01.2009, perante o notário privado Sérgio de Almeida Correia, havia outorgado à “D, Limitada”, o substabelecimento que em 07.09.2004 perante o notário privado Zhao Lu havia sido outorgado pela “D, Limitada” a favor da “F Limited”, e o substabelecimento que em 23.06.2005 perante o notário privado Zhao Lu havia sido outorgado pela “F Limited” a favor da sociedade A. (Doc. n.º 36, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
54.Esta sociedade “G, Limitada” tentou intervir no processo a decorrer seus trâmites na DSSOPT e aí substituir a sociedade A., pelo que,
55.A DSSOPT, através do seu departamento jurídico pronunciou-se considerando que a procuração outorgada a “G, Limitada” não revogava a procuração outorgada pelos RR. Em 15.01.1999, cujos poderes haviam sido substabelecidos a favor da A., e que também não havia sido junto qualquer instrumento de revogação de tal procuração outorgado por A, que aliás só a poderia revogar com o acordo da interessada ou com justa causa, já que a procuração havia sido feita igualmente em benefício da mandatária, nos termos do art. 258.º, n.º 37, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
56.E, assim, por despacho do Director do DSSOPT de 25.08.2006 foi ordenada a notificação do R. A para apresentar documento comprovativo da extinção da primeira procuração conferida em benefício da mandatária (v. Doc. n.º 37, fls. 3).
57.O que nunca foi feito pelo que se continuou a considerar a A. parte legítima para estar no procedimento administrativo, havendo o mesmo prosseguido os seus trâmites,
58.Até à data de 15.05.2008, data em que a DSSOPT deu conhecimento à A. que o processo de revisão da concessão por arrendamento do terreno não poderia prosseguir porque o terreno havia sido objecto de arresto nuns autos a correr termos no Tribunal Judicial de Base de Macau CV2-07-0008-CPV (Doc. n.º 2, a fls. 4), em que foi requerente XXX ou XXX ou XXX e requeridos os RR., para assegurar a quantia de HKD$20,000,000.00 (vinte milhões de patacas).
59.A A. teve que intervir no processo, que ora tem o n.º CV3-07-0069-CAO-A, para defesa dos seus direitos sobre o terreno através de embargos, para o que teve de despender em honorários de advogado a quantia de MOP$100,000.00 (cem mil patacas) (Doc.s n.º s 38 e 39, que aqui se juntam e se têm por integralmente reproduzidos).
60.No âmbito do referido processo o 1.º R. veio declarar que o negócio feito com a “D, Limitada” não foi um contrato de dação em cumprimento, havendo-lhe somente sido conferido mandato para proceder à venda das situações decorrentes da concessão e com o produto da venda se fazer pagar da dívida, sendo que, a “D, Limitada” através da alienação do terreno sito na Taipa, no tardoz dos prédios n.º s 1 a 5 da R. Direito de Carlos Eugénio, descrito sob o n.º ..... na Conservatória do Registo Predial de Macau, acima referenciado, já obteve quantia suficiente para se fazer pagar da dívida (Doc. n.º 40, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
61.Não pretendem os RR, pois, cumprir o contrato celebrado com a “D, Limitada”, em cuja posição a sociedade A. sucedeu.
68.Só se conhecem os seguintes bens aos RR.:
-Direito de concessão por arrendamento, incluindo a propriedade da construção, do prédio urbano n.º …. da Estrada do Visconde de S. Januário, inscrito sob o artigo n.º ….. na Matriz Predial Urbana do Concelho de Macau, e descrito sob o n.º ....., a fls. 179 do Livro B-XX, registado definitivamente a favor do R. A, pela inscrição n.º ….., a fls. 56v do Livro G-XX (Doc. s n.º s 41 e 42, que aqui se juntam e se têm por integralmente reproduzidos);
-Quota indivisa de um meio do domínio útil do terreno ou prédio rústico s/n.º da Rua da Sé, descrito sob o n.º ….., a fls. 142 do Livro B-XX, registada definitivamente a favor do R. A pelas inscrições n.º s ….., a fls. 115v do Livro G-XX e ….., a fls. 192 do Livro G-XX (Doc. n.º 43, que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido).
