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Processo nº 1014/2009
(Recurso civil e laboral)

Data: 24 de Fevereiro de 2011
Recorrente: A
Recorrida: Companhia de Seguros de B, S.A. (B保險有限公司)


SUMÁRIOS
- A não aplicação do nº 3 do artº 71º do CPT determina nulidade processual nos termos do nº 1 do artº 147º do CPC, que tem de ser arguida em tempo.
- Existe erro notório de prova quando da fundamentação da convicção, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito de factos relevantes para a decisão de direito, ou pelo menos que a prova não poderia fundamentar a decisão do tribunal sobre essa matéria de facto.
- Mas a priori disso, as provas em causa têm de ser susceptíveis de valoração nos termos legais, pois o julgador nunca pode apreciar e valorar provas diversas daquelas que a lei prevê especificamente para um determinado efeito.
    - O resultado do exame médico a que se alude o artº 52º do CPT só pode ser abalado pelo novo exame realizado por junta médica nos termos do nº 2 do artº 71º do CPT, e nunca por outros meios de prova.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 1014/2009
(Recurso civil e laboral)

Data: 24 de Fevereiro de 2011
Recorrente: A
Recorrida: Companhia de Seguros de B, S.A. (B保險有限公司)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença proferida nos presentes autos, decidiu-se julgar improcedente o pedido interposto pelo Autor A, pelo qual pede a condenação da Ré a pagar-lhe no montante de MOP$625,000.00, devido à Incapacidade Permanente Parcial (IPP) resultante do acidente de trabalho.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, patrocinado pelo MP, alegando, em sede conclusiva:
1. No caso concreto, o tribunal “a quo” omitiu-se a aplicabilidade do artº 71, nº 3 do C.P.T.
2. Trata-se, neste artigo, de um procedimento essencial a adoptar quando uma das partes se discorda o resultado do exame médico efectuado na fase concilatória;
3. Com efeito, a lei manda que quando o pedido de realização do novo exame por junta médica não fôr requerido durante o prazo legal, a parte discordante vai sujeitar-se ao ónus de ver como considerado como assentes a natureza e o grau de desvalorização, e o tribunal deve proferir a respectiva sentença em conformidade.
4. Isto é, o artº 71, nº 3 do C.P.T. funciona como uma cominação legal.
5. No caso em apreço, foi exactamente assim que se sucedeu, e face à ausência de qualquer pedido de realização de junta médica por parte da ré (parte discordante), a questão em litígio, ou seja, o grau de incapacidade, deveria o tribunal “a quo” ter considerado como assente o resultado do exame efectuado pelo médico legal e o tribunal deveria ter proferido sentença em conformidade.
6. Daí que se resulta a verificação de um vício insanável que enferme todo o processado a partir do momento em que o vício se torna patente, ou seja, a partir do despacho saneador onde fixou a metéria quesitada.
7. Caso assim não se entenda, continua a sentença padecer de vício;
8. Com efeito, o tribunal “a quo” não deu como provado que o sinistrado padecia de Incapacidade Permanente Parcial, o que é contrária com as provas constantes nos autos e com a posição assumida pela ré;
9. Na verdade, por parte da ré já houve uma confissão parcial nesta parte, admitindo ela que o sinistrado padecia de I.P.P. na percentagem de 20%;
10. Deveria dar como assentes que o sinistrado padecia de uma I.P.P., pelo menos na percentagem de 20%.
11. Assim sendo, verifica-se a nulidade da sentença nos termos do artº 571, nº 1, alínea b) do C.P.C.M.;
12. Ou até um erro na apreciação das provas.
*
A Companhia de Seguros de B, S.A., contra alegou no sentido de defender a bondade do decidido.
*
Foram colhidos os vistos legais.

