Processo n. 474/2007
(Recurso Laboral)
Data do acórdão: 14 de Abril de 2011
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios - Licença de maternidade
- Juros
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”);
III- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
Proc. N. 474/2007
Recorrente: STDM
Recorridos: A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, representada pelo digno Magistrado do M.P., moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$205.410,69 como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios (remunerados e não remunerados) e descansos anuais não gozados desde 11 de Fevereiro de 1991, data em que para a ré começou a trabalhar, até Julho de 1995, altura em que cessou a relação laboral entre ambos.
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Tendo a ré STDM suscitado, na oportunidade, a excepção de prescrição, dela o Ex.mo juiz da 1ª instância conheceu no despacho saneador (fls. 86 e sgs.), julgando improcedente a excepção.
Deste despacho não foi interposto recurso jurisdicional.
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Tendo os autos prosseguido até ao seu termo, foi na altura própria proferida sentença, datada de 17/04/2007, a qual julgou acção parcialmente procedente e a ré condenada a pagar à autora a quantia de MOP$ 193.976,18.
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É dessa sentença que, inconformada, a STDM recorre, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
I - A R. não concorda com a matéria dada como provada nos quesitos 20º, 22º e 24º, pois a única conclusão a retirar da apreciação de todos os documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas que depuseram em audiência, é não ter ficado provado que:
a) Ré tenha indeferido qualquer pedido do Autor para gozar dias de descanso; e, em especial,
b) Não ficou provado que o Autor não tenha gozado todos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios previstos por lei.
II. O A., ora Recorrido, não estava dispensado do ónus da prova quanto ao não gozo de dias de descanso e devia, em audiência, por meio de testemunhas ou por meio de prova documental, ter provado que dias alegadamente não gozou, o que não o fez.
III. No entanto, foi precisamente com base na matéria de facto constante dos quesitos 20º, 22º e 24º, que o Tribunal a quo condenou a ora Recorrente no pagamento de uma indemnização pelo não gozo de dias de descanso.
IV. Assim, na ausência de um facto constitutivo com base no qual o Tribunal a quo pudesse dar como provado o não gozo de dias de descanso por parte do A., ora Recorrido, não se entende como pôde o Tribunal Judicial de Base ter condenado a Recorrente.
V. Assim, sendo totalmente omissa quanto à questão fundamental do não gozo de dias de descanso pelo A., ora Recorrido, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova, pelo que o douto Tribunal de Segunda Instância deverá anular a decisão e absolver a Recorrente dos pedidos deduzidos pelo A., ora Recorrido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
VI. Nos termos do nº1 do art. 335º do Código Civil (adiante CC) “Àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
VII. Por isso, e ainda em conexão com os quesitos 20º, 22º e 24º da base instrutória, cabia o A., ora Recorrido, provar que a Recorrente obstou ou negou o gozo de dias de descanso.
VIII. Com base nos factos constitutivos do direito alegado pelo A., ora Recorrido, relembre-se aqui que estamos em sede de responsabilidade civil, pelo que a esta apenas terá o dever de indemnização caso prove que a Recorrente praticou um acto ilícito.
IX. E, de acordo com os arts. 20º, 17º, 4, b) e 24º do RJRT, apenas haverá comportamento ilícito por parte do empregador - e consequentemente direito a indemnização - quando, o trabalhador seja obrigado a trabalhar em dia de descanso semanal, anual e ou em dia de feriado obrigatório e o empregador não o remunere nos termos da lei.
X. Ora nada se provou que fosse susceptível de indicar qualquer acção ou omissão (muito menos ilícita) por parte da Recorrente que haja obstado ao gozo de descansos pelo A., não podendo, por isso, afirmar-se o seu direito ao pagamento da indemnização que pede, a esse título - relembre-se que apenas ficou provado que o A.precisava da autorização expressa da R. para ser dispensado dos serviços.
XI. Porque assim é, carece de fundamento legal a condenação da ora Recorrente por falta de prova de um dos elementos essenciais à prova do direito de indemnização do A., ora Recorrido, i.e., a ilicitude do comportamento da R., ora Recorrente.