69. O primeiro inclusive está onerado por duas hipotecas:
- uma a favor de XXX, casada, residente em Macau, Pátio Francisco António n.º ….., …..º andar, para garantia de um empréstimo de MOP$150,000.00, conforme registado pela inscrição n.º ….., a fls. 102v do Livro CXX (v. Doc. n.º 41, fls. 5); e
- outra a favor de XXX, solteiro, maior, residente em Macau, R. do Ultramar n.º ….., Ed. ….., …..º andar, “…”, para garantia de um empréstimo de HKD$12,000,000.00, conforme registado pela inscrição n.º ….., a fls. 106v do Livro CXX (v. Doc. n.º 41, fls. 6).
70. O R. A deve dinheiro a diversas pessoas, pelo que está a tentar vender os bens que ainda estão na sua titularidade,
71. Aparecendo diversos mediadores imobiliários a actuar para tentar vender os mesmos bens, incluindo o terreno descrito sob o n.º ......
***
III- O Direito
A- Da possibilidade de se conhecer no âmbito do presente recurso do arresto da matéria decidida sobre a oposição.
No referido despacho de fls. 260/261, pode ler-se:
“Resulta dos autos de recurso o seguinte:
a) A Companhia de Fomento Predial B, limitada, requereu o arresto de bens de A e da espasa XXX;
b) Oportunamente foi decretado o arresto requerido;
c) Da decisão que o decretou foi interposto recurso jurisdicional pelo marido A;
d) Da mesma decisão foi deduzida oposição pela esposa XXX;
e) A fls. 152 o M.mo juiz considera a possibilidade de a decisão da oposição ser parte integrante da sentença proferida sobre o arresto;
f) Em vista deste despacho, o marido A declara nada ter a opor à decisão de considerar interposto o seu recurso também da decisão sobre a oposição (v. fls. 357);
d) face a esta posição, o M.mo Juiz “a quo” – que já tinha admitido o recurso a fls. 268 - voltou a admitir o recurso a fls. 396 no pressuposto de que a decisão sobre a oposição é parte integrante da decisão sobre o arresto.
Ora, a verdade é que este “complemento” e “parte integrante da (sentença) inicialmente proferida”só parece relevar nos casos em que o requerente não tiver recorrido da sentença versada sobre o arresto e, em vez disso, tiver deduzido oposição. Nesta segunda hipótese, sim, faz sentido que o interessado discuta tudo de uma só vez e para isso compreende-se que a segunda decisão seja “complemento”da primeira. Recordemos que a utilização do recurso e da oposição não pode ser cumulativa, pois é a lei a conferir a essas formas impugnativas a natureza alternativa (art. 333º, n.1, do CPC).
Parece-nos, pois, que a mesma pessoa – o mesmo requerido, precisemos – não pode servir-se dos dois mecanismos (recurso e oposição). E se deles não pode socorrer-se a se, por igual força de razão não poderá valer-se de um desencadeado por si e de outro despoletado pela comparte”.
Sufragamos e fazemos nosso o que ali foi dito sem necessidade de mais acrescentos. Efectivamente, permitir que um interessado recorra da sentença do arresto e, simultaneamente, que se aproveite do recurso interposto da oposição interposto por outro (do qual, de resto, até viria a desistir mais tarde: fls. 409) violaria a regra processual acima aludida.
Porque assim, apenas conheceremos do recurso do arresto.
Sem custas.
*
B- Do mérito do recurso
Nas conclusões A) a C) A invoca a nulidade da sentença decorrente de falta de audição prévia do requerido nos termos do art. 330º, n.1, do CPC.
É verdade que tal disposição impõe o dever de ouvir o requerido antes do decretamento da providência. Contudo, trata-se de normativo essencialmente aplicável aos procedimentos cautelares comuns (ver epígrafe do capítulo I, do título III, art. 326º, do CPC). Quanto aos procedimentos cautelares especificados, e sem prejuízo das regras que daqueles lhe sejam também aplicáveis, regem as disposições especialmente previstas (art. 337º, do CPC). Ora, no que a este problema concerne, o art. 353º, n.1 do Código estatui que o arresto é decretado sem audiência da parte contrária. Claro está que o decretamento depende da verificação dos requisitos legais (cit. norma). Mas isso tem já que ver com os dados de facto que o julgador ache obtidos, capazes de preencherem os elementos normativos típicos com vista à satisfação do pedido. São, portanto, questões de fundo e não de forma, como é aquela que o recorrente aqui agora invoca. O facto de o tribunal não ter ouvido o recorrente está, portanto, de acordo com a previsão legal.