II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
A) Em 29 de Setembro de 2007, pelas 14:05 horas na obra de construção da 10 fase do teatro de D de Macau, S.A., A, titular do B.I.R.M. nº 736XXXX(0) no cumprimento de ordens da sua entidade patronal “C Internacional de Decoração, Limitada”, ficando em pé no telheiro de bambu para os trabalhos preparativos da instalação das chapas de gesso, a uma distância do chão de 1.9 metros ao soltar os cintos de segurança para descer para o chão, o telheiro de bambu partiu-se subitamente sendo A projectado para o chão.
B) Em consequência da queda referida em A) A sofreu as lesões descritas no exame médico constante a fls.89 dos autos, das quais resultaram para aquele dor de pesoço quando se lhe toca e dor quando se lhe bate, o movimento de flexão e de extensão da coluna espinal do pescoço dele enfraqueceu, o membro superior inteiro esquerdo é apresenta atrofia moderada, o movimento de cada urna das articulações funciona bem mas a força muscular enfraqueceu com evidência, queixando-se de paralisia quando na repeticão do membro superior frontal esquerdo e a mão esquerda. Não há deformação evidente na aparência da coluna espinal da região lumbodorsal, o moviemento da flexão e de extensão da curva lateral da colina espinal enfraqueceu e dores quando se toca na região lumbodorsal e lumbosacral. A atrofia muscular moderada no membro inferior é visível, sendo o movimento de cada uma das articulações funciona bem e a existência de sentimento da pele rasa e profunda mas força muscular enfraqueceu com evidência. O levantamento da perna endireitada mostrou-se positivo mas se queixou de sentir falta de força na região coxal. Sente-se dores radiantes e anormais na região coxal esquerda, na parte central da perna esquerda e na planta do pé esquerdo.
C) O acidente referido em A) ocorreu no horário normal de trabalho.
D) A auferia uma retribuição-base diária de MOP$600.00.
E) Das lesões referidas em B) resultou para A uma incapacidade temporária absoluta (I.T.A.) de 485 dias. (30/09/2007 a 26/01/2009)
F) A responsabilidade civil de indemnização, no âmbito de acidente de trabalho, foi transmitida à Ré Seguradora, por força de apólice 001100000127-249T.
G) As despesas médicas bem como a indemnização de Incapacidade Temporária Absoluta (I.T.A.) já foram pagas na totalidade.
H) “C Internacional de Decoração, Limitada” era sub-empreteiro da obra de construção da 10 fase do teatro de D de Macau, S.A.
Mais resultam provados documentalmente dos autos:
1. Em 15/01/2009, nas instalações do Mº Pº junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, sob a presidência do Dignº Magistrado do Mº Pº, foi realizado o exame médico a que se alude o artº 52º do CPT, onde chegou à conclusão de que o Autor sofre uma IPP de 44% (fls. 89 dos autos).
2. Em 19/03/2009, foi realizada a tentativa de conciliação, tendo elaborado o respectivo auto constante a fls. 100, cuja teor aqui se dá integralmente reproduzido, em que a interveniente Companhia de Seguros de B, S.A. (B保險有限公司), ora recorrida, apenas não aceitou a existência da IPP por parte do sinistrado.
3. Em 23/03/2009, o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu o despacho seguinte:
“Remete os autos ao TJB para homologação judicial do acordo, na matéria relacionada com o nexo de causalidade, a natureza de acidente de trabalho e a retribuição do sinistrado.
Uma vez que as partes não chegaram a acordo no que se diz respeito à I.P.P. (Incapacidade Permanente Parcial), requer-se, desde já, a extracção de certidão de todo o processado, com o objectivo de iniciar a fase contenciosa do processo”.
4. Em 25/03/2009, o MMº Juiz a quo homologou o acordo na parte relativa ao nexo de causalidade, à natureza do acidente de trabalho e à retribuição do sinistrado. No que respeita à parte em que não houve acordo, mandou aguardar os autos nos termos do nº 1 do artº 60º do C.P.T..
5. A referida sentença homologatória, bem como a decisão de aguardar os autos foram devidamente notificadas às partes.
6. Em 28/04/2009, o Digno Magistrado do Ministério Público, em representação do sinistrado, intentou a presente acção emergente do acidente de trabalho.
7. A Ré, em sede de contestação, alegou que o Autor sofre apenas uma IPP de 20%, juntando, para efeito de prova, o relatório médico subscrito pelo Dr. E.
8. Em 05/06/2009, foi proferido o despacho saneador com inserção na Base Instrutória, entre outros, o seguinte quesito:
“1º
  Das lesões referidas em B) resultou para o sinistrado uma Incapacidade Permanente Parcial de 44% (19%+25%) lesões incompletas do nervo cubital esquerdo (cujo lado activo e a razão da variaçãi com a idade é de : 0,12-0,20) e dor lumbosacral (relação entre 0,25-0,30 com a idade)?”
9. Este quesito não sofreu de qualquer reclamação e veio a ser julgado como “não provado”.