XII. Requer-se, pois, que V. Exas se dignem revogar a sentença ora em crise e julgar a matéria de facto em conformidade com o ora exposto e, consequentemente, absolver a R. da Instância.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XIII. O nº 1 do art. 5º do RJRT dispõe que o diploma não será aplicável perante condições de trabalho mais favoráveis que sejam observadas e praticadas entre empregador e trabalhador, esclarecendo o art. 6º deste diploma legal que os regimes convencionais prevalecerão sempre sobre o regime legal, se daqui resultarem condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
XIV. O facto de o A. ter beneficiado de um generoso esquema de distribuição de gorjetas que lhe permitiu, ao longo de vários anos, auferir mensalmente rendimentos que numa situação normal nunca auferiria, e que fazia parte do seu rendimento expectável. Contudo tal não implica aceitar que se considerem as gorjetas como parte do salário.
XV. Não concluindo pelo tratamento mais favorável ao trabalhador resultante do acordado entre as partes - consubstanciado, sobretudo, nos altos rendimentos que o A. auferia _ incorreu o Tribunal a quo em erro de direito, o que constitui causa de anulabilidade da sentença ora em crise.
Assim não se entendendo e ainda concluindo:
XVI. A aceitação do trabalhador de que aos dias de descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios não corresponde qualquer remuneração teria, forçosamente, de ser considerada como válida.
XVII. Os artigos 24º e seguintes da Lei Básica consagram um conjunto de direitos fundamentais, assim como os artigos 67º e seguintes do Código Civil consagram um conjunto de direitos de personalidade e, do seu elenco não constam os alegados direitos violados (dias de descanso anual e feriados obrigatórios).
XVIII. Não tendo o legislador consagrado a irrenunciabilidade dos direitos em questão, devem os mesmos ser considerados livremente renunciáveis e, bem assim, considerada eficaz qualquer limitação voluntária dos mesmos, seja essa limitação voluntária efectuada ab initio, superveniente ou ocasionalmente.
XIX. Donde, deveria o Tribunal ter considerado eficaz a renúncia ao gozo efectivo de tais direitos, absolvendo a aqui Recorrente do pedido.
Assim não se entendendo, e ainda concluindo:
XX. Ao trabalhar voluntariamente - e, realce-se, não ficou em nenhuma sede provado que esse trabalho não foi prestado de forma voluntária, muito pelo contrário - em dias de descanso (sejam eles anual, semanal ou resultantes de feriados), a Recorrido optou por ganhar mais, tendo direito à correspondente retribuição em singelo.
XXI. E, não tendo a Recorrido, sido impedido de gozar quaisquer dias de descanso anual, de descanso semanal ou quaisquer feriados obrigatórios, é forçoso é concluir pela inexistência do dever de indemnização da STDM ao Recorrido.
Ainda sem conceder, e ainda concluindo:
XXII. Por outro lado, jamais pode a ora Recorrente concordar com a fundamentação do Mmo. Juiz a quo quando considera que o A., ora Recorrido, era remunerado com base num salário mensal, sendo que toda a factualidade dada como assente indica o sentido inverso, ou seja, do salário diário.
XXIII. Em primeiro lugar, porque a proposta contratual oferecida pela ora Recorrente aos trabalhadores dos casinos, como o aqui Recorrido, é a mesma há cerca de 40 anos: auferiam um salário diário fixo de HKD$15.00 (ou MOP$4.10/dia), ou seja, um salário de acordo com o período de trabalho efectivamente prestado.
XXIV. Acresce que o “esquema” do salário diário nunca foi contestado pelos trabalhadores na pendência da relação contratual e, ademais, nunca os trabalhadores impugnaram expressamente a alegação desse facto nas instâncias judicias nos processos pendentes.
XXV. Trata-se de uma disposição contratual válida e eficaz de acordo com o RJRT, que prevê, expressamente, a possibilidade das partes acordarem no regime salarial mensal ou diário, no âmbito da liberdade contratual prevista no art. 1º do RJRT.