Improcedem, assim, as referidas conclusões.
*
Nas conclusões D) e E) o recorrente assevera que a requerente da providência não a fundamentou devidamente no plano factual no respeitante ao pressuposto material de receio da perda de garantia patrimonial, “pois os factos constantes dos artigos 70.º e 71.º da petição são meras alegações genéricas, sem qualquer detalhe ou suporte fundamental em absoluta contradição com os documentos juntos – inclusivamente o prédio descrito sob o n.º ..... está sob aproveitamento estando a sua transmissão sujeita a autorização do Governo (sendo impossível a sua venda)”.
Vejamos. Os artigos 70º e 71º citados – que, recorde-se, foram dados por provados - por si só, já têm a virtualidade de revelarem um quadro fáctico de grande dificuldade material e económica por parte do ora recorrente. Se deve dinheiro a diversas pessoas e se, através de diversos mediadores imobiliários, está a tentar vender os bens que estão na sua titularidade, então é credível e sustentável o receio de perda de garantia patrimonial que a requerente expôs. De qualquer modo, tais artigos devem ser analisados contextualmente. E se assim se fizer, transparece de toda a restante matéria provada uma atitude suficientemente reveladora de que o recorrente, independentemente da vontade que tenha mostrado em cumprir os acordos feitos sobre o terreno descrito sob o n......, se encontra numa situação económica difícil (v.g. art. 58º da p.i. e doc. 2, fls. 14). Ora, se os bens arrestados são os únicos conhecidos ao Recorrente (facto 68, da p.i.), cremos que andou bem o M.mo juiz “a quo”em dar por verificado o requisito material do receio da perda de garantia patrimonial contido na norma, nada havendo a censurar à conclusão que sobre o assunto ele retirou. E se a isto fizermos somar a aparência de um direito a favor da requerente em face de tudo o que esta alegou e do que conseguiu demonstrar (e mais não tem que provar) - fumus bonus iuris - cremos estarem reunidas as circunstâncias que condicionam o êxito da providência.
*
Nas conclusões F) a R), o recorrente defende a sua ilegitimidade, na medida em que individualmente, isto é, por si, diz nunca ter assumido qualquer obrigação contratual, nunca foi parte em qualquer contrato: o contrato de 15/11/1998 foi celebrado entre “D, limitada”e “C, Limitada”.
Ora bem. É sabido que o arresto se configura como uma providência garantística do credor contra o devedor (art. 451º, do CPC) ou do credor contra o adquirente dos bens do devedor (art. 352º, n.2, do CPC). Mas não sendo esta última a hipótese dos autos, importa que nos detenhamos somente na primeira. De qualquer maneira, o arresto, se implica a existência de bens que possam servir de garantia patrimonial em favor do credor, também implica a existência de um devedor. Sem esta trilogia, nenhum sentido faz a providência e colocar-se-ão, desde logo, problemas de forma (vg. legitimidade) ou de mérito (v.g. procedência).
Recentremos então o olhar, agora de forma mais cirúrgica, sobre a factualidade relevante para se perceber a multiplicidade de intervenções de A e para se compreender se, realmente, ele é ou não aparentemente devedor relativamente ao arrestante.
a) A, aqui recorrente, e sua mulher, XXX, são concessionários por arrendamento – a título provisório – de um terreno (descrição n. .....), propriedade da RAEM, com vista à edificação de um prédio de r/c e 4 andares.
b) A e seus filhos XXX e XXX eram sócios da sociedade por quotas “Companhia de Importação e Exportação E, limitada”.
c) A e a “Companhia de Importação e Exportação E, Limitada” eram, por sua vez, sócios únicos da sociedade por quotas “Companhia de Fomento Predial C, limitada” (doravante designada somente por C).
d) “C”, representada pelo recorrente A e pelos seus filhos XXX e XXX, celebrou em 15/11/1998, um contrato com “Sociedade de Investimento Imobiliário D, Limitada” (doravante designada apenas por D, limitada), sociedade com capitais da República Popular da China, em que declarava dever a esta as quantias de HKD $ 30.000.000,00, a título de capital, e HKD $ 5.XX2.294,52, a título de juros vencidos, em resultado de um empréstimo que havia sido celebrado entre as duas sociedades.