III – Fundamentos
O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
1. A consequência jurídica da omissão da aplicação do nº 3 do artº 71º do CPT;
2. Se existir nulidade da sentença nos termos da al. b) do nº 1 do artº 571º do CPC; e
3. Se existir erro notório na apreciação da prova.
No caso em apreço, as partes realizaram a tentativa de conciliação e só há discordância na parte da incapacidade parcial permanente (IPP). Contudo, nenhuma das partes usou a faculdade prevista no nº 2 do artº 71º do CPT.
Nesta conformidade, e por força do disposto do nº 3 do citado preceito legal, deve considerar-se assente a natureza e o grau de desvalorização e proferir-se imediatamente a sentença.
No entanto, não foi seguida esta tramitação processual, em vez disso, seguiu-se a tramitação normal da fase contenciosa.
Quid iuris?
O próprio CPT não prevê solução directa para o efeito.
Recorrendo assim à aplicação subsidiária do CPC por força do nº 1 do artº 1º do CPT, encontramos as seguintes invalidades: nulidade, anulabilidade e irregularidade.
Tendo em conta a disposição na parte final do nº 1 do artº 147º do CPC e o efeito da não aplicação do nº 3 do artº 71º do CPT, entendemos estar perante uma nulidade, uma vez que a dita omissão da aplicação influi na decisão da causa.
Apesar ser nulidade, o certo é que não se trata de alguma nulidade prevista no nº 2 do artº 150º do CPC, que pode ser arguida em qualquer estado do processo.
Pelo contrário, trata-se de uma nulidade cuja arguição tem de ser feita dentro do prazo legalmente estipulado no nº 1 do artº 151º do CPC.
O recorrente apenas a invocou em sede do recurso da decisão final, pelo que a sua arguição não é tempestiva.
Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
Passamos agora para a segunda questão.
Dispõe a al. b) do nº 1 do artº 571º do CPC que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto à matéria de facto pela forma seguinte:
“A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 5 a 82, 87 a 89, 96 a 100 e 127 a 135, no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência, que depuseram com isenção e imparcialidade sobre os quesitos constantes da acta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido aqui para todos os efeitos legais e que tinham conhecimento pessoal, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.” (fls. 163v dos autos).
Em primeiro lugar, cumpre dizer que existe uma imprecisão na fundamentação acima transcrita, visto que apenas foi ouvida uma única testemunha, e não testemunhas como consta da fundamentação.
Contudo e não obstante da imprecisão, o tribunal a quo fundamentou a sua convicção, daí que não existe a alegada nulidade da sentença.
Se os fundamentos nela constantes subsistem ou não, já é uma outra questão.
Quanto à questão do erro notório da apreciação de prova, é pacífica, quer ao nível da doutrina, quer da jurisprudência, de que só existe o erro notório de prova quando da fundamentação da convicção, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito de factos relevantes para a decisão de direito, ou pelo menos que a prova não poderia fundamentar a decisão do tribunal sobre essa matéria de facto.
Mas a priori disso, as provas em causa têm de ser susceptíveis de valoração nos termos legais, pois o julgador nunca pode apreciar e valorar provas diversas daquelas que a lei prevê especificamente para um determinado efeito.
In casu, já foi feito o exame médico a que se alude o artº 52º do CPT, cujo resultado é de que o Autor sofre uma IPP de 44%.
Este resultado, à luz do nº 2 do artº 71º do CPT, só pode ser abalado pelo novo exame realizado por junta médica.
Pois, como bem notou o douto Acórdão deste Tribunal, de 12/11/2009, proferido no âmbito do Processo nº 650/2009, que “estamos perante a reapreciação de um juízo técnico contido num exame anteriormente realizado por um perito e o julgador só pode divergir desse juízo fundamentando devidamente a sua divergência noutro exame de igual ou maior exigência do rigor técnico.”
Contudo, não é isto que aconteceu no presente caso.
O tribunal a quo afastou o resultado do exame médico realizado no âmbito do artº 52º do CPT não com base no novo exame efectuado por junta médica.
Assim sendo e salvo o devido respeito da opinião em sentido oposto, entendemos que não estamos perante um erro notório na apreciação da prova, mas sim um erro de julgamento quanto à matéria de facto, por violação da regra de prova legalmente estabelecida no nº 2 do artº 71º do CPT, valorando indevidamente provas que a lei não permite para o efeito.
Em consequência e tendo em conta o resultado do exame médico feito nos termos do artº 52º do CPT, entendemos estarem reunidos os elementos necessários para determinar o grau da IPP do recorrente, que é de 44%.
Apurado o grau de IPP, cumpre agora determinar o respectivo valor da indemnização.
Conforme o estipulado no artº 47º, nºs 1 e 3, al. d), nºs 3 e 4 do DL nº 40/95/M, o valor indemnizatório é de MOP$760.320,00 (MOP$600x30x96x44%).
Porém, por limitação do nº 2 do citado preceito legal e actualização do limite máximo operada pela Ordem Executiva nº 48/2006, o referido valor é de MOP$625.000,00 (seiscentas e vinte e cinco mil patacas).