XXVI. Ora, na ausência de um critério legal ou requisitos definidos para aferir a existência de remuneração em função do trabalho efectivamente prestado, ao estabelecer que o A., ora Recorrido, era remunerada com um salário mensal, a sentença Recorrido desconsidera toda a factualidade dada como assente e, de igual forma, as condições contratuais acordadas entre as partes.
XXVII. O que o Mmo. Juiz a quo faz na sua sentença - diga-se, apesar da discordância, doutamente fundamentada - é fazer a sua interpretação pessoal do conceito, desligando-se da realidade dos factos e da vontade das partes, esquecendo o essencial: desde sempre foi entendido pelos trabalhadores e STDM que o pagamento do salário corresponderia exactamente e efectivamente ao seu “esforço” laboral diário, isto é, ao período em que o trabalhador acordou com a entidade patronal trabalhar.
XXVIII. Por outro lado, traz o Mmo. Juiz à colacção os conceitos da “assiduidade” e “estabilidade da relação laboral” como aferidores da determinação do “tipo” de salário. No entanto, são critérios que em nada limitam este entendimento, por se tratar de conceitos circunstanciais e essencialmente subjectivos, que dizem respeito às opções pessoais de cada trabalhador e à sua postura na prestação dos serviços.
XXIX. Por isso mesmo se verificavam diferenças substanciais nos rendimentos dos trabalhadores (assiduidade) e na duração da relação laboral (estabilidade): simplesmente porque os que auferiram mais decidiram trabalhar “mais dias” e os que trabalharam na STDM durante 40 anos, decidiram “lá ficar” mais tempo!
XXX. Não existe fonte de direito que indique a assiduidade e a estabilidade como requisitos formais ou objectivos que comprovem que um determinado trabalhador aufere salário mensal, ou como bitola de aferição entre “salário mensal” e “salário diário”.
XXXI. Assim, entende a ora Recorrente, que o julgador deverá atender à vontade das partes, a correlação entre “serviços prestados” e “pagamento do salário” e as características próprias do mercado do jogo e laboral de Macau.
XXXII. E, é importante salientar, esse entendimento por parte do Mmo. Juiz a quo, teve uma enorme influência na decisão final da presente lide e, em última instância, no cálculo do quantum indemnizatório, pelo que deve ser reapreciada por V. Exas. no sentido de fixar o salário auferido pelo A., ora Recorrido, como salário diário, o que expressamente se requer.
Por outro lado,
XXXIII. O trabalho prestado pelo Recorrido em dias de descanso foi sempre remunerado em singelo.
XXXIV. A remuneração já paga pelo ora Recorrente à ora Recorrido por esses dias deve ser subtraída nas compensações devidas pelos dias de descanso a que o A. tinha direito, nos termos do DL 24/89/M, de 3 de Abril.
XXXV. Maxime, o trabalho prestado em dia de descanso semanal, para os trabalhadores que auferem salário diário, deve ser remunerado como um dia normal de trabalho (cfr. al. a) e b) do n.º 6 do art.º 17º do RJRT, tendo o Tribunal a quo descurado em absoluto essa questão.
XXXVI. Ora, nos termos do art. 26º, n.º 4 do RJRT, salário diário inclui a remuneração devida pelo gozo de dias de descanso e, nos termos do art. 17º, n.º 6, al. b), os trabalhadores que auferem salário diário verão o trabalho prestado em dia de descanso semanal remunerado nos termos do que for acordado com o empregador.
XXXVII. No presente caso, não havendo acordo expresso, deverá considerar-se que a remuneração acordada é a correspondente a um dia de trabalho.
XXXVIII. A decisão recorrida enferma assim de ilegalidade, por errada aplicação da al. b) do nº 6 do art. 17º e do artigo 26º do RJRT, o que importa a revogação da parte da sentença que condenou a Recorrente ao pagamento relativo às compensações pelo não gozo dos dias de descanso, o que, expressamente, se requer.
Ainda concluindo:
XXXIX. As gorjetas dos trabalhadores de casinos não são parte integrante do conceito de salário, e bem assim as gorjetas auferidas pelos trabalhadores da STDM.
XL. Neste sentido a corrente Jurisprudencial dominante, onde se destaca com particular acuidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 1999.