e) Os representantes da “C, lda”emitiram vários cheques a favor de “D, lda”, que não obtiveram provisão, quando apresentados a pagamento, razão pela qual contra eles foi movido um processo-crime nos tribunais de Mcau (Proc. n.707/96).
f) Para extinguir a dívida e para que fosse retirada a queixa-crime, foi acordado que seriam transmitidos no prazo de 15 dias, livres de quaisquer encargos ou hipotecas e devolutos, para “D, Lda”todos os direitos e interesses de dois prédios, um dos quais o referido em a) supra.
g) Este contrato foi novamente formalizado por escrito perante advogado e assinado por A e seus filhos XXX e XXX.
h) Em execução desse acordo, o recorrente A e esposa XXX, emitiram procuração a favor da credora “D”, conferindo-lhe amplos poderes sobre o referido prédio, incluindo o de fazer negócio consigo mesmo, substabelecer os poderes conferidos e que a procuração era também conferida no benefício da mandatária “D”, nos termos do art. 265º, n. 3 e 1175º, do Código Civil, pelo que não poderia ser revogada sem o consentimento da interessada (doc. 9, fls. 100/102).
i) E o referido terreno foi então entregue a “D”.
j) “D” substabeleceu sem reserva a totalidade daqueles poderes a “F International, Limited” (doravante, apenas “F”), sociedade controlada por “D”, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, em Offshore …..Centre, Road ………..
l) Em 14/06/2005 “F” e a requerente da providência, aqui recorrida, “Companhia de Fomento Predial B, Lda” (doravante “B”), celebraram um contrato de transmissão de direitos sobre o dito terreno, pelo qual esta o adquiria pagando o preço de HKD$12.000.000,00, quantia que no mesmo dia entregou mediante cheque emitido a favor de “D”.
m) Em 23/06/2005, por instrumento notarial, “F” substabeleceu sem reserva os poderes à recorrida.
Cotejando, para já, este lote de factos, o que se deles se colhe é que, para extinguir uma dívida da “C” (dela eram sócios, o recorrente e seus filhos), e para se livrar de um processo crime que então corria termos no Tribunal por causa de cheques emitidos sem provisão, o recorrente A emitiu procuração com amplos poderes a “D”, com vista à transmissão de direitos que detinha sobre o dito terreno, os quais foram substabelecidos a “F”e desta para “B”(ora recorrida e requerente da providência). E é a própria requerente da providência que, no art. 36; da p.i., afirma ter sucedido na posição contratual de “D”. Parece-nos ser significativo este dado, mas a ele retornaremos mais adiante. Antes, porém, vamos terminar a incursão nos factos relevantes para se atingir a compreensão do que verdadeiramente sucedeu, retomando a ordem das alíneas que vínhamos seguindo.
Assim:
n) “B” tomou conta do terreno e iniciou diligências para a revisão dos termos da concessão por arrendamento junto do Executivo, tendo em vista a construção de um prédio de 20/21 andares, pagou as rendas relativas ao terreno dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009.
o) A tinha, porém, em 27/04/2006 outorgado procuração sobre o mesmo terreno a favor de “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento G, Limitada”(doravante somente “G, limitada”) em que confere poderës sobre o terreno em causa (doc. 35) e mandou publicar declaração de 28/06/2006 de que havia cancelado a procuração outorgada em 15/01/1999 a “D”, o substabelecimento pela “D”a favor de “F Limited”e o substabelecimento de 23/06/2005 outorgado por “F”a favor da sociedade requerente da providência, “B (doc. 36).
p) Em 15/05/2008 a DSSOPT deu conhecimento à recorrida de que o processo de revisão da concessão por arrendamento do terreno não podia prosseguir por ter sido objecto de arresto requerido por XXX ou XXX contra A e mulher.
q) Nesse processo A declarou que o negócio que tinha feito com “D” não fora uma dação em cumprimento, mas simples mandato para que a mandatária procedesse à venda dos direitos de concessão e com o produto da venda se fazer pagar da dívida.
Este é o quadro geral factual.
Por ele ficamos a saber que a requerente da providência viu goradas as suas expectativas negociais relativamente ao terreno em causa, onde pensava construir um edifício de grande volumetria, e que inicialmente fora concedido por arrendamento ao ora recorrente A.
Verdade que entre A e “B” nunca foi firmado qualquer contrato. A legitimação substantiva da sociedade “B” relativamente ao terreno advém exclusivamente de um contrato de transmissão celebrado com “F” e a partir do substabelecimento sem reserva que esta àquela fez.
