打印全文
Processo nº 216/2009
Data: 17 de Março de 2011

Assuntos: - Suspensão da instância
- Prejudicialidade
   - Registo de marca



SUMÁRIO
“1. O tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2. Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.
3. Quando resultar que num e noutro recursos dos respectivos despachos do (não) registo das marcas que se destinam para serviços distintos, não existe qualquer relação de prejudicialidade uma vez que, tanto não se produzem efeitos reciprocamente o caso julgado, como em cada processo o Tribunal apreciará as provas que tinham sido produzidas autonomamente (auto-suficiência), e os fundamentos da decisão de um processo não destroem os de outro.
O Relator,


Recurso nº 216/2009
Recorrente: A
Recorrida: B, Limitada




A cordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
Nos presentes autos, B, Limitada, com sede em Macau, recorreu, ao abrigo do disposto nos artigos 275º e seguintes do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, do despacho de 25 de Fevereiro de 2008 da Exmª Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia que autorizou a concessão do registo da marca No. N/XXX em nome da C Limited.
No decurso deste recurso, o Mm° Juiz do Tribunal Judicial de Base proferiu o despacho nos seguinte termos:
“Nos presentes autos, a recorrente requer a revogação do despacho da Direcção dos Serviço da Economia que concedeu o registo da marca N/XXX a favor da recorrida.
Uma das questões relevantes no presente recurso judicial consiste em saber se a recorrente beneficia da prioridade quanto às marcas N/XXX, N/XXX e N/XXX, cujos pedidos da concessão foram entretanto indeferidos por despacho daquela Direcção dos Serviços, mas encontram-se todos eles ainda pendentes em recursos judiciais (cfr. fls. 124).
Nestes termos, por a decisão definitiva dos recursos pendentes, respectivamente processos CV3-08-0022-CRJ (N/XXX), CV2-08-0016-CRJ (N/XXX) e CV2-08-0015-CRJ (N/XXX) terem influência directa para os presentes autos (por constituírem causa prejudicial em relação ao presente recurso), julgo haver toda a conveniência suspender a presente instância até que estejam definitivamente decididos os referidos recursos, nos termos do art.º 223º, nº 1 do Código de Processo Civil de Macau.
Notifique.
Oficie aos 2º e 3º Juízos que nos seja informado oportunamente do resultado dos respectivos recursos.”

Com esta decisão não conformou, o contra-interessado, citado nos autos, A, recorreu para esta instancia, alegando em síntese o seguinte:
A. Apesar de as partes não terem requerido a suspensão dos autos nem tão terem sido auscultadas previamente, o Tribunal a quo decidiu oficiosamente suspender a instância por considerar que os recursos pendentes referentes às marcas N/XXX a N/XXX (com os números CV3-08-0022-CRJ, CV2-08-0016-CRJ e CV2-08-0015-CRJ) constituem causa prejudicial relativamente aos presentes autos, por estar em causa a prioridade por parte da Recorrida (B, Limitada) quanto às referidas marcas;
B) Sem prejuízo de melhor entendimento, considera a Recorrente que o pretenso direito da Recorrida quanto às marcas N/XXX a N/XXX não releva nem constitui questão prejudicial, porquanto a prioridade alegada pertence e sempre pertenceu à Recorrida em virtude da marca “X” se encontrar registada a seu favor desde 1996, conforme foi decidido pelo Acórdão no. 779/2007 desse mesmo Tribunal;
C) Os requisites processuais previstos no artigo 223º do CPC não se encontram preenchidos, por não se verificar qualquer causa prejudicial que interfira na decisão dos próprios autos;
D) Ainda que a Recorrida (B, Limitada) venha a obter uma decisão favorável relativamente aos registos N/XXX a N/XXX, a prioridade sobre a marca “X” continuaria a pertencer à Recorrente (vide ofício da DSE no. 61504/DPI);
E) Pelo que se deverá concluir pela inexistência de qualquer relação de prejudicialidade que leve à suspensão da instância devendo, consequentemente, ser revogada tal decisão e os presentes autos prosseguir até final.
Nestes Termos, e nos mais em Direito consentidos que V. Exas., muito doutamente suprireis, se requer:
a) seja revogado o despacho que suspendeu a instância; e consequentemente.
b) seja ordenado o prosseguimento dos autos em primeira instância.