XLI. Também neste sentido se tem pronunciado a doutrina de uma forma pacificamente unânime.
XLII. O ponto essencial para a qualificação das prestações pecuniárias enquanto prestações retributivas é quem realiza a prestação. A prestação será retribuição quando se trate de uma obrigação a cargo do empregador.
XLIII. Nas gratificações há um animus donandi, ao passo que a retribuição consubstancia uma obrigatoriedade.
XLIV. Qualifica Monteiro Fernandes expressamente as gorjetas dos trabalhadores' da STDM como “rendimentos do trabalho”, esclarecendo que os mesmos são devidos por causa e por ocasião da prestação de trabalho, mas não em função ou como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho.
XLV. Na verdade, a reunião e contabilização são realizadas nas instalações dos casinos da STDM, mas com a colaboração e intervenção de croupiers, funcionários da tesouraria e de funcionários do governo que são chamados para supervisionar a contabilização das gorjetas.
XLVI. Além disso, o que determina se certo montante integra ou não o conceito de salário, são critérios objectivos, que, analisados detalhadamente, indicam o contrário, se não vejamos: as gorjetas são montantes, (i) entregues por terceiros; (ii) variáveis; (iii) não garantidos pela STDM aquando da contratação; (iv) reunidas e contabilizadas pelos respectivos croupiers, juntamente com funcionários da tesouraria e do governo de Macau.
XLVII. Dessa forma, o cálculo da eventual indemnização só poderia levar em linha de conta o salário diário, excluindo-se as gorjetas.
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O trabalhador A contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso em termos que aqui se dão por reproduzidos.
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Cumpre decidir, colhidos que estão os vistos legais.
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II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
1. O Autor começou a trabalhar para a Ré em 11 de Janeiro de 1991. (al. A) da matéria de facto assente)
2. O Autor foi admitido como empregado de casino. (al. B) da matéria de facto assente)
3. No decurso da relação entre Autor e Ré, esta entregava ao Autor, de dez em dez dias, duas quantias: Uma quantia fixa e outra variável. (al. C) da matéria de facto assente)
4. A quantia fixa foi de MOP$4.10 por dia, desde 11/1/1991 até 30/4/1995; de HK$15,00 por dia desde 1/5/1995 até 30/6/1995. (al. D) da matéria de facto assente)
5. Tanto a parte fixa como a parte variável relevavam para efeitos de imposto profissional. (al. E) da matéria de facto assente)
6. A parte variável era composta pelo dinheiro recebido dos clientes, vulgarmente designadas por “gorgetas”. (al. F) da matéria de facto assente)
7. As “gorgetas” eram distribuídas por todos os trabalhadores da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo, de acordo com a sua antiguidade e categoria profissional. (al. G) da matéria de facto assente)
8. O Autor prestava o trabalho por turnos fixados pela Ré do seguinte modo: 1º e 6º turnos: das 7h00 até às 11h00 e das 3h00 até às 7h00; 3º e 5º turnos: das 15h00 até às 19h00 e das 23h00 até às 3h00; e 2º e 4º turnos: das 11h00 até às 15h00 e das 19h até às 23h00. (al. H) da matéria de facto assente)
9. O Autor cessou a sua relação com a Ré em Julho de 1995. (al. I) da matéria de facto assente)
10. A composição do salário do Autor, integrando a parte fixa e variável, foi acordada verbalmente entre este e a Ré. (resposta ao ponto 1º da base instrutória)
11. Autor e Ré acordaram também que o Autor tinha direito a receber as gorgetas conforme o método vigente na sua entidade patronal. (resposta ao ponto 5º da base instrutória)
12. As gorgetas entregues pelos clientes da Ré eram por esta reunidas, contabilizadas e depois distribuídas através de uma comissão por ela constituída. (respostas aos pontos 6º e 7º da base instrutória)
13. A Ré proibiu, expressamente, o Autor de guardar quaisquer gorgetas entregues pelos clientes dos casinos. (resposta ao ponto 10º da base instrutória)