Todavia a questão é mais complexa do que parece. O recorrente diz que apenas estabeleceu uma relação de mandato com D e que o contrato foi celebrado somente entre D e C. Com esta afirmação o recorrente pretende eximir-se de qualquer responsabilidade posterior à transmissão do direito sobre o terreno.
Mas o problema, se o vemos bem, deve pôr-se de maneira diferente.
Se a procuração de 15/01/99 foi feita com o intuito liberatório de pagar a dívida que C, lda (devedor) tinha para com D, lda (credor), então A o que teria feito não seria bem uma dação em cumprimento, porque não efectuada pelo próprio devedor (cfr. Art.828º, do C.C.). Tem mais os contornos de uma assunção de dívida: o sócio (terceiro) pagaria a dívida da sociedade (art. 590º do C.C.). O problema está em que a transmissão da dívida só exonera o antigo devedor mediante declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado (art. 590º, n. 2, do C.C.). E parece que tal declaração expressa não existe (só existe a sua intervenção no acordo referido nos arts. 16º , 21º e na procuração mencionada no art. 24º da petição inicial). Logo, ao lado do antigo devedor, A passou a devedor e responsável perante o credor e mais ninguém. Os contratos que o credor fizer com outrem sobre o objecto do negócio serão estranhos, em princípio, a A. E por isso A nada deveria à requerente do arresto numa perspectiva puramente contratual. Nada lhe deveria porque com ela nenhum contrato firmou. Todavia, tendo havido uma espécie de trato sucessivo, no fim da cadeia ficou a arrestante que, apesar de ter pago avultada quantia e de ter feito despesas várias, se viu impossibilitada de dar ao terreno o destino a que se propôs. E tudo isso por culpa do ora recorrente A em virtude da sua atitude revogatória da procuração de 15/01/99 (ver facto 52 e 53da p.i) e com o arresto entretanto verificado sobre o mesmo terreno (facto 58 da p.i). Nesta medida, A é causador dos prejuízos que o arrestante sofreu e, portanto, por eles é responsável civil extra-contratual. Ao ser obrigado a ressarcir o último adquirente - arrestante – (sem prejuízo de eventual cadeia de demandados, questão que ora não importa dissecar) coloca-se como devedor em sentido amplo (o vocábulo “devedor”contido na norma não tem um sentido estrita e exclusivamente contratual). Portanto, como devedor pode ser arrestado, ao contrário do que defende, não se colocando quaisquer problemas de legitimidade, nem processual, nem substantiva.
Imaginemos agora que a procuração em causa foi feita com o intuito de mera representação (Art. 251º e sgs., do Cod. Civil) ou a título de mandato com representação (art. 1104º e 1105º do mesmo Código). Pois mesmo aí, também ao contrário do que pensa o recorrente, a sua responsabilidade permanece, mesmo nas situações de substituição do procurador através do substabelecimento (arts. 251º, 252º e 257º do Cod. Civil). Isto é, como os negócios celebrados sucessivamente teriam sido feitos em nome e no interesse do representado A (e não da sociedade a que pertencia - pessoa distinta da individualidade dos sócios), mesmo aquele que a F, lda fez com B, lda, ora recorrida, então pode dizer-se que A é devedor de B, lda, requerente da providência. Para B, lda é indiferente a razão por que A emitiu a procuração a favor de D, lda, tal como lhe é completamente estranha e indiferente a relação dele, A, com D, lda. Os efeitos da referida procuração isolam-se ou autonomizam-se em relação ao negócio subjacente entre pessoas distintas. E por isso, A é devedor da requerente, na medida em que esta adquiriu um direito a uma pessoa que agia em nome daquele ao abrigo de uma procuração que, posteriormente, viria a ser revogada pelo próprio.
Consequentemente, tanto por uma, como por outra das formas de entender a posição do ora recorrente, ele parece não poder escapar à responsabilidade.
Sendo isto assim, improcedem as conclusões citadas.
E porque, em suma, estão reunidos os requisitos do deferimento da providência, bem andou a sentença recorrida em decretá-la.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Macau, 17 de Fevereiro de 2011.
José Cândido de Pinho (Relator)
Lai Kin Hong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Choi Mou Pan (Segundo Juiz-Adjunto)