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Processo n. 619/2010
Recurso jurisdicional
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Abril de 2011
Descritores: Preterição de tribunal arbitral

SUMÁRIO:

Tendo um contrato de prestação de serviços sido celebrado entre uma empresa de importação de trabalhadores não residentes e uma outra de apoio às empresas de Macau, qualquer cláusula compromissória que nele estipule convenção arbitral para decidir quaisquer litígios entre as partes, não pode vincular terceiros, designadamente os trabalhadores posteriormente contratados, no que a esta cláusula se refere.

Processo n. 619/2010



Acordam no T.S.I. da R.A.E.M.


I- Relatório


A, de nacionalidade filipina, residente no Beco do Tarrafeiro, Edifício ......, …º andar, “…”, em Macau moveu uma acção comum de trabalho contra “Guardforce (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança – Limitada”, com sede na Av. Venceslau de Morais, s/n, Edifício ……, Fase …, …º andar, “…”, Macau, pedindo o pagamento da quantia de Mop $ 253.764,50 e juros legais.

O despacho saneador (fls. 186), conhecendo de matéria exceptiva invocada pela contestante, julgou improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral e determinou o prosseguimento dos autos.

Desse despacho interpôs recurso jurisdicional a contestante “Guardforce”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

“I) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Tribunal “a quo” em 16 de Novembro de 2009, a fls. 186 a 187, que julga improcedente a alegada excepção de preterição do tribunal arbitral.
II) O Autor fundamenta a sua pretensão em alegados direitos para si decorrentes do contrato de prestação de serviços celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, no âmbito do qual foi inserida uma cláusula compromissória de atribuição de competência ao Tribunal Arbitral.
III) Da selecção da matéria de facto efectuada pelo douto Tribunal recorrido, é patente que o contrato de prestação de serviços é o “verdadeiro cerne” da presente demanda, de onde o Autor pretende retirar pretensos direitos.
IV) Em violação do princípio “res inter alia acta aliis nec nocet nec prodest”, o Autor constrói toda a sua tese em torno de um contrato de prestação de serviços do qual não é parte, sem, no entanto, se submeter a todas as suas consequências legais, como seja a submissão ao Tribunal Arbitral.
V) A admitir-se, por mero dever de patrocínio, que o Autor poderá fundamentar o seu pedido no contrato de prestação de serviços, do qual não é parte, não se poderá nunca admitir que do mesmo apenas retire o que mais lhe convém, rejeitando o restante clausulado.
VI) A aceitar-se a aplicabilidade do contrato de prestação de serviços à relação jurídica sub judice, o que não se concede, terá de se entender que todas as cláusulas dos contratos de prestação de serviços são válidas, eficazes e aplicáveis ao Autor.
VII) De acordo com a cláusula décima segunda dos referidos “contratos de prestação de serviços”, não é o Tribunal “a quo” que tem competência para apreciar a presente demanda, mas sim o Tribunal Arbitral.
VIII) Ao decidir de forma diversa, salvo o devido respeito que é muito, o Tribunal “a quo” violou o disposto no n.º 2 do artigo 31.º, no n.º 2 do artigo 33.º, no n.º 2 do artigo 412.º e na alínea a) do artigo 413.º aplicável ex vi n.º 1 do artigo 1.º do C.P.T.M.
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Em resposta ao recurso, o autor, aqui recorrido, apresentou as suas alegações, que concluiu do seguinte modo:
“1. Em primeiro lugar, ao contrário do que insistentemente afirma a Recorrente, não é verdade que o Autor, ora Recorrido, não tenha limitado na sua essência, em alegados direitos decorrentes do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
   2. Bem pelo contrário, o Autor, ora Recorrido, plasmou o seu “raciocínio jurídico” da sua “causa de pedir” em quatro pressupostos, em caso algum autonomizáveis uns dos outros: i) no conteúdo do «despacho de autorização governativa» que terá permitido à Ré a importação e posterior contratação do Autor, enquanto trabalhador não residente; ii) no conteúdo imperativo do normativo constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, enquanto diploma regulador da contratação de mão-de-obra não residente; iii) no conteúdo do «contrato de prestação de serviços» que a Ré celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., com vista à importação do Autor; iv) no conteúdo do «contrato individual de trabalho» celebrado com a Ré;
