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Processo n. 823/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão:7/04/2011
Descritores: Revisão de sentença
Divórcio


SUMÁRIO

1- Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

2- Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

3- É de confirmar a decisão proferida pela Conservatória de Registo Civil em Portugal que decreta o divórcio por mútuo consentimento, desde que não se vislumbrando qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública ou qualquer obstáculo à sua revisão.
Proc. n. 823/2010

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório

A, divorciado, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º XXXXX (X), emitido em 28/04/2006, pela Direcção dos Serviços de Identificação, de nacionalidade XX, com domicílio em Macau, na Rua XX, n.º XX, Edifício XX, XX.º andar XX, vem, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 1200.º e ss. do Código de Processo Civil (CPC), instaurar
acção especial de revisão e confirmação de decisão proferida por
tribunal do exterior de Macau,
contra
B, divorciada, ora residente em parte incerta e com última morada conhecida em Macau, na Rua de XX, Bloco XX, XX Gardens, XX.º andar XX, Taipa, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º
Por decisão proferida no Processo de Divórcio Por Mútuo Consentimento que, sob o n.º 5506/2009, correu termos pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, Portugal, transitada em julgado a 11 de Dezembro de 2009, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento e declarada a dissolução do matrimónio contraído, em 26 de Julho de 2000, na Conservatória do Registo Civil de Hamburg-Mitte, Alemanha, entre o ora Requerente e a sua então mulher, a ora Requerida B - conforme melhor consta das públicas-forma dos certificados da Acta de Conferência do referido Processo de Divórcio e do Assento de Nascimento do Requerente que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidas (docs. nºs. 1 e 2).
II DOS REQUISITOS DA REVISÃO DA DECISÃO SUB IUDICE
2.º
Verificam-se, in casu, todos os requisitos exigidos pelo n.º 1 do artigo 1200.º do CPC para que a referida decisão, proferida pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, seja revista e confirmada na Região Administrativa Especial de Macau.
3.º
Por um lado, verificam-se as condições indicadas nas alíneas a) e f) do n.º 1 do citado preceito adjectivo, na medida em que a decisão revidenda:
a. contém uma decisão inteligível, que consta de certificado emitido pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa, cuja autenticidade não oferece dúvidas - ut doc. 1; e
b. não contém decisão cuja confirmação possa conduzir a resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau.
4.º
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 1204.º do CPC, “o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200.º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
5.º
É, pois, de presumir a verificação dos “requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório” - cfr. o Acórdão desse Ilustre Tribunal proferido, em 27/05/2010, no Processo n.º 828/2009.
6.º
Acresce que, no caso concreto, resulta expressamente do referido certificado da Acta de Conferência do processo em causa que a decisão transitou em julgado no dia 11 de Dezembro de 2009.
7.º
No ordenamento jurídico de Portugal, o divórcio por mútuo consentimento, previsto no artigo 1773.º do Código Civil português, é um meio destinado a fazer dissolver o casamento, cuja competência exclusiva cabe às conservatórias do registo civil, nos termos do 1775.º do Código Civil e dos artigo 12.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13/10 - equivalendo e produzindo os mesmos efeitos que o instituto previsto nos artigos 1630.º e ss. do Código Civil de Macau.
8.º
Neste contexto, estando em causa uma revisão apenas formal(que não substancial), o n.º 1 do artigo 1199.º e a alínea c) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código Processo Civil de Macau devem ser interpretados de modo a incluir também na sua previsão as decisões sobre direitos privados emanadas das conservatórias do registo civil a quem caibam competências, exclusivas ou não, nessas matérias - como sucede no caso concreto.
9.º
De resto, tem sido essa a posição perfilhada por esse Ilustre Tribunal, ao determinar que: “Caso no exame dos autos não tenha detectado nenhuma desconformidade com os diversos requisitos legais previstos no art. 1200.º do Código de Processo Civil de Macau, e não sendo aplicável in casu o disposto no n.º 2 do art. 1202.º do mesmo Código, o Tribunal de Segunda Instância deve deferir, a pedido da pessoa requerente, a revisão e confirmação formal da decisão emanada de uma conservatória do registo civil de Portugal a propósito do caso do seu divórcio. Nestes termos, e considerando que no exame dos presentes autos não se detecta nenhuma desconformidade com os diversos requisitos legais acima indicados (ou seja, os previstos nos artigos 1199.º, n.º 1 e 1200.º CPC), e estando em causa a revisão apenas formal (e não substancial - neste sentido, cfr., entre muitos, o acórdão deste Tribunal de Segunda Instância, de 11 de Abril de 2002 no Processo n.º 17/2001) da supra identificada decisão da Conservatória do Registo Civil de Vila XXX de Portugal, por não ser in casu aplicável o estatuído no n.º 2 do art.º 1202.º do mesmo CPC, é de autorizar a revisão formal e confirmação dessa mesma decisão, a pedido da ora requerente, com custas do presente processo a meias pela requerente e pelo requerido (por terem os dois dado identicamente causa à decisão ora revista e confirmada, e, como tal, também ao presente processo).” - cfr. o Acórdão proferido em 31/01/2008, no Processo n.º 527/2007.
[sublinhados nossos]
10.º
O Tribunal da Segunda Instância é competente para a apreciação do presente pedido, nos termos do disposto no n.º 13 do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro (Lei de Bases da Organização Judiciária).
11.º
Deve, pois, ser revista e confirmada por esse Ilustre Tribunal a referida decisão da Conservatória do Registo Civil de Lisboa para produzir todos os seus efeitos na Região Administrativa Especial de Macau, em particular os previstos no artigo 58.º do Código do Registo Civil.
Formulou também pedido e apoio judiciário em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Procedeu-se a citação edital da requerida e cumpriu-se, na oportunidade disposto no art. 49º do CPC.
*
Não houve contestação.
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O Digno Magistrado do MP opinou no sentido do deferimento do pedido de apoio judiciário e sobre o mérito do pedido não se manifestou contra a sua procedência
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Cumpre decidir, colhidos os vistos legais.
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II – Pressupostos Processuais

O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.

III – Os Factos

Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. A, de nacionalidade chinesa, contraiu casamento civil com B na Conservatória do Registo Civil de Hamburg-Mitte, Alemanha em 26de Julho de 2000 (doc. 14 verso).
2- Este casamento foi dissolvido por divórcio decretado por decisão de 11 de Dezembro de 2009, transitada na mesma data, na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, no âmbito do Processo n. 5506/2009 (doc. de fls. 11 a 14 dos autos).
3- O teor da decisão é o seguinte:
“Conservatória do Registo Civil Lisboa
Acta de conferência
Processo de Divórcio por mútuo consentimento nº 5506/2009
Requerentes: A, com residência habitual na Av. XX nº XX, bloco XX, XXº X, Lisboa.
      B, com residência habitual na Rua de XX, Bloco XX, XXº X, XX Garden, Taipa, Macau.
Procuradora de ambos os requerentes: Dra. Graça Maria de Oliveira Santos Serradas Tavares, advogada, com domicílio profissional na Rua Pedro Nunes, nº 21, r/c, 1050-169 Lisboa, cuja identidade verifiquei pela exibição da cédula profissional nº 9251 L com validade até 9-2009, e com inscrição em vigor conforme certificado passado em 10/12/2009 pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados que exibiu, e declarou que os seus representados se encontram ausentes no estrangeiro, conforme procurações com poderes especiais juntas ao processo, não sendo previsível a sua vinda a Portugal nos próximos 30 dias.
Conservadora, Sónia Isabel Pacheco de Carvalho Manilha, por competência própria
Secretária, Elsa de Jesus Fraga Eusébio, 2º Ajudante
Presentes: Os acima identificados, excepto os requerentes, devidamente representados.
   Iniciada a conferência, a Exma. Mandatária reafirmou o firme propósito dos seus representados se divorciarem por mútuo consentimento, confirmando que ambos foram oportunamente informados pela Conservatória do Registo Civil de Lisboa sobre a existência dos Serviços de Mediação Familiar e mantendo as declarações prestadas no requerimentro inicial.
   A Senhora Conservadora de imediato proferiu a seguinte DECISÃO:
   Os requerentes acima identificados, A e B, vieram requerer o divórcio por mútuo consentimento;
   Realizada a conferência prevista no artº 14º, nº 3º do D.L. 272/2001 de 13 de Outubro, os cônjuges mantiveram o propósito de se divorciar.
   A conservatória é competente, o processo é o próprio, as partes têm personalidade, capacidade e legitimidade;
   Não há nulidades ou questões prévias a resolver;
   Os requerentes contraíram casamento entre si em 26 de Julho de 2000, sem convenção antenupcial;
   Estão reunidos todos os pressupostos legais e foram juntos todos os documentos legalmente previstos;
   Em consequência e tendo presente o disposto nos artigos 1775º do Código Civil, 272º do Código do Registo Civil e artº 14º, nº 3º do D.L. 272/2001de 13 de Outubro, e não havendo acordos a homologar, decreto o divórcio por mútuo consentimento entre os requerentes, declarando dissolvido o casamento.
   Notifique.
   Os requerentes declararam renunciar ao prazo de recurso e/ou reclamação, como permite o estabelecido no nº 1 do artigo 681º do Código do Processo Civil, pelo que a decisão transita de imediato.
   Comunique a decisão ao assento de casamento nº 4153/2000 abaixo referenciado, nos termos do artigo 274º nº 4 do Código do Registo Civil e averbe ao assento de nascimento do requerente.
   A decisão final foi de imediato notificada à Exma. Mandatária, a quem foi entregue cópia, após o que foi declarada encerrada esta conferência.
   Para constar se lavrou a presenta acta, que depois de lida e conferida vai ser confirmada por mim, Sónia Isabel Pacheco de Carvalho Manilha, por competência própria.
   Data: 11 de Dezembro de 2009”


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IV- O Direito

1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:

“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”

Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.

Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.

Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação verificada perante o Conservador do Registo Civil de Lisboa. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio por mútuo consentimento com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.

Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.

Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.

Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e) ) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão transitou no mesmo dia (ver documento). A decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor em Portugal (DL 272/2001; também art. 1775º e 1776º do Código Civil Português) e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Civil. Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.

Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).



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V – Decidindo

Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pela Conservatória de Registo Civil de Lisboa de 11 de Dezembro de 2009 que decreta o divórcio por mútuo consentimento entre A e B nos seus precisos termos, tal como acima transcritos.

Custas pelo requerente.

TSI, Macau, 7/04/2011

_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
(Com Declaração de Voto Vencido)






Declaração de Voto
Vencido nos seguintes termos:
Não posso deixar de discordar com a decisão de maioria que admitiu o pedido de revisão e confirmação do certificado do qual consta a decisão de dissolução do casamento proferida pelo Conservador de Registo Civil em Portugal.
A admissão do pedido da revisão e confirmação da decisão em questão pressupõe necessariamente a obtenção da resposta positiva das seguintes questões:
1. Pode o Tribunal da Região, nalguns casos, confirmar uma decisão tomada pela autoridade administrativa do exterior?
2. A decisão in casu carece da revisão e confirmação do Tribunal da região?
O que nos parece é que não podemos ter a resposta positiva. É desta premissa grande que partimos.
Não está em causa o incurso na apreciação à organização judiciária do exterior da RAEM, ao contrário, por isso mesmo, estamos perante um obstáculo à revisão e confirmação que consiste na decisão proferida por uma autoridade administrativa, em conformidade com a lei do local. Esta a firmação é diferente de que se afirma: trata-se de um obstáculo à revisão que a decisão não tenha sido proferida pelo Tribunal do local – esta que obviamente não está convergente com nossa. Pois nunca podemos exigir que a decisão de divórcio por mútuo consentimento, a tomar no exterior da Região, devia ser decretada também por Tribunal, como em Macau, para o efeito de ser revista e confirmada.
A nossa lei é muito clara, o artigo 1199º do Código de Processo Civil define o âmbito e o objecto do pedido de revisão e confirmação, que deve ser uma decisão de um Tribunal (mesmo com lato sensu, incluindo v.g. a decisão arbitral) sobre direito privado.
Aqui há duas delimitações:
Uma é delimitação subjectiva, deve o Tribunal ser o autor da decisão o objecto de revisão e confirmação;
Outra é delimitação objectiva, ou seja, o objecto de revisão e confirmação deve ser uma decisão sobre o direito privado.
Daí, a lei põe ênfase na “decisão do tribunal” e a letra a lei, de modo algum, permite fazer uma interpretação extensiva no sentido de considerar que é sujeita à revisão e confirmação uma decisão de autoridade administrativa.
Pois, na interpretação da lei, não se pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso – artigo 8º nº 2 do Código Civil.
Dispõe o artigo 1200º do CPC que “[p]ara que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos: ....”.
Dispõe também o artigo 680º (Exequibilidade de decisões e outros títulos do exterior de Macau):
“1. Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau ou de acordo no domínio da cooperação judiciária, as decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo competente tribunal de Macau.
2. Não carecem de revisão nem de confirmação pelos tribunais de Macau para ser exequíveis quaisquer outros títulos exarados fora de Macau.”
Como se sabe, os Tribunais do exterior de Macau estão nos ordenamentos jurídicos distintos e autónomos, e as suas decisões não podem ter eficácias noutro ordenamento sem estarem vigorados os acordos bilaterais entre os dois ordenamentos jurídicos ou são membros de acordos multilaterais sobre o reconhecimento da decisão sobre direito privado, razão por que a lei estabelece o mecanismo de revisão e confirmação da decisão dos Tribunais do exterior de Macau para evitar que a sua decisão impunha nesta Região, e vica-versa.