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos aciam expostos, acordam os Juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal, em conferência, em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré, ora recorrida, Companhia de Seguros de B, S.A. (B保險有限公司) a pagar ao Autor, ora recorrente, A a quantia de MOP$625.000,00 (seiscentas e vinte e cinco mil patacas), acrescida de juros de mora nos termos legais.
Custas do recurso pela Ré, ora recorrida.

RAEM, aos 24 de Fevereiro de 2011.

O Relator,

__________________________
Ho Wai Neng

Os Juízes Adjuntos,

___________________________
José Cândido de Pinho

__________________________
Lai Kin Hong
(Subscreva com declaração de voto que se junta)






















Processo nº 1014/2009
Declaração de voto

Se a inobservância das normas reguladoras do modelo legal da sequência procesual acarreta nulidade processual, a violação das normas reguladoras do acto ou complexo de actos processuais destinados a fazer a demonstração dos factos relevantes para a decisão, quando toca valores essenciais do direito probatório, já goza de tratamento autónomo e diverso do regime de nulidades processuais. Nessa útlima situação, estamos sim perante inadmissibilidade, proibição ou valoração proibida da prova, que, ao contrário do que sucede com as nulidades processuais, é sempre sindicável ex oficio até ao trânsito em julgado da decisão final da causa.

Eis as razões que me levaram a subscrever o Acórdão antecedente com reserva quanto à parte que entende que a não aplicação do artº 71º/3 do CPT constitui uma nulidade processual, pois a mim parece mais uma ilegalidade enquadrável no regime probatório.

Pelo que é com essa reserva que subscrevo o Acórdão antecedente.

RAEM, 24FEV2011

O 2º juiz adjunto

Lai Kin Hong
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1014/2009 p.1/13