A este recurso respondeu o precedente recorrente, B, Limitada, alegando que:
1. O pedido de registo da marca nº N/XXX foi concedido à recorrida por, segundo a DSF, as denominações Hotel XX, XX大酒店e XX Hotel (Macau) não se confundirem e não serem passíveis de ser associados com aquela.
2. E não, como pretende fazer crer a recorrida, ora recorrente, por ela ser titular das marcas “X” nºs N/XXX e N/XXX.
3. Marcas que foram, para mais, objecto de pedidos, por parte da recorrente, aqui recorrida, de declaração de caducidade por falta de uso das mesmas, um dos quais, aliás, que se encontra ainda a correr no Tribunal de Segunda Instância.
4. A prioridade que está efectivamente em causa nestes autos é, por outro lado, a dos pedidos de registo das marcas da recorrente, ora recorrida, Hotel XX, XX大酒店e XX Hotel – No. N/XXX, N/XXX e N/XXX – faço ao pedido de registo da marca da recorrida, aqui recorrente, nº N/XXX.
5. Logo, caso venham a ser recusados efectivamente, de forma definitiva, aqueles registos, naturalmente que falecem os pressupostos da presente acção.
6. Não há dúvida, por isso, que as decisões que vierem a ser proferidas nos autos CV3-08-0022-CRJ, CV2-08-0016-CRJ e CV2-08-0015-CRJ relativamente aos pedidos de registo das marcas da recorrente, aqui recorrida Nos. N/XXX, N/XXX e N/XXX – Hotel XX, XX大酒店e XX Hotel – constituem uma causa prejudicial nos presentes autos.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deverá o recurso interposto do despacho que suspendeu a instância ser julgado improcedente.

Cumpre conhecer.
Foram colhidos os vistos legais.

Conhecendo.
A única questão que se coloca é a de saber se os autos registados junto do Tribunal Judicial de Base, sob os n°s CV3-08-0022-CRJ (N/XXX), CV2-08-0016-CRJ (N/XXX) e CV2-08-0015-CRJ (N/XXX)1, todos que se encontravam pendentes os recursos judiciais e em que se discute a questão , têm ou não relações de prejudicialidade com o presente recurso judicial (para o registo da Marca n° N/XXX), para o efeito de suspensão de instância.
Quanto à suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes, prevê o artigo 223° do Código de Processo Civil que:
“1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2. Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as suas vantagens.
3. Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4. As partes podem acordar na suspensão da instância por prazo não superior a 6 meses.”

Tudo depende da resposta à questão da “prejudicialidade”.
A dita prejudicialidade entre duas acções, como tem entendido a doutrina, verifica-se sempre que a decisão da causa depende da decisão a proferir noutra causa. Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, alargando-se aqui o conceito de causa à questão prévia ou pressuposto de que cumpra conhecer.
Ensina o Prof. Alberto dos Reis, “o nexo de prejudicialidade ou de dependência define-se assim: estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão duma poder afectar o julgamento a proferir na outra. Aquela acção terá o carácter de prejudicial em relação a esta”. 2
O mesmo mestre acompanhava o Prof. Andrade3 considerando que “verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se, nesta via, em via incidental, como teria de o ser desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro, em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”.4
Ao nível de jurisprudência, decidiu o Acórdão do então Tribunal Superior de Justiça de 27 de Abril de 1994 do processo nº 145:
“Uma causa apresenta-se como prejudicial de outra quando a sua decisão possa determinar o desaparecimento do fundamento ou razão de ser da acção a suspender”.5
   No Acórdão deste Tribunal de Segunda Instância de 23 de Janeiro de 2003 do processo nº 200/2002, subscrevemos também que:
   “Quando a decisão de uma causa depender do julgamento de outra, isto é, quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, ou quando numa acção se ataca um acto ou um facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, estaremos perante uma causa prejudicial.”
   Para que se tenha a possibilidade de suspensão da instância com o fundamento de uma acção poder afectar o julgamento de outra, dá-se até grande liberdade ao juiz no uso do poder que lhe é concedido, devendo ele orientar-se por critérios de utilidade e conveniência processual.”6
   No caso sub judice a precedente Recorrente reclamou aquando do pedido do registo da marca denominada “X CLUB”, para os serviços de classe 43ª, foi concedido a favor do precedente recorrido ora recorrente nos presentes autos e essa reclamação foi indeferido. Interpôs o recurso desta decisão da concessão do registo da sua marca (nº N/XXX).
   O mesmo precedente recorrente tinha interposto recursos judiciais dos despachos que indeferiram os pedidos de registo de marcas respectivamente sob n°s N/XXX, N/XXX e N/XXX, todas para os serviços de classe 42°, alegando que teria prioridade no seu registo sobre o ora recorrente.
   Parece resultar claro que estes últimos recursos não são prejudiciais em relação aos presentes autos, havendo oportunidade, numa e noutra, de se apreciar se há ou não semelhança ou risco de confusão entre os diversos elementos distintivos que se pretendem tutelar e quem tem prioridade no seu registo.
   São marcas para serviços distintos, não se produzem efeitos reciprocamente o caso julgado, em cada processo o Tribunal apreciará as provas que tinham sido produzidas autonomamente (auto-suficiência), os fundamentos da decisão de um processo não destroem os de outro, ou seja, a decisão de qualquer um não depende da decisão de outra, pelo que está bem de ver assim que não há qualquer relação de prejudicialidade conducente à suspensão.
   O que se pode afectar, quanto muito, seria só o eventual resultado de contradição entre as decisões proferidas nos recursos distintos, mas isto não seria a questão de prejudicialidade, causa que conduz a suspensão da instância.
   Ao decidir, oficiosamente, a suspensão da instância, incorreu na violação do disposto no artigo 223° n° 1 do Código de Processo Civil, o que impõe a revogação do despacho recorrido que deve ser substituído por outro que ordena o seguimento dos autos, se outro motivo não lhe impeça.
   Procede-se o recurso.
   
   Pelo exposto, acordam neste Tribunal de Segunda Instância em conceder provimento ao recurso interposto por A nos exactos termos acima consignados.
   
   Custas pelo recorrida.
   RAEM, aos 17 de Março de 2011

_________________________
Choi Mou Pan
(Relator)

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto)
   

1 Com a consulta do registo dos recursos, o último processo do TJB sob nº CV2-08-0015-CRJ tinha o recurso registado neste TSI sob nº 892/2009, já se encontra julgado definitivamente, enquanto os primeiros dois também tinham recursos pendentes neste TSI, respectivamente sob nº 769/2009 e 883/2009. Assim sendo, embora se torne inútil a apreciação da questão relativamente ao último, nada impede que se continua a apreciar relativamente aos primeiros dois.
2 Código de Processo Civil, anotado, I, p.384.
3 M. de Andrade, Lições de Direito Processual Civil, pág. 491 a 492.
4 - cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, 3º, 269
5 Vide também os Acórdãos do STJ de 28/2/75, BMJ 244,239; de 29/7/80, BMJ 299,280; de 18/2/92, BMJ 314,267; de 2/12/93, BMJ 432,285 e de de 9/6/87, BMJ 368, 491, como também o de RC de 5/1/82, CJ,1982, 1º,77.
6 - Lebre de Freitas, in CPC Anot., I, 1999, 501; Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, vol. I, pag. 286 e vol. III, pág. 206 e Jacinto Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, vol. II, pag.42.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

18