Mas isto não implica de maneira alguma que a lei pretende também competir o Tribunal o poder de rever e confirmar um acto, seja qual for a natureza, praticado pelo órgão administrativo do exterior de Macau.
Na obra do Prof. Alberto dos Reis, 《Processos Especiais》(vol II pp. 139 a 204) referia-se sempre à decisão do Tribunal sujeita à revisão, considerando que “o artigo 1100º (artigo 1094º do Código de 1961 e actualmente artigo 1199º nº 1 – acrescentado nosso) declara que, sem prejuízo do que se achar estabelecido em tratados e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, terá eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.
Sendo também certo que os Acórdãos do então T.S.J.M. de 29.01.97, Proc. nº 536, de 19.11.97 e do Plenário daquele mesmo Tribunal de 25.02.98, estes, do Proc. nº 786, firmaram que “a decisão de uma autoridade administrativa que decreta o divórcio por mútuo consentimento no exercício de competência que a lei local lhe confere é equiparada a decisão judicial, para efeitos de revisão e confirmação, cabendo na letra do nº 1 do artigo 1094º do CPC”, e nos Acórdãos deste TSI de 4 de Abril de 2001 do processo nº 33/2001, de 10 de Outubro de 2002 do processo nº 105/2002 e de 11 de Julho de 2002 do processo nº 76/2002 subscreveram esse entendimento, não podemos concordar, salvo o muito respeito, com estes entendimentos, pois quanto a nós, estes acórdão omitiram-se a justificar carecem da revisão e confirmação a respectiva decisão de uma organização administrativa sobre direito privado, ou seja, partiram esta premissa efectuaram a respectiva revisão e confirmação não devida.
Mesmo no caso de divórcio decretado pelo Tribunal do exterior de Macau, se a decisão for invocada apenas como mera prova do estado civil perante os respectivos serviços da Região, não é necessária a revisão – artigo 6º nº 2 do Código do Registo Civil aprovado pelo D.L. nº 59/99/M
Isto significa que, para admitir o presente pedido de revisão e confirmação, devemos de confirmar que carece revisão e confirmação da decisão, ou seja para a revisão e confirmação da decisão em causa deve obter uma resposta positiva daquela segunda questão.
Como se sabe, em Macau, o facto de divórcio, tal como os factos de nascimento, de casamento, de óbito, de filiação etc., está sujeito ao registo nos termos do artigo 1º do Código do Registo Civil, isto, porém, só vale para os factos ocorridos em Macau.
E os actos de registo lavrados fora da Região pelas entidades competentes, respeitantes a indivíduos com residência habitual na Região podem ingressar no registo civil em face dos documentos que os comprovem, em conformidade com a lei do local onde foram emitidos e desde que não haja manifesta incompatibilidade com a ordem pública. – no 1 do artigo 5º do Código do Registo Civil.
Se os actos respeitarem a indivíduos não abrangidos pelo número anterior, o seu ingresso no registo apenas será permitido quando o requerente mostre legítimo interesse na transcrição. – nº 2 deste artigo citado.
E o artigo 6º nº 1 dispõe sobre a decisão de tribunal do exterior de Macau, prevendo que “as decisões proferidas por tribunais do exterior de Macau relativas ao estado e à capacidade civil, depois de revistas e confirmadas, são directamente registadas por meio de averbamento aos assentos a que respeitam”.
Trata-se o documento apresentado de um certificado do acto que decretou o divórcio por mútuo consentimento na Conservatória em Portugal, deve ser apenas sujeito aos dispostos no Código do Registo Civil, já não à competente revisão e confirmação do Tribunal da Região.
Não carece, pois, a revisão e confirmação do Tribunal, ainda por cima, a próprio conservador na RAEM já foi conferido o poder de decretar o divórcio por consentimento – artigo 1634° do Código Civil, tendo os mesmos efeitos das sentenças judiciais.
Se afirmássemos que, por natureza da questão em causa, há lugar à revisão e confirmação da decisão que decretou o divórcio por mútuo consentimento, não interessando o facto de ser proferido por um órgão administrativo, estaríamos a introduzir nosso juízo de valor sobre a decisão administrativa do exterior de Macau ou indevida apreciação sobre a organização administrativa do exterior de Macau.
Pelo que devia considerar não ter este Tribunal a jurisdição para a revisão e confirmação do documento juntado, e, em consequência, indeferir-se o pedido.
Eis minha declaração.
RAEM, aos 7 de Abril de 2011