14. O Autor auferiu, durante o ano de 1991, o rendimento anual de MüP$78,990.00. (resposta ao ponto 11º da base instrutória)
15. O Autor auferiu, durante o ano de 1992, o rendimento anual de MüP$117,988.00. (resposta ao ponto 12º da base instrutória)
16. O Autor auferiu, durante o ano de 1993, o rendimento anual de MüP$138,438.00. (resposta ao ponto 13º da base instrutória)
17. O Autor auferiu, durante o ano de 1994, o rendimento anual de MüP$130,163.00. (resposta ao ponto 14º da base instrutória)
18. O Autor auferiu, durante o ano de 1995, o rendimento anual de MOP$82,451.00. (resposta ao ponto 15º da base instrutória)
19. O Autor sempre recebeu o salário regular e periodicamente. (resposta ao ponto 16º da base instrutória)
20. O gozo de dias de descanso não era remunerado. (resposta ao ponto 18º da base instrutória)
21. O Autor podia pedir dias de descanso cuja autorização ficava dependente da vontade da ré. (resposta ao ponto 19º da base instrutória)
22. O Autor, entre 11 de Janeiro de 1991 e 30 de Junho de 1995, nunca gozou qualquer dia de descanso semanal, nem recebeu qualquer compensação pelo trabalho prestado nesses dias. (respostas aos pontos 20º e 21º da base instrutória)
23. O Autor, entre 11 de Janeiro de 1991 e 30 de Junho de 1995, nunca gozou os dias de feriado obrigatório, nem recebeu qualquer compensação pelo trabalho prestado nesses dias. (respostas aos pontos 22º e 23º da base instrutória)
24. O Autor, entre 11 de Janeiro de 1991 e 30 de Junho de 1995, nunca gozou qualquer dia de descanso anual, nem recebeu qualquer compensação pelo trabalho prestado nesses dias. (respostas aos pontos 24º e 25º da base instrutória)
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III- O Direito
1. Vem imputado à sentença recorrida um alegado erro na apreciação da prova, por inexistência de elementos que revelem a ilicitude do empregador, nomeadamente que este tivesse obrigado o trabalhador a prestar serviço em dias de descanso ou que a autora não tivesse chegado a gozar dias de descanso (semanal, anual e feriados) durante toda a relação laboral. Sem razão.
Em primeiro lugar, o que importava apurar era somente se o trabalhador gozou ou não os dias de descanso e os feriados. Saber se a eles o trabalhador renunciou, trabalhando voluntariamente, é já questão impeditiva que à STDM cumpria alegar e demonstrar (art. 335º, n.2, do C.C.). E isso não aconteceu. Depois, a prova obtida foi no sentido de que este trabalhador nunca chegou a gozar dias de descanso e que, ao contrário, sempre trabalhou neles. Somos, pois, levados a dizer que não existe falta de prova, nem sequer erro na apreciação da prova. Pensa a recorrente que sim, quanto ao primeiro ponto, por achar que o impedimento por parte do trabalhador em gozar aqueles dias de descanso seria necessário à aquisição do direito a compensação. Mas não. A lei não faz depender a compensação de qualquer obstáculo criado pelo empregador ao descanso do trabalhador. Pura e simplesmente abstrai dele. Por isso, não seria necessário que se provasse que o trabalhador foi obrigado a trabalhar contra a sua vontade naqueles dias (sobre este ponto, apenas seremos levados a concordar com a recorrente quanto ao descanso anual, mas a seu tempo trataremos dele).
Depois, entende a recorrente que ao autor cumpria provar quais os dias de descanso que não chegou a gozar. Ora, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto a respeito desses pontos (art. 599º, n.2, do CPC). E não o fez. De qualquer modo, a prova obtida foi no sentido de que o trabalhador nunca gozou qualquer dia de descanso. Não seria necessário provar o menos (quantos dias não gozou), se o trabalhador provou o mais (nenhum dia gozou).
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa na soberania da convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível de controlar.
Assim sendo, teremos que concluir pela improcedência da invocação da falta de prova como forma de alegação impeditiva do direito do autor.
