打印全文
Processo nº 866/2009(() Data: 03.03.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “burla” e ”falsificação de documentos”.
Advertência quanto ao direito de não prestar depoimento.
Erro notório na apreciação da prova.



SUMÁRIO

1. Se aquando da sua identificação perante o tribunal declarar o ofendido (testemunha) que não tem nenhuma relação de parentesco com a arguida, nem referir ter alguma vez vivido com a mesma em condições análogas às de cônjuges, sentido não faz proceder à advertência prevista no art. 121°, n.°2 do C.P.P.M., nunhuma nulidade existindo por não se ter feito a dita advertência.

2. “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
“É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”


O relator,

______________________
















Processo nº 866/2009(()
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autora material e em concurso real de:
– 1 crime de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n° 1 e n° 4, al. a) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão; e
– 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 244°, n° 1, al. a) do mesmo código, na pena de 9 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, condenando-se também a mesma arguida no pagamento ao ofendido B, do montante de MOP$285,000.00 e juros legais; (cfr., fls. 250 a 250-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para, em sede de conclusões, e em síntese, imputar ao Acórdão recorrido a nulidade do art. 121°, n° 2 do C.P.P.M., o vício de erro notório na apreciação da prova, considerando também que excessivas são as penas que foram fixadas e pedindo a suspensão da sua execução; (cfr., fls. ).

*

Respondendo, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 320 a 324-v).

*

Nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Exm° Procurador-Adjunto o seguinte douto Parecer:
“O nosso Exmo. Colega põe a nu, de forma convincente, a sem razão da recorrente - relativamente à parte criminal (única em relação à qual o M°P° se deve pronunciar).
É descabido, desde logo, o arrazoado relacionado com a alegada "nulidade" e o invocado "erro notório" .
Isso mesmo se evidencia, concludentemente, na resposta à motivação.
A qualificação jurídico-penal efectuada, por outro lado, não merece reparo.
Está em causa a condenação, em concurso efectivo, pelos crimes de burla e falsificação de documentos.
Este Tribunal, entretanto, já se pronunciou a esse respeito.
Fê-lo em termos concordantes com o acórdão recorrido, chamando à colação, a propósito, elementos doutrinais e jurisprudenciais (cfr. ac. de 5-6-2003, proc. n.° 76/2003).
E não se vislumbram razões para a alteração dessa posição.
As penas aplicadas, finalmente, mostram-se justas e equilibradas.
A favor da arguida, com efeito, nada de significativo se apurou.
O facto de ser primária, nomeadamente, tem um valor despiciendo.
Em termos agravativos, por seu turno, impõe-se realçar, para além do montante do prejuízo patrimonial, a intensidade de dolo que presidiu à sua actuação.
A pena do concurso, de qualquer forma, ainda que reduzida para medida não superior a 3 anos, não deve ser suspensa na sua execução.
As razões de prevenção geral contrariam, efectivamente, a aplicação da pena de substituição em questão.
Em sede de prevenção positiva, há que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade relativamente à validade das normas violadas, através do "restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada ..." (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 106).
E, a nível de prevenção geral negativa, não pode perder-se de vista o efeito intimida tório subjacente a esta finalidade da punição.
Não pode concluir-se, em suma, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O que vale por dizer que não se verifica o pressuposto material exigido pelo art° 48°, n° 1, do C. Penal.
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente.”; (cfr., fls. 350 a 352-v).

*

Teve lugar a audiência de julgamento do recurso com integral respeito pelo formalismo processual.

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:
   “Em 31 de Agosto de 2005, sob o convencimento da arguida, B (ofendido) estabeleceu conjuntamente com a arguida a "Companhia Limitada de C", explorando negócios de suprimentos descartáveis de quartos nos hotéis.
   De acordo com o acordo entre as duas partes, o ofendido era responsável pelo fornecimento do capital da exploração da empresa, enquanto a arguida era responsável pela busca de clientes e fornecimento de produtos a favor da empresa.
   Desde a criação da empresa até a Setembro do mesmo ano, o ofendido entregou à arguida uma quantia no valor total de MOP$ 275.000,00 (duzentas e setenta e cinco mil patacas) a fim de exploração de negócios.
   A arguida ofereceu sucessivamente ao ofendido várias facturas de recebimento de produtos emitidas pelo Hotel D, Hotel E, Hotel F e Hotel G com o valor total de MOP$ 356.640,00 (trezentas e cinquenta e seis mil, seiscentas e quarenta patacas), no sentido de confirmar que esta estava se dedicar aos negócios da empresa:
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel E em 19 de Julho de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 29.000,00 (vinte e nove mil patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel E em 3 de Julho de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 26.400,00 (vinte e seis mil e quatrocentas patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel E em 28 de Junho de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 40.600,00 ( quarenta mil e seiscentas patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel F em 10 de Setembro de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 27.400,00 (vinte e sete mil, quatrocentas patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel F em 15 de Agosto de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 25.600,00 (vinte e cinco mil e seiscentas patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel F em 1 de Agosto de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 34.800,00 (trinta e quatro mil e oitocentas patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel F em 26 de Julho de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 35.000,00 (trinta e cinco mil patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel F em 23 de Julho de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 33.900,00 (trinta e três mil e novecentas patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel D em 13 de Setembro de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 6.940,00 ( seis mil, novecentas e quarenta patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel F em 26 de Agosto de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 47.600,00 (quarenta e sete mil e seiscentas patacas).
   - A factura n.° XXX emitida em nome do Hotel G em 13 de Setembro de 2005, que envolveu um montante no valor total de MOP$ 49.400,00 ( quarenta e nove mil e quatrocentas patacas).
   De facto, os hotéis supracitados nunca tinham negócios com a arguida, o conteúdo constante das respectivas facturas era falsificado pela arguida própria, e o selo posto que contenha as palavras de hotéis também era gravado secretamente pelo indivíduo no Interior da China, a arguida utiliza o montante recebido do ofendido para o seu consumo pessoal.
   A arguida agiu conscientemente, sabendo bem que ela própria nunca tinha quaisquer negócios com os aludidos hotéis, mas elaborou as facturas com o conteúdo falso para alcançar o fim ilegal de enganar os outros e de obter para si benefício ilegítimo.
   A arguida tinha conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
   De acordo com o registo criminal, a arguida é delinquente primária.
A conduta da arguida fez com que o ofendido seja melancólico e deprimido até agora. Portanto, o ofendido sentiu mais preocupado e desesperado.”; (cfr., fls. 247-v a 248-v e 340 a 343).

Do direito

3. Feito que está o relatório e transcrita que ficou a factualidade dada como provada, vejamos se tem a arguida ora recorrente razão.

Considera a mesma que não observou o Colectivo a quo o preceituado no art. 121°, n° 2 do C.P.P.M., que incorreu também no vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo, igualmente, uma redução das penas parcelares em que foi condenada assim como a suspensão da pena única.

Identificadas que assim ficam as questões colocadas e sobre as quais cumpre emitir pronúncia, vejamos.

— Quanto à não observância o art. 121°, n° 2 do C.P.P.M..

Cremos haver equívoco da ora recorrente.

Preceitua este preceito legal que:
“1. Podem recusar-se a depor como testemunhas:
a) O descendente, ascendente, irmão, afim até ao 2.º grau, adoptante, adoptado e cônjuge do arguido e quem com ele viver em condições análogas às de cônjuge;
b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem com ele tiver convivido em condições análogas às de cônjuge, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.
2. A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento.”

E, no caso, provada não está a alegada “convivência em condições análogas às de cônjuges” entre a recorrente e ofendido.

De facto, da respectiva acta de julgamento consta até que o ofendido declarou que não tinha nenhuma relação de parentesco com a arguida, nem referiu ter alguma vez vivido com a arguida em condições análogas às de cônjuges; (cfr., fls. 244-v).

Perante tal, não podia (nem fazia sentido) o Tribunal proceder à “advertência” prevista no art. 121°, n° 2 do atrás transcrito e pela recorrente invocado.

Assim, e ociosas sendo outras considerações, improcede o recurso na parte em questão.

— Vejamos agora do assacado “erro notório na apreciação da prova”.

Pois bem, tem este T.S.I. entendido que o dito erro “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 27.01.2011, Proc. n° 470/2010, do ora relator).

No caso dos presentes autos, e perante o que alega a recorrente para fundamentar o vício em questão, constata-se pois que mais não faz a mesma do que tentar impor a sua versão dos factos, afrontando, assim, o princípio da “livre apreciação das provas” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., o que, como nos parece óbvio, não pode merecer acolhimento por parte deste T.S.I..

— Quanto às “penas”.

També, aqui pouco há a dizer.

Vejamos.

Ao crime de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n° 1 e n° 4 al. a) do C.P.M. pela ora recorrente cometido cabe a pena de 2 a 10 anos de prisão.

E, tendo presente a pena pelo Colectivo a quo fixada, de 2 anos e 9 meses de prisão, (apenas 9 meses acima do limite mínimo), não cremos que exista margem para qualquer redução.

No que toca tange à pena imposta pelo crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 244°, n° 1 do C.P.M., e fixada em 9 meses, cremos que a mesma se nos mostra também justa e equilibrada face à moldura penal aí prevista e à factualidade dada como provada.

Com efeito para além da (elevada) intensidade do dolo da arguida ora recorrente no cometimento do crime em questão, importa também não olvidar nas necessidades de prevenção especial e geral.

Dest’arte, e adequada nos parecendo também a pena única fixada em resultado do cúmulo jurídico das referidas penas parcelares – 3 anos e 3 meses de prisão – pois que se nos mostra em conformidade com os critérios do art. 71°, n° 1 e 2 do C.P.M., visto está que improcede o recurso, já que, atento o estatuído no art. 48° do C.P.M., passível de suspensão na sua execução não é tal pena (de 3 anos e 3 meses).

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, e em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Honorários aos Exmos Defensores da recorrente e demandante civil no montante de MOP$ 1,500,00.


Macau, aos 3 de Março de 2011

_________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator)

_________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)

Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
. Processo redistribuído ao ora relator em 10.01.2011.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

Proc. 866/2009 Pág. 18

Proc. 866/2009 Pág. 1