   3. Ou melhor, o que reiteradamente foi afirmado pelo Recorrido, foi antes que a Ré só poderia celebrar contratos de trabalho com trabalhadores não residentes (in casu, com o Autor), desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização», tendo por base as condições de contratação tidas por mínimas previamente aprovadas pela DSAL e constantes do «contrato de prestação de serviços» que a Ré assinou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.;
   4. Sendo que uma vez aprovadas as condições tidas como mínimas, designadamente, as constantes da al. e) do n.º 9 do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, a Ré estava obrigada a contratar o Autor (e demais trabalhadores não residentes), na medida em que as referidas condições foram previamente aprovadas ou em condições que não poderiam, em caso algum, ser inferiores a elas;
   5. Assim, não é exacto que o conteúdo do «contrato de prestação de serviços» celebrado pela Ré com uma terceira entidade constitua o “verdadeiro cerne” da presente demanda, desde logo porque o mesmo não se aplica “de forma directa” às relações de trabalho entre o Autor, aqui Recorrido e a Ré, ora Recorrente;
   6. Ao que acresce que os próprios termos da “cláusula compromissória” registam uma vontade inequívoca de dirimir, por essa via, os conflitos eventualmente surgidos entre as partes do contrato em que se insere, sendo que da mesma “cláusula compromissória” não se vislumbra uma qualquer referência à possibilidade de designação de árbitros por terceiros (in casu, pelo Autor), omissão essa que seria sempre insuprível, por ser indeterminável a vontade das partes quanto a este ponto;
   7. Por outro lado, a “cláusula compromissória” ao estipular que os litígios devem ser decididos segundo a equidade conduz à pura e simples ablação do direito de acção inscrito no n.º 2 do artigo 1.º do Código de Processo Civil, já que - na ausência de um seu representante e perante a desnecessidade de julgar segundo as leis - tal acção jamais seria «adequada» a reparar a violação dos direitos do Autor, ora Recorrente;
   8. E, assim, em caso algum, o referido «contrato de prestação de serviços» poderia de per si ser “fonte directa” dos direitos invocados pelo Autor, razão pela qual, não sendo o Recorrido parte do mesmo em caso algum a cláusula respeitante à “arbitragem” daquele constante se poderá aplicar de forma directa ao mesmo;
   Subsidiariamente, mesmo que assim se não entenda, sempre se dirá que:
   9. Caso se aceite que o Recorrido fundamentou o seu pedido no “contrato de prestação de serviços” celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda., tal não implica que o mesmo tenha de aceitar todo o clausulado constante do “contrato de prestação de serviços”, como que confirmando tudo o que nele consta;
   10. Aliás, enquanto terceiro, o Recorrido poderia ter aceite um determinado direito e rejeitado outro, pois do referido contrato nada resulta que o mesmo estivesse dependente da aceitação da “cláusula compromissória”.
   11. Sublinhe-se, ainda, que as condições de trabalho em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, in casu o Recorrido, constam do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, sendo que do mesmo Despacho nada se dispõe a respeito de a Recorrente ser obrigada a contratar o Recorrido com uma “cláusula de arbitragem”;
   12. Isto mesmo tem sido, aliás, doutamente sublinhado pelo Tribunal de Segunda Instância da RAEM, entre outros, nos Acórdãos relativos aos Processos n.º 739/2009 e 749/2009 (relator Dr. João Gil de Oliveira), Processo n.º 1027/2009 (relator Dr. Fong Man Chong) e, bem assim, o Processo n.º 916/2009 (relator Dr. Dias Azedo);
   13. De onde, correctamente, o Tribunal a quo julgou improcedente a excepção de preterição do Tribunal Arbitral tal qual invocada pela Recorrente.
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Cumpre decidir
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II- Os Factos
1. “Guardforce”, aqui recorrente e ré na acção, é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, transporte de valores, entre outros.
2- A recorrente tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de guarda de segurança, supervisor de guarda de segurança, guarda sénior, entre outros.
3- A recorrente celebrou com a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda” os contratos de prestação de serviços n. 9/92, em 29 de Junho de 1992, n. 6/93, em 1 de Março de 1993, 2/94, em 3 de Janeiro de 1994, n. 29/94, em 11 de Maio de 1994, n. 45/94, de 27 de Dezembro de 1994.
4- Ao abrigo de um desses contratos de prestação de serviços o autor, ora recorrido, foi recrutado pela sociedade referida em 3 supra e, posteriormente, iniciou a sua prestação de trabalho para a recorrente.
5- O contrato cessou em 31 de Maio de 2008, tendo posteriormente o recorrido movido a presente acção contra a ora recorrente reclamando o pagamento de MOP$ 239.360,75.
6- Após contestação, o Ex.mo Juiz da 1ª instância proferiu despacho saneador, no qual, concretamente sobre a excepção de preterição do tribunal arbitral, decidiu o seguinte:
   “Na contestação apresentada pela R., veio esta arguir a excepção da preterição do tribunal arbitral.
Para o efeito, tal como o fez em relação ao pedido de intervenção provocada já indeferido a fls. 181 a 182, foi alegado pela R. que o único e verdadeiro fundamento dos pedidos do A. era o contrato de prestação de serviços celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda. ao abrigo do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, em que as respectivas partes tinham acordado submeter quaisquer litígios ou questões emergentes da execução desse contrato à arbitragem.
Notificado o A., este veio opor-se ao pedido alegando designadamente que nunca baseou os seus pedidos no contrato de prestação de serviços celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda de que esta não é parte.
Tudo visto, cumpre decidir.
Como foi já referido no despacho de fls 181 a 182, contrariamente ao defendido pela R., os pedidos do A. não se fundam no contrato de prestação de serviços em que aquela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda são partes.
   Com efeito, o A. alegou claramente que os seus direitos decorriam do contrato de trabalho celebrado entre ele e a R. (cfr. artº 13º da p.i.) apesar de para a celebração desse contrato de trabalho e por imposição legal, a R. teve que recorrer aos serviços da Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda com quem celebrou o alegado contrato de prestação de serviços, por o A. não ser residente de Macau (cfr. artºs 2º a 8º da p.i.).
   Nem se diga foi o próprio A. que fez referência a esse contrato de prestação de serviços. É que, esse contrato foi invocado pelo A. para fundamentar o seu entendimento de que os termos da relação de trabalho são os indicados no contrato de prestação de serviços e não os que vinham sendo praticados pela R. visto que a celebração do contrato de trabalho entre o A. e a R. foi apenas deferido pelas autoridades administrativas de Macau porque a R., através do contrato de prestação de serviços, declarou que os termos do contrato de trabalho seriam os indicados neste mesmo contrato de prestação de serviços.
Portanto, o que defende o A. é a aplicabilidade ao seu caso de parte contrato de prestação de serviços, mais precisamente a parte respeitante às condições de contratação do A.. Quanto ao resto é res inter alia dizendo apenas respeito à R. e à Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
Pela análise do contrato de prestação de serviços acima referido, junto a fls 158 a 163, verifica-se que efectivamente é esse o caso. Pois, a convenção de arbitragem, tal como acontecem com as cláusulas 2, 9 e 11, regula apenas os direitos e obrigações da R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda não dizendo respeito nenhum ao A..
Na verdade, deve-se distinguir o contrato de trabalho celebrado entre o A. e a R. que é o fundamento dos direitos peticionados por aquele e o contrato de prestação de serviços celebrado entre a R. e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda do qual não decorre para o A. nenhuma obrigação de submissão do presente litígio à arbitragem.
Com efeito, nos termos do artº 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 29/96/M, de 11 de Junho, “Convenção de arbitragem pela qual as partes de um litígio confiam a respectiva solução a um ou vários árbitros podem ...”
Desse preceito vê-se que a existência da obrigação de se submeter qualquer litígio ao tribunal arbitral depende do consentimento do próprio devedor. Ora, das circunstâncias acima descritas, não se vê qualquer auto vinculação por parte do A. no sentido de se vincular àquela cláusula.
Assim, nada resta senão julgar improcedente a excepção arguida”.
7- No contrato de prestação de serviços celebrado entre “Guardforce” e “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda” consta a seguinte cláusula 12ª: “quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade”.

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III- O Direito

Pretende-se no presente recurso saber se o pedido indemnizatório formulado pelo aqui recorrido pode ser discutido no âmbito da acção que contra a recorrente foi movida no TJB da RAEM, isto é, se para a sua apreciação dispõe o tribunal de competência, face ao disposto no art. 30º do CPC de Macau1, ou se, face à convenção de arbitragem incluída na cláusula 12ª do Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre “Guardforce” e a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada”, deveria o litígio ter sido submetido à decisão de uma “comissão arbitral”.
Ora, esta não é questão virgem. Com efeito, ela foi já objecto de ajuizamento, por exemplo, nos processos deste TSI números 739/2009, 749/2009, 841/2009,1027/2009 e 916/2009.
Com a devida vénia, a propósito de situação em tudo igual à que ora nos ocupa, transcrevamos o que diz o Ac. de 10/12, no Processo n. 749/2009:

“É inegável que como fundamento do seu pedido, alegou o A. o “contrato de prestação de serviços” que a R. celebrou com a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.”, no qual consta a “cláusula 12.ª”, com base na qual invoca a R. a excepção de preterição do tribunal arbitral aqui em apreciação.
Porém, há que distinguir o seguinte:
Uma coisa é ter ou não o A. razão no que pede, em virtude das alegadas obrigações que a R. assumiu perante a dita “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.”, outra, é a “oposição” que a R. faz ao pedido do A. com base na dita preterição do Tribunal arbitral.
De facto, se o pedido do A. deve ou não proceder, é questão que oportunamente se verá. (…)
(…) o facto de invocar o A. o referido contrato entre a R. e a mencionada empresa “Sociedade...”, não implica que aceite o A. todo o seu clausulado, como que “confirmando” tudo o que nele consta.
(…) De facto, sendo a “convenção arbitral”, no caso, “cláusula compromissória”, um “negócio jurídico bilateral”, (desde sempre) definido como “acordo de regulamentação coordenada de interesses contrapostos” – cfr., C. Mendes, in “Direito Civil, Teoria Geral”, III, pág. 723 – nele havendo duas (ou mais) declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se à comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte, havendo, assim, “uma oferta ou proposta e uma aceitação” – cfr., M. Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 387 – inviável se nos mostra outro entendimento, pois que, como também já se entendeu, “para que haja preterição do tribunal arbitral é necessário que da interpretação da cláusula contratual resulte que as partes quiseram submeter à decisão de um árbitro o litígio em causa” –cfr., Ac. do R.P. de 14.10.94, Proc. n° 9530929) (…)
No mesmo sentido, em situação equivalente e mais recentemente, consignou-se também no Ac. do S.T.J. de 27.11.2008, Proc. n° 08B3522, que “Não é oponível ao trabalhado/autor (terceiro) a cláusula compromissória incluída em contrato de seguro celebrado entre uma determinada seguradora (promitente) e a entidade empregadora do autor (promissária), em benefício dos seus trabalhadores”, já que, “partes no contrato são apenas o promitente e o promissário”.

Neste mesmo TSI foi dito ainda, noutra ocasião, o seguinte:

“As condições de trabalho em que devem ser contratados os trabalhadores não residentes, constam do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
Se o «despacho da autoridade administrativa» apenas vincula a Administração e a Ré e se o «contrato de prestação de serviços» apenas vincula a Ré e a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, então o trabalhador é alheio quer ao despacho, quer ao contrato e deles não se pode prevalecer – a não ser que para benefício ou direito instituído a seu favor - nem por eles pode ser obrigado – nomeadamente a recorrer ao tribunal arbitral.
O «despacho de autorização administrativa» não obriga a ré a contratar com "convenção de arbitragem", uma vez que se reporta apenas às condições de trabalho, nelas se não podendo incluir a obrigatoriedade de solucionar os conflitos através do recurso ao tribunal arbitral.
Nos termos da alínea c) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro:
“(...)
3.º A autorização implica a sujeição da requerente a obrigações específicas determinadas, determinadamente, as seguintes (...).
Tal Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro toma de forma clara e expressa uma natureza assumidamente normativa e de cariz imperativo na medida em que nele se fixa urna disciplina substantiva e processual com vista à contratação, por empregadores de Macau, de trabalhadores não residentes (trabalhadores estes que estão excluídos do Regime Geral das Relações Laborais apenas aplicável aos os trabalhadores residentes – DL 24/89/M, de 3 de Abril e LRT) obrigando a uma contratação em condições mínimas acordadas com a empresa prestadora de serviços (in casu, a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.).
Acresce que nem todo o clausulado incluído no «contrato de trabalho» celebrado entre a Ré e o Autor, ora Recorrente, se acha previsto no «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda.
Nos termos do n.º 2 do art. 29º do Código de Processo Civil, - hoje, em assento próprio, artigo 2º, nº 1 da Lei 29/96/M, de 11 de Junho - a validade de uma "cláusula compromissória" só se mostra válida se disser respeito a litígio sobre direitos disponíveis.
Donde se realçar o facto de a relação controvertida submetida a juízo respeitar a matérias indisponíveis, subtraídas a convenção arbitral, excluídas de uma solução baseada em critérios de equidade, antes pelo contrário, a critérios de legalidade estrita.
(…) Configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação" Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nada resulta do contrato que o direito eventualmente estabelecido a favor do terceiro, neste caso o trabalhador, esteja dependente da aceitação daquela cláusula compromissória.
Reafirma-se que o conteúdo do «contrato de prestação de serviços» celebrado entre a Ré e a entidade fornecedora de mão-de-obra não é fonte directa dos direitos invocados pelo Autor, ora Recorrente, tão-somente parcialmente mediata, importando não esquecer o contrato de trabalho directamente celebrado entre o empregador e o trabalhador, sendo que aquele contrato podia nem sequer ser do conhecimento do trabalhador enquanto durou a relação laboral fonte das obrigações questionadas” (Ac. de 21/01/2010, Proc. n. 841/2009).

São arestos com os quais concordamos em absoluto e cujo conteúdo aqui, respeitosamente, fazemos nosso. Não são, aliás, os únicos. Na verdade, também nos processos números 739/2009, 916/2009 (ambos decididos por acórdão de 15/12/2009) se chegou a igual conclusão.

É jurisprudência que aponta a boa solução, com a qual se conforma, aliás, o despacho impugnado.

Em reforço desta tese, um só elemento acrescentaríamos, resultante, aliás, de expressão literal, tão simples, quanto cristalina, contida na própria cláusula 12ª. Com efeito, nela se diz que “quaisquer litígios ou questões emergentes da sua execução, serão decididos por uma comissão arbitral, composta por 3 membros, sendo dois escolhidos por cada uma das partes e o 3º designado pelos árbitros de parte, a qual decidirá de acordo com a equidade” (negrito nosso). Ora, como admitir que esta cláusula vincule um terceiro, se a própria composição da comissão arbitral só poderia resultar da escolha de cada uma das partes! Então não se vê que, em virtude de não ter sido interveniente no contrato de prestação de serviço, o ora recorrido nunca podia escolher o seu árbitro?! A circunstância de o autor na acção pretender extrair efeitos daquele contrato não é senão uma forma de a si estender o seu alcance material, isto é, de aproveitar as vantagens substantivas nele estabelecidas. Saber se tal é razoável ou legal é questão diferente que a seu tempo há-de ser discutida. Mas o que por ora está em causa é saber se uma cláusula compromissória como aquela, de efeitos adjectivos, pode vincular quem não a subscreveu. E nós, tal como os citados arestos, achamos que não (neste mesmo sentido, ainda o Ac. do TSI de 15/12/2009, Proc. n. 1027/2009).

Eis a razão pela qual, nada mais havendo a discutir, se consideram improcedentes as conclusões do recurso.


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IV- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido que julgou competente o Tribunal Judicial de Base para o prosseguimento da acção.
Custas pela recorrente.

TSI, 14 / 04 / 2011.


José Cândido de Pinho
(Relator)


Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)


Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 A consequência seria, para a resposta negativa, a absolvição da instância, nos termos dos arts. 413º, al. a) e 414º do CPCM, segundo a posição que a considera excepção dilatória
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