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2. Nas conclusões seguintes, o recorrente insurge-se contra a indemnização fixada, em especial contra a fórmula de cálculo fixada na sentença. Todavia, para apuramento dos factores que integram a fórmula, importa que afirmemos previamente a natureza do contrato e o valor do salário em causa.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida em 1991 como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária a quantia fixa de MOP$ 4,10 desde 11/1/1991 até 30/04/1995 e de HK$15,00 desde 1/05/1995 até 30/06/95. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados. E tanto a parte fixa, como a variável, haviam sido acordadas verbalmente entre recorrente e recorrido.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
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3. Mas esta matéria obriga, ainda, a outro tipo de considerações. E uma delas é a liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.
Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador. Tanto no caso da natureza do contrato, como no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo.
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4. E diz ainda a recorrente STDM que a sentença andou mal ao partir da existência de um salário mensal para apuramento do valor compensatório reclamado pelo trabalhador.
É para nós questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebeu uma quantia fixa diária de MOP$ 4,10 durante um período e de HKD$15,00 a partir de certa altura. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Todavia, a ausência de remuneração nesses dias não advém de qualquer acordo prévio, face à latitude do facto levado à base instrutória ( no quesito 18º perguntava-se se no momento da celebração do acordo entre A. e R. esta informou aquele de que o gozo de dias de descanso não era remunerado) e à forma restritiva da resposta obtida. A prova desse facto poderia levar, sim, a conclusão diferente sobre o período a que corresponderia a remuneração, se conjugada com o valor da quantia fixa acertada para cada período diário. Mas o encurtamento da resposta ao alcance da pergunta, já não permite pensar que o salário era determinado em função de período de trabalho efectivamente prestado.
Aliás, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como apurado nas respectivas respostas.
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5. Como calcular a compensação?
Como o contrato atravessou a vigência dos DL n.s 101/84/M e 24/89/M, o apuramento dos valores compensatórios tem que obedecer a ambos os diplomas, consoante o período a que respeite o trabalho nos dias de descanso (recordemos que o saneador considerou não estarem prescritos nenhuns créditos).
Vamos por partes. Assim:
a) Descanso semanal
É preciso ter em atenção que a relação laboral se desenvolveu toda ela sob o domínio do DL n.24/89/M, pelo que só a este diploma recorreremos.
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Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Na perspectiva de o empregador ter pago o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Noutra perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será: AxBx2.
Assim, nesta parte a sentença tem que ser confirmada, estando certo o valor apurado de Mop$156.708,49.
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b) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 24/89/M
- Feriados remunerados
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Ora bem. Independentemente do nosso entendimento sobre o assunto, não se apreciará o direito relativamente a ele, porque a sentença aplicou o factor 1, que a única recorrente, STDM, acriticamente acolhe e aplaude.
Assim sendo, a indemnização a atribuir ascende neste caso a Mop$ 9.833,34, tal como decidido na 1ª instância.
- Feriados não remunerados
Nesta matéria rege o art. 20º, n. 2: haverá acréscimo de salário em 50% no mínimo, mas só nos casos em que, ao abrigo da alínea b) do n. 1 precedente, o serviço for prestado para fazer face ao acréscimo de trabalho não previsível.
Ora, o pressuposto material para a concessão daquele acréscimo não se verifica aqui (a sentença também não atribuiu compensação por eles).
Logo, a fórmula será AxBx0.
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c) Descanso anual
Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1).
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma, efectivamente. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e não foi. Portanto, não pode ser aquele factor o aplicável.
Como compensar, então, o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1, o que, aplicada, corresponde ao valo indemnizatório de Mop$ 9.144,78.
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Em suma, o valor indemnizatório global a considerar é de Mops$ 175.686,61.
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IV- Decidindo
Face ao que vem de ser dito, acordam em:
Conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença por STDM e, em consequência, confirmar e revogar a sentença nos termos acima expostos e, assim, condenar a recorrente a pagar a A a quantia de Mop$175.686,61, acrescida de juros de mora contados pela forma definida no Ac. do TUI de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010 tirado em uniformização de jurisprudência.
Custas pela recorrente e pelo recorrido em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
Macau, 14 de Abril de 2011.
José Cândido de Pinho (Relator)
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong (com declaração de voto)
Processo nº 474/2007
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 14ABR2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong